Na
manhã passada, acordei cedo, bem cedo, para encontrar uma de minhas namoradas.
Ela
é uma pessoa virtuosa, em paz consigo, em contato com a natureza e cheia de
espiritualidade. Sua casa é uma grande mansão recheada de artefatos e livros
sagrados, numa organização única e bela, de arquitetura clássica e impecável.
Seu quintal começa num lindo jardim e se estende numa trilha tomada pela
vegetação natural que adentra uma magnífica floresta.
Adorava
visitá-la e aventurar aquela trilha ao seu lado. Ontem não foi diferente. Ela
me recebeu com um sorriso lindo e um beijo puro. Segurou minha mão e me levou
até o começo da trilha, onde encontraria umas sacolas contendo os alimentos
para nosso piquenique. Seu ânimo era tão contagiante que quase me fazia
esquecer do trajeto de uma hora de estrada que havia acabado de fazer.
Caminhamos
do jeito de sempre: ela um pouco na frente, eu um pouco atrás. Ela abria o
caminho com coragem e cuidava dos insetos, grandes e pequenos, que apareciam em
nosso caminho. Sua tranquilidade me fazia tranquilo até mesmo quando avistava
as imensas aranhas em suas teias no meio do caminho. Ao seu lado, eu me sentia
seguro, confiante e amado.
No
fim da trilha há esse grande lago rodeado por imensas árvores de um lado e um
campo plano do outro. Foi lá onde estendemos a toalha de mesa e depositamos
nossas sacolas e nossas consciências. Ficamos a observar a beleza das inúmeras
borboletas, os uivos dos lobos, os gritos dos macacos, o coaxar dos sapos, os
nenúfares multicoloridos e, talvez mais importante que isso, a beleza um do
outro.
A
natureza parecia sorrir para nós e, ainda que os insetos caíssem sobre nossos
braços esporadicamente, nenhum mal nos atingiu. Era uma aventura estar ali, mas
a vida, em si, é uma grande aventura. Ela me fez enxergar isso. Embora consiga
sempre encontrar inspiração para continuar em minha arte de viver, uma mudança
de ambiente não era nada mal.
Ela
parecia muito feliz em me ver e, quando parti, demonstrou esta mesma felicidade
em me deixar nos braços de uma pessoa que me ama tanto quanto ela, minha
segunda mulher. Para ela, o que importava era minha felicidade. Ainda consigo
me lembrar de seu sorriso enquanto acenava para mim no começo da tarde.
Quanto
à minha segunda mulher, esta é um pouco mais ocupada. Estava voltando de uma
viagem de negócios e decidiu que me levaria para casa antes de voltar para uma
séria reunião com pesquisadores das maiores universidades brasileiras. Talvez
aquele fosse o único momento do dia no qual poderíamos conversar decentemente,
e a saudade estava gritante.
Discutimos,
pelo caminho, algumas de nossas teorias comportamentais. Falamos sobre
interesses humanos e sobre o estilo de vida da humanidade. Planejamos projetos
mirabolantes, contamos as novidades sobre o mercado e o mundo acadêmico.
Gozamos plenamente da intelectualidade um do outro e, para completar, até
contamos algumas piadas espertas que instigam o pensamento sobre nossa
estrutura cultural.
Disse
que estava a sentindo meio distante e perguntei se ela, em algum desses dias de
extrema correria, sentiu-se assim também. Chegamos a uma conclusão que muito
diz, mas nada explica: que é impossível dizer se ela realmente se distanciou.
Primeiramente porque minha sensibilidade emocional estava elevada e talvez não
estivesse acostumado àquela rotina louca ainda. Segundo porque, no olho do
furacão, você não consegue ter a exata dimensão da sua tempestade.
Em
seguida, ela me contou sobre alguns pensamentos pessoais que, potencialmente,
poderiam me deixar chateado. Mas logo os explicou melhor e, como eu sempre
penso, é impossível me magoar ao seu lado. Ela faz eu me sentir tão fascinado,
esperançoso, determinado e amado com seus discursos e com o compartilhar de
suas ideias! Sinto-me como se fosse seu sócio nesse empreendimento constante
que é a vida.
Aliás,
se tem uma coisa que foi alavancada no decorrer dos últimos tempos, essa coisa
foi minha vida. A determinação dessa mulher me faz determinado e, se não fosse
por isso, acredito que minhas filosofias não estariam tão bem formadas hoje.
Sinto que, ao seu lado, nada é impossível. Nada é distante e difícil o
suficiente para me manter longe de meus objetivos.
E
durante uma introspecção e outra, foquei meu olhar para fora da janela do carro
e me assustei ao avistar minha casa. O tempo passou tão rápido! Então ela virou
para mim, num olhar cansado, mas cheio de vida, e me deu um beijo.
"Dizem
que tempo é dinheiro", eu disse a ela enquanto abria a porta do carro,
"E quando estou com você, sinto que estou fazendo um dos maiores
investimentos de minha vida".
Nos
despedimos vagarosamente, como se ela já não estivesse prestes a se atrasar
para seus compromissos. Eu abri o portão e, antes que pudesse colocar o pé para
dentro de casa, recebi um forte abraço de felicidade.
Era
minha terceira mulher, a mais jovem, alegre e caseira de todas. Ela, assim como
todas as outras, tinha a chave para a minha casa e, também, para meu coração.
"Bem
vindo de volta!", ela disse extremamente feliz. Seu entusiasmo se refletia
na entonação das palavras. Me puxou para dentro e me pediu pra contar sobre meu
passeio, logo em seguida me contando sobre seu dia.
Ela
trabalhava muito e o mundo cinza fazia muito mal à sua ingenuidade natural. Seu
bom caráter é sempre visível, assim como sua fadiga em tentar resistir à
poluição social e cultural dessa podridão urbana. Ainda assim, muitos tinham a
audácia de dizer que ela trabalhava pouco e que sua vida era recheada de mimos,
que ela desconhecia o verdadeiro peso das responsabilidades. Sempre achei
ridículo comparar uma realidade a outra, então sempre tratei seus problemas e
dilemas de forma tão séria quanto trataria quaisquer outros.
Nos
deitamos sobre a cama de casal e ficamos a pensar em histórias fantásticas e
imaginárias. Ela sempre teve essa aptidão absurda para contar histórias
enquanto eu, bem... eu tentava acompanhar seu ritmo da melhor maneira que
podia.
Logo,
sua cabeça estava sobre meu peito e estávamos transitando suavemente pelo mundo
dos sonhos, um lugar bem mais puro e receptivo do que esse em que vivemos. Não
conseguia dormir de fato e cair num sono mais profundo. Queria tanto ficar
acordado para apreciar sua inefável beleza enquanto dormia, que só consegui, no
máximo, cochilar. O problema é que ficar transitando muito entre sonho e
realidade acaba causando espasmos involuntários, o que foi motivo para ela
ficar debochando de mim o resto da tarde.
Brincadeiras
à parte, aquele foi um momento único, sabe? Eu me senti grande, capaz,
confortável, renovado e amado. Era como se eu pudesse fornecê-la esse mundo
fantástico com o qual ela sonha e sobre o qual ela tanto escreve. Como se eu
pudesse ser o príncipe encantado de seus contos de fadas. Como se o
"felizes para sempre" sempre tivesse existido.
A
reciprocidade daquele conforto era satisfatória e revigoradora. Mas então meu
celular começou a tocar uma melodia peculiar, uma música sobre sonhos e
astronautas, o toque de chamadas da minha quarta mulher.
Acordei
suavemente minha pequena, com beijos carinhosos em seu pescoço. Ela sorriu,
como quem diz "Já está na hora?" e pede para ficar na cama mais uns
cinco minutinhos. Mas após alguns poucos segundos, ela se virou para mim, me
abraçou, agradeceu pelos cochilos da tarde, pegou a bolsa e saiu. Pude escutar,
ao longe, o portão se abrindo e as duas se conversando. Elas sempre tiveram uma
relação muito próxima, e eu gostava disso.
Minha
quarta mulher é a mais sedutora, atraente, cheia de charme e paixão de todas.
Seus movimentos são sempre tão precisos que parecem previamente calculados e
seu senso de oportunismo está cada vez mais incrível.
Ela
chegou no quarto com uma expressão de satisfação e desejo, deixando sua bolsa
sobre a poltrona e deitando-se comigo na cama. Seus braços me envolveram
rapidamente e suas pernas foram trazendo meu corpo para mais perto. Era um
envolvimento tão gostoso que fazia eu me sentir como se aquele fosse o lugar
que eu sempre deveria estar.
O
fogo de nossa paixão arde de diversas formas. Ora é o toque intenso e íntimo,
ora o beijo lento e carinhoso, ora apenas um olhar da mais pura admiração pela
essência humana.
Seu
corpo me encantava como a mais bela obra de arte, seus movimentos graciosos
dançavam a mais delicada dança, seus olhos recitavam as mais lindas poesias. E
queria poder pedir que ficasse ali, deitada sobre a cama, apenas para apreciar
aquele magnífico conjunto de expressões artísticas e biológicas, mas temo que
não iria me conter por muito tempo. A vontade de apreciar varia numa nuance
delicada entre algo inalcançável e algo que jamais deveria sair de você. Juntos
nós éramos um, juntos nós éramos o infinito.
E
quando estou nos seus braços, sob o feitiço de sua existência, sinto-me vivo,
invencível, completo, satisfeito, capturado, livre e amado. Como se eu fizesse
parte do universo e o universo fizesse parte de mim. Num efeito alucinante e
recheado de prazer. Nas mãos daquela que parece conhecer meu corpo melhor do
que eu mesmo.
E
no final daquela combustão de essências, que foi apenas uma fração da explosão
que podemos causar, devido à falta de tempo, mas ainda assim foi capaz de fazer
tão bem, ela se agarrou em mim. Um momento lindo de vulnerabilidade. Não estava
mais utilizando suas armas de charme, mas me envolvendo na promessa subliminar
da eternidade. Apreciamos o tempo que nos restava da forma mais simples e
calma. Levantamos da cama devagar e caminhamos lentamente na direção do portão.
No
caminho, as demais mulheres da minha Vida foram aparecendo. Pouco a pouco, nos
acompanhando alegre e silenciosamente. A aventureira e espiritual, a determinada
e ocupada, a caseira e inocente, a sedutora e apaixonada, e todas as outras
mais.
Algumas
pessoas encontram parceiras para momentos específicos e um dos maiores desafios
cotidianos é equilibrar e administrar esses relacionamentos. Já eu, ouso dizer
que encontrei todas as mulheres para cada uma de minhas fases dentro de uma
única pessoa. A monogamia, para mim, é o mais lindo ato de poligamia.
2 comentários:
rs... Inusitado conto, numa narrativa envolvente e que seduz o leitor. Parabéns a quem o escreveu.
Conto muito bem estruturado.
Perfeitamente dentro dos parâmetros do concurso.
Parabéns a quem o produziu.
Alberto Vasconcelos
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