Perfil
Peço
a quem estiver me lendo, imaginar um lugar longe de quase tudo. Num esconderijo
das Minas Gerais sem fim.
Imaginem por favor, porque é de lá que eu vim. Na Serra da Canastra nasci e cresci - pouco, mas cresci - Meu nome é Maria...
Amante da vida, da Serra, das cachoeiras, do canto dos pássaros, do cheiro do mato, do caminhar na chuva, da prosa-poesia de Guimarães Rosa...
Espero que gostem do que tento escrever, porque é com o coração que conto minhas histórias.
Abraço a todos!
Maria Mineira
Imaginem por favor, porque é de lá que eu vim. Na Serra da Canastra nasci e cresci - pouco, mas cresci - Meu nome é Maria...
Amante da vida, da Serra, das cachoeiras, do canto dos pássaros, do cheiro do mato, do caminhar na chuva, da prosa-poesia de Guimarães Rosa...
Espero que gostem do que tento escrever, porque é com o coração que conto minhas histórias.
Abraço a todos!
Maria Mineira
A família morava num
pequeno sítio ao pé da serra. O filho mais velho de nome José, já
completara seus vinte anos. O rapaz era sério, ajeitado
e trabalhador. Muito estimado por toda gente da região.
Desde menino no cabo
da enxada, já possuía de seu um cavalo arreado, algumas criações e começava a
construir seu ranchinho, do outro lado do rio, nas terras do pai. Com intenção
na Rosinha, filha do Antônio da Elvira. José gostava muito de trabalhar na
fazenda dele.
Nos pagodinhos de
roça, os dois jovens não faltavam. Dançavam juntos o baile inteiro, todo mundo
achava que tinham nascido um para o outro.
Naquele tempo não
tinha esse negócio do rapaz ficar “amassando barro” na porta da casa das moças
não! E o pai da Rosinha já estava aflito que aquela história tomasse um rumo.
Certa vez estava
nervoso, bravo com ela, falou:
—Ô Rosinha, minha fia,
iscuta o seu pai. Se o Izé num cria corage e fizê logo esse pidido, ieu
vô cabá arrumano outro pretendente procê.
Por azar, o José vinha chegando e ouviu a conversa. Ficou sem graça e foi embora. Passou o resto do dia em casa emburrado. Não quis prosa com ninguém. Tempo ia passando, ele Ficou danado de saudade da Rosinha, mas a falta de coragem de voltar lá o impedia.
Por azar, o José vinha chegando e ouviu a conversa. Ficou sem graça e foi embora. Passou o resto do dia em casa emburrado. Não quis prosa com ninguém. Tempo ia passando, ele Ficou danado de saudade da Rosinha, mas a falta de coragem de voltar lá o impedia.
O rapaz não dormia
direito, emagrecia. Os pais preocupados com o filho não sabiam o que fazer. A
mãe teve uma ideia.
— Meu fio, eu mais seu
pai achamo que ocê deve de criá corage e falá com seu Antôe.
—Nóis faiz gosto nesse
casório meu fio, a Rosinha é moça boa e prendada.
E assim os pais acabaram animando o filho. Ele não queria outra coisa. Havia, porém um problema muito sério. Como falar com o Seu Antônio? Por onde ele ia começar?
E assim os pais acabaram animando o filho. Ele não queria outra coisa. Havia, porém um problema muito sério. Como falar com o Seu Antônio? Por onde ele ia começar?
Era num domingo, após
noites sem dormir, treinando sozinho. José acabou criando coragem. Tomou banho,
colocou roupa nova, arriou o cavalo e foi para a fazenda do pai da moça.
Pouco depois os
cachorros da fazenda anunciaram uma chegada com latomia e algazarra. A porteira
se abriu, um cavaleiro entrou.
—Bãos dia minha gente! —falou o José, engasgado.
—Bãos dia minha gente! —falou o José, engasgado.
Foi recebido com
agrados, meio desconfiado assentou-se no banco da sala. A família da
mocinha toda ao redor. Não havia um que não percebesse a sua tremura... .
Quando viu Rosinha toda bonita, voltou-lhe o brilho dos olhos. Olhou para ela,
avermelhou, ficou afobado... Mas acabou soltando algumas palavras:
—Sô Antõe... Dona Ervira...
Dexa ieu casá cá Rosinha?
Finalmente! Foi um
alvoroço na sala. Rosinha muito tímida saiu correndo e se escondeu no quarto.
Depois voltou meio sem gracinha, mas com jeitinho alegre. Seu Antônio e Dona
Elvira fizeram gosto, e marcaram para o próximo domingo a entrega da aliança e
festa de noivado no sítio dos pais do rapaz.
Logo no início da
semana a família do José foi até o arraial a fim de providenciar as
coisas e preparar a casa para a festa de noivado. Compraram na loja do Seu
Edgar, sapatos, louça nova e tecidos para fazer roupa nova para todo
mundo.
—Nóis vai pricisá
compra pano pa fazê cocha nova pas cama, tuaia nova pas mesa né meu fio?
Num podemo fazê feio no dia do seu noivado.·.
—Pode iscoiê um pano
bem bonito qui ieu memo pago, mãe.·.
—Vô levá um bão
pedaço desse ramado de fulôr vermêia. Vai dá pá cubri as cama e fazê a
tuaia da mesa dos doce.
— Pode cortá deiz
metro desse pano bonito e de fulôr vermeia, Sô Digar!— Disse o José, feliz
da vida, tirando o dinheiro da carteira.
Amanheceu o domingo, Dona Elvira, a mãe, já estava com a casa toda arrumada, a leitoa e os frangos assando no forno, uma grande variedade de doces sobre a mesa. José e o pai madrugaram para dar conta da tiração de leite e fazeção de queijo antes das visitas chegarem. O sítio não era grande, mas afinal de contas tinham com o quê.
Amanheceu o domingo, Dona Elvira, a mãe, já estava com a casa toda arrumada, a leitoa e os frangos assando no forno, uma grande variedade de doces sobre a mesa. José e o pai madrugaram para dar conta da tiração de leite e fazeção de queijo antes das visitas chegarem. O sítio não era grande, mas afinal de contas tinham com o quê.
Da janela, José já
todo bonito na roupa nova, esperava ansioso ao lado dos pais e
irmãos menores. Quando viram apontar no alto do morro três cavaleiros a
passos lentos pela estrada afora. Era o Seu Antônio, Dona Elvira e a sua
adorada Rosinha. Vinham para o almoço de noivado.
Tão logo se
aproximaram, a cachorrada foi encontra-los latindo, rosnando, fazendo
festas. Foi nesse instante, quando avistaram Rosinha chegando à porteira
do curral que mãe e filho trocaram olhares apavorados, enquanto a mãe
tentava conter o riso dos irmãos mais novos.
A moça vinha num
bonito cavalo branco. Usava chapéu de palha para se proteger do sol e usava um
vestido novo. Certamente o tecido foi comprado na loja do Seu Edgar, única da
cidade. Porque era um vestido feito de tecido bonito, estampado com flores
vermelhas... Dá mesma cor da toalha da mesa dos doces e de todas as
colchas que cobriam as camas da casa do José...
Ernestina
Muitas pessoas contam sobre sustos, medos provocados por fenômenos sobrenaturais, coisas fantásticas que causaram de certa forma, terror a quem teve oportunidade de presenciar acontecimentos não explicáveis. Há quem afirme que assombração nunca aparece para mais de uma pessoa e que tais fatos são experiências individuais.
Hoje restam apenas os
escombros da fazenda de minha madrinha. Há quem acredite que aquele lugar
sempre foi mal assombrado. Ali apareciam luzes misteriosas, mulheres vestidas
de branco pelas estradas, cantigas noturnas de carros de bois...
Durante a infância
tive oportunidade de conhecer alguns cômodos daquele antigo casarão. Havia um
quarto trancado a sete chaves. Dele, eu soube apenas que havia pertencido ao
filho da madrinha e à esposa dele. Ambos haviam morrido antes de completar um
ano de casados. Ele, de nome Artedes, morreu de câncer, doença que
naquele tempo não se ousava pronunciar nem o nome. Ernestina, sua mulher
faleceu alguns dias depois de morte misteriosa.
Naquela fazenda tinha
um enorme pomar com frutas variadas. Um rego d’água que mais parecia um riacho
onde a água cristalina se dividia entre uma bica de madeira e um monjolo. Ali
não havia crianças, pois madrinha não teve netos. Minhas visitas àquele lugar
eram sempre solitárias, o que não me incomodava nem um pouco, pois gostava
muito dali, me sentia num paraíso. Esquecia do mundo subindo nas árvores,
comendo frutas, colhendo flores, enquanto minha avó ajudava minha madrinha
preparar um delicioso almoço, coisa que ela fazia questão de me oferecer, além
de muitos doces, toda vez que eu a visitava.
A única recomendação era
para que eu nunca entrasse na casinha onde ficava o monjolo. Vó Geralda achava
perigoso para criança. Porém, eu tinha enorme curiosidade de conhecer aquele
espaço. Do lado de fora só se podia ouvir o barulho e teimosa, um dia acabei
entrando.
Vi o monjolo de
madeira, incansável a trabalhar dia e noite. Havia mais alguém naquele lugar...
Lembro-me como se fosse hoje, da moça de pele muito clara e lindos cabelos
pretos, sentada num banquinho fiando. Pedalava uma roca de madeira, tendo perto
um balaio com várias meadas de lã coloridas.
Ela parou de fiar e se
ofereceu para descascar as laranjas que eu trazia nas mãos. Aceitei e enquanto
conversávamos levou-me a um jardim que eu não conhecia. Pulamos um muro de
pedras e dentro dele ficava um enorme canteiro, onde as únicas flores eram as
dálias, de todas as cores e formatos. Nunca na vida eu vi tão bonitas flores
quanto aquelas.
Passamos uma manhã
agradável e feliz, eu me sentia muito bem ao seu lado. Ela terminava de fazer
duas tranças em meus cabelos quando me chamaram para o almoço.
Muitos anos depois,
minha madrinha morreu. Eu já tinha uns 16 anos e fui ao seu sepultamento...
Senti algo estranho quando parei em frente ao jazigo de sua família.
Havia o retrato de seu
finado marido e à esquerda numa moldura, a foto de um jovem casal. Um rapaz
sério, de bigodes. Ao seu lado, uma bela moça de cabelos pretos e olhar terno,
que parecia me sorrir...
O casório da Crimintina
A quem nunca soube dos
costumes antigos de nossa gente, pode até parecer absurdo que um pai desejasse
desfazer-se das filhas mulheres o mais breve possível, para jogar a incumbência
do sustento ao marido arranjado.
Mas eram coisas das necessidades e dos costumes daquele tempo e Seu João
Clemente depois de muito pra lá e pra cá, chegou um dia em casa avisando à
filha:
— Crimintina, minha
fia, ieu já arrumei marido procê! É um rapaiz de famia pobre, mais é moço
dereito e trabaiadô.
A mocinha, nem gostou
e tampouco desgostou. Consentiu. Sentada no banco da sala, de mãos cruzadas
entre os joelhos, com o pai de pé a sua frente, olhava o assoalho bem varrido,
imaginando a vida que viria...
Naquele final de tarde
um passarinho cantou lá fora, parecia explicar a ela que coisas do mundo eram
mesmo daquele jeito.
Clementina do João
Clemente e Antônio do Chico Cunha só se viram pouco antes do casório. Foi tudo
muito simples, sem as pompas que cá imaginaríamos. Mas, com todas as vias de
fato para tornar-se sacramentado.
Seguiram para o arraial a cavalo. Ela bonita de véu, grinalda, vestido branco e flor de laranjeira. Ele de terno riscado, a mesma roupa que o pai vestiu quando se casou. A comitiva formada por gente a pé, um pouco de gente montada, revezando. Os mais idosos iam num carro de bois.
Seguiram para o arraial a cavalo. Ela bonita de véu, grinalda, vestido branco e flor de laranjeira. Ele de terno riscado, a mesma roupa que o pai vestiu quando se casou. A comitiva formada por gente a pé, um pouco de gente montada, revezando. Os mais idosos iam num carro de bois.
Já voltavam, quando
Seu João Clemente registrou alguém no meio dos convidados e se achegou ali
mesmo, dum rapaz apontando idade pra Adelina, a mais nova que ficava.
A casinha dos dois foi
feita perto donde ela vivia com a família. De pau- a- pique e chão batido. Com
uma bica d’água ao lado, onde Clementina era vista todo dia, cumprindo sua lida
nesse mundo.
Antônio, nos primeiros
dias de homem de respeito que agora era, mostrava, no indo e vindo do dia, que
já andava meio desacorçoado do casório. Isso não passou despercebido pelos
companheiros de roça.
Mais de um mês depois
do casório... De chapéu no peito, com todo o respeito que existia nessa vida,
estava ele na frente da casa de Seu João Clemente, querendo conversar coisa
séria. O sogro, ardido do sol de lascar daquele dia, deu uma coçada preocupada
no queixo barbado, mandou todo mundo sair da sala:
—Ocêis tudo caça um
rumo, qui ieu mais meu genro pricisamo proziá cunversa de home.
—Assenta aí no banco,
Antõe! Chegô na hora da janta... Num vai querê cumê uns torresmo mais tutu de
feijão cumigo?
—Agradicido... Num tô
cum fome não, meu sogro... Mi adiscurpe chegá fora de hora.
Antônio havia ensaiado
uma cara de bravo pelo caminho, porém, na hora de botar os “pingos nos is”, se
pôs meio ressabiado na frente do sogro.
— Pó falá o qui te traiz aqui Antõe! Tô disconfiado qui boa coisa num é! Bradou o velho João Clemente, com o garfo em punho enquanto Antônio só se acanhava mirando o poente pela janela lá na serra.
—Pur acaso, vei recramá da Crimintina? Cê num ta satisfeito cum tempero da cumida qui a tua muié tá fazeno?
— Pó falá o qui te traiz aqui Antõe! Tô disconfiado qui boa coisa num é! Bradou o velho João Clemente, com o garfo em punho enquanto Antônio só se acanhava mirando o poente pela janela lá na serra.
—Pur acaso, vei recramá da Crimintina? Cê num ta satisfeito cum tempero da cumida qui a tua muié tá fazeno?
—Num sinhô, ela faz um
cumê bão dimais da conta! – Respondeu Antônio falando a primeira alguma coisa.
—Ela num cuida bem da
casa?
—Num é isso não sinhô!
A nossa casinha ta limpa qui dá gosto! Crimintina arruma tudo direitim, as
panela tá tudo briano im riba do fugão.
—A minha fia num tá cuidano bem da tua rôpa, é isso?
— Num sinhô, nunca visti rôpa tão limpinha assim, ela inté sabe custurá.
— Ah Antõe, ô num sei o qui tá te contrariano, oia qui ieu num sô adivinhu, ô ocê disimbucha logo, ô ocê vai simbora, qu'eu num criei fia pra tê recramação adespois di casada.
—A minha fia num tá cuidano bem da tua rôpa, é isso?
— Num sinhô, nunca visti rôpa tão limpinha assim, ela inté sabe custurá.
— Ah Antõe, ô num sei o qui tá te contrariano, oia qui ieu num sô adivinhu, ô ocê disimbucha logo, ô ocê vai simbora, qu'eu num criei fia pra tê recramação adespois di casada.
Uniu-se a irritação
dum com a vergonha e medo do outro. Fez-se um silêncio penitente entre os dois,
até que Antônio arrancou do fundo da alma a força pra dizer:
—Ô sô João... É qui...
— Fala homi de Deus!
— Sab quié?
— Ieu num sei de nada
não, uai! Ocê inda num falô!
— É qui...
—Fala pelarmordedeus,
qu’eu já tô aguniado!
— É qui... Ela num
qué...
— Ela num qué o quê,
Antõe?
— É Sô João, é qui a
Crimintina, ela num qué...
— Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh!
Antão é isso?
— É... Ela fogi
dieu... Num qué fazê aquês trem cumigo!
Desprendeu-se a
coragem de Antônio e seguiu-se a resposta histórica de Seu João Clemente:
— Amarra a Crimintina
na cama e faiz os trem á força, Sô pamonha! Ieu tive qui fazê isso cá mãe dela!
Anos depois, as más
línguas, ainda diziam que se ouvia muito uma coisa na roça onde os dois
trabalhavam. Era a Clementina sussurrando, ainda meio acanhada:
—Ô Antõe... Ocê vai
querê marrá ieu hoje de noite?
O casal teve oito
filhos e comemoraram juntos as bodas de ouro. Na cabeceira da cama deles, nunca
deixou de haver uma corda. O porquê nunca se soube... São segredos guardados no
quarto duma casinha que dizem ainda existir. Histórias de vidas que o tempo vai
apagando. Coisas acontecidas no coração do fantástico sertão mineiro.
Simpatia para casar
Após algumas décadas separadas, as primas Maria Expedita e Alzira se encontraram nos festejos de fim de ano, no sítio da família.
As duas não se largavam, era tanta lembrança, tanto assunto para botar em dia!
— Ô Zirinha foi ieu ti
vê e mi alembrei do nosso tempo de mocinha!
—Ieu tamém Dita! Cê si alembra quando ieu vim mora na sua casa?
— Alembro como se fosse onte quando ocêis apontaro lá no morro e a cachorrada foi latino e fazendo festa, cê inté subiu na cerca do currar cum medo...
—Ieu tamém Dita! Cê si alembra quando ieu vim mora na sua casa?
— Alembro como se fosse onte quando ocêis apontaro lá no morro e a cachorrada foi latino e fazendo festa, cê inté subiu na cerca do currar cum medo...
— Tenho sodade
daqueles tempo, a vida num para pa nóis discansá não!
— Para não! Pa amanhecê onte tive uma sonharada concê e nem sabia qui nóis ia si incontrá aqui hoje!
— Para não! Pa amanhecê onte tive uma sonharada concê e nem sabia qui nóis ia si incontrá aqui hoje!
—Zirinha, ocê inda tem
a moda de querdita in sonho e simpatia?
—Ieu querdito uai!
—Ieu querdito uai!
—Cê pode mi arrumá um
golin d’água?
—Vô lá dento buscá e
já vorto pa nóis prusiá mais!
As duas primas
cresceram juntas na fazenda. Duas moças prendadas e trabalhadeiras. Alzira
sabia costurar e bordar como ninguém e Expedita ainda jovem já era a maior
quitandeira da região. Diziam que tinha mãos fada para a culinária.
Certo dia, Alzira
notou Expedita meio tristonha e resolver indagar:
—Qui asa caída é essa, Ditinha, o qui ocê tem?
—Qui asa caída é essa, Ditinha, o qui ocê tem?
—Nada não, prima...
Deve de sê mode qui ieu tô naquês dia...
—Cê num mi ingana não!
Conta o motivo dessa tristeza?
—Sabe o peão novo qui veio trabaiá pro pai?
—Sabe o peão novo qui veio trabaiá pro pai?
—Sei, é o Jirimia,
rapaiz lá das bandas do Desempenhado.
—Tô gostano dele e ele nem oia pra ieu... Será qui me acha feiosa, heim, Zirinha?
—Tô gostano dele e ele nem oia pra ieu... Será qui me acha feiosa, heim, Zirinha?
—Quê isso, minina! Num
é pruquê ocê é minha prima, mas ocê é uma das moça mais bunita da redondeza,
além de tudo é munto trabaiadêra. Quarqué rapaiz ia ti querê!
—Mai, ieu num quero
quarqué rapaiz, ieu quero o Jirimia!
—Oia, ieu sei uma simpatia qui é tiro e queda mode fazê um rapaiz ficá doidim cum uma moça. A Tunica do Simão feiz e casô em poco tempo!
—Zirinha, mi insina pelamordedeus! Faço o qui fô preciso pá casá cum o Jirimia!
—Oia, ieu sei uma simpatia qui é tiro e queda mode fazê um rapaiz ficá doidim cum uma moça. A Tunica do Simão feiz e casô em poco tempo!
—Zirinha, mi insina pelamordedeus! Faço o qui fô preciso pá casá cum o Jirimia!
—Oia Dita, posso até
ti insiná e ajuda a fazê a simpatia. Mais o trem num é facim não! Picisa
tê corage!
—Tô ficano agoniada!
Fala logo Arzira!
—Premero nóis tem qui
escrevinhá seu nome mais o nome do Jirimia numa fôia branca virge, isperá sexta
fera de lua cheia, adispois caçá um sapo, colocá o bichim dento de uma lata e
junto com os nome iscrito, fechá a lata e interrá num buraco de sete parmos de
fundura, dibaxo duma arve de gameleira numa sexta fera de lua cheia.
—Credoincruz! Dessi
jeito vô cabá ficando biata memo! Qui trabaiêra!
—Uai, cê quê ô num qué o Jirimia?
—Uai, cê quê ô num qué o Jirimia?
—Ieu quero sim! Tô
doidinha mode ele!
Na primeira sexta
feira de lua cheia as moças já estavam com os nomes escritos dentro de uma
lata, assim que anoiteceu lá na roça, pegaram uma cavadeira e foram primeiro
rumo ao brejo caçar o sapo.
—Ai Zirinha, ieu tenho medo de sapo. Cume qui vô pô a mão num?
—Ô Expedita, pensa só no seu príncipe Jirimia, que na hora de pega o sapo o medo some! Oia só quanta zoiarada briando no brejo! Deve de sê tudo sapo!
—Ai Zirinha, ieu tenho medo de sapo. Cume qui vô pô a mão num?
—Ô Expedita, pensa só no seu príncipe Jirimia, que na hora de pega o sapo o medo some! Oia só quanta zoiarada briando no brejo! Deve de sê tudo sapo!
—Ô intão cobra!
Deusmilivre guarde! O qui a gente num faiz por amor?
Depois de algum tempo no meio do mato e brejo conseguiram pegar alguma coisa.
Depois de algum tempo no meio do mato e brejo conseguiram pegar alguma coisa.
—Amiga esse trem qui
cê pegô num tem cara de sapo não! Tá pareceno mais uma jia, ô uma perereca das
grande...
—Ahhh prima... Tá bão!
É tudo da mema famia! Bambora cavá o buraco lá na gameleira do morro, num
guento mais ficá com os pé insebado de barro desse brejão!
Se alguém passasse por
aquelas bandas da fazenda do Seu Joaquim Bento, naquela sexta feira, iria
estranhar aquela luz de lamparina no pastinho da gameleira grande. Ninguém
acreditaria que havia ali duas moças cavando um buraco de sete palmos no meio
do cerrado...
—Num aguento mais cavucá
terra, Arzira! Será qui já tem sete parmo de fundura? Minhas mão tão cheia de
bôias d’água!
—Cavaca mais Dita, tá
munto razinho ainda. Tem qui fazê o trem dereito! Pensa no Jirimia qui cê
guenta! E num esquece de mi convidá pá madrinha heim!
Quando terminaram o
ritual e voltara exaustas para casa, já era quase madrugada.
—Pois, prima hoje
dispois duma vida intêra ieu paro e fico recordano essas muluquice, as peleja
da nossa mocidade...
—Ieu tamém Zirinha...
A vida às vêis tem a moda de caçoá da gente. Sabe qui ieu quirditei do fundo do
coração qui ieu ia casá cum o Jirimia?
—A vida é mei pirracenta às vêis, cumadi Expedita...
—A vida é mei pirracenta às vêis, cumadi Expedita...
—Poco tempo dispois da
simpatia qui nóis feiz, o moço Jirimia vortô pa terra dele, sem nunca sabê qui
ieu amava ele... Passei dias, mêis e ano naquela janela isperano a puêra dos
casco do cavalo dele na istrada...
—Prima Expedita... Ieu queria te falá um trem...
—Prima Expedita... Ieu queria te falá um trem...
—Dipois cê fala. Dexa
ieu abri o meu coração... O tempo passô, ocê qui nem pensava em casório,
si ajeitô com o Tunico do Tião, ieu fui inté sua madrinha. Adispois cê foi
simbora e ieu fiquei aqui na roça cuidano dos fio dos otros... Fiquei pa titia!
—Prima... Ieu preciso
te contá uma coisa qui tá intalado na minha garganta...
—Adispois cê conta! Premero mi diga uma coisa: Cê acha qui num deu certo foi pruque nóis pegô perereca no lugá dum sapo?
—Adispois cê conta! Premero mi diga uma coisa: Cê acha qui num deu certo foi pruque nóis pegô perereca no lugá dum sapo?
—Prima, a simpatia deu
certo!
—Deu não, uai! Jirimia
foi-se imbora. Nunca casei cum ninguém. Sô virge inté hoje nessa idade.
—Ditinha, cê tem qui
mi perduá, prima. Alembra qui foi ieu qui escrevinhei os nome na fôia de paper?
—Alembro sim! Ieu pidi
mode qui a sua letra era mais bunita qui a minha...
—Pois é, minha consciênça pesa inté hoje...
—Pois é, minha consciênça pesa inté hoje...
—Prima Arzira, ocê...?
—Ieu botei naquela
fôia de paper num foi o seu nome mais do Jirimia... Foi o meu nome mais o nome
do Tonico...
Num galho sem saída
Nas minhas idas ao sítio,
sempre apreciei ouvir o silêncio do entardecer, quebrado apenas pelo canto dos
pássaros, o farfalhar das folhas secas pisadas e pela aragem, rumorejante na
copa das árvores. Como se fosse um recital de anjos, conduzido pelo vento.
Lá no alto, as serras se
confundem ao formar um relevo cheio do verde do capim e cinzento das pedras. Um
céu estampado em sedutores tons de rosa e laranja, jamais encontrados em cores
produzidas pelo ser humano.
Finais de
primavera, tempo quente e úmido. Muitas árvores frutíferas pelo caminho.
Prestei atenção numa goiabeira cujos galhos se inclinavam à minha frente. Seu
tronco se erguia a uma altura maior que as outras árvores; lar perfeito para
vários pássaros. Onde os insetos também se rendiam aos frutos e flores.
Aproximei-me da sombra e
vi um mundo de folhas encobrindo o céu. O galho mais alto exibia algumas
goiabas quase maduras, daquelas de dar água na boca, ainda mais sendo temporãs.
Lá em cima havia um ninho com filhotes, pois, ouvi piados e vi um casal de
canarinhos assanhados voando por perto.
Desde menina gosto muito
de saber do mundo visto lá de cima das árvores. Respirar e sentir o
perfume do ar, ouvir os pássaros e observar as nuvens, me ajuda a compreender
melhor as criaturas de Deus.
Segurando nos ramos
escalei vagarosamente e lá no alto, apoiei-me no tronco da goiabeira.
Meus pensamentos se acalmaram no silêncio daquele instante. De olhos fechados
fiquei totalmente sintonizada com a natureza.
Aproveitava o frescor do vento soprando
mais forte. As folhas se agitaram, os pássaros fizeram mais algazarra em torno
de um pequeno ninho, com três filhotes... Sentindo o cheiro de goiaba, abro os
olhos devagar quando dou a primeira mordida e percebo na boca o doce da
fruta.
De repente, estremeço ao
ver no galho à minha frente- justo naquele em que me apoiava- uma coisa verde
escorregando sinuosamente pelos ramos... Não queria acreditar que era uma
cobra! Meu Deus do céu, era sim! Deslizava de um galho ao outro sem se importar
com minha presença. Fixava em mim dois olhos amarelos. Distante alguns
centímetros, aquela serpente verde esticava sua língua e parecia me desafiar.
Em estado de choque, não
reagi. Fui invadida por sensação de repulsa, misturada com pavor, enquanto ela
chegava perto do ninho à minha frente farejando, procurando os filhotinhos, se
preparando para dar o bote.
Todo meu corpo imobilizado. Preso no
alto daquela árvore. Mãos trêmulas, boca seca, olhos arregalados, sem ter
certeza do que viam. No meu subconsciente, a tristeza por não ter coragem de
salvar a vida dos passarinhos.
Eu estava num beco sem saída, impotente
,apesar de ter certeza que a vida dos filhotes de canarinho serem mais
importantes que a daquela cobra.
Após alguns instantes ela saiu resvalando-se silenciosamente, misturando sua
cor à das folhas, fugiu mundo afora... Eu não sentia gosto de mais nada. Só um
frio no estômago, um mal estar, uma vertigem... Faltava-me o ar, a brisa suave
não soprava mais.
Receitas
que aquecem o coração
Foi brincando de casinha que tomei gosto pela arte
da culinária, desde menina. Tinha um fogãozinho de barro e panelinhas de ferro.
Fazia comidinha de verdade. Acredito que cozinhar é quase um ritual de antigos
alquimistas, que transformavam os alimentos no exalar de aromas das panelas
invadindo a casa, no crepitar da lenha no fogo.
Muitas vezes diante de um fogão a lenha, cheguei a
sentir o cheiro da cozinha de minha infância, dos doces de goiaba no tacho de
cobre, das compotas de figo na cristaleira, do tempero do almoço de domingo,
dos causos à beira do fogão, da pergunta carinhosa da Vó – está com fome minha
filha? Tudo revivido em momentos preciosos que só a comida é capaz de
proporcionar.
Cada sabor é um retorno às origens, carregada de
sentidos e lembranças que vem a tona, como pitadas de tempero que dão um toque
singular a vida.
Um olhar atencioso em uma receita revela os gostos de uma época, o estilo de
vida, a reunião de texturas e sabores que são transmitidos de geração em
geração.
Quem não desejaria conhecer o segredo do feijão que só a mãe sabe fazer? Quem
não gostaria de descobrir a fórmula mágica dos bolinhos de chuva da
avó? Preparar uma receita é uma forma de reviver maneiras e gestos, principalmente
se nos fazem lembrar de pessoas queridas, assim se transforma num ato de amor,
pois, transmitimos nossos sentimentos ao cozinhar .
Uma receita inesquecível é de uma comida que minha avó Geralda fazia quando
mamãe estava de resguardo. Na roça há um costume: uma mulher ao dar à luz
precisa comer sopa: tal iguaria é uma canja bem substanciosa feita com galinha
caipira, farinha de milho torrada e temperos.
Quando meus três irmãos nasceram, minha avó passou dias fazendo sopas e outras
coisas gostosas para minha mãe, porque ela tinha que ficar de repouso depois do
parto. Vó Fazia com gosto, com amor pela filha e pelos netos. Eu nunca me
esqueci do cheiro e do sabor daquela sopa fumegando na tigela de louça branca.
*1 galinha caipira nova e gorda
*1 litro de farinha de milho torrada
*4 dentes de alho amassados e sal a gosto
*1 litro de água
*Cebolinha e salsa a gosto.
No fogão à lenha dourava-se o alho na
manteiga da própria galinha, dentro de uma panela de ferro bem grande.
Depois colocava os pedaços (Vó Geralda sempre cortava a galinha em 23
pedaços) dentro da panela e deixava dourar. Acrescentava a água, sal
e deixava cozinhar até ficar no ponto, isto é, bem cozida.
Depois era só retirar os tições de lenha do fogo e adicionar
a farinha de milho, sem nunca parar de mexer para não empelotar. Então
era só deixar no fogo até começar a ferver. Por último salpicava o cheiro
verde por cima.
A sopa era servida no quarto, numa tigela de
louça. Era feita para a mãe, mas todos na casa ficavam esperado para provar
também.
Feridas
que deixam marcas
Chovia sem parar. A morte da filha foi o maior
sofrimento da vida de Bento. Desesperado nem viu o cair da noite. Uma
angústia lhe oprimia o peito fazendo descer lágrimas de uns olhos que nunca
haviam chorado antes. Já estava escuro e estiara quando parou de chorar. Ele e
o céu haviam se livrado todas as gotas de água do mundo.
Bento estava decidido a começar sua caçada. Tinha
instinto primitivo, faro aguçado pelos anos de trabalho na solidão das matas
fechadas. Tinha certeza que encontraria aquele rapaz nem que fosse a última
coisa que faria na vida. Iria procurar nas vendas de beira de caminho, nas
fazendas vizinhas, nos sítios distantes, em todas as trilhas e estradas, por
que afinal é nas estradas que as pessoas passam.
Ele ia descobrir. Aquilo não era caso para polícia.
Afinal, Adélia morreu de parto. Mas não lhe saía da cabeça que morrera por
culpa daquele maldito e Bento não ia sossegar nessa vida enquanto não desse
cabo daquele infeliz que levou sua filha e depois a abandonou sozinha no mundo,
com um filho na barriga.
Adélia nasceu no campo e foi criada pelo
o pai viúvo, que se desdobrava para lhe dar todo o conforto. Mesmo morando
longe da cidade, ela aprendeu a ler e escrever com professora contratada
na capital. Sem ter por perto uma figura materna em sua vida, cresceu bonita e
já contava com dezesseis anos quando veio pedir ao pai que a levasse num baile
na propriedade vizinha. Bento não gostava de festa, mas querendo agradar a
filha acabou concordando.
A moça se encantou com o baile. Era uma novidade na
sua vida singela de menina caipira. Naquela noite conheceu Antônio Limeira, que
se dizia agrimensor e estava por aquelas bandas; medindo terras para um
fazendeiro vizinho. Depois daquele dia, vieram vários encontros, e quando houve
o primeiro beijo, Adélia resolveu contar ao pai do seu amor. Bento contrariado
tentou em vão, dissuadir a filha com argumentos de que moço da cidade não
servia para ela e além de tudo, era ainda muito jovem, não conhecia a vida.
Após a conversa, sabendo que Bento não aprovaria o
romance, a moça resolveu não contar mais nada ao pai. Começaram os encontros
secretos, as juras de amor eterno, as promessas... Até que meses depois, numa
fria madrugada de junho, Antônio Limeira e Adélia, fugiram juntos. Apesar da
tristeza, Bento não foi procurar os fugitivos. A filha fizera sua escolha,
deixou-a seguir seu destino.
Em menos de um ano, Adélia voltou sozinha, doente e
maltratada. Tinha os pés inchados, rosto cansado, gordura no corpo antes
bem feito. Estava grávida de oito meses. Abandonada e sem esperanças,
sobrou-lhe o choro, as lágrimas de humilhação. Tudo que esperava era receber
nesse momento o perdão, o carinho e a atenção do pai. Bento recebeu a filha com
um abraço, certo de que falhara como pai. Para redimir-se cuidaria dela e do
neto que estava prestes a nascer.
Debilitada, Adélia
não resistiu e morreu ao dar a luz. Fora um parto difícil, não
havia recursos naquelas lonjuras onde não se tinha notícia de médico ou
hospital. Na manhã chuvosa, trazida pelo carro de bois, foi enterrada no
cemitério da fazenda. O pai colocou uma pequena cruz de madeira no túmulo,
juntamente com um ramo de cravos. Chorava, sem saber ao certo se pela filha ou
pelo neto que nunca conheceria a mãe. Desesperado, sentou- se na sepultura ao
lado e viu saírem uma a uma as poucas pessoas que vieram dar o último adeus à
sua menina.
No dia seguinte retirou de uma caixa a garrucha Laport 38, dois cartuchos
carregados de chumbo grosso, o chapéu e o paletó de couro e sumiu no mundo por
vários meses... Dois tiros de uma só vez, Antônio Limeira jazia no chão de um
bar, numa rua suspeita. Horrorizada a clientela do lugar assistira ao
assassinato de um dos rapazes mais ricos da cidade.
O júri foi rápido. Bento era um matuto, os pais do morto eram gente
influente, tinham amigos na polícia e nas leis. Pegou trinta anos de
cadeia, dos quais cumpriu vinte em regime fechado.
Era madrugada quando abriram os portões da
penitenciária. Bento jogou a trouxa nas costas e seguiu rumo á sua
terra. Lembrou-se da filha, não deixou fugir nada da memória, sentiu a dor
da saudade que nunca seria curada. Nesses anos todos mantivera aberta a ferida,
significando a presença dela no coração. Como estaria seu neto que ficara
aos cuidados de sua irmã beata? Como estaria sua fazenda? Ainda seria
proprietário?
Sentia a friagem do vento contra o rosto marcado pelas rugas. Corujas piavam
dentro dos cupins. Curiangos observavam amoitados nos galhos. Respirou o ar da
liberdade. Uma curva no caminho era só atravessar uma ponte de madeira no lugar
da antiga pinguela e logo avistaria a terra que tanto amava. A manhã clareava,
logo seria dia e luz... Era a vida tantos anos depois se refazendo.
Não vi, mas estavam lá...
O dia não ficou
marcado, pois, coisas assim quase nunca deixam marcas, datas e nem horas, ficou
só como um dia, uma vez... E é assim que começam tantas histórias: certo
dia, uma vez ou era uma vez...
Os anos se passaram e coube a mim sentir um lampejo do toque mágico dos causos e através de palavras escritas, não deixar o tempo diluir antes de chegar ao leitor coisas dessas tantas roças e fazendas, cantos afastados e sertões enveredados. Coisas como o que aconteceu a seguir.
Os anos se passaram e coube a mim sentir um lampejo do toque mágico dos causos e através de palavras escritas, não deixar o tempo diluir antes de chegar ao leitor coisas dessas tantas roças e fazendas, cantos afastados e sertões enveredados. Coisas como o que aconteceu a seguir.
Fui porque ouvi dizer que aquele lugar ainda era habitado
por almas-do-outro mundo, escravos martirizados, arrastando correntes ou o
fantasma do fazendeiro cruel que não achou sossego no túmulo e voltou para
descansar em sua cadeira de balanço e dormir de novo em sua cama. Dizem, que
ali até hoje se ouve choros,
ranger de portas, panelas cozinhando sem fogo, pratos caindo. Pedras aparecem
não se sabe de onde e acertam os visitantes descuidados.
Cercado por muros de pedra, avistei o casarão fincado ao pé da serra como uma antiga árvore. O sol forte quase atenuou sua aparência sombria de profunda solidão e tristeza. As janelas cerradas, o mato invadindo, por falta de dono. O que resta da sede daquela fazenda são cores desbotadas, musgo ressequido, forjando em sua fachada uma inscrição anônima: 1887-1945. Ali não ouvi passarinhos e nem vi flores. Só pedras, poeira e cinzas.
Cercado por muros de pedra, avistei o casarão fincado ao pé da serra como uma antiga árvore. O sol forte quase atenuou sua aparência sombria de profunda solidão e tristeza. As janelas cerradas, o mato invadindo, por falta de dono. O que resta da sede daquela fazenda são cores desbotadas, musgo ressequido, forjando em sua fachada uma inscrição anônima: 1887-1945. Ali não ouvi passarinhos e nem vi flores. Só pedras, poeira e cinzas.
O lugar pedia para não ser profanado... Uma casa, mesmo caindo aos pedaços, já
teve seus dias de glória e isso, nem a poeira nem o tempo conseguirão apagar.
No antigo alpendre um sentimento me envolveu, uma sensação estranha tomou conta
de mim... Ali naquele balcão de onde, outrora, o senhor das terras deitava os
olhos sobre seus domínios...
Ouvi um barulho de janela batida
pelo vento. Mas não havia vento... O ar estava parado e sufocante. Não consegui
tirar nenhuma foto. Fiquei em silêncio, fiz uma oração e parti.Autora: Maria Mineira
São Roque de Minas/MG
Ilustração: Edmar Sales
3 comentários:
Parabéns Maria, minha irmãzinha, Mineira pela publicação dessa coleção de textos, simplesmente, maravilhosos. Muito feliz essa ideia de Carlos de dar ao conhecimento geral um pouco da sua capacidade descritiva e criativa. Seus textos são retratos vivos, têm cheiro, textura e sabor.
É sempre um prazer ler/reler os textos de Maria Mineira!
(Alice Gomes)
Todos os são maravilhosos. Cada um melhor do que o outro. Uma escritora de talentos inquestionável. Coneição Gomes
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