Terêncio Espinheira passava em frente à capela de São
Raimundo quando sentiu travar o coração. Tombou, arrastou-se e morreu babando
no último banco da igreja. O sacristão comunicou ao padre Otávio e foi avisar à
família: duas filhas que com Espinheira moravam lá pras bandas do motor do
arroz. As duas receberam com alegria, a notícia, e não foram à casa santa, ver
o corpo do pai. Pe. Otávio pediu um caixão ao Major Apolônio que, como
prefeito, enterrava os mortos da cidadezinha por conta dos dinheiros
municipais. Mas não havia caixão para Espinheira, destratador de políticos e
destruidor do patrimônio público. A saída foi o velho sacerdote providenciar
uma rede para conduzir o morto, e o fez constrangido porque muitas vezes,
Terêncio, embriagado, invadira a igreja durante a santa missa, montado no seu
cavalo cardão.
As filhas não compareceram pois festejavam a morte do pai com
muitas rodadas de cerveja quente num reservado do Bar da Bia. Nunca mais
apanhariam no meio da rua, do pai feito fera, apesar das suas idades, com mais
de trinta anos cada uma. À tarde Pe. Otávio utilizou o serviço de som da igreja
e pediu ajuda aos cidadãos de Sipaúbas para o transporte do defunto até o
cemitério, ninguém apareceu. Nem adiantava, pois Gervásio, o coveiro, já se
havia negado a cavar a cova, depois de tanto sofrer nas mãos de Espinheira. O
vigário teve a idéia de pagar com o pouco dinheiro da coleta da missa a um
carroceiro para carregar o morto. O carroceiro veio mas o burro puxador da
carroça assombrou-se ao ver o morto e disparou de rua afora de carroça seca.
Espinheira anoiteceu insepulto.
Já exalando mau cheiro, era alta noite, quando Pe. Otávio
teve a idéia de colocar o cadáver num carro de mão e empurrá-lo até os fundos
da igreja onde um riacho caudaloso transbordava em cheias de abril. Jogou o
corpo na correnteza e veio desinfetar a capela.
No dia seguinte por mais de uma légua de riacho abaixo
apareceram centenas de piranhas mortas, e nos invernos dos anos seguintes nunca
mais correu água no riacho das Guaribas.
Autor: João Batista de Lima - Fortaleza/CE
Publicação autorizada através de e-mail de 26/02/2012
7 comentários:
Uma delícia de conto O insepulto.
Muito, mas muito engraçado mesmo! Parabéns Batista de Lima com o seu Insepulto.
Poxa, Carlos. Este teu canto aqui é realmente lugar de se achar literatura maravilhosa! Parabéns ao Batista!
Abraços sempre afetuosos.
Fábio.
Mais engraçado, triste e, ao mesmo tempo, interessante seu texto. Obrigado por me permitir a tão agradável e surpreendente narrativa. Será que o falecido fora tão ruim assim, ao ponto de as piranhas morrerem por terem comido a carne do defundo? ahahahaha!
ÊITA DEFUNTINHO DO ÔCO ESSE QUE DEU ATÉ DOR DE DENTE EM PIRANHA DE TANTA CÁRIE QUE DEU!
Parece que o nome do homem era bem adequado a ele, cheio de espinhos, que mata até piranhas.
Conto espetacular!
Um abraço ao autor.
Celêdian
Um conto de primeira linha. Quem planta colhem nem que seja depois de morto.Conceição Gomes
Postar um comentário