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quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Carta para Rosinha

Autor: Dermeval Franco Frossard

Rosinha,
Saudades docê!
Estes dias estava vagando sem o que fazê e me ajuntei  com uns parvos aqui, que queriam ir para  Aparecida do Norte, pagar ou fazer promessa, num sei bem o quê,  o cê sabe que nun interesso por estas coisas, num é?
Poisentão, num tinha o que fazê, fiz companhia. Meia caminhada andada quando me deparei cum esta casinha pintada de verde e barrada de azul, já que tava indo pra Parecida, resolvi fazê um pedido pra ela, depois pago a promessa, agora já conheço o caminho, num custa tentá, não é?
 Pedi para Nossa  Senhora, que aprovidencie um modo deu  compra estas terrinhas com esta belezoca em riba. Já vejo ocê lá, cozinhando o feijão e, em riba do fogão peças de porco dependuradas para defumá.
 O dinheiro que tenho da empreita de meeiro não é muito, Rosinha, mas dá pra fazê uma proposta e virar a cara pro outro lado, se de repente sua madrinha (Aparecida) nos ajudá, vai dá.
Eu vi lá, pouca coisa para mexê prá nos acomodá, luz num tem, também não precisa, né? lamparina arresorve! Não!? Tá bem, eu compro um lampião pra cozinha, mas de querosene, o a gás tá mui caro. Geladeira não carece, pois nos fundos da casa desce um ribeirão da serra com as águas geladinhas, onde a gente pode por as garrafas para gelar num instantinho. Vi também que podemos ajeitá nossa cama com as madeiras que a gente tirá lá do matinho e o colchão fazemos de paia de milho desfiada, tirando os umbigo das espigas para não cutuca a genti  de noite. Vamos fazê muito rebuliço lá.
Vou vê se compro as galinhas tamém, a gente põe uma pra chocá todo mês, pra nunca farta o franguinho do fim de semana. Aqui num vai ter televisão e nem computadô, ouviu? O cê pos reparo como as famías diminuíram depois desta tar da televisão? A famia do meu pai era doze irmão e da minha mãe tamém, hoje onde que o cê vê uma famia deste tamanho? Falta tempo pra furunfá? Aqui não! Agora qui tem estas tar de bolsa famia, bolsa escola...vamo pô menino no mundo, so! Outra diversão vai ser pescá lambari, traíra e bagre nos açude dos vizinhos. Vai ser bão, num é?
Rosinha, ocê sempre pede pra fala que ti amo num é? Poisentão, está espaiado por toda esta carta isto aí, é só enxergar de maneira diferente.
Rosinha,
Um beijo debaixo do seu nariz, tá!
Do seu José Raimundo Silva
Eu, mesmo, o Zé Pequeno do Arraiá de Pedra Bela.

Autor: Dermeval Franco Frossard
Bragança Paulista/SP

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Terno branco de linho

Autor: Defranco
Ambrósio era a alma da confeitaria União nos anos áureos do café em Londrina, a fama dos seus doces ultrapassava as fronteiras do Paraná. Apesar disto seu ganho era modesto, a profissão não tinha o glamour dos dias de hoje. A todos atendia com simpatia, dos fregueses assíduos sabia suas preferências e também conhecia os que gostavam de novidades.
Todas as vezes que se aventurava numa receita nova tinha em mente a quem apresentar a prova. Dentre estas pessoas havia uma sua preferida, morena cor de jambo, dentes alvos e alinhamentos perfeitos, pernas roliças, sorriso fácil. Quando manipulava o chocolate, pensava nela, pois além da cor lembrá-la era este o seu gosto preferido.
Sexta feira era o dia em que Ana Rosa aparecia para saborear um doce na União, e ele a aguardava com ansiedade, reservando o doce de sua preferência. Quando tinha uma receita nova preparava alguns para ela provar. Ela trabalhava no café pouco acima do cinema Ouro Verde em Londrina, local de corretagem de café e das propriedades rurais da região, lugar freqüentado por fazendeiros, exportadores e beneficiadores do café, enfim, gente de muito, mas muito dinheiro.
Um dia a paixão de Ambrósio por Ana Rosa fugiu do seu controle e num rompante a pediu em casamento, ela abriu aquele sorriso, mas não perdeu a pose, parecia que já tinha passado por isso outras vezes, e falou:
-Que isto Ambrósio!? Homem para se casar comigo tem que ter um terno branco de linho! Quando puder apareça.
Ambrósio se entristeceu devido à rejeição de pronto, mas não desanimou, se o problema era este vamos dar um jeito, pensou. Dentre os seus fregueses tinha o melhor alfaiate de Londrina, conversou com ele, que se prontificou a confeccionar o terno num preço módico e parcelado em quantas vezes precisasse. Foi às Lojas Pernambucanas atrás do corte de linho e acessórios, assustou-se com o preço, não titubeou, abriu um crediário para pagamento em doze vezes. Comprou também um chapéu Panamá, coisa dos fazendeiros bem sucedidos da época, tudo de 1ª linha, o investimento valia a pena.
Um mês depois recebeu o terno, aguardou a próxima sexta, dia de Ana Rosa aparecer, fez caprichosamente o doce dela preferido, e quando ela chegou falou:
- Hoje, Morena, seu doce é por minha conta, o terno de linho branco está pronto! Ana Rosa ao invés de abrir o sorriso continuou com a boca aberta, pasmada, Ambrósio não deixou espaço para recuo e emendou: -  Está passando um filme espetacular no Ouro Verde, gostaria de ir comigo? Amanhã ás 8:00 horas? Ana Rosa ficou sem saber o que responder, mas assentiu desajeitada, deixando Ambrósio nas nuvens, afinal o investimento vultoso valeu à pena, pensou com seus botões.
Ambrósio morava na parte de baixo da linha do trem em Londrina, para chegar a sua casa cortava um caminho pela ferrovia, no dia tinha chovido um pouco, a rua não era asfaltada, ao deixar a confeitaria nesta tarde especial, começou os preparativos para o encontro tão esperado. Bom, vou com os sapatos velhos até o asfalto e lá coloco os novos, deixando os antigos na casa do amigo Hélio, e também me visto lá para não sujar o terno. Não vou de ônibus, vou fiar o táxi do Júlio, pago quando puder, nem que seja com doces por minha conta. Brilhantina nos cabelos, pente flamengo de osso, lenço despontado no bolso, sapatos brilhando que dava até para usar como espelho. Planejou, e assim fez.
Desceu do táxi na frente do cinema para fazer boa figura, buscou pela sonhada amada, e nada, procurou na praça em frente...nada, na fila, vários casais, começou a olhar do final da fila para a bilheteria, quando viu Ana Rosa de braço dado com outro, toda festeira, e este nem de terno estava...
Seu mundo veio abaixo, não se aproximou, saiu de fininho, desorientado, seus planos para a vida toda ruiu como um barraco que cai em dia de chuva em ladeira deslavada. Foi direto ao primeiro bar e pediu da mais forte bebida disponível, coisa que ele nem sabia qual era, pois não tinha o hábito, pós todo o dinheiro que tinha sobre o balcão, das entradas do cinema, do táxi para levar Ana Rosa para o outro lado da Cidade, e falou para homem que o servia:
- Transforme isso aí em bebida das mais fortes, pois preciso lavar a alma.
- Mas, isto é muito dinheiro! -Disse o homem do bar.
- Não faz mal, vai enchendo o copo. E, de um gole só entornava todo o conteúdo.
Saiu cambaleando, sem rumo, chegou ao desvio, pela linha do trem seguiu tropeçando nos trilhos e dormentes, se esparramou numa poça d’água, e por lá ficou, foi achado assim no outro dia, o terno de linho enlameado, para quem não conhece a terra vermelha do norte do Paraná, é coisa que gruda e só sai com muitas lavagens depois, o chapéu Panamá, cortado possivelmente pela passagem de um trem, por pouco não perde a vida.
- Ana Rosa desapareceu, mas não da minha cabeça, até hoje, passado mais de 40 anos ainda penso como seria a minha vida com ela. Comparação injusta com a minha velha, pois comparar uma ilusão com uma vida vivida é coisa desigual, não é Dona?
- O terno foi lavado e engomado de novo e consegui vendê-lo por um terço do preço do que paguei, tive que pagar o crediário até o final, mas a alma nem com todo o álcool que tomei naquela noite e em outras foi alvada.
Chegou o ônibus que o levou para sua casa na Vila Nova onde seguiu com sua vida velha.
- Boa tarde, Dona, obrigado por ouvir a sina de minha vida.
(história contada a minha irmã em um ponto de ônibus em Londrina-Pr)

Autor: Defranco - Bragança Paulista/SP

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http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=30365

Publicação autorizada pelo autor