Autora: Marina Alves
“Agora
é Nóis!”
—Oi, amor, por favor, não desliga...
—...
— Eu sei que cê tá aí, Mônica... Por
que cê não fala nada?
— ...
—Pois é, Mônica, emburrar não resolve
nada, mas cê sempre faz isso quando a gente briga...
—...
— Tá, a gente não tá brigado... Tá terminado.
Mesmo assim, eu quero falar.
—...
— Mônica, o que você viu lá no bar não
era o que você viu...
—...
— Eu tava te esperando lá no “Agora é
Nóis”, pedi uma cerveja... Aquela morena chegou e foi sentando.
—...
— É sério, Mônica! Eu tô imaginando a
cara que cê tá fazendo aí, mas foi ISS,
amor!
—...
— Aí, deu azar, cê chegou justo na
hora que ela pediu pra tomar um copo e...
— ...
— E... Quê que eu podia fazer, Mônica?
Me diz? Falar que não ia dar?
—...
— Cê tá emburrada, melhor... Tá
terminada, Mônica, mas isso não pode ficar assim...
— ...
— Amor, fala comigo... Vamos acabar
logo com isso, Mônica!
—...
—Pensa bem, meu bem, a gente já tá com
tudo pronto pra casar...
—...
— Mônica, pensa direito, nossa casa tá
pronta, data marcada.
—...
— Cê sabe uma coisa que ODEIO em você,
Mônica Isabel?
—...
— É essa sua frieza! Essa sua
capacidade de me irritar com seu silêncio! Ahhhhhhhhh!
—...
— Toda vez é isso! Cê me tira do
sério, sabia?
—...
— Na verdade, não sei nem porque tô
ligando! Eu sou mesmo um otário!
—...
—MÔNICA!!!
—...
—Fala alguma coisa!
— Falo! Eu não sou a Mônica! Eu sou a
Clotilde!
— Clotilde? Eu não tô falando no 1179?
—Tá falando no 9711... Mas escuta, eu
também terminei o noivado na semana passada...
—É?
— É. Que tal uma cerveja lá no “Agora
é Nóis”? Eu sei onde fica...
Macacão
de Oncinha (“Agora
é Nóis”- parte 2)
—
Clotilde, eu tô ligando pra gente conversar...
—...
— Cê
taí, Clotilde?
—...
—
Clô, não faz isso, amor, fala comigo... Admito, eu fui grosso, insensível!
—...
— Ô
bem, eu ando nervoso... Lá no serviço é só problema, já te contei, né?
—...
— Só
problema! E o Cruzeiro ainda leva aquela surra em campo, quem aguenta?
—...
— Tá
bom, não quer falar, né? Mas cê tem que ser mais compreensiva...
—...
—
Desemburra, eu não posso te dar o macacão de oncinha agora...
—...
—
Com o décimo terceiro eu dou... Pode ser no décimo terceiro?
—...
—
Nem no décimo, Clô? Pelamordedeus!!
—...
—
Clozinha! Mês passado eu dei o salto XV, o macacão não pode esperar o décimo?
—...
—
Por isso que o amor acaba... E tudo isso por causa de um macacão de oncinha!
—...
—Três
anos, tô cansando! Muda seu jeito, Clô!
—...
— Cê
tem um grande defeito, viu?
—...
—
Ué, não vai perguntar qual é? Eu falo! Interesseira!
—...
— Só
isso, não! Artificial!
—...
—
Sem conteúdo!
—...
—Ranzinza!
—...
—
Frívola!
—...
—
Medíocre!
—...
— Cê
não vai falar nada?
—
Vou, eu vou falar! Aqui é a sua ESPOSA! Cê tá ligando é aqui em casa! Cachorro,
safado, sem-vergonha! Pisou nessa casa, cê é um homem MORTO! Vem sabendo, viu?
—
MÔNICA!
Você
Tem WhatsApp?
Outro
dia, na volta de uma viagem, meu celular deu de mostrar uma mensagem esquisita,
dizendo que o chip não estava nele. E é claro que não era verdade, pois era só
abrir o compartimento do cartãozinho e lá estava ele no lugarzinho de sempre.
Levei-o para checar o problema. A moça, muito tranquilamente, explicou que era
normal. Perguntou por onde eu tinha andado. Falei que era lá pros lados da
Bahia. E ela reafirmou: “Você foi longe, saiu de Minas. É coisa da operadora.
Com uns três dias tudo fica ok!”. Confesso que achei aquilo meio esquisito, mas
se a especialista falou, então era, né? Ok! Voltei pra casa pra esperar mais
dois dias, só que o cartão não deu sinal de vida. E como começou a tocar umas
musiquinhas não muito usuais e acender luzinhas no meio da noite, resolvi que
era hora de trocar de aparelho.
Vamos
trocar o celular! E eu já sabia que ia ter problemas, pois queria um aparelho
que se parecesse com o meu. Pretinho, pequeno, que desse conta apenas do
básico: fazer e receber chamadas e, muito de vez em quando, em caso de vida ou
morte, enviar umas mensagens — ou torpedos — como se diz modernamente. Por quê?
Porque não gosto de celular, uso apenas quando a coisa não tem mais jeito.
Portanto, o que eu precisava era um celular totalmente fora do tempo, fora do
espaço e fora da moda. Será que ia achar?
Nas
lojas em que entrei me vieram com mil modelos de última geração... Na verdade,
minicomputadores que quase medem a respiração da pessoa. As vendedoras,
querendo me seduzir, se punham a desfiar as mil e uma vantagens e modernidades
das maquininhas, umas coisas deslumbrantes que fica até difícil acreditar.
Aplicativos que permitem uma conexão total com o Planeta inteiro, e se bobear
até com outras galáxias, imagina! Mas, não! Não era aquilo que eu estava
querendo. Eu queria apenas algo que me salvasse numa situação de perigo. Numa
selva, por exemplo, quando todas as ligações com o mundo estivessem cortadas —
isto, se numa selva pegar sinal, porque as operadoras, me parecem nem sempre
acompanham a velocidade da informação...
Não
consegui o que queria. Uma loja ainda tinha um exemplar da idade da pedra como
era de meu desejo. Mas o danado, pra meu azar, estava estragado também. Sem
escolha, tive que ficar com um modelo mais ou menos: nem tão arcaico, nem tão
moderno. Meio descontente, mas sem ter o que mais fazer, adquiri meu novo
apetrecho tecnológico e tenho certeza de que me será muito útil para o que
preciso.
Em
plena era digital e da tecnologia, não é que eu ignore as inovações que a todo
dia invadem o mundo contemporâneo, gosto muito de ler sobre o assunto, até pra
acompanhar o que anda acontecendo, mas penso sinceramente que as pessoas estão
perdendo um pouco do senso crítico diante destes brinquedinhos sedutores que
cada vez mais tomam conta de suas vidas. Hoje em dia está difícil até manter
uma conversa saudável. Ninguém mais presta atenção em nada. O tempo inteiro são
as mensagens do whatsApp e os dedos deslizando freneticamente pelas telas dos
celulares, nas atualizações das redes sociais.
Na
volta de minha viagem, chamou-me a atenção o silêncio entre os passageiros do
ônibus. Como era noite e estava escuro, só se via os reflexos das luzes
azuladas dos celulares ligados. Todo mundo conectado ao mundo virtual. E fiquei
pensando: bons tempos aqueles em que uma viagem de ônibus era um bom motivo pra
gente conhecer gente nova e fazer amizades. O companheiro, ali na poltrona do
lado, era sempre a possibilidade de um bom papo, e a gente nem ver a viagem
passar... Quase 200 km, daqui a Belô, era um pulinho... Hoje em dia, só
celulares aproximando mundos virtuais, e as pessoas cada vez mais distantes...
E se te perguntam “Você tem WhatsApp?” e você diz que não, aiai... Com certeza
você é um ET, nesta Terra tecnológica de meu Deus!
Baratinha
—
Êh, Cumpá Chico, nóis aqui ino de Baratinha pá cidade! Ôtros tempo, hein?
—
Então, Cumpá Beniço! Pensá que nóis ia de cavalo, chegava lá co’sóli nas
artura!
—
Cruizincredo. Nem é bão alembrar!
—
Adepois desse meu Fusquinha bão, o trem mudô! A Azulinha é u’a mão na roda, sô!
—
Ich! Agora é um pulinho! É pé cá, pé lá!
—Eu
tem cá pra mim, Cumpá Chico, que carro é o Fusca, ou sinão o Frit Único.
—E
cê tá co’a razão, Cumpá Beniço! Mái eu inda continoo com a Baratinha.
—
Baratinha danada, essa, né, Cumpá Chico?
—
Uai, sô! Ela já foi e vortô em São João me Acode, sem inguiçá!
—Nó!
E óia que daqui no São João gasta u’as duas hora! A bichinha é 75, né?
—
75? Cumpá Beniço! 74! E num fosse o risco que a Formosa féiz nela co’os chifre,
pudia tá em brinco!
— A
puêra tamém judia, né, Cumpá Chico?
—
É... E nêss tempo de istiage, nem se fala!
— Dá
dó memo, sô! Os vidro, ói que trem! Quais que num inxerga nada!
—
Ah, Cumpá Beniço, me alembrei!
— De
quê, sô?
—
Dum trem que contáro lá na venda do Osóro...
—
Uai! Mái quê foi?
— Cê
num há de vê que faláro que esses Fusca tem um mistéro?
— Cê
tá doido, Cumpá Chico? Que mistéro?
—
Uai, homi! Disséro que um Fusca nunca fica sozim!
—
Quê isso, gente? Cumé qué isso?
—
Uai, disséro que se ocê vê um Fusca, pode caçá em vorta, que vai tê um
cumpanhêro dele por perto!
—
Credincruiz trêis vêis! Mái será que procede, Cumpá Chico?
—
Sei não, Cumpá Beniço! O povo ruma cada coisa! Cê querdita nisso?
—
Ich! Cê me apertô, Sô! Sei não, uai! Mái pêra aí!
—
Diga, Cumpá!
— É
capaiz de num tê jeito não, Cumpá Chico! Cê vigia se tem fundamento: nóis tá
siguino nessa estradinha onde Juda perdeu as bota...
—
Hum...
—
Magina que trem custoso! Da donde que ia tê cabimento dôtro Fusca dá as cara
nesse mundão perdido nas puêra aqui do Rincão?
—
Uai, Cumpá Beniço, pensano bem é custoso memo!
—
Custoso não, Cumpá Chico! Impossive!
—
Nossinhora, Cumpá Beniço!
—
Que que foi, homi? Rodô no cascái?
—
Cascái nada, sô! Óia lá pra diente do mata-burro, desceno a estrada do Zé
Sivirino!
—
Santantõe do Amparo, Cumpá Chico! É uma Baratinha que meus zói tá veno?
— E
das marela, Cumpá Beniço! Da corzinha dum canarim!
Dos
Anjos
Pois
então, Dos Anjos, você aos 42, com cara de 60... É sofrimento! Também você só
viveu amarguras nesta vida! Sem pai, sem mãe, criou-se em casa de conhecidos.
Passou fome, passou frio... Se juntou com Natalício e apanhou pra morrer.
Lembra quando ele chegava trocando as pernas, xingando nome feio, na volta dos
botecos? Dali não saía nada que prestasse.
Até o dia em que caiu no mundo de vez com aquela oxigenada do parque de
diversões, não foi? Os meninos ainda miudinhos... E tudo por sua conta.
25
de fevereiro: sei que você não esquece esta data. Hoje faz três anos, Dos
Anjos, que seu filho Jurandir foi preso. Você acreditava que ele ia dar gente e
pudesse lhe valer. Mas, ele nunca prestou. Sempre lhe deu trabalho desde
pequeno, lembra? Começou a roubar ainda menino. Quantas vezes lhe chamaram na
escola? Pois é... Não teve jeito.
Cresceu, caiu nas trevas... Artigo 157, né? Eu sei que dói...
Jaqueline
também só deu pó pra cheirar, não é, Dos Anjos? Solta na rua, vivia amolando,
criando confusão em casa de vizinho. Não era à toa que amiúde, a mulherada
batia na sua porta pra tirar pergunta: intrigas da sua filha do meio. Cresceu
malvadinha, a menina, até dar no que deu: meteu-se naquela enrascada dos
diabos, com tráfico e tudo! Pra se safar, anoiteceu e não amanheceu... Nem
notícias, nunca mais, né? Cadê será Jaqueline?
E
Janaína? A caçula podia ter sido a salvação. Mas também nunca foi flor que se
cheirasse. Nova ainda, pendeu pro lado daquela gente da pesada. Agora tá lá,
naquele barracão da Wenceslau Batista. Quase todo fim de semana, batida
policial. Você não gosta de falar. Diz que ela trabalha e mora em casa de
família rica, na Zona Sul. Mas, e as moças com quem ela divide aluguel, hein?
Eu sei que você sabe bem quem são...
Pois
é, Dos Anjos, sofrimento vira doença. O seu virou. Dor pra todo lado, vontade
de só ficar na cama. Exame daqui, dali, e nada do porquê da doraiada. De nada
adiantou a remedama receitada no Postinho. Até que o pessoal de lá achou por
bem lhe encaminhar ao Serviço de Psiquiatria da prefeitura. Foi lá que
descobriram: era dor da alma... Só podia ser mesmo, né? Doença que não dá em
exame é dor de alma, não tem jeito...
Eu
sei que as coisas estão ruins, Dos Anjos! Agora você desce a Tobias de Souza
pensando em como será amanhã. A fábrica de bichinhos de pelúcia fechou, você
acaba de perder o emprego. E as dívidas? Como vai ser, daqui pra frente, hein?
Aluguel atrasado, gás no fim, luz e água cortadas a qualquer momento. O aviso
chegou ontem, não é?
A Tobias de Souza ferve a essa hora, Dos
Anjos. E você segue com o coração vazio de esperança. Mas, vou lhe dizer,
mulher, não se preocupe! Você vai ficar livre de tudo isso... Tá vendo aquele
fusca amarelo que apontou lá na esquina? Pois é, Zé Perigoso vem ao volante, em
altíssima velocidade. Tomou todas lá no “Bar da Arruaça” e vai subir na calçada
— aqui, no ponto exato em que você está. Mas não tenha medo! Vai durar nada:
uma pancada, um barulho surdo que vai chamar a atenção dos transeuntes... O silêncio, a paz por fim! Anime-se: nada
pode ser pior que foi sua vida. Maria dos Anjos Ferreira da Silva Apolinário,
garanto-lhe: estou do seu lado... Se você nasceu Dos Anjos, você é minha...
Bilhete na Geladeira
Se você chegar em casa
E não me encontrar aqui
Pois, não estranhe
Fui ali no Açaí...
Ah, fiica tranquilo
Levo agasalho de lã
Pode ser que faça frio
E não sei se volto hoje
Ou amanhã...
Beijos!!!
Mundo Louco
“O pior cego é o que não quer ver”
O pior surdo é o que não quer ouvir
O pior cético é o que se nega a crer
Mesmo quando as evidências
Não deixam mentir
Em se tratando de escolhas,
Todo critério é pouco
As verdades estão aí,
Só mesmo os ensandecidos
De ilusões, entorpecidos
Correm pro fundo do poço...
Êh, mundo louco!
Palavra Aberta
E ainda insistes na palavra aberta
Mas silencio minha voz
Toma em tuas mãos esse protesto mudo
[há cinzas sobre-tudo ]
E num cinzento atroz
Sigo trancada, amordaçada
Pra nunca mais falar de nós...
Papai
Rolinho
Apesar
do barulhão da máquina de lavar eles não estavam assustados: sobre a lâmpada,
no alto da parede, o casal de rolinhas tentava se equilibrar, agarradinhos um
ao outro. Quando dei com eles ali, e os olhei de frente, pensei que iam voar.
Mas não o fizeram. Pelo contrário, sustentaram meu olhar e permaneceram
quietinhos...
Deixei
como estava pra ver no que ia dar. E enquanto cuidava da roupa e da arrumação
da varanda, vez em quando olhava os passarinhos ali naquela calma que nada
abalava. Dei expediente de outros afazeres e qual não foi minha surpresa ao
procurar de novo por eles. Havia novidades! O Rolinho tinha buscado alguns
fiapos de capim e presenteava a amada com a bela oferenda! Caiu a ficha! Ah,
estavam planejando começar ali uma nova família! Por isso, aquela insistência
em fincar pé, ou melhor, asas, no lugar.
À
tarde, ao voltar do trabalho fui dar uma olhada na situação. Os dois tinham
sumido e deles só restara um emaranhado de capim que tinha escorregado para o tanque.
Ah, que pena! Tinham desistido de seus planos. Também pudera. Sobre uma lâmpada
o novo lar não ia ter muita chance de sucesso. Deve ser isso que pensaram...
No dia
seguinte o que vejo? A duplinha dinâmica tentando um novo espaço para sua
morada. Agora no cruzamento do canto do telhado da varanda. Pareceu-me bastante
sensato o novo endereço. Pelo menos estariam a salvo de chuvas e sol muito
quente, sem a luz incômoda de uma lâmpada sob o ninho. Pois bem, a faina
recomeçou. Enquanto Mamãe Rolinha, toda doutora, ficava no território do ninho,
Papai Rolinho ia dar uns rolês pra buscar raminhos...
E o
que não faltava nos arredores era matéria prima! Muito galhinho seco, muita
raiz de grama, assim tudo meio sequinho prontinho pra ser usado. E era bonito
ver o voo do futuro papai! Busquei a máquina fotográfica e consegui captá-lo em
pleno voo com os gravetinhos no bico — às vezes, tão grandes que o
desequilibravam no ar. Uma graça de se ver!
Mais
um... Mais outro voo! À cada revoada lá vinha ele todo orgulhoso com mais um
troféu! E ao chegar do ladinho da esposa entregava a ela o raminho no bico.
Creio que a exigente senhora, sabedora de seu poder, fazia uma meticulosa
avaliação do material: alguns ela simplesmente descartava jogando tudo no chão;
outros ela acolhia com carinho especial e com muito jeitinho ia colocando
debaixo das asas, sob o peito, tudo bem trançadinho, verdadeiro trabalho de
arte. Como agradecimento, o marido ganhava uma espécie de arrulho e, feliz,
partia em busca de outro presente...
Na volta
do trabalho corri pra dar uma olhada na edificação de meus novos vizinhos. Mas
que surpresa! Os graciosos engenheiros tinham se mandado do canteiro de obras e
só vi os restos da trabalheira da manhã todo espalhado no chão. Que explicação?
Chegaram à conclusão — por uma razão que só o instinto animal conhece — que ali
também não ia dar certo. Quem sabe não gostaram dos olhares intrometidos da
dona da casa e resolveram bater asas...
Porém
a coisa não parou por aí... Alguns dias depois descobri os fugitivos muito bem
aninhados no pé de um arbusto ao lado da janela, desta vez num canto mais
sossegado. E lá a coisa progrediu, pois numa escapada dos dois pude vir dois
ovos branquinhos no fundo de um aconchegante ninho. A natureza é mesmo perfeita. Era a vida prontinha
pra se perpetuar...
Não
Vai Combinar...
— Vô!
— Que que foi, Luisinha?
— Tô querendo uma coisa...
— Aiai! Quê será, gente...
— Eu quero que o senhor
pinte a Branquinha...
— Nossinhora! Danou-se!
Pintar a coelha? E pra quê?
— Enjoei dela branquinha,
Vô! Eu quero ela rosa, toda rosa!
— Luisinha, cê tem certeza?
— Tenho, vô!
— Mas, menina, onde já se
viu coelha dessa cor que cê quer?
— No desenho, vô! No desenho
tem!
— Mas, escuta... Desenho não
é de verdade!
— Eu sei, cê já me falou
isso...
— Pois, então! E a
Branquinha é de verdade!
— Vô! Ela pode ser a
primeira coelha cor-de-rosa do Planeta Terra, uai!
— Pode, mas será que ela ia
gostar?
— Eu acho que ia, Vô!
— E ela por acaso te falou
isso?
— Não falou, mas eu sei...
Ela não falou porque ela não fala.
— Tá bom, Luisinha, o vô tá
entendendo, mas não tá gostando disso,
não!
— Ué, por quê?
— Porque as coisas são como são, menina! E a
Branquinha nasceu branquinha.
— Mas a Vó, tinha o cabelo
branco e fez ele ficar vermelho!
— Mas gente é diferente...
— Não sei porquê! Por quê?
— Porque é, ora!
— Vô, fala direito! Por que é?
— Ih, Luisinha! Olha lá quem
tá na moita de cenoura!
— A Branquinha!
—Que danada! Já tá tomando o
café da manhã!
— Vô... Peraí...
— Quê que foi?
— Mudei de ideia...
— Mudou?
—Pode deixar a Branquinha
branquinha mesmo...
— Uai, por quê?
—Tô achando que ela
cor-de-rosa não ia combinar...
— Combinar com o quê,
menina?
— Com as folhinhas da
cenoura, Vô...
— Ué, da onde cê tirou esse
trem de combinar, Luisinha?
— Vô! Eu vi a minha vó
falando pra minha mãe aquele dia do almoço.
— Falando o quê?
— Que o meu laço rosa não ia
combinar com minha saia verde. É isso, Vô!
(inspirado nas delícias que
as crianças pensam e falam...)
Chip...
rei!
A
moça da Operadora operou direitinho: me convenceu a entrar num novo Plano de
telefonia. Ligações pra aqui e pra ali
de graça, não sei quantos MB de internet, sem contar os zilhões de minutos
gratuitos pra falar com quem quiser – eu nem gosto muito de telefone – mas o
que se passa na cabeça da gente, numa hora de tantas ofertas? Inexplicável. Ah,
e tinha ainda um chip de graça! Já pensou que bacana, uma alternativa a mais
pra falar com parentes, amigos e amores sem pagar nadinha? Ninguém resiste, eu
me perdoo.
O
chip chegou pelo correio num envelopinho marrom. Abro a capinha do celular e,
em voz alta, pergunto a mim mesma: onde será que coloco esse chip novinho?
Ninguém me responde, então o jeito é “fuçar” até acertar - ou arrasar de vez
com o aparelho – É ir mexendo, que uma hora dá certo. Deu errado! Não vi nada,
nem sei como foi. Puxei um araminho e o chip voou! Uma molinha? Eu ignorava
totalmente que chips costumam pular. Mas o meu pulou! E tão ultravelozmente que
não deu pra acompanhar o trajeto no ar. Susto! Onde tinha ido parar o minúsculo
quadradinho dono dos meus segredos? Sumiu! E com vários reais em crédito,
colocados justo naquela manhã? Que azar!
Declarei
guerra ao chip sumido. Procurei pelo chão, debaixo do sofá, nas dobrinhas da
cortina, juro, quase na lâmpada do teto! Nada. Entre o rodapé de madeira e a
parede? Loucura. Chip-irei!? Um chip, em sã consciência, jamais acertaria uma
abertura daquelas. Passei a ponta dos dedos pelo tapete tentando detectar
qualquer coisa que se parecesse com um chip. Também nada. Nestas horas é que
vêm as coisas mais absurdas. Teria voado para o banheiro? Pra não restar
dúvida, conferi banheiro, cozinha, corredor. Só pra chegar à conclusão de que
chips não dobram quinas de porta.
Por
fim, conclui! Ele só podia ter se infiltrado na minúscula fenda entre o assento
e o braço do sofá. Era ali que eu estava sentada na hora do desastre. Ao sofá!
Mínima, a distância entre o assento e o braço! Ali não cabia um dedo. Se não
cabia um dedo... Então uma agulha de crochê! Deslizei a agulha pelo fundinho
até que tocou em alguma coisa. Seria o chip? Era um clips... Quase iguais, mas
só no nome.
Puxei a agulha pro meu lado, agucei os olhos.
Vi o chip! Pequenininho, branquinho, com umas formas douradas. Era ele sim!
Tentei levantá-lo com a agulha: foi quando ele saiu do meu campo de visão e
despareceu para sempre, amém, na base da almofada. Perdido! Agora não tinha
mais jeito. A não ser que eu cortasse em pedacinhos, meu antigo e simpático
sofá cor de ferrugem... E é claro, isso eu não ia fazer de jeito nenhum!
Primeiro porque não pretendo trocar de sofá nos próximos cinquenta anos;
segundo, porque um chip não merece assim tanto sacrifício... Restou-me a lei de
Pollyanna e seu “jogo do contente”:
nesse momento há tragédias imensas acontecendo no Planeta, e perder um chip –
ainda que de bobeira - não é o fim do mundo. Antes que feche a loja vou lá
correndo comprar outro. Não é bom que a gente fique sem telefone. Nem por um
minuto! Vai que o destino esteja me reservando uma boa notícia, justo pra hoje
e me encontre sem comunicação! Nem pensar!
Autora: Marina Alves - Lagoa da Prata/MG
Página da autora:
http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=64920
Publicação autorizada pela autora
Relógio de acesso: 142.584 a 144.258, total de acessos até 24/12/2014: 1.674
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