Autor: Magnu Max Bomfim
Ultimo ano de faculdade, ultimo semestre, cinco anos longe da família, uma vontade danada de voltar pra casa, foi quando um dos nossos professores resolveu transformar em realidade aquele sonho que sempre acalentava e que sempre adiava, ele comprou uma imensa motocicleta e saiu a rodar pela cidade, na primeira curva a máquina derrapou e no descontrole caiu sobre a sua perna esquerda esmagando-a, e disto resultou um acréscimo ao seu corpo de mais de uma dúzia de parafusos, algumas placas de platina e uns seis meses de repouso, fisioterapia, muletas, etc.
Ultimo ano de faculdade, ultimo semestre, cinco anos longe da família, uma vontade danada de voltar pra casa, foi quando um dos nossos professores resolveu transformar em realidade aquele sonho que sempre acalentava e que sempre adiava, ele comprou uma imensa motocicleta e saiu a rodar pela cidade, na primeira curva a máquina derrapou e no descontrole caiu sobre a sua perna esquerda esmagando-a, e disto resultou um acréscimo ao seu corpo de mais de uma dúzia de parafusos, algumas placas de platina e uns seis meses de repouso, fisioterapia, muletas, etc.
Às presas
a universidade contratou um substituto, ou melhor, uma substituta, uma moça
alourada, recém-formada, ríspida, durona, não era alta, dona de uma beleza
contagiante, dona também de uma firmeza monolítica na condução dos seus
propósitos.
Naquela
época não éramos bem vistos por fazermos parte de um conjunto musical que
treinava em um barracão ao lado de uma imensa caixa d’água, e de imensas bombas
de recalque, nosso conjunto musical tinha até um pomposo nome em inglês, mas os
invejosos nos apelidaram de A Turma da Bomba D’água, e por mais que tentássemos
nos livrar daquele maldito apelido mais aquilo em nós grudava, impregnava, por
fim assumimos, éramos a Turma da Bomba D’água, com todos os seus defeitos e
toda a sua má fama, moços da boemia que tocavam em troca de sanduíches,
diziam...
A nova
professora ao que parece fora alertada da nossa fama, e que apesar de vivermos
na noite tirávamos boas notas, na certa éramos craques na arte de colar, pois
estrategicamente sentávamos lá no fundo da classe, nas últimas carteiras:
— Nas
minhas aulas eu quero que a Turma da Bomba D’água sente aqui nas primeiras
carteiras, por favor rapazes!
Nós que
gostávamos de Fernando Pessoa tínhamos como lema: Contornar é preciso,
confrontar não é preciso, obedecemos, para o delírio da turma.
Tem
certos momentos em que sentimos que estamos sendo observados, que alguém está
olhando pra gente e não sabemos quem, assim eu me sentia naquele momento,
levantei olhos e deparei com os belos olhos da professora ternamente em mim
fixados, o tempo parou e naquele profundo silêncio que se seguiu e eu tenho a
absoluta certeza que ouvi daquele olhar, palavras de amor, seus olhos levemente
sorriram e ela olhou para outros cantos da sala de aula, despistando.
Aquela
nova professora queria mostrar serviços:
—
Pesquisem no livro tal da página tal a tal e apresentem uma sinopse na próxima
aula!
Já estava
começando a odiar aquela moça, mas também já estava começando a amá-la, das
vezes na biblioteca perdido entre pesquisas e mais pesquisas ela aparecia toda
sorridente:
— Estou
gostando de ver vocês aqui...
Sentava
ao meu lado, dava algumas dicas de como fazer um trabalho apresentável, mas
quando eu olhava nos seus olhos um calafrio percorria todo o meu ser, seus
olhos transmitia mensagens que o meu coração seguramente traduzia que ela de
mim estava gostando, por fim arrisquei:
— Será
que tenho uma mínima chance de algum dia ser seu namorado?
— Se você
abandonar aquele conjunto musical, ser mais responsável, ou melhor, ter um
comportamento de bom moço, com certeza existe uma mínima chance de sermos mais
que amigos!
Comecei a
faltar aos ensaios do conjunto, por fim cansaram e me substituíram por um
estudante gaúcho, um rapaz espevitado, dono de uma energia contagiante, na
certa a minha ausência não foi sentida na Turma da Bomba D’água...
Morávamos
perto da universidade, à noite gostava de ficar sentado em volta daquelas
mesinhas que ficam nas calçadas em frente aos barzinhos, foi quando vi um carro
se aproximar e dele desceram três moças, minha professora e duas amigas, me
cumprimentaram, sentaram, conversaram, desconversaram, e as duas amigas com as
mais esfarrapadas desculpas teriam que visitar uma pessoa conhecida delas que
estava adoentada, partiram, neste instante um maluco guiando um imenso carro
preto, brecou seu veículo com tamanha violência que derrapando chegou a roçar
os pneus na calçada, o moço saindo do carro apressadamente entrou no bar
deixando o rádio ligado com o som nas alturas, Eric Clapton cantava... “While
my guitar gently weeps”... Ao ouvir aquela música meu coração não resistiu:
— Eu não
sei o que o amanha reserva pra nós, mas de uma coisa eu tenho a absoluta
certeza, seja lá onde eu estiver, toda vez que ouvir esta música vou me lembrar
de você...
Segurando
as suas mãos, lentamente nossos lábios foram se aproximando, e um beijo
daqueles de perder o fôlego foi incendiando a minha alma por inteiro
descompassando meu coração.
Ela
sorrindo:
— Você
nem me pediu em namoro, mas agora isto nem é mais preciso, pois já estamos
enamorados. Abraçamos e beijamos tantas vezes que...
No outro
dia na universidade o assunto do dia era o nosso namoro, os beijos e abraços
foram exagerados, mas seguramente eu estava vivendo os mais belos e os mais
felizes momentos da minha vida!
“A
felicidade é uma coisa estranha e esquisita, das vezes nos visita somente para
provar que ela existe”, e assim foi...
Convidaram-me para ir até determinado barzinho, onde iríamos tratar de assuntos referentes à festa da formatura, mas lá chegando assim que sentei apareceu uma moça que usava trajes curtíssimos, blusa decotadíssima, toda pintada, nunca a tinha visto, inesperadamente se sentou no meu colo, a muito custo consegui me desvencilhar daquela doidice...
Convidaram-me para ir até determinado barzinho, onde iríamos tratar de assuntos referentes à festa da formatura, mas lá chegando assim que sentei apareceu uma moça que usava trajes curtíssimos, blusa decotadíssima, toda pintada, nunca a tinha visto, inesperadamente se sentou no meu colo, a muito custo consegui me desvencilhar daquela doidice...
Agora,
eu, um rapaz surpreendentemente comportado, na sala o meu amor adentra para
ministrar mais uma aula, foi quando ela ao abrir a gaveta da sua mesa deparou
com alguma coisa estranha que a transmudou, transfigurou e entristeceu...
Calmamente
ela de mim se aproximou:
—
Deixaram na minha gaveta, mas isto te pertence...
E me
entregou uma fotografia, e nela claramente via aquela moça aloucada no meu colo
sentado, me abraçando...
— Posso
explicar?
— Não há
necessidade de explicações, a foto por si explica tudo...
Nunca
mais a professora olhou nos meus olhos, se ela tivesse uma mínima oportunidade
certamente teria me reprovado na sua matéria, tentei de todas as maneiras lhe
explicar o acontecido, mas tudo em vão, seguimos os nossos caminhos, ela com a
sua mágoa e eu com a minha dor, foi quando me lembrei do filósofo alemão
Nietzsche que dizia...
“Na
vingança e no amor a mulher é mais cruel que o homem”...
Que
paradoxo! Eu que queria tanto voltar pra casa, agora que estou voltando, sinto
que não mais quero voltar, todavia tenho que voltar, pedaços meus vão ficar
aqui... Para sempre...
Ao ouvir
aquela música, do fundo da minha alma doces recordações do tempo da
universidade descontroladamente avivam e ganham cores na minha mente, meus
colegas, meus professores, meus amigos da Turma da Bomba D’água, mas são as
lembranças daquela moça as que mais pesam alma minha adentro, as que mais me
entristecem, mas também as que mais me alegram...
Assim os
anos foram passando e da professora sempre me lembrando, longe dela me sentia o
mais infeliz dos infelizes, quantas vezes juntava forças e coragem para
procurá-la, mas ao lembrar que ela implorou para que eu nunca mais a
procurasse, que a esquecesse de uma vez por todas, um vendaval de tristeza e
desanimo açoitava a minha alma imobilizando-a por completo...
Mas ela
nunca deixou de povoar os meus sonhos, das vezes contemplava a minha desgraça e
sorria amargamente para os meus pensamentos delirantes, bobeiras e mais
bobeiras, sonhos impossíveis, sonhava com ela nos meus braços, abraços
apertados, beijos prolongados...
Suspiros...
E mais
suspiros...
Foi
quando recebi um convite para as comemorações dos cinco anos da nossa
formatura, confirmei a minha presença, e no dia da festa, à noite, cheguei
atrasado, quase todos meus antigos colegas estavam presentes, vários
professores, a turma da Bomba D’água, ansioso, com o olhar procurei-a por todos
os cantos do salão, mas tudo em vão, para a minha tristeza e desespero não a
encontrei, fazer o que? Refleti, talvez ela nem se lembre mais de mim, talvez
até já tenha se casado, cabisbaixo, tentando enganar a mim mesmo concluí...
“Esta infelicidade não vai durar a vida inteira, outro amor eu hei de
encontrar” e fui abraçando e sendo abraçado por tantos e entre sorrisos e
lágrimas...
Você se lembra
disto, se lembra daquilo, bebidas rolando, uns dançado, mas o bom mesmo era a
algazarra causadas pelas pitorescas recordações de acontecimentos marcantes, lá
pelas tantas da noite, quando o cansaço já tomava conta de todos eis que ela
adentra ao recinto da festa, linda, meigamente linda, muito linda, toda
sorridente, minha querida professora, minha paixão, meu único e verdadeiro
amor, mas para minha decepção chegou abraçada com um rapaz desconhecido, me
amaldiçoei de mil maldições por ter vindo a este encontro, neste momento eu
queria mesmo é me esconder debaixo de alguma mesa, ela a todos cumprimentando e
abraçando, foi quando notei que todos os olhos estavam voltados para mim,
aquilo me sufocou, minha boca secou, meu corpo tremulava, mal se sustinha, e
ela foi se aproximando...
Aproximando...
Aproximando...
Quando
finalmente me estendeu a mão, nossos braços se abraçaram, e voltaram a se
abraçar, por fim consegui perguntar se tudo estava bem, ela sorrindo, devia
estar sorrindo do meu desespero, disse que estava com saudades de toda aquela
turma. Ela se misturou na multidão, frustrado, me refugiei num canto qualquer,
não tenho o hábito de ingerir bebidas alcoólicas, mas foi nelas que procurei o
alivio para a minha derrota, um consolo para a minha desgraça, depois de algum
tempo já completamente embriagado comecei a declamar a minha desventura, quando
algo inesperado aconteceu, não me lembro da maneira exata do acontecido, mas só
sei que ela sorrateiramente de mim se aproximou e disse:
— Por
tanto tempo esperei pela sua volta, e você não voltou, por tanto tempo esperei
por um telefonema seu, e você não telefonou, esperei por uma mensagem, e esta
mensagem não chegou, agora o tenho perto de mim e você não me diz nada?
Com
imensas dificuldades consegui falar:
— E
aquele rapaz?
— Que
rapaz?
— Aquele
que você entrou abraçado na festa?
— Deixa
de ser ciumento, aquele rapaz é o professor que me substituiu na Faculdade, é
meu amigo, e o que tem demais abraçar um amigo!
—
Caramba, então toda essa minha bebedeira foi em vão? Mas você não precisava
entrar na festa tão agarrada naquele sujeito!
E a turma
me desafiava para que falasse aquilo que todos esperavam!
— Vamos,
desembucha companheiro, a hora é agora, e não terá outra oportunidade igual a
esta pelo resto da sua vida!
Empurraram-me
para bem perto dela, ficamos de mãos dadas, mal conseguia me equilibrar, a
cabeça girava, o corpo tremulava, foi quando tive um momento de lucidez,
ajoelhei e segurando ternamente em suas mãos, olhei para os seus olhos e
gaguejei:
— Caaaaasa
cooomigo!
Ela
soltou das minhas mãos, olhou para a multidão silenciosa que aguardava o
desfecho daquele drama, olhou para mim...
Sorrindo,
toda feliz, retrucou:
—
Lembra-se daquela foto? Eu ainda hoje a tenho nas minhas lembranças, mas há
muito tempo eu já te perdoei, perdoei porque sei o quanto te amo. Ao te ver meu
coração recuperou a antiga felicidade e se fez em festas e alegrias, eu aceito
o seu pedido de casamento! Mas tem uma condição, vamos agora até a minha casa e
você pede aos meus pais autorização para casarmos, e este casamento terá que
ser realizado dentro de no máximo trinta dias!
— Trinta
dias?
— Trinta
dias sim senhor! Já passei dos trinta anos, e não pretendo perder
mais tempo com namoro e noivado, quero ter muitos filhos...
A festa
foi interrompida, aqueles colegas, muitos, nos acompanharam até a casa dela, e
aí que o vexame ficou pior, na entrada tropecei em um tapete e estatelei na
sala caindo aos pés dos meus futuros sogros, graças à ajuda de meus amigos
consegui ficar de pé, cambaleando e com uma voz melosa disse boa noite aos pais
dela, que surpresos não estavam entendendo nada do que estava acontecendo.
E um
engraçadinho foi logo avisando que eu estava ali para um pedido de casamento! E
a minha futura sogra abriu a boca:
— Minha querida
filha você perdeu o juízo, ficou louca, vai casar um traste deste, um
pingaiada, se solteiro já bebe assim, imagine quando casar, ficará pior!
— Mamãe,
tenha um pouco de paciência depois eu explico tudo!
— Minha
filha escuta sua mãe pelo amor de Deus, acorda, se livra desta tentação, o que
foi que você achou neste pinguço, na certa também não gosta de trabalhar, você
vai ter que sustentá-lo pelo resto da sua vida, você será uma mulher infeliz ao
seu lado!
— Mamãe,
papai, o deixe falar, por favor!
E o pai
dela, um senhor de barriga saliente, ar de bonachão, sorria daquela palhaçada
pelos cantos dos olhos, finalmente abriu a boca:
— Minha
querida filha é este rapaz com quem você deseja casar?
— Sim
papai!
— Se é este o seu desejo, se é esta a sua decisão,
eu respeito e acato, mas fique sabendo ao que tudo indica você fez uma péssima
escolha, melhor morrer solteira do que mal casada, e não diga que não te
avisamos, depois será tarde, muito tarde para lamentar, vamos rapaz, fale,
desembucha de uma vez por todas, somos todos ouvidos!
Fez-se um
silêncio sepulcral dentro daquela casa, dava para ouvir o ronco dos automóveis
lá na rua, lágrimas escorriam pela minha face, sou assim, quando emocionado
lágrimas escorrem e não consigo contê-las, e a turma torcendo para
que eu conseguisse destramelar a língua, que falasse e falei,
molemente, mas consegui gaguejar:
— Antes
de tudo eu queria pedir desculpas pela minha maneira desastrada de entrar em
vossa casa, acreditem, eu não sou o que estão vendo, sou um rapaz responsável e
trabalhador, quero lhes dizer que sou completamente apaixonado pela sua filha,
que ela foi, é, e será sempre o amor da minha vida, e que serei feliz somente
se ela estiver ao meu lado, assim sendo, com todo o respeito eu gostaria de
pedir a sua filha em casamento!
Casamento
marcado, voltamos para o salão e a festa continuou madrugada afora até o dia
clarear...
Casamos,
com o tempo tornei o genro querido dos meus sogros, minha esposa encheu a casa
de filhos, os filhos cresceram, formaram, debandaram, cada um seguiu seu
caminho, e o tempo passou tão de repente, envelhecemos e ainda hoje estamos
apaixonados, e ela continua recebendo flores no dia do seu aniversário, mas o
que mais gostamos é de relembrar o nosso passado, dos nossos momentos de tensão,
de alegrias, de tristezas... São estas coisas que dão um colorido especial em
nossas vidas!
Com toda
razão está quem diz...
“ Deus
escreve o certo pelas linhas tortas”.
Autor: Magnu Max Bomfim - Igarapava/SP
Autor: Magnu Max Bomfim - Igarapava/SP
3 comentários:
Conto muito interessante.
Perfeitamente dentro dos parâmetros do concurso.
Parabéns a quem o produziu.
Alberto Vasconcelos
O amor estava traçado, cumpriu atalhos, mas retornou às suas origens. Lindo conto! Parabéns!
Amo essas historias com final feliz. Ainda não perdi o romantismo. ACREDITO NELE AINDA. CONCEIÇÃO gOMES.
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