Eu o amei por todas as manhãs. Ele só
ansiava a noite para poder flertar com a Lua.
Quando o conheci, sabia que havia algo
diferente nele. Seus olhos azuis e a forma como adorava discutir astrofísica, psicologia
e todos os outros assuntos que minha mente pouco conseguia acompanhar. Sua boca
macia e a forma que ela me beijava, me colocando para dormir e me acordando
também. Suas mãos precisas e talentosas, sempre escrevendo um texto novo,
sempre criando uma invenção absurda. Sua loucura tão bela, mas tão distante da
filosofia de qualquer humano.
Ele se dizia humanista, e talvez
realmente fosse. Sua paixão pelo ser humano, no entanto, era superada apenas
por seu desejo compulsivo de pisar na Lua. Na época, quando o convenci que o
amava e o fiz pensar que me amava também, eu achava bobeira me preocupar com
qualquer outro lugar que não fosse a Terra.
Tínhamos tanto à nossa disposição!
Flores, árvores, frutos e energia! Nosso quintal era recheado de natureza,
nossa casa era recheada de amor. Eu o amava como ele sempre amou a Lua, mas
quando ele me amava também, eu simplesmente me sentia a mulher mais querida do
mundo.
Pelas manhãs, fazíamos banquetes e
gastávamos nossas energias com festas, danças e tudo aquilo que nos trazia
prazer. Conforme o anil do céu era dominado pela escuridão da noite, porém, eu
também era trocada pelos astros. Ele se sentava na varanda de casa, ao lado de
uma luneta e um computador de colo, fazendo previsões distópicas e escrevendo
os mais metafóricos dos poemas.
Por muito tempo, não suspeitei de nada.
O apoiava e o incentivava a perseguir seus sonhos e continuar produzindo sua
arte todas as noites. Fingia que não sabia, mas aos poucos ele deixou de dormir
comigo, apenas para ficar estudando as brilhosas entidades celestes. Enquanto
ainda haviam manhãs ensolaradas e repletas de vícios, eu estava contente.
Enquanto eu soubesse que escutaria seu “Bom Dia”, eu dormiria feliz.
Aos poucos, fui percebendo que as
árvores frutíferas de nosso jardim não eram tão cheias de vida assim. A grama,
antes tão verde e brilhante, foi se tornando um caminho de terra. As cabanas
vizinhas se tornaram casas, e as casas se tornaram prédios. O mais assustador
foi perceber que todas aquelas mudanças repentinas condiziam exatamente com as
profecias que meu amado fazia.
Diversas foram as vezes que senti medo.
Seus braços, que não eram colossais, mas suficientemente grandes, me cobriam
com a ilusão de que tudo ficaria bem. Suas palavras, por outro lado, sempre
questionavam a qualidade de nossas vidas, a sanidade de nossas mentes e a
veracidade de nossos sentimentos. Era uma tortura deliciosa e antitética, ele
me abraçava apenas para dizer que o mundo poderia desabar a qualquer momento.
Eu me fiz de forte enquanto pude.
Aproveitei enquanto pude. Vivi o máximo que pude, não percebendo que cometia os
mesmos erros que o resto da humanidade. Eu drenava os bens preciosos da Terra,
poluindo-a em prol de meus vícios. Eu drenava o amor precioso daquele que eu
amava, poluindo-o com minha simplicidade.
Um dia ele se cansou de me alertar
sobre os malefícios que causávamos ao nosso planeta. Decidiu que iria apenas
falar da Lua e eu, em minha ingenuidade e cegueira forçada, não percebi que
aquilo que era um aviso também. Fingia estar encantada com suas descobertas
quando, na verdade, eu nada entendia. E ele sabia disso. Ele sempre soube.
Quando finalmente entendi que seus
poemas trágicos eram para me alertar, e que os românticos tinham como musa o
satélite terrestre, senti um calafrio desumano percorrer minha espinha. Passei
todas as manhãs seguintes implorando para a Lua que o deixasse todo para mim,
rezando para os deuses que nunca estiveram a favor de meu amor.
A cada vez que eu pedia, no entanto,
ele parecia mais distante de mim e, ao mesmo tempo, mais próximo dele mesmo.
Gastei mais e mais recursos, vi a terra empobrecer, vi os mares secando, causei
maremotos e furacões com minhas imprudências, cavei meu túmulo esperando
conquistá-lo com minha fragilidade.
Tentei causar ciúmes, tentei tirá-lo da
cabeça, tentei tudo o que podia, me negando a aceitar que já o havia perdido.
Quando ele se deitava sobre a mesma cama que eu, podia vê-lo observar sua verdadeira
amada pela janela. Tão belo, banhado pelo brilho daquela que passei a odiar.
Numa ensolarada manhã, como de costume,
recebi seu beijo de bom dia, e aquele seria o último. Quando me levantei da
cama, ele estava arrumado, vestindo um traje espacial improvisado. Seu
protótipo de nave estava do lado de fora da casa, em nosso quintal de concreto,
esperando por seu comando para viajar para o espaço.
Primeiro implorei para que ficasse,
sendo reprimida impiedosamente pelo silêncio. Depois tentei pedir para que me
levasse junto, para que me amasse enquanto amava a Lua. Foi então que se voltou
para mim, com o mais lindo dos sorrisos, e disse: Um dia eu posso voltar para
te buscar.
Eu acreditei naquelas palavras, em
lágrimas e me afogando em tristeza, quando nem ele mesmo acreditou que aquilo
seria possível.
Hoje eu entendo. O mundo só era belo
porque eu estava com ele. Sua presença foi minha cegueira o tempo todo e,
agora, sua ausência se tornou um veneno para minha visão de realidade.
Mas tudo bem. Alguns homens nasceram
para se tornarem astronautas e encontrar seus sonhos entre os astros. Eu? Eu
nasci para amar o homem que me trocou pela mulher que mora na Lua.
2 comentários:
rsrs Ah, mas que rival perigosa, a Lua. Dividir o amor com ela não é páreo pra qualquer um. Surreal, diferente. Parabéns ao autor.
Ótimo texto.
Parabéns a quem o produziu.
Alberto Vasconcelos
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