Alta esbelta loira cabelos longos com
duas tranças enrodilhadas, uma verdadeira obra de arte, aquele seu penteado.
Mãos, pés e unhas bem cuidadas, um perfeito e invejável conjunto escultural,
elegantemente bem vestida. Ela entrava pelo portão do cemitério com a cesta de
flores recém colhidas, ainda respingadas pelo orvalho da manhã, dirigia-se a um
luxuoso tumulo de mármore cuja foto de um casal que aparentavam ter entre 60 a
65 anos de idade. Apanhava dois vasos de uma porcelana azul celeste finíssima,
decorados com a pintura do Divino Espírito Santo, representado por uma pomba
branca que flutuava com uma hóstia no bico acima de um cálice sobre uma bíblia
aberta. Caminhava até o chafariz que ficava ao lado da entrada, retirava as
flores velhas despejava seu conteúdo no esgoto, após lavá-los, enchia-os de
água limpa recompunha as flores depositando-os novamente sobre o mesmo túmulo.
Seguia para o canto esquerdo do cemitério colocava sobre uma singela lápide ali
existente, um ramalhete de rosas vermelhas, recolhia o anterior, como suas
rosas murchas e desbotadas, juntava às demais que ficaram próximas ao chafariz,
passava pelo portão colocando-as nas lixeiras. Aquele ritual se
repetia de dois em dois, a tardar a cada três dias.
Em principio o zelador despercebido nem
retribuía a saudação a ele dirigida, mas no decorrer do tempo ele passou
admirá-la de tal forma que sempre arranjava um pretexto, para acompanhar de
perto suas ações, e corresponder gentilmente à sua saudação. Passando
acompanhá-la com o olhar pela alameda afora até ela dobrar a esquina rumo ao
seu palacete, que ficava mergulhado em um bosque ajardinado fora da área
periférica da cidade.
- Bom dia seu Rafael! - Bom dia senhora!
Sua simpatia acabou despertando o zelador, e não tardaram eles já trocavam
algumas palavras relacionadas com as condições climáticas ora falando do calor
chuva ou frio, essa forma brasileira que temos de puxar assunto. Essa
intimidade acabou por render ao zelador algumas frutas
fresquinhas colhidas pela dama, que amiúde chegavam a ele, levadas embaixo das
flores naquela sesta. Logo o coveiro e seu ajudante também já sabia que seu
nome era Silvia, e que o casal que recebiam flores eram seus pais, mas e aquela
lapide do ramalhete de rosas vermelhas, sem nenhuma inscrição de identificação
de quem seria?
A convivência entre os três personagens
era momentânea sem delongas e em dias alternados, mesmo assim criou-se um laço
simpático, cordial e até um pouco afetivo. Vários anos aquela mesma rotina.
Que mistério teria aquela dama tão
elegante? – Essa era a pergunta que o zelador e seu colega gostariam de uma
resposta! Certa ocasião passou uma semana sem que ela aparecesse, as
flores despencaram nas bordas dos vasos o ramalhete secou castigado pelo sol,
sobre aquela lápide pretejada pelo tempo.
Os dois amigos preocupados decidiram
rastrear informações, nunca conversaram a respeito de seu endereço, mas alguém
os informaria com certeza. Numa tarde após o expediente decidiram seguir o
mesmo trajeto percorrido pela dama. Caminharam pela avenida dobraram a esquina
até aí tudo bem, mas agora, aonde vamos?-- Tantas ruas cruzando aquela avenida.
Atinou-se que as frutas e as flores fresquinhas, não poderiam ser produzidas na
cidade, a única opção seria procurarem na área rural. No trajeto percorrido,
não havia se quer um pomar capaz produzir coisas tão belas como aquelas.
Ninguém soube explicar, sobre a elegante mulher a viam sempre transitando vinda
da área rural, mas jamais falaram além de bom dia ou boa tarde, deveria ser
fazendeira, era a única informação.
Um velhinho lenhador,
este sim soube informar certinho seguiram sua indicação depararam com uma
portaria no que parecia ser um grande condomínio de luxo cheio de arvoredos e
milhares de arvores frutíferas. O porteiro informou tratar-se da fazenda de
Silvia, mas ela não se encontrava estava hospitalizada.
De posse do endereço foram ao hospital
se dizendo seus amigos. Conseguiram permissão para visitá-la.
Conduzidos ao apartamento donde a dama se encontrava. Pediram desculpas pela
invasão de sua privacidade explicando suas preocupações quando ela não
apareceu. — Fizeram muito bem vou ser grata a vocês pelos poucos dias que ainda
me restam. Vejo que é chegada minha hora e tenho que compartilhar com alguém a
minha historia de vida, que durante muitas décadas permaneceu trancada a sete
chaves no meu coração -. Estão dispostos a me ouvir? - Ouviremos com grande
prazer dona Silvia quando queira! - Eu terei alta muito breve. Voltarei ao
cemitério e La a gente conversa combinado? - Perfeito, só gostaria que nos
permitisse cuidar da colocação de flores nos túmulos enquanto recupera a saúde!
– Não será necessário muito breve retomarei esta tarefa, é coisa minha não
quero que ninguém o faça, mesmo porque quando eu partir não terá ninguém para
me substituir.
Uma semana depois estava a dama
cumprindo seu ritual, com a mesma rotina de antes, mas desta vez com um tempo
para jogar conversa fora com a dupla de amigos. E assim a cada dia ele narrava
minuciosamente uma capitulo de sua vida. Iniciando com uma garotinha loirinha
de olhos azuis, parecia o manequim da Barbie, a única sobrevivente, que pôs fim
ao sofrimento de sua mãe na tentativa de salvar pelo menos uma gravidez, dentre
tantas abortadas involuntariamente. Após uma serie de tratamentos a garotinha nasceu
linda e saudável. Aconselhada pelos médicos a mãe nunca mais se engravidou.
Silvinha filha única do casal era
alegre ativa e inteligente o pai que viera de uma família humilde sem recursos
financeiros, acostumado com uma vida modesta, nunca privou a filha de vivenciar
sua infância com simplicidade entre os amiguinhos (as) mais humildes. Ao
contrario da mãe que a repreendia constantemente tentando escolher suas
amizades.
- Não podemos criar nossa filha numa
redoma Amélia, cabe a ela escolher suas amizades. A vida de nossa filha
pertence a ela, não temos o direito de interferir em suas escolhas, parece-me
que você quer viver a vida dela. — Você Alcides deveria ter passado o que eu
passei para colocar a Silvinha no mundo, mas não, o homem é só deleitar em seu
gozo colocar o sêmen no útero da mulher e pronto o resto ela que se dane! –
Você está sendo injusta mulher, amo nossa filha tanto quanto você, os filhos
são criados para o mundo, um dia eles crescem bate as assas e voam indo viver a
sua vida. – Concordo, mas pode ser com os filhos dos outros, não com a
silvinha, esta saiu daqui ó! De dentro da minha barriga sou eu que farei suas
escolhas.
Silvinha crescia linda e inteligente
encantava em talento e beleza. O pai simples como sempre, honesto e trabalhador,
atributos que o tornaram-se respeitado. Cresceu satisfatoriamente o patrimônio
herdado, pela esposa, provando ser de fato um grande administrador. Silvinha
era a musa daquela cidadezinha do interior, cobiçada pela elite. Nos bailes
realizados no clube da cidade era o centro das atenções, mas só dançava com o
cavalheiro escolhido pela mãe. Pobre não tinha vez, pé rapado dançar com minha
filha nem morta, dizia a mãe! Alcides tentava em vão convencer Amélia libertar
a filha, mas ela se julgava superior nas decisões e ele devido ser de origem
pobre se julgava como um refém de sua fortuna embora fora o responsável por
multiplicar seus bens com seu trabalho e sua boa administração.
Marcos desde a infância caia de amor
pela garota, mas este jamais iria se aproximar dela, alem de pobre e inferior,
era disputado por todas as garotas mal faladas da cidade. Tomou fama de boêmio
e namorador embrulhão. Não teria a mínima chance com Silvinha. Mas o seu charme
a atraia, ela tentava em vão tirá-lo do pensamento.
Era final de ano, época que geralmente
os conterrâneos moradores em outras cidades retornavam a rever os amigos e
parentes. Eram recebidos com um baile de confraternização. Uma tradição que
passava de geração para geração, responsável por inúmeros casamentos realizados
entre os conterrâneos locais com os ausentes.
Nesta oportunidade Amélia viu a chance
de um bom casamento para Silvinha. Sua prima que morava na capital retornou com
o filho medico recém formado e que por diversas vezes telefonara querendo
noticias de silvinha, mas a empregada recomendada por ela, nunca levara ao
conhecimento de Amélia tais telefonemas. A empregada foi demitida
perdeu o emprego, quando em conversa com a prima a patroa descobriu a respeito.
Forçada pela mãe silvinha se viu obrigada a fingir que aceitaria se casar com o
médico.
No baile Marcos e Silvinha eram os
centros de todas as atenções, o casal mais elegante da festa. Marcos quis tirá-
La para dançar, Amélia o impede, apesar de irresponsável acostumado em não
levar desaforo pra casa, seu amor Por ela falou mais alto ele se conteve,
desculpando com a jovem afirmando que em respeito a ela ele se retirava, mas
sua mãe que aguardasse, pois teria o troco na hora certa.
No dia seguinte alguém bateu à
porta da mansão. A nova empregada atendeu: – dona Amélia Marcos quer falar com
a senhora e com seu Alcides! - Que Marcos menina? - Aquele gato lindo que morre
de amor por Silvinha! – Diga para aquele cachorro que se ponha daqui pra fora
antes que eu chame a policia! E tu se quiseres preservar seu emprego procure
não mencionar seu nome nem em sonho aqui, principalmente na presença de Silvia,
entendida?
– Olha Marcos a patroa está uma fera
mandou dizer que será melhor para todos você sair numa boa, assim evita
escândalos. Sentado sem autorização na sala Marcos retrucou. —Diga à sua patroa
que daqui eu não saí e daqui ninguém me tira, é bom ouvir-me primeiro antes que
eu enlouqueça! Naquele momento Alcides entra na sala – boa noite Marcos que
diabos procuras aqui rapaz como atreves entrar em minha casa sem ser chamado? –
Olha seu Alcides eu vim em paz, quero sua permissão e dona Amélia para que
silvinha eu possamos namorar, sei que meu passado não é muito recomendável, mas
farei todo possível para fazer sua filha feliz, nunca é tarde para a gente mudar
de vida. E pelo amor de sua filha eu farei tudo para não os decepcioná-los. –
Vamos conversar minha esposa e eu, ver o que posso fazer a felicidade de minha filha
está acima de minha própria vontade, resta saber se Amélia comungara com o meu
pensamento, o que acho muito difícil, breve você terá nossa resposta. - Seu
Alcides eu não arredo pé daqui sem uma resposta chame dona Amélia e vamos
resolver isso agora! – Rapaz corajoso você não? Tudo bem-, já que insiste e
está disposto a enfrentar a fera!
- Eu Silvia, com um livro na mão,
na sala ao lado, ouvi toda a conversa enquanto fingia ler.
Alcides conseguiu acalmar a esposa e a
convenceu a conversar civilizadamente com seu pretendente a genro, mas de nada
adiantou, ela nem cogitou questionar a filha se o amor daquele rapaz era
correspondido Por ela. Foi taxativa, afirmou que Silvinha não teria vontade
própria e só ela que a criou com todos os mimos, decidiria seu futuro inclusive
sua mão já fora prometida a um pretendente do seu nível. E ponto final. Marcos
Saiu disposto a arrancar de vez a moça do seu coração, mas sua atitude corajosa
fez com que o amor enraizasse no coração da jovem. Sua mãe marcou
seu noivado com o Dr. Túlio filho de sua prima. Marcos quando soube ficou
arrasado.
(continua na próxima semana)
Autor: Geraldinho do Engenho
Bom Despacho/MG
(continua na próxima semana)
Autor: Geraldinho do Engenho
Bom Despacho/MG
2 comentários:
Tristes amores impossíveis... bela história!
Vamos acompanhar!
Essa história tem todos os ingredientes de uma grande tragédia, bela e comovente.
Alberto Vasconcelos
Santo André/SP, 09/06/2016
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