Assisti a um bate papo com o genial escritor Moacir Scliar na bienal do
livro aqui em BH, cujo tema era a Ironia na Literatura. Entre tanta coisa boa
que ele disse, uma delas foi sobre a ousadia do ser humano, respondendo a um
porque da mediadora, sobre a recorrência de temas bíblicos em suas obras.
Falou da fantástica habilidade dos escritores da bíblia, de sua
capacidade de síntese, das parábolas e metáfora e outras tantas preciosidades
inspiradoras contidas no livro sagrado e o mais lido pela humanidade. Depois
citou um exemplo que me deixou pensativo: o cientista americano Craig Venter
havia acabado de criar uma célula sintética, referindo-se à ousadia humana. É
diferente da clonagem, onde se tira um pedaço de tecido vivo e se faz cópia
desse ser. A célula é o princípio de toda a vida no planeta. Então podemos
deduzir que o homem agora já pode se colocar no lugar de Deus, segundo a crença
religiosa sobre a criação. Apesar de não ter assumido essa capacidade, ele
disse, por enquanto, que vai haver a possibilidade de resolver problemas
ambientais e energéticos, entre outras aplicações. Mas é uma célula, minha
gente. A dedução de que vai se querer criar um ser vivo fica por conta de minha
imaginação. Ironia ou não, é uma ousadia que vai dar pano pra manga.
Eu já andava meio desconfiado. Tenho observado que uns alimentos naturais até
algum tempo atrás eram mais perecíveis. Não sei também qual a matéria prima ou
remédio que usam nas pesquisas científicas, mas tem muita coisa que está com
uma durabilidade excessiva. Tenho umas laranjas e um melão aqui na minha casa
que já fazem mais de cinco meses que não apodrecem. Estão tão vistosos que quem
chega pergunta se é daquelas antigas frutas de plástico que se usava para
enfeitar fruteiras. Só não tive a coragem ainda de comer. Por vias das dúvidas,
melhor continuarem enfeitando. Isso é genética aplicada à agricultura, suponho.
O mundo é mesmo dos ousados, tem razão quem disse isso. Enquanto há uma luta
ferrenha para se retornar às coisas naturais, a uma alimentação mais saudável,
orgânica, livre de venenos, há um desenvolvimento acelerado de pesquisas para
desnaturalizar alimentos para aumentar a produção e durabilidade em menos
espaço geográfico por causa da destruição de áreas férteis disponíveis. Ou para
aumentar a lucratividade dos produtores? Não sei, mas desconfio de muita coisa.
E tenho uma certeza: as cobaias acabamos sendo nós mesmos, depois dos ratos de
laboratório, claro. Sem entrar no mérito da causa se o homem está arrogando a
se igualar a Deus ou provar que ele não existe, criando vida por conta própria,
a ousadia é uma ironia.
O restante da conversa foi sobre os limites da transgressão e a diferença
entre a ironia e o humor na literatura. O humor é aceito com certa
universalidade. Já a ironia tem um duplo, triplo, ou vários sentidos que , por
falta de compreensão do interlocutor ou firme propósito do autor, pode ser
apenas deboche ou soar como provocação, acinte ou outra coisa que provoque
inquietação. Estou apenas pensando na frase que eu falei que o mundo é dos
ousados. Ou então a minha ironia aqui é que passa a ser uma ousadia. E de
pensar que o meu maior atrevimento foi ter dado um livro meu de presente para o
autor, coisa que nunca achei que fosse possível. E ele aceitou com muita
educação. Para mim foi o máximo da ousadia.
Autor: José
Cláudio - Cacá - Belo Horizonte/MG
Publicação autorizada através de e-mail de 07/02/2012