domingo, 30 de março de 2014

Minha desiderata


Autor: Carlos Costa

Sou apenas um passageiro do tempo: estou aqui, mas já me vou.
E o que levarei...? 
DEUS dentro do coração, em meu modo de compreendê-lo, muitas vezes de forma torta; lembranças e recordações prazerosas dos verdadeiros e leais amigos que fiz e que deixarei pelos caminhos da vida. Ou como os jornalistas Carlos, de A Crítica, e Sebastião Raposo e os assistentes sociais Nilo Tavares Coutinho, das lojas Bemol e Edson de Aguiar Rosas, também de carreira jurídica, que se foram sem me avisar que estavam partindo e nem mais poderei avisá-los de minha partida (se é que podem existir lembranças para onde partirei só de ida!), além dos bons e os vários momentos felizes que vivi profundamente em diversas fazes de minha vida. 
Os momentos tristes e desesperados que vivi, na justa medida, também vivi mais esses quero esquecê-los a todos porque me foram tristes demais!
Levarei também – e mais ainda, a certeza de que a vida é passageira!
Levarei como apoio em minha cabeça, agradáveis livros de crônica de Vinicius, Drumond, Neruda, Rubens Braga, Cecília Meirelles e todos os outros que poderem ser colocados para apoiar minha cabeça inerte e sem qualquer pensamento dentro do ataúde no qual serei colocado. Quem sabe poderei lê-los, ainda?
Estou aqui, mas tenho total consciência da minha condição de ser apenas passageiro de um trem que se chama vida! 
Partirei, estou e serei agradecido a Deus porque meu “trem da vida” permanece, ainda, nos trilhos e segue um caminho tranquilo e de forma perfeita, só com alguns sustos vez ou outra, mas isso faz parte da vida que levo agora!
Levarei também da vida que vivi e minhas realizações. À história deixarei alguns mistérios a serem desvendados, os escritos que  produzi freneticamente, ora de forma terna, ora de forma revoltada, ora entrando dentro de meu túnel do tempo particular! Livros que escrevi, romances conclusos e inconclusos para alguém, se desejar, terminá-los. Mas acho que essa tarefa nunca será realizada porque é difícil a um escritor entrar na mente de outro...como eu, confuso, delirante, amoroso, terno e muitas vezes revoltado com  as injustiças sociais da vida!
Partirei sem levar qualquer saudade de minha vida, pois a vivi de forma plena e perfeita! Estou aqui só de passagem, ocupando um corpo; não somos nada, já disse; somos apenas mais um ser vivente!
Se produzi mágoas pelo caminho, se causei discórdias, se ofendi alguém, todos me desculpem. Não tive essa intenção e nem foi esse meu desejo! Se deixei de namorar alguém que desejei, o fiz de forma involuntária também. Às que namorei e abandonei, deixo meu pedido de perdão, se lhes produzi dissabores!
Sei que só Deus pode perdoar, mas meu arrependimento já é um bom começo!
Apenas tenho certeza disso: casei com a mulher que também amei...que me acompanhou em momentos difíceis e serei sempre grato por isso. Eu a magoei algumas vezes – estou certo disso, mas só porque outros amores apareceram que pensei serem melhores, mas vi que não eram. Minha mulher de verdade, guerreira, amiga, companheira sempre fora minha esposa Yara.
Tenho consciência que não fui o melhor homem do mundo; também não fui dos piores...tenho certeza! Na comparação, fiquei dentro da média de razoável para bom.
Nada levarei dessa vida: bens materiais, dinheiro, riqueza que nunca tive. Descerei à cova sem nada, só com a roupa do corpo, se é que haverá alguém interessado em vesti-la em meu corpo inerte.
Aos filhos, deixarei meu exemplo: estudo, dignidade, respeito a todos, determinação, coragem para superar obstáculos! Só assim se passa de um estágio ao outro da vida social! Mas todos ficarão bem, seguindo meu exemplo! Nada mais deixarei, exceto meu profundo amor pela vida que me foi amarga e meu total silêncio sepulcral! 




Autor: Carlos Costa - Manaus/AM

Publicação autorizada pelo autor através de e-mail.

Livro: Gandavos - Encantadores de Histórias


Depois de alguns meses de espera, chegou finalmente nosso livro: “Gandavos - Encantadores de Histórias.” O livro surgiu como recompensa aos esforços de vários autores, que a partir de uma ideia pintaram sobre escombros, histórias girando na mesma órbita de um lugarejo abandonado, no Sertão pernambucano. Informo que em breve, os livros serão enviados aos respectivos autores que participaram desta edição. Para que os leitores tenham a oportunidade de adquirir o livro autografado, basta se dirigir a qualquer um dos autores através das suas páginas ou endereços de contato.
Obrigado aos autores pela confiança.
Uma boa leitura a todos.
Carlos A Lopes

Blog Gandavos

terça-feira, 25 de março de 2014

De sabores e pessoas inesquesíveis

Autora: Conceição Gomes

Primeiro Tia Mariínha... Era baixinha, magra. Usava na cabeça algo parecido com um turbante. Era mãe da minha mãe de leite. Mãe de leite era uma amiga que alimentava uma criança recém nascida, quando a mãe  natural não tinha leite suficiente.A minha chama-se Gaída.Mas voltemos à tia  Mariínha. De vez em quando ela aparecia na Vila de Irituia, onde meus pais tinham uma casa. Era uma festa para a criançada...Ela fazia  mingaus deliciosos, de milho branco, de arroz e de farinha de tapioca, tudo com  muito leite de coco  e castanha do Pará. Armava sua mesinha num cantinho da “praça”, um fogareiro á carvão, cuias de vários tamanhos e vendia suas delicias. Não havia quem não fosse tomar os mingaus de Tia Mariínha.
Outros personagens  adorados pela criançada eram Seu Chico Cocada  e Seu Chico Broeiro. As cocadas de Seu Chico eram divinamente saborosas. Até hoje não lembro de ter comido outra igual.As broas de polvilho com erva doce do Seu Chico Broeiro  eram  um maná dos deuses. Tanto um como outro saiam para vender as guloseimas no final da tarde. Por diversas vezes tentei fazer cocadas, mas nunca tive talento para as artes culinárias. Meu mingau de arroz este sim, é uma delicia.  Leva leite de coco, creme de leite e leite condensado mas como é super  calórico, só muito, mas muito de vez em quando...
Da comadre  Lina lembro da carne de porco preparada na panela de barro e no fogão á lenha. Com arroz  e farofa de toucinho frito, era por demais da conta de gostoso. E o mingau de farinha dágua  e leite de cabra com ovos quebrados dentro e levemente cozidos? Muitas vezes era o nosso  café  da manhã  feito carinhosamente pelo nosso pai.Era substancioso...
Da minha sogra lembro do saboroso bife que ela fazia. Por mais que eu tente, não consigo fazer igual. A sopa de siri, então, era deliciosa. Da minha irmã Anabela, já falecida,  a salada de berinjela.
Interessante como esses sabores ficam gravados na nossa memória gustativa. Tanto tempo é  passado  mas ainda vem na saudade, aquelas tardes em que nos deliciávamos com   saudáveis guloseimas caseiras  dos Chicos. Outros sabores ficaram gravados e de vez em quando eles vem á tona para lembrar das pessoas que nos  proporcionaram momentos  de gostosura alimentícia.


Autora: Conceição Gomes - Curitiba/PR

Página da autora:
http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=54344

quinta-feira, 20 de março de 2014

Vida e morte! (especialmente para o amigo Carlos Lopes, do Blog Gandavos)

Autor: Carlos Costa

Para o amigo Carlos Lopes, pelo falecimento de seu pai.


Também conheci seu pai, o Zé das Máquinas. Não como eu gostaria de tê-lo conhecido porque passei em seu Estado, Pernambuco, mas ele já estava internado e você, amigo e companheiro, cuidando dele. Como bom filho, você deu de presente, o livro com as memórias dele, ainda em vida, no dia de seu aniversário. Eu, modestamente, tive o orgulho de prefaciá-lo.

Nas entrelinhas de sua obra “A saga de um Pedro – amor e luta traçando destinos”, observei cuidadosamente o grande amor com a qual descrevia as memórias de seu José dos Santos Gonçalves, conhecido como “Zé das Máquinas".

Mesmo abalado e talvez inconsolável pela perda de seu pai, quero que você compreenda que na vida um sol tem que morrer porque um outro em seu lugar, precisa brilhar também.  Não quero dizer que o amigo não tenha alcançado brilho próprio!

Tudo bem que pode parecer simplória  minha definição da lei natural de vida e morte.

Mas é assim que tem que ser, queiramos ou não. Ninguém poderá mudar essa realidade. Podemos, no máximo, nos preparar para recebê-la, como venho fazendo há 7 anos. Mas, confesso amigo, nem eu mesmo sei se estarei preparado e seguir junto do criador de todas as coisas! Acho que não estarei e meus amigos com certeza lamentarão minha partida. De certo dirão que parti tão jovem ainda, como é comum acontecer; ou dirão que teria o direito de viver um pouco mais. Mas DEUS me deu 11 chances de viver entre vocês, me permitiu viver ainda de forma produtiva e relativamente feliz porque ninguém pode se dizer feliz vivendo sempre dopado por remédios diários.

A vida é dual, sempre foi. Para que exista a morte, é porque em algum momento existiu vida, se não a morte do que não teria sido gerada como também não poderia ser explicada.

Receba meu abraço fraterno, amigo, Carlos Lopes, de uma pessoa que conheceu seu pai pelas suas descrições e pelo prazer que tive de apresentar sua magnífica obra “A saga de um Pedro – amor e luta traçando destinos”.

Despeço-me com carinho do companheiro que me resgatou do fundo do poço de meu próprio desconhecimento e me fez o que sou hoje: ainda nada!


Autor: Carlos Costa - Manaus/AM

Publicação autorizada pelo autor através de e-mail.

A televisão - Autor: Eduardo Costta

Lá estava a televisão. Um modelo antigo, mas ainda funcionava. Talvez os ladrões a tivessem esquecido, mas nada disso, levaram tudo e a deixaram no chão da sala. Que tinha de mais naquela televisão? Era boa, imagem "assistível", além de poder conectar um VHS, DVD era muito moderno para ela.

Levaram o rádio, levaram a geladeira, levaram o computador, mas deixaram a tv. Foi lá que seu avô tinha visto o primeiro beijo em uma novela, a visita do homem à Lua, também onde  tinha assistido a final da Copa de 98, o final do Roque Santeiro e da Odete Roitman. Mesmo em preto e branco, foi nesse aparelho que choraram a morte do Senna, o ataque às Torres Gêmeas e a morte do rei do pop. Tanta história, tantas gerações e os ladrões não viram o valor que ela tinha. Apenas a deixaram ali no chão entre poeira e soalho.

Foi presente de pai para filho, de avô para neto. Tinha algo de valor. Ela, por mais que não registrasse nada, presenciou a familia crescer, ver os filhos dos filhos dos filhos. "Essa televisão nunca vai sair daqui", esse era o lema da família. Dito e feito.

Foi a primeira a chegar no povoado. Todos se reuniam às noites para assistir qualquer coisa que passasse. Só o prazer de vê-la já emocionava. Quando terminava, todos iam para suas casas comentando o que assistiram e a televisão era guardada a sete chaves. Agora, ali, recusada pelos ladrões.

"Fazer o quê? Se nem eles querem algo de tamanho valor, o que farei com isso?"

Juntou a enorme caixa de madeira e colocou na frente da casa, à espera de alguém passar e recolher décadas e décadas de história.

Autor: Eduardo Costta - Curitiba/PR
Na foto, o autor com Luis Fernando Veríssimo
Publicação autorizada por escrito pelo autor da obra

Quando havia quintais - Autor: Dilermando Cardoso

As frutas nos seduzem através dos sentidos. Suas cores, cheiros, sabores, formas... são irresistíveis! A mais famosa de todas é a maçã, que o Demônio usou para convencer Eva a pecar; dando força, Adão embarcou junto. O papo-furado de padre perguntar na hora do casamento se é “na alegria e na tristeza”, veio daí. Reclamam alguns, porque neste vale de lágrimas ainda pagamos as consequências do pecado original; outros dão vivas, pois usufruimos vantagens da situação: caso contrário estaríamos confinados no Paraíso. Não é por nada, não – mas a ideia de passar a vida cantando hinos sacros e fazendo preces, não faz muito minha cabeça. E se foi pecado, foi doce e saboroso! Pela contramão vai-se à mal afamada Casa do Capeta, onde a gandaia é liberada... conquanto no recinto faça um calorão dos infernos!

Precisava ser alguém muito bobinha para acreditar naquela conversa fiada, sobretudo vinda de uma cobra! Porém, dê-se o desconto: Eva era apenas uma adolescente curiosa e, desconfiam muitos... loiríssima! Haverá programa melhor para os marmanjos, numa tarde de verão, que saborear cervejas geladas e por tira-gosto curtir a paisagem maravilhosa duma beira de piscina, povoada de evinhas com biquínis minúsculos? Portanto...

Voltando às frutas (vegetais, claro!), de que falava ao me embrenhar por atalhos que realçam minha cretinice, não existe fórmula para resistir a elas. É impossível esquecer o cheiro da cagaita. Ignorar a doçura da mangaba. Nem se cogita algum prazer que supere ao de chupar jabuticaba, madurinha, trepado no pé. E abacaxi? Por fora espinhento, assustando os medíocres; descascado, em fatias, recorda o mel do primeiro amor... É pena que hoje não se conheçam mais as frutas do cerrado: araticum, bacupari, gabiroba, jatobá, mama-cadela, pequi...

Do que me recordo, apenas de uma nunca fiz questão em comer: a tal jaca! Recoberta de espinhos falsos, furta-cor, obesa, fedorenta... regula com melancia-gigante e fica dependurada pelo talo, lá em cima, no pé. Caso despenque na cabeça do infeliz, certo como dois e dois não somam três, a viúva mete a mão na grana do seguro de vida – sirigaitando com namorado novo!

Pela variedade das frutas, dois quintais em Bom Despacho nunca serão esquecidos por mim: o da sinhá Mariazinha, no Jardim-sem-flor, medindo um quarteirão inteiro - semelhava o próprio Éden! Com outros moleques fiz ali deliciosas colheitas. Certa noitinha, em que lá apanhávamos mangas, tentando identificar os larápios para denunciar aos respectivos pais, a dona Maria apareceu empunhando uma lamparina. Lusco-fusco, vista fraca, foi em vão. Daí, pegando um bambu comprido, ela começou a chuchar a bunda de quem estava mais embaixo. Não demorou nada, o Pacau arrancou pela braguilha seu instrumento de mijar, e apagou a luz. E nós meninos escafedemos, quintal abaixo, incógnitos pelo menos até a próxima safra!

Outro pedaço do céu na terra, que visitei às escondidas, foi o pomar da Joanita do Babau, próximo ao Larguinho, onde hoje crescem - mas não florescem e nem dão frutos - eifícios e condomínios! A vida em apartamento é tediosa: sem quintal, pés de frutas, terra pra sujar... Contudo, em tempos não muito remotos, localizou-se na dita quadra uma das sete maravilhas bom-despachenses, devido a excelência das frutas! A dona Joanita não precisava cutucar intrusos: seu pomar era vigiado por um cachorrão que metia medo até dormindo... Porém não bastante para impedir que ali fizéssemos incursões oportunas, roubando gostosuras. É que antes, calculadamente, alguém da turma passava no Açougue do Peké, surripiando ossos e muxiba de carne de gado, para a fera!




Autor: Dilermando Cardoso - Bom Desapcho/MG

http://recantodasletras.com.br/autor.php?id=73941
Publicação autorizada através de e-mail de 18/05/2012

Sujeito azarado - Autor: Roberto Rêgo

O Paulão é o que se pode chamar de um cara azarado. Tal e qual o seu xará da “Grande Família”, interpretado pelo fenomenal Evandro Mesquita no episódio de ontem (02/9) mostrado na “TV”, o Paulão é fechado. Dá tudo errado com ele, essa é que é a grande verdade.

Senão, vejamos, quando ele nasceu não havia ainda exame de ultrasonografia gestacional, de forma que seus pais compraram todo o enxoval em cor de rosa, pois esperavam ansiosamente uma menina. Nasceu um moleque taludo, de saco roxo e tudo o mais, forte que nem um touro. Os pobres pais tiveram que comprar um novo enxoval, agora em cor azul, dobrando, pois as despesas com o recém nascido.

Por volta dos dez anos, o Paulão se preparou para a primeira comunhão, freqüentando a catequese na igreja matriz de Nossa Senhora do Rosário, em Santana de Pirapama, cidade vizinha a Cordisburgo, terra do famoso escritor mineiro Guimarães Rosa. No dia da missa de sua comunhão, o padre Isaías veio botando a hóstia consagrada na boca da meninada toda e, justo na hora do Paulão comungar, o último da fila, acabaram-se as hóstias! ...

Quando adolescente, na fase dos namoricos e das primeiras descobertas no terreno amoroso, Paulão se tomou de amores pela Dadinha, morena sacudida de Santana do Pirapama. A morena lhe dava bola e ele, tímido e nervoso, tinha dificuldades em se aproximar da moça e engatar o namoro, no que foi ajudado pelo amigo Tonico, figurinha difícil no lugar. Pois na primeira vez que o Paulão conseguiu entrar na casa da Dadinha, sendo apresentado aos seus pais, ele foi namorar na sala, todo nervoso. Dona Joana, a sogra, foi pra cozinha preparar um café e o “Seu” Geraldo, o sogro, foi até o banheiro esvaziar a bexiga.

Foi aí que o Paulão cismou de lascar um beijo na Dadinha, ela endureceu o jogo, esquivou-se, o moço puxa daqui, a moça escorrega dali e quando o rapaz passou o braço na sua cintura e puxou-a de encontro ao peito seu sistema nervoso não agüentou a pressão e o intestino deu sinal de fraqueza, liberando um “pum” daqueles fedorentos, avisando que já vinha sujeira. Foi a “caganeira” que mandou ao “pum” dizer: “-Vai na frente buzinando,  que eu estou sem freio! ...”

O resultado foi que o Paulão largou a Dadinha e despinguelou de volta pra sua casa, mas não chegou à metade do caminho, aliviando-se nas calças ali mesmo na praça e se  emporcalhando todo. O pior foi que, depois disso,  o  Tonico tomou  seu lugar no coração da Dadinha.

Finalmente, aos trinta e três anos, homem feito, o Paulão casou-se com moça distinta de Sete Lagoas, a Soraya. Pois bem, foram pro Guarujá em lua de mel e levaram os pais da moça, “Seu” Juvenal e Dona Marieta, não sei pra quê. Mas levaram. Na manhã seguinte à primeira noite de núpcias, o Paulão saiu com o sogro, “Seu” Juvenal, logo após o café da manhã, pra  pescar logo ali na  Praia  da Enseada, defronte  ao hotel.

O sogrão preparou seu molinete, adiantou-se e foi jogar o anzol. O Carlão, um pouco mais atrás, preparava a sua isca e quando “Seu” Juvenal fez o movimento com a vara para trás, a fim de lançar bem longe seu anzol, o dito cujo pegou justo na beiçola do Paulão, arrancando-lhe um bom pedaço, gritos de dor e desespero.

Correria, sangue, Pronto Socorro  e adeus lua de mel à beira mar! ...          

Autor: Roberto Rêgo – Belo Horizonte/MG
Publicação autorizada pelo autor através de e-mail.

30 anos sem meu pai. A história de uma ausência

Há 30 anos - 24/05/1982 - falecia o Professor Francisco Wanderley Dantas, meu pai. Minhas lembranças daquela distante manhã são marcantes. Era véspera do meu aniversário de 9 anos. Meu pai falecia 5 dias antes da comemoração da data natalícia daquele rapazinho que tão pouco o conhecera. Ele viajava muito e minha mãe, Leila Dantas, foi quem assumiu a maior parte da responsabilidade sobre a minha criação. Eu era o único filho e caçula, acompanhado de duas irmãs, Jeanine e Viviane.

Três ou quatro lembranças muito fortes acompanham-me até os dias de hoje: a primeira e mais antiga, eu chegando em casa da escola, ouvindo minha mãe dizer que meu pai já chegara de uma de suas viagens e que estava no quarto. Corri para lá, menino pequenino, mochila nas costas e uma lancheira de lata numa das mãos. Chegando no quarto, meu pai estava sentado na velha poltrona e me coloquei bem na frente dele. Larguei a lancheira e deixei cair a mochila no chão, pulando bem em seus braços que já se encontravam abertos para me receber. A segunda lembrança foi resultado de uma provocação que fiz, desdenhando-o bem na frente dele. Isso o tirou do sério e ele saiu correndo atrás de mim com o cinto já em sua mão. Entrei debaixo da cama, mas de nada adiantou me jogar de um lado para o outro, a surra veio certeira (e merecida!). A terceira foi quando, depois de uma discussão entre meu pai e minha mãe, esta me pediu que fosse até o quarto ficar com papai. Aproximei-me da cama bem devagarzinho, recostei-me sobre seu peito e fui abraçado por ele. Quando ergui a cabeça, vi uma lágrima que descia pelo rosto do meu pai; enfim, outra cena marcante daquela infância foi quando meu pai pediu que o porteiro do prédio enchesse o pneu da minha bicicleta caloi verde. Estava feliz com aquele presente, mas quando vi o porteiro vindo sentado e pedalando na bicicleta, quase que deixo transparecer toda minha ira infantil e egoísta.

Há outras lembranças, contudo nenhuma imagem está tão fortemente marcada como a daquela manhã. Jeanine entrando e saindo do meu quarto, abri os olhos e, pela janela, lembro que me chamou a atenção as nuvens baixas e carregadas que pareciam quase tocar na janela daquele apartamento, sexto andar, no bloco em que morávamos em Brasília. Fechei novamente os olhos e dormi. Mas Jeanine, repentinamente, segurou-me nos braços e deu a notícia: “Fábio, Fábio, acorda... Papai morreu! Papai morreu!”, dizia aos prantos, enquanto me abraçava.

Há 30 anos meu pai faleceu. Hoje, começo um blog que vai trazer algumas histórias sobre ele, o Acre, minha família. Um resgate histórico, uma homenagem ao meu pai, que sempre fora o desejo de Viviane realizar, mas que a morte precoce impediu-lhe o empreendimento. A autoria “Prof. Wanderley Dantas" é também uma homenagem a ele, mas também representa um outro lado meu, uma perspectiva diferente sobre a minha própria vida, os meus pensamentos e a história do meu país.

Enfim, meu pai, sua história, sua trajetória, suas polêmicas e sua vida ocuparão a página deste blog chamada “A terra”. Porque assim vejo meu pai – terra: o imenso latifúndio de uma terra distante – Acre. Um Brasil que não testemunhei, mas que espero resgatar pela pesquisa e pelo testemunho dos sobreviventes daquele tempo. Inauguro, portanto, o Blog "O Seringueiro" prestando a homenagem aos 30 anos de ausência do meu pai. A história começa!

Foto: Meu pai é o quinto da esquerda para a direita (Fonte: Tarauacá Notícias).
Publicação autorizada pelo autor em 24/05/2012

quarta-feira, 19 de março de 2014

Livro: Sombras e Assombrações


Autora: Marina Alves

Recebi o livro Sombras e Assombrações da escritora mineira Marina Alves. Ao folhear o livro eu tive a certeza que é um grande trabalho onde se encontra várias histórias divertidas, instigantes que por certo prenderá o leitor do inicio ao final do livro. Cada conto surge coberto por um mistério temperado com pitadas de algo sobrenatural que nos leva ao tempo de criança esperando ansiosos por causos contados por quem sabia do assunto sob luz da lamparina. Por conhecer o trabalho de Marina Alves a algum tempo, posso afiançar que ela está destinada a ser uma das melhores escritoras da atualidade, em virtude da maneira como capta, realmente aquilo que há de mais interessante nos fatos cotidianos e por que não dizer também nos sobrenaturais?

Marina Alves, obrigado. Vou tentar fazer uma resenha do seu maravilhoso livro... Aliás, está sendo difícil destacar este ou aquele conto, são ótimos, todos os que já li.

Carlos A Lopes
Blog Gandavos

O homem sem língua e um cachorro sem nome

Autor: Geraldinho do Engenho

Miriam conseguiu seu primeiro emprego, trabalhando no caixa de um supermercado. Foi à realização do sonho alimentado desde criança, quando ela se encantou com a gentileza da funcionária que lhe atendia numa lanchonete. Isso aconteceu no dia em que, acompanhada pela mãe, elas pagavam ali, seus salgadinhos e guloseimas com aquele sabor de infância.
Tão doces como aqueles caramelos, esta lembrança aprimorava cada vez mais sua capacidade no relacionamento com a clientela. Causando admiração e cativando patrões e colegas de trabalho com a sua doçura.
Dentre aquela legião de pessoas que todos os dias passavam pelo seu caixa, estava aquele senhor já idoso e simpático, com a aparência de militar aposentado.
A cada dois dias, lá estava ele de sextinha na mão, com seu agradável semblante, sem dizer uma única palavra. Pagava com seu cartão de crédito os enlatados, lanches, e o pacote de ração para seu cão, que educadamente o aguardava na rua. Em frente ao caixa, de onde Miriam tinha uma perfeita visão ao longo da movimentada avenida. Por ela, seguia o cliente, acompanhado por seu melhor amigo. Talvez esse senhor fosse o mais fiel cliente daquele estabelecimento comercial desde sua abertura. Seu trajeto era periciado pelo olhar de Miriam até desaparecer no final da avenida, no meio dos inúmeros transeuntes.
Embora sem saber a cor das palavras daquele simpático senhor, ela sentia que algo a deixava confortável em sua presença.  Tomada por uma grande afeição, o tratava com todo carinho. Não sabia por que, mas alguma coisa naquele homem a atraia. Seria aquele olhar de ternura que a encantava tanto?
 Às vezes, chegava a invejar seu animal que o aguardava paciente evitando não perturbar nem mesmo aqueles que por ali transitavam. Como se fosse também um ser humano, parecia reconhecer seu lugar e jamais adentrava o estabelecimento.
Afastada do trabalho, gozando férias, levou consigo a imagem daquele cliente. E, onde quer que ela estivesse, não conseguia tirá-lo do pensamento. Seu carisma... Seu olhar terno... Comentou com a mãe a respeito daquela estranha atração. Passou a ela as características do homem, mas a mãe desconversou. Ela insistiu no assunto, mas foi repreendida. A mãe lhe dizia ser impossível ela com aquela idade se apaixonar por um velho que além de tudo deveria ser mudo.
A moça justificou dizendo que aquele sentimento era na verdade um estranho sentimento de respeito, não de um amor sensual.
Ao retomar sua função no trabalho, aguardou com ansiedade a presença do seu ídolo, mas ele não apareceu. Perguntou ao colega, que a havia substituído, todavia ele disse que poucas vezes o atendeu. Com certeza, deveria ter sido atendido por outro funcionário.  Alguns dias se passaram e do cliente nem sinal. Já decorrida uma semana, Miriam notou a presença do cachorro à frente da loja, no lugar do costume. Imaginou ter o cliente entrado sem que ela percebesse, por isso aguardou sua passagem pelo caixa, mas, tal não ocorreu até o momento de encerrar o expediente. No dia seguinte, o cão apareceu novamente. A mesma rotina. No terceiro dia ao encerrar a atividade, o cão estava lá no lugar de sempre e acompanhava com o olhar sua movimentação.  Ela comentou com seu colega de trabalho a respeito do procedimento do cachorro, dizendo-se preocupada.
Convidada pelo colega, que se dispôs a acompanhá-la, os dois o seguiram. Ao perceber que conversavam sobre o assunto, o cachorro se manifestou festejando, dando sinal de que entendera a mensagem. O cão os levou a um bairro nobre. Num luxuoso condomínio, encontraram o pobre homem acamado e febril. Acionaram, de imediato, uma viatura que o conduziu ao hospital aonde ele já chegou sem vida.
Na autópsia constatou-se morte por falência múltipla de um indivíduo, cuja língua fora mutilada talvez por um inexplicável acidente com um produto químico.
Foram examinar seus documentos. Constataram ser ele um ex-pracinha de guerra. Ele deixava, em testamento, todos os seus bens para sua desconhecida filha cuja mãe o havia abandonado ao tomar conhecimento de sua deficiência pós-guerra e jamais dera noticia da filha, que nascera após sua partida. Sabia apenas, por uma velha carta amarelada pelo tempo, recebida no campo de batalha, que a filha havia nascido e recebera na pia batismal o nome de Miriam.
Junto, uma carta escrita de seu próprio punho, solicitando às autoridades procurar pela filha entregando-lhe seus bens e recomendando-lhe a guarda de seu cachorro sem nome!


Geraldinho do Engenho - Bom Despacho/MG

 

Publicação autorizada pelo autor

segunda-feira, 10 de março de 2014

A família Cheng e as coxinhas de galinha

Autor: Carlos Costa

(uma visita às lembranças de um passado)
Depois de adquirir uma coxinha de galinha na Padaria Conde, na Avenida Joaquim Nabuco e saboreá-la com minha esposa dentro do carro estacionado, me vi caminhando apressado pela Rua 24 de Maio, no centro de Manaus, para adquirir uma coxinha de galinha produzida pela família Cheng – pai, mãe, filho e filha -  desde as primeiras horas da manhã. Logo cedo, se comprava ainda quente, saindo do forno como se diz: depois, continuavam mornas porque ficavam em um recipiente aquecido por lâmpadas. Era tudo feito de macaxeira ralada manualmente!
Também na Rua 24 de Maio, funcionavam lado a lado, o Curso Pré-Vestibular Objetivo e a sede da Procuradoria Geral de Justiça (Ministério Público) Lotava de alunos, quando a Universidade do Amazonas divulgava o resultado do vestibular. O Curso Objetivo, um dos primeiros a existir em Manaus, promovia a festa dos aprovados e raspava a cabeça dos alunos que desejassem. Era um grande farra que eu, mais tarde, como jornalista, passei a escrever matérias. Até banda de música era contratada para alegrar a festa dos aprovados. Muita bebida era distribuída para quem desejasse. Era um acontecimento na cidade e o Objetivo pregava a relação dos aprovados na parede e fazia propaganda nos jornais dizendo que era o que mais aprovava!
Ah, que saudades sinto do procurador, Luis Verçosa, o ¨Lulu¨ para os mais íntimos como eu, de seu irmão, o desembargador Mário Verçosa, que foi presidente do TJ-Am. Ambos simples, sinceros e amigos. Recebiam-me a qualquer hora e prestavam as informações que buscava para JORNAL A NOTÍCIA, onde comecei a carreira de jornalista, aos 19 anos. Certa vez, cheguei a ser convidado para visitar a casa do desembargador Mário Verçosa, na Rua 24 de Maio, próximo a Avenida Getúlio Vargas, antiga, simples, com tinha uma biblioteca grande, cheia de livros diversos - os de direito eram a maioria. Fiquei encantado. Hoje a casa virou um hotel. Voltemos à crônica, antes que eu divague demais e canse os leitores com inúteis memõrias de uma época que nunca mais será como fora no passado!
Junto com as coxinhas, um risoles, no Lanche Ziza's, localizado no térreo do Edifício Cidade de Manaus, adquiria milk sheik e os levava para os advogados Carlos Abner de Oliveira Rodrigues, com maior tempo de graduação, Guilherme Mendonça Granja, menos experiente, mas profissional dedicado, que mantinham escritório no segundo andar do Edifício e, algumas vezes, também os recém-formados João de Deus Gomes dos Anjos e Luiz Humberto Monteiro, quando chegavam de demoradas e exaustivas audiências no Fórum de Manaus. Eles estavam fazendo prática forense de dois anos para receberem a carteira da OAB. O Ziza´s também era o ponto de encontro dos alunos do pré-vestibular Objetivo, - mais tarde  foi o embrião da Faculdade Uninorte - junto com a cantina da família Cheng.
Luiz Humberto, entrou para a carreira policial e foi nomeado delegado. João de Deus continua na militância forense. Ainda temos contato de vez em quando, mas mudou muito. Eu era  office boy, (menino de escritório) dos advogados. Ninguém ouve mais falar em office boy porque a nova nomenclatura do Ministério do Trabalho, a fez desaparecer, como a muitas outras profissões dignas e honestas que existiam e empregavam os jovens que buscavam uma primeira atividade. Mas voltemos de novo à família Cheng! 
No final da década de 70/80, Manaus estava no auge do desenvolvimento comercial da Zona Franca, principalmente o comércio que vivia a forte febre de uma novidade que impressionava: os pesados, grandes e caros vídeos cassetes. Nesse período, as Ruas Marechal Deodoro, Theodureto Souto, Guilherme Moreira e Dr. Moreira, que formavam o quadrilátero comercial dessa época, se adquiria coxinhas de galinha de macaxeira em muitos comércios da Rua Marechal Deodoro, onde eu vendia jornais. Com a aquisição de três vídeos, que se podia tentar levar escondido da Receita Federal, uma se despachando como bagagem de mão e duas como contrabando mesmo! Chegando ao destino, se vendia por bom preço e, com isso, se podia cobrir despesas de passagens aéreas, hotel e ainda sobrava dinheiro para quem conseguisse passar. 
Mas se a pessoa não conseguisse sair do aeroporto de Manaus, era cana na certa. Muitos contrabandistas compravam cotas de bagagem, pagavam pequeno valor para quem se dispusesse a correr o risco de levar a encomenda, como chamavam os vídeos cassetes contrabandeados que revendiam e ainda pediam que em caso de interrogatório pelos fiscais, não revelasse o nome de ninguém porque a mercadoria seria retirada na chagada no aeroporto de destino por uma pessoa que davam o nome antecipadamente. O maior valor ficava com os contrabandistas.
Na Rua Marechal Deodoro, também se podia adquirir as coxinhas. Se eram ou não fornecidas pela família Cheng não sei dizer, mas que eram iguais, ah, isso eram: tinham dentro carne e o próprio osso de galinha, acompanhado de macaxeira e de uma azeitona verde, marca registrada de todas as que adquirira para os advogados.
Dizem – mas também não sei garantir – que a família Chang acordava todos os dias de madrugada, ralava a macaxeira dentro de uma bacia e depois e  enrolava tudo e as vendia a partir das primeiras horas da manhã. Com isso, teriam colocado seus dois filhos na faculdade e custeado em todas suas despesas para cursarem nível superior, o filho médico ortopedista e a filha medicina, mas não sei em qual especialidade!
O exemplo da família Chang, com seu casal de filhos, ora ajudando-os no balcão fazendo vendas, ora ralando macaxeira para produzir coxinhas, risoles e outros produtos que fazia honestamente, mantinha um comércio na Rua 24 de Maio, em um grande terreno ao lado do Edifício Cidade de Manaus. No terreno desnivelado, a casa da família ficava nos fundos e era ligada ao comércio, por uma longa escada lateral. Dentre os fregueses cativos, lá estava eu para adquirir coxinhas e risoles para os advogados. 
Despertei e percebi que a coxinha de galinha que havia adquirido na Conde era crocante, com recheio cremoso, mas não chegava nem aos pés das que família Chang produzia com muita dedicação e cuidado higiênico, em uma época que não se falava muito sobre o assunto. Mas as que comia eram de  trigo e àquelas eram de macaxeira. Mesmo sem saber, talvez a família Chang, tenha sido a introdutora de todas as outras coxinhas vendidas hoje em muitos locais e que as pessoas as saboreiam como se fossem originais: as originais, eram as que a família Chang vendia. 
Pelo menos eram mais gostosas e saborosas porque eram feitas com macaxeira e não com trigo!


Autor: Carlos Costa - Manaus/AM

Publicação autorizada pelo autor através de e-mail.

quinta-feira, 6 de março de 2014

A propósito, gosto da segunda-feira - Autora: Zélia Maria Freire

Tarde de Domingo. Estava aqui pensando no que pensar para escrever esta crônica, coisa do tipo tristeza...  Resolvi então escrever sobre as tardes de domingo; pra mim não   tem coisa mais triste  do que essas tardes, agora não me pergunte o porquê, não saberia dizê-lo.  Só acho que é triste porque é triste, tão somente. Por outro lado, Drummond diz que mais triste é não ter tristeza alguma .  Faz sentido – pensei. E  parti para curtir  a minha. Apanhei a “régua de exagerar distâncias” e me concentrei na dona saudade, lembrei de pessoas distantes e mesmo sabendo que elas de mim não sentiam a mesma saudade, não bateu tristeza nenhuma. Apelei para o amor, lembrei de alguém que já amei, quer dizer nem tanto assim, e nada! Tristeza nenhuma senti. Desisto, a noite está chegando, o domingo está se indo...  Volto-me para a leitura de Drummond é nele que as palavras fazem sentido quando afirma:  melhor é não venerar os códigos / de acasalar e sofrer. É viver tempo de sobra / sem que me sobre miragem.
A propósito, gosto da segunda-feira.


Autora: Zélia Maria Freire - Natal/RN
Publicação autorizada por escrito pelo autor da obra

Uma alma muito especial

Autora: Lenapena


De fato, ela nunca se foi. Na verdade, foi sim, mas sem ir.
Aquele domingo amanheceu ensolarado e gelado. Era 19 de julho de 1964.
Fazia uma semana que Ela havia sido internada.

Uma semana que passou lentamente, como se a areia da ampulheta do tempo, houvesse entupido a passagem dos segundos.

As notícias vinda do hospital, chegavam pálidas, não motivavam a confiança.
Mas a fé que morava em sua alma, teimava em reavivar-se a cada dia.
Confiante, mesmo com o medo a lhe sufocar o coração, ela pensava: "Ah, ELE, não vai fazer isso comigo. Melhor do que ninguém, ELE, sabe do amor que tenho por ela, e da necessidade vital dela em minha vida".
Essa esperança a fazia levantar-se todas as manhãs, daquela longa e interminável semana.
No alto dos seus onze anos e sete meses, ela sempre mostrou-se, mais madura do que a idade pedia. E aquela semana, contribuiu para que sua alma, amadurecesse o equivalente a um século.
Como não cogitava a vida sem Ela, pensava então ser impossível o desfecho fatal.
Algo naquele leito de hospital, iria acontecer, para restabelecer a saúde precária, Daquela que ela tanto amava.
Em seus verdes anos, pensava: "Como poderia a vida seguir sem Ela? Ela, era a bondade que a todos da família alegrava. Em seus olhos a generosidade se mostrava.
Em suas mãos a caridade morava. Mãos que se não estavam a afagar, estavam a tricotar enxovais de bebês, que com carinho, ofertava as mães desvalidas.
Então a vida sem Ela, não seria possível. DEUS, não iria abrir mão de tão amorosa colaboradora aqui na terra".
Mas, contra todos os seus pensamentos otimistas, argumentos de confiança, sentimentos de amor e fé, Ela, se foi.
Mas não de fato, porque de alguma forma Ela, sempre permaneceu.
O sol se escondia, calmo, lindo, de um dourado, nunca antes visto. Sentada na mureta da casa, ela o olhou até que os últimos raios dele, sumiram no horizonte.
Devagar, entrou na cozinha, e os ponteiros do velho despertador, em cima do guarda-comida, marcavam 5.20 (dezessete horas e vinte minutos).
Não foi preciso esperar até bem mais tarde da noite, para que vindo do hospital, um tio, lhe trouxesse a notícia, ela, já sábia.
Somente perguntou ao tio: "que horas, Ela partiu?" Ele, respondeu: "As 5.20".
Olhando o sol se por, com uma beleza nunca antes vista, naquele entardecer frio de julho, ela soube, que o astro rei, se fizera especialmente belo naquele poente, para receber em sua morada, uma alma muito especial.
E assim, ela, com o coração apertadinho, sumido dentro do peito, quase que viu, sem ver, quando sua MÃE, partiu ao encontro da outra dimensão.

Autora: Lenapena - São Paulo/SP 
Publicação autorizada pela autora

COMENTÁRIOS:

Carlos A. Lopes:

Seja bem vinda ao blog Lenapena
Um abraço

Maria Mineira:

Lena, minha amiga. Fiquei feliz ao vê-la aqui no blog Gândavos. Você consegue juntar amor, carinho,ternura e saudade e transformá-los em belos textos.
Parabéns e seja bem vinda!

Um rei degolado - Autor: Iratiense Joel Gomes Teixeira

À cada vez que eu cruzava em frente àquela loja, aflorava-me um velho sonho de consumo. Tão somente sonho, uma vez que o "produto monetário", quando aparecia arraigava-se aos bolsos de meu pai e dali não saía com muita facilidade.

Tinha eu entre meus 8 à 9 anos de idade, o desejo de montar um presépio nos moldes daquele que montava-se todos os fins de ano na casa de dona Avelina, nossa vizinha.

Fazia-nos companhia no jantar daquela noite, um compadre de meu pai. Aproveitei-me da ocasião e cantei a pedra:

-Quero comprar um presépio que vi na vitrine da loja tal,... Blá, blá, blá...Blá, blá, blá...

As respostas vieram-me feito um furacão:

-Endoidô, menino?... Isso custa caro! disse-me mamãe.

-Ele pensa que dinheiro "dá em pencas", enfatizou papai.

-Essa piazada de "hoje em dia" quer tudo o que vêem!... Complementou o medioso do compadre, quase engasgando-se com uma folha de alface. (Que eu havia plantado, diga-se de passagem).

Calado externamente, (proferindo milhares de impropérios em pensamentos) retirei-me da mesa e fui para o meu quarto. Como nunca fui de entregar o jogo no primeiro tempo comecei a arquitetar um plano e já na manhã seguinte estava eu, de casa em casa, vendendo ameixas pela vizinhança.

Em pouco mais de duas semanas havia conseguido dinheiro suficiente e mais algum excedente para uns consumismos extras.

Quase gaguejando, tal era a emoção, me dirigi ao balconista da tal loja:

-Quanto custa aquele presépio?

-Trinta e nove mil cruzeiros. Respondeu-me.

-Vou levá-lo.

Com uma certa desconfiança olhou-me, enquanto eu metia a mão no bolso retirando um calhamaço de notas esparramando-as sobre o balcão de vidro.

Sob o olhar atento de dona Tereza, a dona da loja, o balconista deu uma cusparada entre os dedos e começou a contar aquele "rolo" de notas, que ultrapassava o valor do objeto solicitado.

Com o excedente adquiri alguns agradinhos para o pessoal de casa. Retornei empurrando a bicicleta com todo o cuidado para não correr o risco de derrubar o precioso invólucro. Feliz, pelo caminho, sentia-me um bem sucedido empresário do ramo de "horti-fruti". No meu caso, tão somente "fruti" já que hortaliças eu as plantava apenas para consumo próprio. (e de  alguns compadres "mediosos" de meus pais).

Presépio montado. Obedecendo aos exageros de dona Hilda, minha  mãe, (montanhas, pontes, patos... folhagens, ninhos... Uma parafernália). Ficou bonito! Fez sucesso pela vizinhança. À cada novo ano, inovações eram introduzidas. O lago de espelho, plagiado da matriz de São Miguel, ficou um luxo. Alguém, meio desastrado, deixou cair sobre o mesmo uma pilha de lanterna. Abriram-se algumas rachaduras. Fiquei "P" da vida. Dona Hilda, com sua diplomacia, resolveu a questão.

-Não fiques zangado. Ficou até bonito! Estas rachaduras dão o aspecto de ondas no lago, não achas?

E assim, ano após ano, o presépio fora montado na sala de nossa casa.

O tempo correu, o menino esquivou-se e o adulto não tinha lá muita paciência para estas coisas. No entanto, mal dezembro começava a dar o ar de sua graça e a "apurrinhação" começava.

-Vê lá se vai dando andamento ao presépio, dizia minha mãe. Não deixes pra última hora, concluía meu pai.

-É verdade!... Já reservei um canto da sala  especialmente pra ele. Mexa-se! Determinações de dona Hilda.

E o mártir aqui, não tinha escapatória. No final das contas eu até acabava gostando de reviver aquele clima de tantos anos.

Inevitavelmente, as peças começaram a sofrer a ação do tempo. Algumas ranhuras, mutilações (a mula perdera uma das orelhas), uma ovelha quebrou-se e, numa queda, acidentalmente "Baltazar", um dos reis magos teve a cabeça decepada.

Uma catarata violentíssima acometera-se das vistas de meu pai. Este, antes da cirurgia que o "remoçou para a vida", segundo suas palavras, no intento de mostrar-se prestativo, apanhou um punhado de "durepox " e reconstituiu (?) o rei mutilado.

Seria cômico, caso não fosse trágico, mas o neblinado das cataratas fizeram com que a cabeça do rei fosse colada no sentido oposto.

Assim, aquele olhar respeitoso do bibelô, antes dirigido ao invólucro com ouro que levava como presente, apreciava agora tão somente a sua região glútea.

Papai, no melhor estilo "versátil da melhor idade", vangloriava-se:

-Tás vendo! Resolvi o problema do "reizinho". Ainda bem que hoje existem "estas colas modernas".

Foi o riso mais sufocado em toda a minha vida. Concordei para agradá-lo e fui saindo à francesa. Com uma serrinha de cortar cano, decepei novamente o "Balta" e com a "cola moderna" coloquei-lhe a cabeça no lugar. O pescoço sofreu uma ligeira diminuição, mas o olhar dirigia-se a partir daí para o ouro a ser presenteado.

Para encerrar o assunto, desde então, "Belchior", o do incenso, sumiu, escafedeu-se. Presume-se ter fugido horrorizado diante da atrocidade de  duas cirurgias, sem anestesia, sofridas pelo companheiro "Baltazar".

Mais alguns dias, e agora em nossa casa, o presépio às vésperas de seu cinqüentenário ocupará um lugarzinho na sala. A mula sem orelha, a ausência de algumas ovelhas, um anjo com ligeiras escoriações e, eles: Baltazar e Gaspar, preocupados ainda com o sumiço de Belchior, o fujão.


Autor: Iratiense Joel Gomes Teixeira - Irati/PR
Página do autor:
Publicação autorizada através de e-mail de 16/12/2011
PS. Quando  êste  conto  foi  escrito,o presépio  era  ainda  um  quase  cinquentão. Hoje, tem  êle, exatamente  52  anos.