Sou um idoso feliz! Casado
com uma mulher maravilhosa, tem quatro filhos, sendo dois casais, que já me
deram oito netos, adoráveis! Estou aposentado, mas ainda trabalho dez horas por
dia. Uma rotina constante desde minha tenra idade.Não sou rico, meu trabalho
tem me proporcionado o suficiente para viver com dignidade.
Por falta de recursos na infância, meu grau de escolaridade foi apenas o
primário.Sem formação superior. Cursei apenas a escola da vida, da qual,
eu me tornei um eterno aprendiz. Com minha linguagem cabocla e
coloquial, tenho oito livros publicados, e participação em cinco
antologias editadas pelo projeto Gandavos, em Recife capital pernambucana.
Todos os meus livros, são focados nas histórias de minha terra e de meus conterrâneos.Adoro
a natureza considero-me um fruto dela,pois nasci no mato na mais deliciosa
simplicidade e pobreza, faltava quase tudo, mas, amor e dignidade nunca
faltou,fui criado cercado pelo carinho de meus pais, carinho esse que supriu a
falta dos bens matérias inexistentes.---Sempre encarei a vida com expectativa
que,a força das derrotas não seja obstáculo para que eu cultive a minha fé, nem
impeça-me de ser feliz. Desde criança aprendi com meus pais e avós, a me
colocar no lugar do outro quando for solicitado a lhe disponibilizar
ajuda humanitária. Amo a vida e minha profissão fazem dela uma oração com
o sentimento e propósito de servir. Nasci na roça e nela trabalhei e vivi
mais de cinqüenta por cento da minha existência. Sou comerciante atualmente,
mas com as raízes fixas na terra, da qual eu vim, e voltarei um dia em forma de
pó. Nunca abri mão de uma pequena propriedade rural, fruto do trabalho duro e
honrado, conquistado com dignidade por minha esposa e eu, com muita luta, suor
e mãos calosas.
--"Jamais eu poderia imaginar eu, um simples roceiro, lavrador,
aliás, com muito orgulho, estar ocupando uma cadeira na" Academia
Bondespachense de Letras (A B D L)” como um de seus membros fumadores, cuja
posse ocorreu no dia 10/08/2012, numa noite de gala como parte das comemorações
do cenário de nosso querido Bom Despacho... Cidade sorriso, a estrela do centro
oeste mineiro e alto São Francisco.
Em fim sou eu:
Um pequeno fragmento.
Neste universo maravilhoso que Deus criou
Sou nada menor que um grão de areia
Uma fagulha da natureza... Nada sou
Eu vim do pó e para o pó eu vou
Tornar-me-ei humo esterco da terra
Alimento das plantas... Quando a vida encerra
Espero estar no perfume das flores ao se desabrochar
Se possível aos pés da mãe de Deus... Enfeitando seu altar
Mas como sou nada... Sonhar... Foi o que a mim restou!
Porque, eu... Nada sou!
MEU LIVRO N º9
UMA SOMBRA NA
POEIRA
GERALDO
RODRIGUES DA COSTA
A seguir alguns textos
MINHA SOMBRA NA POEIRA
Às vezes inesperadamente somos surpreendidos pelo acaso,
ora nos premiando com sua lógica incompreensível, e inacreditável, ora nos
colocando em situações embaraçosas, conduzindo-nos a lugares inimagináveis.
Nesta foto eu fui premiado por ele, com o sol da manhã, projetando minha sombra
na poeira da estrada. Mexendo com o meu imaginário me transportando de volta ao
meu mundo criança, voltei no tempo quando nessa estrada desfilei inúmeras
vezes, brincando com os meus colegas, ou dirigindo-me ao trabalho juntamente a
inúmeros conterrâneos, que em sua maioria Já virou saudade e partiram indo
morar junto de Deus.
Minha intenção seria apenas fotografar a estrada. Sendo ela
um pedaço do meu passado, escrito nos históricos anais do Vale do picão. Ou
seja, um relicário de minha infância e juventude, onde vivenciei uma das
paginas mais importante da vida, ao lado de inesquecíveis amigos. Correndo de
pés descalços.
MEU QUERIDO VALE DO PICÃO
Permita Deus que longe de ti eu vá morrer
Oh terra querida... Tu que me visse nascer
É o berço dos sonhos e fantasias que me embalou a vida
Que seja aqui meu último suspiro ao chegar meu fim
Quero o sol das tuas manhãs refulgindo em mim
Dormirei em paz ao esplendor de seus raios dourados
Tornar - miei o mesmo pó de onde vim... Abraçado a ti!
Quero adormecer meu torrão querido... Meu vale adorado!
NO QUINTAL DA MINHA HISTORIA
Ao perceber que a luz de minha longevidade está
prestes a se apagar mergulhando no horizonte da inexistência. Eu aproveito os
últimos momentos que antecedem o meu ocaso, para uma retrospectiva do meu viver
no quintal da minha vida. Por alguns instantes eu volto no tempo, em uma viagem
retroativa, a conviver de novo com os murmúrios da natureza, que no passado me
inebriaram a alma e o coração de jovem. Minha imaginação põe-se a levitar na
brisa levada pelas asas da saudade. Sorvendo o cheiro das flores de laranjeira
e da terra molhada ao cair às primeiras chuvas, quando aquecida pelo sol, a
terra nua tombada pelo arado de boi, obedecia à automatização da natureza,
quebrando a dormência das sementes que se ajoelhavam referenciando a chegada da
primavera, e com isso, a magistral, flora silvestre entrando no seu ciclo
reprodutivo gestava sua biodiversidade.
No cio, as aves do céu a construir seus
ninhos para dar seqüências à posteridade. E ao longe no profundo silencio do
entardecer, na voz da historia, ouço o despencar da água na bica, e as pancadas
do monjolo, as cachoeiras, rolando pedras, e o açoite do vento arrogante
carregando as folhas secas descartadas pela mata. Enquanto rios e lagos a
bocejar cobrindo as veredas com a cortina da branca neblina, vinha do além o
sereno orvalhando campos e prados.
E como se não me bastasse monitorados por
minha mente aparecem os respingos de recordações que foram congeladas em minha
memória, a lampejar nítidas, imagens sabores e sons, visionados numa tela
imaginária. O cheiro de rapaduras na ultima taxada do dia sendo apurada no
engenho. Bagaços da cana povoados pelas laboriosas abelhas, exalando seu odor
azedo. Acordes e partituras que só a natureza seria capaz de apresentar, nas
belas tardes de outono quando no bambuzal silvaram fortes os passarinhos, se
discordando entre si, na disputa pelo seu lugar de pernoite. O cheiro
podre do brejo subindo as encostas, empurrado pelo vento vespertino que parecia
estar à busca de um crepúsculo, anunciado pela áurea franja do poente,
sobreposta ao arvoredo no longínquo horizonte. Bem na divisória entre céu e
terra. Resíduos do sol a refletir sorvidos pelas penas do bando de aves que
passavam pelas alturas deixando o banhado a buscar nos montes seus dormitórios.
Ao longe o ladrar de um cão espreitando a
lua cheia. Que surgia correndo ligeira pela passarela azul do infinito a
brincar com as plumas brancas que vagam sem rumo ao leu. Distante no estradão o
gemido do carro de boi adentrando a noite. A bulha na palha seca da roça donde
passa ruminando as vacas rumo ao curral. E ao longo da paisagem às
chaminés pincelando o verde das matas, com seus filetes brancos encurvados
sobre o ventre da terra sinalizando o fim de mais um dia no cotidiano rural...
UMA PÁGINA DA VIDA
Quando vejo uma garça branca manobrando suas
asas voando graciosa pelas alturas, tendo como pano de fundo o azul do
infinito, sinto uma saudade enorme... De um sonho interminável.
”Minha saudosa infância”
Mais de meio século já se passou, no entanto
parece-me ter sido ontem. Quando eu vivia misturado às maravilhas da natureza,
apreciando tudo de belo, nas aves e animais silvestres. Correndo descalço pelas
trilhas brancas, sem compromisso. Pelas pastagens verdejantes, e pelos brejais,
marcando com o barro branco argiloso minhas canelas. Foi uma das mais
importantes páginas de minha vida. Vivenciada no mais belo cenário que meus
olhos já vislumbraram em toda a minha existência. Um ambiente ecológico de rara
beleza. Somente a mão de Deus para criar coisa tão linda.
O lago azul e encantado conhecido como olho
d’água, desaguando no rio Picão, com sua orla coberta por variada espécies de
algas, formando um círculo verde manchados de garças brancas, buscando ali seus
petiscos, disputando espaço com o Martinho - pescador, biguás, marrecas e
paturis.
Para meu imaginário infantil aquele foi meu pequeno oceano. Com sua grande
diversidade de peixes, inúmeros cardumes, com seu malabarismo refletindo as
cores do arco Iris, aos raios do sol.
Ao meio dia com o sol a pino, a passarada se
reunia aglomerados nas arvores e nas latadas de cipó, formando a bela orquestra
ecológica, regido pelo sabiá, tendo como sentinela o vigilante “pássaro preto”,
que ao perceber a aproximação de um gavião, soltava seu dilacerante silvo de
alerta. Por momentos era um profundo silencio. Aos poucos recomeçavam uns aqui
outros ali; coleiras, melros, canários, outros mais, e os bem-te-vis.
No começo da primavera quando o vento varria a face da terra, eliminando a
densa fumaça que entristecia as tardes do final de setembro, chegavam às
simpáticas tesourinhas, migrantes de outras paragens que vinham procriar. Esta
prenuncia, nos mostrava que a natureza estava peste a entrar no ciclo
reprodutivo, com o sabiá rogando a Deus, a chuva. As espécies silvestres
entravam no cio, e começavam com grande euforia a construção de seus ninhos. Ao
cair às primeiras chuvas o cheiro da terra se espalhava misturado ao perfume
das flores da laranjeira, anunciando sua fecundidade. Esperançoso o roceiro
começava o preparo das sementes, lançando-as na terra tombada, que logo ia
verdejando. E em pouco tempo o mistério da divina criação fazia com que a terra
se atapetasse, toda colorida, na mais bela obra de arte.
Estes são detalhes da vida, que me marcaram profundamente, passando rápido,
como um estalar de dedos. Deixando em meu intimo as marcas da saudade!
RUMINANDO LEMBRANÇAS
No passado a natureza quebrava a monotonia da
impiedosa seca, com a magnífica beleza da flor do cipó de são João.
Tivera eu talento para pintar as belas imagens que outrora ilustraram o Vale
Picão, com certeza daria um belo quadro na historia universal.
A paisagem harmoniosa criada pela mão de Deus
exibida pela natureza foi algo fascinante. Atualmente vou ruminando nas
lembranças a saudade das imagens engavetadas na mente que vão sendo remoídas
pelo pensamento.
A simplicidade do cipó de são João com toda sua
beleza ecológica é um belo poema escrito pelo criador. Um recado de Deus
estampado nas densas latadas do cipó que se vergavam ao peso das flores
despencando das arvores despidas de suas folhas quando a natureza as colocava
em quarentena, no estado de dormência para vegetarem no seu período de descanso
preparando-se para ilustrar a primavera.
Foram com o cipó, que no
passado nossos ancestrais sustentaram as estruturas de suas moradias, seus
ranchos de madeiras, barreados de chão batidos cobertos de sapê. Recursos
oferecidos pela natureza abrigando a dignidade humana dos matutos sertanejos.
Foi com ele que o homem do mato construiu uma diversidade de utensílio
utilizada para sua sobrevivência.
E na sua demonstração de fé, entrelaçou
os mastros das bandeiras enfeitadas de laranjas maduras. Com sua flor ilustrou
na sua haste o contraste do amarelo com as demais cores, ao aconchegante calor
das fogueiras, na quermesse junina.
Ícone de inspiração sertaneja: na voz de
famosas duplas que tão bem, o descrevem, na musica raiz do nosso folclore. ”Lá
no meio do cafundó onde pia triste o chororó”
Destituído de suas funções, substituído pelo
aço, o cipó cedeu lugar ao arame e os pregos.
Atualmente tanto ele como o chororó, igualmente
as demais espécies tentam sobreviver, entre fileiras de eucaliptos, projetados
por um sistema globalizado que utilizam maquinas potente na ânsia louca da
guerra mercantilizadas pelas multinacionais.
Os homens que antes causavam pequenos arranhões
a natureza com suas ferramentas rudimentares, hoje se tornaram espectadores e
vitimas desta infernal destruição.
Sem perder a ternura a flor do cipó desabrocha
de forma singela. Se rastejando pisoteada pela histórica depedração que vai se
eternizando no tempo. Neste seu enigmático desabrochar, ela nos prova, que
acima de tudo ainda existe um ser maior, imbatível, criador, que tudo sabe e
tudo pode. E vez por outra manda seu alerta, através dos terremotos e
maremotos.
”Os tsunamis da história”
A VOZ DE A NATUREZA NO RANGER DAS GALHADAS
Certa manhã ensolarada, meu pai muito carinhoso, levou-me na garupa de seu
cavalo para um passeio Pelos campos. Onde executava seu trabalho vistoriando o
gado. Por instantes ele deteve-se na travessia de um córrego. Enquanto o animal
sedento saciava-se com a água cristalina, que rolava entre as pedras. Além do
cantar dos pássaros, e o murmúrio nas correntes da água, ouvia-se um barulho
diferente. - Perguntei-lhe do que se tratava. Respondeu-me:
- É a voz da natureza!
.
Para uma criança de apenas seis anos nascida no
campo aquela foi uma respostas um tanto incompreensível. Mas completando, ele
apontou com o indicador.
– Está vendo aquela arvore gigantesca
debruçada sobre o leito do córrego? - É um ingazeiro, é dele e do vento,
através de suas pesadas galhadas o som que ouvimos. Faça silencio e ouça como é
bela a musicalidade orquestrada pela natureza em coro com o ranger destas
galhadas!
-Naquele momento eu senti que de fato era mesmo
a voz da natureza inspirando paz e tranqüilidade e perguntei:
– Como sabe que é dele este barulho?
–Ora acompanhe com o olhar seu balanço
impulsionado pelo vento, seguido do som!
Por momentos, apurei os ouvidos, e empolgado
com suas explicações, pareceu-me inebriar flutuando ao relento juntamente com a
suavidade da brisa. Encantei-me com a beleza e a sinceridade de sua narrativa.
Se antes meus passeios o acompanhando pelos
matos eram prazerosos, agora mais do que nunca eu os perderia. Suas viagens,
sempre a cavalo, o tradicional meio de transporte da época.
Logo após voltando à noite da casa de meu avô,
um dos passeios mais preferidos. A lua encantadora já vertida para o poente
desenhava nossas silhuetas pela marginal da estrada. Além de um grande fascínio
uma duvida me questionava. Como poderia nos acompanhar passo a passo daquela
forma?
Se ela estava lá na casa de meu avô, como
poderia estar também em nossa casa ao mesmo tempo? Só mais tarde comecei
encontrar respostas para tantas perguntas fluidas por minha ingenuidade
infantil, naquele enigma que o universo escondia-me com sua misteriosa
magia. E a compreender o significado das palavras de meu pai.
Naquelas remotas épocas que as crianças, acreditavam em cegonha, papai Noel e
outras tantas fábulas que os pais, lhes contavam.
Tornei-me adulto e guardei com carinho aqueles
momentos. Com os ensinamentos e as lendas que papai me passou, aprendi
amar, respeitar, e preservar a natureza.
Ao jovem leitor deixo o meu recado: se você tem
filho pequeno, leve-o a um parque de preservação ambiental, mostre a ele como é
bela a natureza. Não deixe que ele envolva somente com esta avançada
tecnologia, que coloca a crianças da atualidade a milhares de quilômetros luz a
frente de sua realidade infantil. Com certeza ele jamais esquecerá este momento
e você estará guardado em seu coração eternamente.
CAMINHOS POR ONDE EU ANDEI
Conforme citei no texto de apresentação, eu
tenho um carinho todo especial pela estrada na ilustração da capa. Nela
caminhei pela primeira vez rumo ao trabalho ainda em tenra idade. Ela foi
passarela de um cenário inesquecível em minha infância, adolescência e
juventude. Onde eu desfilei sonhando mil fantasias. Um caminho que tantas vezes
percorri encimado no cabeçalho do carro de boi, ouvido seu canto dolente,
transportando as colheitas da fazenda sesmaria, propriedade do meu avô
Guilhermino. Fazenda essa que mais tarde foi repassada aos seus filhos, e
atualmente pertence aos netos, incluindo a mim. Embora alguns já tenham
repassado suas glebas a terceiros. A parte que me coube herdada de meu saudoso
pai permanece ainda em meu poder. Talvez não tenha para meus filhos o mesmo
valor sentimental cultuado por mim, e poderá no futuro ter o mesmo destino das
demais, cedidas a terceiros.
Na foto de capa a pequena área que me pertence
esta situada a sua direita entre a estrada citada e a BR 164 em ambas as
margens do rio Picão acima da ponte da BR. Local onde meus colegas se juntavam
a mim e vivenciamos nossa deliciosa infância. Desfrutando de uma genial
intimidade com a natureza e com o leito do rio picão. O local mais saudoso e
que mais me remete lembranças. Situa acima da velha e quase centenária ponte de
cima como é chamada, construída de aroeira, madeira que resiste a ação do
tempo. Ao seu lado, por muitos anos foi extraída argila para o fabrico de
tijolos a princípio por Manoel Antero, mais tarde Chiquinho Estevão, dois
oleiros que muito contribuíram coma comunidade do Engenho, na arte de fabricar
tijolos.
Ao longo do tempo com a retirada da argila, em
ambos os barrancos do rio, abriu-se um espaço, formando um caudaloso manancial,
que nós o apelidamos de remanso. Onde passávamos o domingo inteiro mergulhando
no seu leito forrado de areia. Areia essa que era extraída e juntamente aos
tijolos ali fabricados foi utilizado na construção de várias casas do povoado
do Engenho, incluindo o cemitério para o qual com os meus sete anos de idade
fui guia de boi do saudoso Vicente Roque no transporte dos materiais citados.
Velho carreiro que de inicio trabalhava para meu avô e mais tarde para meu
saudoso pai proprietário da olaria.
Vicente Roque mais tarde foi substituído pelo
José do Meio, morador encostadinho à BR. Um mestre na arte de carrear, que me
ensinou a lidar com os bois. Tornamo-nos amigos íntimos, e compadres, quando me
deu seu filho Geraldo como afilhado, consolidando com isso a nossa amizade.
Assemelhando a uma artéria, essa estrada era a principal via por onde
desfilavam os carros de bois orquestrando seus cantos dolentes, transportando a
produção da abençoada seara situada nas áreas mais férteis no coração da
fazenda, ou seja,a gema cultivada com milharais circulados pelos brejais onde o
louro dos arrozais fartamente produtivos predominava, garantindo o sustento de
centenas de famílias neste abençoado Vale.
Iniciando na sede da fazenda no Buriti Jorge,
essa artéria era também via de acesso ao pacato povoado do Engenho. Uma
verdadeira passarela com suas paralelas cobertas por arbustos e arvoredos ora
floridos exalando um delicioso perfume silvestre, ora deitando nela seus
suculentos frutos a exemplos dos araticuns, cagaitas, marmeladas, e guabirobas.
Um cenário donde chilravam os canarinhos da terra, coleiras, curiós e pássaro
preto. Encantando centenas de trabalhadores, que desfilavam perfilados em fila
indiana se dirigindo para o seu labor diário lavrando a terra, e irrigando-a
com o suor do rosto.
A partir de os meus sete anos de idade iniciei
minha jornada no trabalho, nesse maravilhoso paraíso do meu passado meu pequeno
mundo infantil. De inicio como candeeiro (guia de boi) mais tarde na
adolescência, eu subi de posto, assumi o papel de carreiro. Na lama ou na sua
poeira foi uma luta penosa. Na colheita do milho o trabalho era realizado
apenas no período diurno, exceto algumas madrugadas para transportar o feijão a
ser batido em terreiros improvisados nos currais e rebocados, ou melhor,
dizendo, barrelados com água e estrume de gado.
Em dias de intenso frio seus montículos em
rama, eram cobertos pela geada. A tarefa de o candeeiro ajudar o carreiro a
recolhê-lo roça afora, quase me entanguia de frio. Mas a noite nós crianças
fazíamos a festa na queima da palha do feijão cuja cinza tinha seu valor para
os barreleiros produzindo a de co da com a qual se fabricava o sabão preto.
Na época da colheita do arroz o carreto
estendia até altas horas da noite, às vezes debaixo de chuva. Assistidos
pelo piscar constante das lacraias e pirilampos escoltados por vaga-lumes. E
ouvindo uma multidão de sapos, pererecas, saracuras, paturis e uma diversidade
de aves noturnas algumas até desconhecida que formava uma algazarra ensurdecedora
do tamanho do universo. Não raras foram as noites que
tínhamos de descarregar o carro que atolava até no eixo, uma mão de obra
trabalhosa, tendo que carregar a sacaria do produto molhado até atingir terra
firme.
Foi assim a minha saudosa infância e adolescência.
Percorrendo os caminhos e trilha deste abençoado vale do Picão. Apreciando o
voou rasante das parelhas de marrequinhos selvagens que parecia mais veloz que
o som. Enquanto a minha vida sem preocupações parecia vagarosa.
O RETROVISOR DO TEMPO
Às vezes caminhando por trilhas onde meus
amigos e eu, corremos em nossa infância, em devaneio mergulho-me nos sonhos que
ficaram acorrentados por minha lembrança.
Os delírios da saudade e a fotografia de meus
colegas arquivada no álbum de minha memória me transportam ao passado, a
contemplar pelo retrovisor do tempo, os horizontes galgados por minha
existência.
Vou buscar na saudade as fantasias que se
perderam na magia da ilusão-, o objetivo de sonhar novamente. Navegando nas
águas ora calmas ora turbulentas pelo mar da imaginação. Embora seja uma
miragem espelhada por um retrovisor imaginário. Alimento sempre a mesma
expectativa esperando que eu possa reencontrá-los na longínqua curva deste
oceano de recordações. Engolidos pelo tombo de suas ondas. Para que juntos
possamos correr de novo pelas mesmas trilhas e estradas de então, descortinando
com sutileza a paisagem de nossa história.
Descompromissados como sempre fomos, e com a
mesma alegria ingênua, deliciarmos naquelas tardes, quando éramos parte do
elenco ecológico de um belo espetáculo. O sol se punha e o crepúsculo puxava o
manto da noite. Vinha a lua toda risonha esparramando seus encantos sobre
aquele cenário dominado pela soberania da natureza.
O acortinado de estrelas cobria o universo e o
nosso mundo criança. Ilustrado pelas lacraias no seu constante piscar de luzes,
escoltadas por vaga-lumes, que em atalaia riscavam os espaços manchados pelas
sombras dos arvoredos provocadas pelo luar. Com seus estridentes gritos os
urutaus de bicos escancarados ao longe no cerradão quebravam o monótono
silencio da noite após engolirem os mosquitos atraídos pelo mau odor do seu
hálito... Foi, foi, foi, foi, foi!
Não menos selvagens nós moleques de pés
descalços e cabelos desalinhados, éramos também parte dela, misturando-nos aos
murmúrios e encantos projetados em sua biodiversidade. Enquanto a noite não
silenciava e o sereno não vinha para orvalhar os campos e os prados, a lua era
soberana a passear sobre os telhados que ocultavam a humildade das lamparinas.
Altaneiro e vigilante são Jorge exibia seu potencial encantador, enquanto nós
meninos... Apenas sonhávamos e o aplaudia!
TARDES DA MINHA INFÂNCIA
Atualmente eu recordo com saudade os momentos
marcantes vivenciados na minha infância. Ao encerrar as chuvas outonais,
finalizando as colheitas entrando no período mais frio, as belas tardes juninas
ao por do sol com um céu infinitamente muito azul e límpido, o amarelo boreal
do ocaso tingia sua franja acima da linha do horizonte com o seu colorido
encantador, tornando-o num belo espetáculo da natureza. Com os bandos de
pássaros de várias plumagens e cores deixando os banhados em busca de seus
dormitórios nas capoeiras que cobriam os montes.
Os meninos nossos vizinhos, meus primos e
eu. Abríamos as duas Porteiras que se confrontavam no curral à frente de nossa
casa, improvisando com elas o nosso campo de futebol. Nas noites enluaradas as
partidas que não tinham tempo determinado estendiam até esbarrar nos chamados
de nossas mães para recolhemos. Bola de meia, velha recheada de panos ou até
mesmo as enormes laranjas com que se fabricava doce, que eram amaciadas com
nossos pés descalços até se esbagaçarem, sendo usadas várias em cada partida
esfolando nossos dedos e pés, quando estavam ainda verdes.
O cheiro do esterco do curral misturado ao sumo
das saborosas mexerica muito abundante em nosso quintal, e que ficava
impregnado em nosso corpo exigindo uma constante vigilância de minha mãe
recomendando-me um banho caprichado com a bucha de palha de milho e o
tradicional sabão preto feito de decoada.
Em noites de escuridão muita brincadeira
diferente acontecia às vezes até mesmo o futebol aproveitando a claridade na
queima da palha de feijão cuja cinza era usada para os barrileiros de onde se
extraia a decoada citada acima.
Quantas tardes saudosas povoam minha lembrança.
Quando o sol mergulhava no horizonte e o infinito bordava a imensidão cósmica
por milhões de estrelas, caia o silencio da noite. Ao cessar, o vento cedia seu
espaço para a brisa, que sutilmente começava a carregar os murmúrios do
cotidiano rural, como a bulha das vacas nas canas de milho da distante palhada
além do rio Picão, e o perfume das flores silvestres, que a natureza adormecida
em sua tranqüilidade nos oferecia.
Nós meninos de dez anos ou pouco mais, de
cócoras com os queixos atolados nos joelhos apreciando a solidão do universo,
vez por outra salgando a língua com o dedo indicador sujo pela sobra do sal
babado pelo gado no cocho do curral. Aonde sentados nele, procurávamos as constelações
de estrelas como o cruzeiro do sul, sete estrelas e outras tantas que a matéria
escolar indicava-nos em nosso aprendizado. Ouvindo as pancadas do monjolo, e o
despencar da água na bica, o cantar dos grilos, dos curiangos, e os gritos de
urutaus nos distantes cerrados. Apreciando uma ou outra estrela Cadente, que
por ventura surgisse riscando o universo com seu rastro de magia; o desfile dos
vaga-lumes que deixavam seus esconderijos e sobrevoavam as residências atraídas
pela luz das lamparinas que escapava pelas frestas dos telhados.
Agora na reta final de minha caminhada, tomado
pelo imenso saudosismo que me domina fico imaginando aquelas senas tão bela, e
procurando encontrar onde havia maior beleza; se no brilho das estrelas que
povoavam a solidão universal daquele cenário tão real, ou na pureza de nossas
almas adolescentes, que aos poucos foram tomando consciência da vida.
Cada um de nós a buscar nossa verdadeira realidade identificada socialmente com
o nosso dever de cidadania. Seguimos dispersados como folhas secas ao
vento, desgarradas daquela nossa magia de sonhos que vivenciamos em nossa
saudosa infância. Marcando primeiro capitulo de nossa história. Como homens a
buscar no universo da vida o caminho a seguir.
AS SOMBRAS DO PASSADO
Ao encerrar mais um dia chuvoso no verão,
preparava-me para retornar de meu cantinho na roça. O sol com seus raios
ofuscados pelo denso nevoeiro perderam sua majestade.
Em transição pelas alturas ouço piar as
aves, envolve-me a mutação da natureza com os seus murmúrios no açoite do
vento. E um místico mistério transporta-me ao meu enigmático imaginário.
O momento é mágico e sombrio levando-me
de encontro à saudade. Retomo no meu caminho, as velhas estradas do passado.
Estou agora preso aos amigos, objetos, e coisas que não voltam mais, perco-me
no tempo em devaneios, e por momentos divago pela imensidão sombria do meu
retroagido e nostálgico cotidiano.
Ponho-me a contemplar a paisagem. Ao sul
nas alturas cúmulos e cirros se aglomeram formando torreões negros, encimadas
por dunas gigantescas no contraste, sua brancura com o negrume do nevoeiro.
As recordações são inevitáveis e o meu coração
da tudo de si para que o envio de oxigênio á mente seja suficiente para
suportar as lagrimas que fluem da alma.
E como uma tábua de salvação no meio
deste dilúvio emocional, abre-se uma pequena fenda na linha do horizonte por
onde o sol pode dizer adeus com nuanças lançadas por seus raios coloridos,
mostrando-me que nem tudo é solidão, e que por mais sombria que seja a vida
continua. Superada minha emoção, eu retomei o equilíbrio entrei no carro e
segui em viajem.
A MÁQUINA DE ESCREVER
Criado na roça, sem rádio, sem acesso as
modernidades da cidade, eu não passava de um caipirinha, jeca. Feliz correndo
entre as maravilhas da natureza, sem grandes ambições, e sem me preocupar com
os acontecimentos do dia a dia. Tudo era mágico no meu mundo infantil, mas a
cultura repassada pelas gerações que se sucediam afastava a criança da
verdadeira realidade da vida. O conhecimento do mecanismo sexual era restrito
aos adultos. Segundo os conceitos dos pais, a ordem natural do saber, a
respeito do sexo, era insalubre aos filhos, e mantida numa redoma sigilosa que
jamais deveria ser quebrada. Esses tabus de moralidade perduraram por longos
anos na formação das famílias. Tivemos que aprender por nós mesmos o mecanismo
da procriação do sistema de vida que povoa a terra. Palavras simples, que
hoje são comuns não poderiam ser pronunciadas por pessoas de bem. As pessoas
eram medidas e identificadas pelos gestos, e pela forma como se vestiam e se
portavam principalmente as mulheres, muitas eram julgadas por seus gestos,
modos de agir, e até postura corporal.
Comecei a descobrir o mundo real, a partir do
momento em que passei a freqüentar a escola. O que ocorria quando a criança
completava sete anos de idade.
Ah como eu admirei -, e fui feliz com
minha adorada professora, dona Maria Guerra um anjo em forma de mestra, que
influenciou de maneira positiva a formação de minha personalidade.
Quando na sala de aula, ela nos mostrou uma
folha de papel datilografada, e nos ensinou algo a respeito da maquina de
escrever, dizendo que no futuro ela substituiria o lápis e a pena com a caneta
tinteiro, fui tomado por um desejo enorme. Meu sonho era ver meu nome escrito
com aquelas letras datilografado a maquina. Sonho bobo de criança da roça, que
via magia em tudo, criando mil fantasias com as modernidades que foram surgindo
no decorrer do tempo. Sonho que perdurou até minha adolescência.
Mais tarde trabalhando numa maquina de
beneficiar arroz de propriedade de meu pai, não sei por qual motivo, ele mandou
confeccionar os blocos de notas, que lá eram utilizados, em meu nome. Eu ri de
mim mesmo imaginando será que papai adivinhou meu desejo de criança e só agora
realizou meu sonho. Impossível. Esse foi um segredo só meu, e eu, o guardei a
sete chaves... Ah como era Boa e gostosa a ingenuidade de uma criança da roça,
podendo se contentar com tão pouco!
A CARTOMANTE
Hoje doze de junho de 2014, dia dos namorados,
eu tentei escrever algo condizente com a data. Por mais que me esforcei não
consegui, faltou-me inspiração. Se com ela já deixo a desejar imagine sem ela,
meu caro leitor. Desliguei o computador e a convite de minha esposa, como
costumeiramente fazemos uma vez por semana, fomos ao nosso cantinho na roça.
Antes passamos pelo centro comunitário,
visitando o grupo de teatro. Onde aconteceu uma oficina de teatro de bonecos,
dirigida pelo grupo Kabana, ministrando aulas aos adolescentes da comunidade, o
que, aliás, está nos fazendo crer que em breve será consagrado, pelo apoio em
suas apresentações que se realizam com muito sucesso. Nosso grupo de teatro,
cujo nome Engenhos, foi sugerido pelo professor Mauro da componente da equipe
Kabana, já apresentou em várias cidades incluindo a capital mineira.
Encerrada nossa visita a oficina, na saída,
estava uma idosa em sua cadeira de rodas, cujo nome é um pouco estranho,
”Merendolina” nome este, que adéqua perfeitamente com o que ela foi, ou tentou
ser, no passado, “cartomante” poucos ou quase ninguém a conhece pelo nome, é
conhecida pelo apelido que também não foge muito a regra do seu enigmático
misticismo; Uíta. Fiquei penalizado ao vê-la naquela situação de
imobilidade física, sendo cuidada por seus familiares. Situação que acabou
mexendo com meu imaginário trazendo-me as lembranças de suas premonições no
passado, quando inúmeras pessoas a procuravam em busca de suas previsões; fator
que lhe rendeu certa fama.
Em abril do ano de 1960, com os meus dezessete
anos, encantei-me por uma namoradinha, amor de verdade, paixão de adolescente.
Febril de amor por ela, eu não admitia que nenhuma cartomante ou um adivinho
qualquer colocasse ventilador em minha farofa de amor.
Duas de minhas irmãs namorando serio, e um
primo apaixonado por uma jovem, mas uma paixão daquelas avassaladoras, de
arrebentar coração.
Sempre unidos, nós tentávamos consolá-lo, a
jovem estava noiva, e já de casamento marcado. Mas ele não perdia a esperança
de forma nenhuma.
- Certo dia ele veio até a mim, e me
confidenciou dizendo:
--Eu procurei a Uíta, ela consultou as cartas
para todos nós, você suas irmãs e eu!
-- E ai o que ela disse, alguma coisa de muito
especial?
--Suas irmãs vão casar com os atuais namorados,
eu também vou realizar meu sonho com aquela jovem que eu amo de paixão, agora
você não tem a menor chance, o seu foi o único que não deu certo; ela consultou
as cartas diversas vezes, elas dizem a mesma coisa.
-Hahahá! Sua paixão está noiva falta menos de
trinta dias para se casar, e sou eu que vou perder a minha? Você acredita
nisso, pode tirar seu cavalo da chuva você não tem a menor chance primo!
--Vamos esperar para ver, ela está noiva, mas
ainda não se casou, segundo as cartas da Uíta, uma semana antes o casamento
dela vai acabar.
--Tô pagando para ver primo, esqueça a moça
arranje outra namorada, não sofra por alguém que lhe é tão indiferente!
-- Vamos aguardar o que está escrito vai
acontecer; eu não perco minha esperança, se está reservado para mim cedo ou
tarde será meu!
Apaixonado como eu estava, não admiti de forma
nenhuma aquela hipótese. Só que faltando oito dias para o casamento da
jovem, por quem o primo era apaixonado, ela, em comum acordo com o noivo
desistiu de se casar.
--Meu primo eufórico de alegria veio me contar
o acontecido, e me advertiu.
-- Pode colocar sua barba de molho porque o seu
não vai dar certo de forma nenhuma, eu voltei La, a Uíta consultou as cartas de
novo. Diversas vezes para todos nós, o seu é o único que não vai dar certo.
Fiquei triste com aquilo, tentando não
acreditar. Tempos depois, ele começou a namorar sua pretendente e se casou.
Eu apaixonado e sendo correspondido, de repente
por nada acabou meu namoro, ela e eu sofremos para caramba.
Cada um de nós seguiu nosso caminho, casamos
com outras pessoas, e somos felizes.
Minhas irmãs também se casaram com os
seus pretendentes. Pelo menos nessa premonição a cartomante Merendolina, ou
Uíta, como queiram, acertou!
O primo e sua esposa são verdadeiros
heróis, seus filhos inteligentes e trabalhadores, já comemoraram as bodas de
ouro dos pais, uma família exemplar na qual, muitos outros casais poderão se
espelhar.
-- Seguindo nosso trajeto, durante os onze
quilômetros que separam o centro do Engenho e nossa fazenda, minha esposa
percebendo que eu viajava mergulhado em devaneio, permaneceu em silencio.
Logo que começamos a irrigar nosso jardim, uma
roseira recém podada com diversas rosas, e botões por desabrochar conduziram-me
a uma nova viagem no tempo. Voltando ao ano de 1966 quando ali chegamos, nós
dois, como duas daquelas flores que acabaram de desabrochar. De mãos vazias,
com a cara e coragem, plantamos nossa casa no meio de uma capoeira. Com o nosso
trabalho digno sempre respeitando a Deus e a natureza. La estava ela e eu,
agora como duas bananeiras que já produziram seus cachos, ou talvez duas
daquelas rosas descoloridas, que perderam o brilho e o perfume, mas com sua
missão cumprida, missão de gratuidade alegrando a vida e a natureza como as
rosas, o faz, conforme determinação de Deus nosso criador. Durante nossa
corrida pela vida, cuidando de nossos filhos, jamais tive tempo para fazer o
que agora estava eu fazendo, cuidar das flores juntamente a minha esposa, minha
eterna namorada. Éramos duas crianças quando trocamos nossas primeiras juras de
amor, como namorados, naquele treze de agosto de 1961, cinqüenta e três anos se
passaram, e Ca está eu, com os meus cabelos brancos, rosto enrugado, sem o
brilho da juventude, mas com a experiência de uma vida digna, e muitos anos de
trabalho nessa caminhada, sempre juntos amparados pela mão de Deus.
- Em relação ao jardim, a sua gratuidade está
na tonalidade nas suas cores e no seu perfume, com os quais nós alegramos a
vida, e somos conduzidos pela enigmática magia traçada nas linhas geométricas
de nossa existência. Para que se cumpra sua missão de gratuidade alegrando-nos
e ilustrando a natureza, precisa ser cuidados, e depende de nós.
Porque o tempo, e esse cuidado faz brotar das
flores esta gratuidade que nos traz alegria, nada melhor que oferecer uma flor
para demonstrar o carinha à gratidão e o amor ao semelhante. É na magia desta
gratuidade que encontramos a alegria de viver.
Lembrando o grande poeta gaucho Mario
Quintana, que dizia: “Os jardins não morrem por falta da água, eles morrem por
excesso de sol”.
TELEPATIA DE UM CÃO AMIGO
No ano de1966 ao adquirir nossa propriedade
rural, foi grande a luta que desempenhamos.com pouco recurso financeiro para
construir nossa residência, e organizar o minino necessário para nortear nossa
vida no campo, minha esposa e eu trabalhávamos quase ininterruptamente dia e
noite. Construímos nossa moradia no meio de uma capoeira, misturados aos lobos,
gatos, cachorros do mato, e raposas.
Levamos conosco, alem de meia dúzia de porcos,
mais de duzentas cabeças de galinhas, era praticamente o patrimônio que nos
restou na aquisição da terra. Tentando construir o nosso pé de meia plantamos
as primeiras lavouras. Na colheita restavam pouco mais de trinta cabeças, entre
galinhas, frangos e pintinhos. Nossos vizinhos selvagens, os bichos do mato,
deitaram e rolaram, devoraram sem dó nem piedade o nosso patrimônio constituído
em penosas bípedes.
Penalizado com a situação meu tio Onofre me
doou uma cadela da raça cole, demos o nme de cigana a ela.Parecia um ser
humano, talvez até superando muitos. Educada e responsável com o seu dever de
vigilante, assim nós podemos respirar aliviados. Embora uma vez e outra os
lobos ainda surrupiassem alguma galinha, mas dos bichos de pequeno porte nós
nos livramos por completo.
A cigana deu cria, seis cachorrinhos, cinco
mais robustos lindos e um feioso, como no dizer popular, o carregador d’água,
da cor de borra de café, parecia ser filho, de um pai vira lata. Doei cinco às
pessoas que haviam encomendado o feioso ninguém o quis. Mal sabiam que era o
melhor de todos. Como nós sempre cuidamos bem, tanto dele como de sua mãe, em
pouco tempo sem a gente ensinar a ele, aprendeu por si próprio, e parecia ser
gente, apenas não falava. De repente algo estranho começou acontecer, em
qualquer situação que dependesse de eu chamá-lo, bastava eu pensar, ele poderia
estar dormindo, que levantava e saia correndo ia realizar aquela tarefa. Nós
passamos a nos comunicar através de telepatia. Pode o leitor não acreditar, mas
apenas com o pensamento eu lhe dava ordem e ela obedecia.
Em 1968 eu dei inicio a minha atividade
comercial, uma necessidade, que surgiu como alternativa para nossa
complementação de renda. Com onze itens de mercadorias básicas uma balança que
tomei emprestada, e alguns caixotes iniciaram minha atividade comercial, com a
tradicional vendinha de roça.
Foi minha salvação para liquidar dividas
contraída na aquisição de nossa propriedade e seguir em frente.
O acesso a cidade e o meio de transporte
precário contribuíram para eu me dar bem nessa atividade. As carvoarias
consumindo muita mão de obra alimentaram por um longo período minha atividade
como vendeiro. Passamos a cultivar verduras legumes e criar galinhas para
fornecer aquela gente que dedicava tempo integral nas carvoarias e não tinham
água suficiente, nem como cultivar.
Meu cachorro que já não era mais feioso cresceu
e agora com seu pelo avermelhado ganhou o nome de rochedo. Ele e sua mãe
passaram a ser os guardiões de nossa propriedade. A noite não chegava ninguém
sem eles se manifestarem, o mais incrível é que eles conheciam minha clientela,
se chegasse um cliente estranho eles esbravejavam, eu teria que dar ordem para
recuarem.
Aos sábados e domingos dias de maior movimento
a venda de frangos e galinhas era mais significativa. O rochedo deitado sempre
no terreiro. Bastava ouvir um cliente perguntar se teria frangos à venda, ele
levantava e ficava a espera, eu saia sem nada dizer a ele, mandava o cliente
escolher o frango ou galinha de sua preferência, e foram muitas vezes que eu
dizia ao cliente:
--Observe eu vou enviar uma mensagem telepática
ao rochedo e ele vai pegar o frango que você escolheu! E assim era feito, ai
onde quer que a ave fosse ele a pegava no meio do canavial, ou do capineiro em
qualquer parte do quintal, ele o pegava e segurava com as duas patas dianteiras
sem si quer dar nela um pequeno arranhão. Ouvi muitos comentários:
--Uai sô ocê é feiticeiro sô? Nunca vi ua coisa
dessa não!
Naquela época a cultura completamente
diferente, os recursos limitados, não se tratava de animais como atualmente. O
cachorro além de chicote ganhava apenas migalhas de comida, isso quando
sobrava, o que raramente acontecia. Vacinas e tratamento veterinário nem
pensar, se para a gente era difícil imagine para o animal.
Infelizmente uma doença terrível levou meus
dois amigos, primeiro a mãe, em seguida o filho, até hoje me emociono ao
recordar as façanhas desses dois cães, que me ajudaram tanto nessa saudosa fase
de minha vida lavrando a terra da alvorada ao anoitecer.
UM PRESENTE NA HORA DA MORTE
Segundo dizem as doutrinas do cristianismo,
podemos salvar a alma, através da sublime prática da caridade. A caridade é um
perfeito passaporte para um cristão entrar no reino de Deus. Praticar o bem
dividindo com aquele mais necessitado, um pouco do pão nosso de cada dia, com
amor e desapego, é emprestar a Deus e a certeza que na hora da morte o espírito
santo comparece para levar sua alma a ele, o nosso criador, no reino celestial.
Eu pude comprovar isto com a história a seguir.
Tia custodia como era chamada foi uma pessoa
pura amável e caridosa, parecia adivinhar quando as pessoas necessitavam de
ajuda. E La estava ela socorrendo não só com bens materiais, como também com
sua amizade, levando sua palavra de fé cristã. Isto foi comprovado por minha
avó materna, que passou por grandes dificuldades na criação dos filhos, com o
meu avô, seu marido, acometido por uma moléstia não diagnosticada, vivendo na
cama sem poder trabalhar por quase vinte anos tendo que ser cuidado como se
fosse um bebê. Vovó na sua maquina de costura, mamãe e minhas duas tias mais
velhas, trabalhando na enxada para ajudar manter as despesas da casa, ao todo
foram quatorze, os filhos de vovó.
Segundo ela me contou, não fora poucas as vezes
que não sabia como faria para preparar o jantar dos filhos. Sentada na sua
maquina de costura, ela rogava aos céus apelando para providência divina, e
sempre foi atendida. De repente, do nada surgia uma ajuda, às vezes sua própria
mãe, minha bisavó Isaltina que embora morando distante sentisse as necessidades
da filha. Noutras ocasiões a tia Custodia aparecia como um anjo enviado por
Deus, ora trazendo o arroz o feijão que faltava, ora com a gordura de porco que
era o alimento mais valioso e mais difícil de adquirir naquela remota época.
Maria Custódia, mas carinhosamente chamada por
Custodia, era Irma de meu avô paterno portando minha tia avô. Uma mulher pura,
um anjo de pessoa. Temente a Deus e educada por natureza. Não teve filhos
biológicos apenas um filho adotivo. Que faleceu prematuramente. Eliminado pelo
vicio do alcoolismo.
Casada com Augusto Nazário. Quando
envelhecidos necessitando de cuidados especiais, papai passou a ser o arrimo do
casal. Após o falecimento do tio, meu pai a aparou em nossa casa. Não nos
aborrecia com nada. Mamãe teve para com ela um carinho todo especial. Eu
admirava aquele tratamento sendo ela apenas tia de meu pai. Só mais tarde
quando vovó me contou o quanto foi ajudada por ela, pude compreender que ela
estava colhendo o que semeou. Ajudando minha avó ela plantou para colher a
ternura e carinho de minha mamãe. Mas tia Custodia sempre rezava e pedia
a Deus que não a deixasse ir para cama preocupada e dar trabalho, queria uma
morte súbita. E foi atendida. Numa tarde passou mal repentinamente.
Como ela morava em dois cômodos na porta da
cozinha de nossa casa. Mamãe notando que ela não estava bem a conduziu para um
quarto dentro de casa, embora febril ela protestasse dizendo que não queria dar
trabalho. Devido à gravidade do seu estado ficamos todos em vigília inclusive
alguns vizinhos. No seu ultimo momento de vida aconteceu sua provação de fé.
Presenciamos um fenômeno, que nos deixou a todos perplexos com o fato ocorrido.
A noite muito escura, coberta por um
denso nevoeiro, duas horas da manhã cerca de uns quarenta ou cinqüenta pombos
saiu dos seus dormitórios no paiol e pousaram no telhado da casa sobre o quarto
no seu leito de morte, fizeram uma grande algazarra arrulhando talvez uns cinco
minutos. Justo no momento em que ela entregou sua alma a Deus, partiu tranqüila
e serena com seu semblante sorridente. Mamãe sempre afirmava que o Espírito
Santo veio recolher sua alma través daquela manifestação dos pombos. Parece
incrível, mas é verdade numa escuridão tremenda como aquelas aves foram se
manifestarem?
É a vida como ela é. Semeando amor e afeto
através da caridade, colhe carinho ternura e felicidade. Se ao contrário
semearam ódio discórdia e falsidade só poderá colher adversidades.
O LUTO DE UM BOIADEIRO
Ao remexer as lembranças arquivadas na memória,
vão surgindo os fragmentos do passado que me fás voltar no tempo. Ao velho
cotidiano em que me criei. Um roteiro cultural quase primitivo, se comparado
com esta tecnologia avançada e inovadora que vivenciamos atualmente.
Minha recordação está repleta de fragmentos,
cores, perfumes e sabores, acompanhados por imagens que não se apagam. Sempre
que surge uma lembrança do passado, ela vem acompanhada das imagens que a
representa.
A fazenda de meu saudoso pai foi pousada dos
boiadeiros, que transpunham os obstáculos galgando monte e serras, enfrentando
as más condições das estradas, tangendo boiadas rumo aos matadouros. Uma árdua
tarefa deste seguimento da sociedade que no passado teve um papel fundamental,
arrebanhando as boiadas sertão afora para com isto garantir a carne na mesa dos
consumidores, de grandes, medias, e pequenas cidades.
Quantas lembranças engavetadas que vez por
outra escapam de minha memória colocando-me em conflito com a saudade, me
trazendo as imagens desse passado quase remoto, mas que permanecem vivas nas
recordações. As nuvens de poeira levantada pela boiada, tingindo de vermelho os
arvoredos e pastagens que margeavam estradas, o choro sentido do berrante, que
mais parecia um lamento, conduzindo centenas de bois de corte, que seguiam
inocente indo ao encontro da morte nos matadouros das grandes metrópoles.
Domingos meu saudoso irmão caçula, que tão cedo
partiu, com apenas trinta e poucos anos, chamado por Deus. Era apaixonado pelo
toque de Macaúba, um já idoso berranteiro que sabia fazer um berrante clamar o
triste fim dos bois que a comitiva conduzia. Meu irmãozinho com seus cinco anos
ou pouco mais, era apaixonado pelo velho, que também o adorava e lhe retribuía
com balas, doces e pirulitos, por ocasiões de suas passagens na acolhedora
pousada de meu pai. O menino já conhecia seu toque, quando ao longe a boiada
vinha. Ele corria a esperá-lo empoleirado na cerca do curral. E qual não
foram sua decepção e tristeza. No dia que notou um toque de berrante que não
era o seu, quando o ponteiro guiando o gado que o substituía adentrou o curral
com uma bandeira preta afixada na sua vara de ferrão em sinal de luto. Macaúba
faleceu subitamente, no trajeto daquela comitiva e seu berrante silenciou. Fora
sepultado fazia três dias, longe de seus familiares. A precariedade no meio de
transporte daquela época, não permitiu que o pobre velho fosse velado por seus
entes queridos. Por um longo tempo o menino chorava ao ouvir um berrante
tocar tangendo as boiadas que por lá pernoitaram.
Autor: Geraldinho do Engenho - Bom Despacho/MG
Início do acesso: 153.840
Final: 157.250
Total de acessos: 3.410
Autor: Geraldinho do Engenho - Bom Despacho/MG
Início do acesso: 153.840
Final: 157.250
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Um comentário:
Sou fã de carteirinha desse autor.Desde que entrei para o Recanto das Letras tive a alegria de tê-lo como amigo e incentivador. Sempre acompanho seus escritos e só tenho aprendido muito com seus contos e causos.Tenho quase todos os seus livros e posso garantir que é um grande representante da Literatura Mineira.
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