Autora: Ana Bailune
Comecei
a escrever muito cedo, ainda criança. Participei de alguns concursos literários
em minha cidade natal, dos quais venci um, realizado pelo Silogeu Petropolitano
em 1986, com o poema "Somos Irmãos", e nos demais, fiquei sempre entre os quatro primeiros
colocados. Tenho um livro publicado pela editora Pimenta Malagueta, "Vai
Ficar Tudo Bem." Ele foi reeditado e relançado em agôsto de 2013 pela
amazon.com.br, juntamente com um livro de contos - A Ilha dos Dragões - uma coletânea de meus melhores poemas -
Sempre Cada Vez Mais Longe e recentemente, um livro de poemas - Lixo
Existencial. Todos disponícveis na amazon.com.br. Participei de várias
antologias, entre elas: do blog Gândavos, de Carlos Lopes, os livros Gândavos -
Contadores de Histórias I, II e II, tendo vencido recentemente o concurso de
contos promovido por este blog, com o conto Califórnia. Participei também da
antologia de Miriam Salles, Passos & Compassos. Abri a série da coletânea
Quinze Poemas + , convidada por Helena Frenzel, e participei dos Quinze Contos +, também de
Helena Frenzel. Ainda publicarei, enquanto eu estiver viva, muitos outros
livros, impressos ou virtuais, pois este é meu objetivo: escrever.
Tenho cinco blogs; basta digitar no Google, e você os encontrará
facilmente:
Liberdade de Expressão
A Casa & a Alma
Passagem
Histórias- Por Ana bailune
Nada a Dizer - apenas fotografias
Também participo, à convite, dos blogs
Gândavos, de Carlos Lopes
e
Quiosque do Pastel, de Lu Cavichioli.
1-Dedico este conto a Carlos Lopes, do blog Gândavos
NEVE NO SERTÃO
Toquinho era o apelido de José Jorge da Silva, um
menininho de oito
anos, mais novo entre cinco irmãos dos doze que
Mariazinha, sua mãe,
tivera e que sobreviveram. Ele morava com a família em
alguma
cidadezinha lá no sertão baiano, cidadezinha que nem
está no mapa, no
meio do nada, cercada de cactos e com paisagem
desoladora. O apelido
de José Jorge vinha de sua aparência física: pequeno,
franzino, desses
que dá a impressão que um vento mais forte conseguiria
levar embora. E
todo mundo comentava, quando havia alguma morte de
criança (coisa que
naquela época não era nada raro de acontecer) que
Toquinho seria o
próximo. Ninguém acreditava que o menino vingaria... o
pai, ‘seu’
Juvêncio, tinha uma hortinha que mal garantia o
sustento da família,
onde plantava mandioca, batata e feijão. O resto vinha
do governo, de
vez em quando. Trabalhava quando dava. Quando tinha
caixa para
carregar na venda do ‘seu’ Manoel, capim para cortar
ou laranjas para
colher nas plantações dos mais abastados. Iam levando.
Ou sendo
levados.
‘seu’ Juvêncio e Mariazinha já tinham perdido sete
crianças, e lá pela
quarta, já nem choravam tanto assim. A gente se
acostuma a tudo nessa
vida. Tudo que Deus manda, é bem-vindo e sábio. Assim,
continuavam a
colaborar com a fábrica de anjinhos do Divino.
Toquinho, de tanto escutar por trás das portas, acabou
descobrindo que
seu destino era ser levado dentro de uma daquelas
caixas que ‘seu’
Manoel da venda fabricava às pressas com sobras de
caixote, e nem
cobrava das famílias. Desde então, ele achou que se
todo mundo falava,
deveria ser verdade. Passou a não brincar mais, e a
comer menos ainda
– para preocupação dos pais e alegria dos irmãos, que
dividiam a
comida de Toquinho entre eles sem culpas, já que ele
também sabiam que
a morte do menino era apenas uma questão de tempo.
Mariazinha fazia de
um tudo para que o menino comesse; preparava mingau de
fubá com leite,
mandioca cozida passada na margarina (quando tinha),
feijão com
charque (sempre ganhava um pedacinho quando alguém
matava um porco).
Ele às vezes comia, só para ver a mãe dar um sorriso.
Mas um dia, ele
finalmente caiu doente. Ficava o dia todo na esteira
sem levantar
muito e sem ir à escola. A professorinha foi visitar,
e ficou doída de
ver o seu aluno mais novinho naquele estado. Deu à
família um cartão
de Natal que recebera da família que morava na cidade
grande, onde
tinha o desenho de uma casinha iluminada no meio da
neve, que era
coberta de brilhinhos de purpurina. Quando alguém
abria o cartão,
tocava uma música natalina. Ela apagou a mensagem com
corretor de
texto, e escreveu por cima: “Nunca percam as
esperanças. Um Feliz
Natal!”
Quando Toquinho viu o cartão, tratou de perguntar:
“Professorinha, o
que é essa coisa branca e brilhante, linda demais?” E
ela respondeu:
“É a neve, Toquinho. Ela cai do céu nos lugares muito
frios na época
do Natal. Fica tudo assim, coberto de branco... é
lindo de se ver!”
Ele pensou um pouco, passando o dedinho magro sobre a
imagem, e
olhando a purpurina que ficou na pontinha do
indicador: “E você já viu
de perto? A neve, já viu?” A professorinha lembrou de
sua única viagem
ao estrangeiro, quando se casou, há muitos anos: “Vi,
sim.” E o menino
indagou: “E como é?” “Ah, Toquinho... é linda, macia e
fria. Muito
branquinha também. Quando o sol bate, ela brilha,
brilha... As pessoas
gostam de fazer bolas com ela e brincar de jogar umas
nas outras, de
brincadeira. As crianças fazem bonecos com nariz de
cenoura, e colocam
chapéus neles. É mágico...”
O menino suspirou fundo. Olhou para a professora bem
dentro dos olhos,
um olhar daqueles que a gente jamais vai esquecer
enquanto viver, e
declarou: “Eu queria muito ver a neve!”
A professorinha foi embora com lágrimas nos olhos. A
frase do menino
quase moribundo ressoando em seus ouvidos, espetando o
seu coração:
“Eu queria muito ver a neve!”
No dia seguinte, enquanto fazia compras na venda do
‘seu’ Manoel para
levar para a família de Toquinho, a professorinha
ainda não tinha
conseguido esquecer as palavras do menino. Mas como
fazer nevar no
sertão? Era impossível! De repente, um caminhão parou
em frente à
venda, e uns homens começaram a descarregar umas caixas
grandes. Eram
árvores artificiais e enfeites de natal para ‘seu’
Manoel colocar à
venda. Encomenda dos grandes fazendeiros da região,
pois os clientes
mais pobres jamais poderiam pagar por coisas como
aquelas. A
professorinha ficou observando enquanto ‘seu’ Manoel
abria as caixas e
ia separando as encomendas, segurando uma lista,
caneta atrás da
orelha. E conforme ele ia puxando as mercadorias de
dentro das caixas,
enfileirando os enfeites para separar em cima do
balcão, iam caindo no
chão bolinhas minúsculas de isopor, que o vento
espalhava (aquilo se
deu antes do advento do plástico bolha).
A professorinha começou a ter uma ideia genial, e
pegando algumas das
bolinhas de isopor, perguntou ao ‘seu’ Manoel: “Como é
que eu faço
para conseguir mais destas, ‘seu’ Manoel?” O homem
coçou a cabeça, sem
entender: “O que? “ Ela repetiu: “Essas bolinhas de
isopor! Como eu
faço para conseguir mais, uma quantidade muito grande
delas?” Seu
Manoel riu: “E pra que a senhora quer isso, Dona Professorinha?”
A
professorinha contou a ele a história do Toquinho,
menininho doente
que queria ver neve no sertão. Quando ela terminou a
história, ‘seu’
Manoel tinha os olhos rasos d’água. Disse: “Dona
Professorinha, eu
tenho caixas e mais caixas disso lá atrás no depósito.
Engraçado... eu
sempre achei que um dia elas iam servir pra alguma
coisa!” A
professorinha ficou feliz da vida!
Dizendo aquilo, ‘seu’ Manoel decidiu que doaria uma
árvore de natal
que viera faltando alguns galhos, e uns enfeites que
tinham quebrado
na viagem. Os dois confabularam durante algum tempo,
fazendo planos.
Puseram-se a montar a árvore com os enfeites. Todo
mundo que passava
por ali perguntava o que eles estavam fazendo, e eles
repetiam a
história. As crianças tiveram a ideia de montarem um
presépio vivo em
frente à casa de Toquinho. Algumas mães
confeccionariam as roupas com
sacos de estopa. A festa de Natal foi sendo montada.
Alguém se lembrou que tinha em casa um velho gramofone
e um disco de
canções natalinas. ‘Seu” Alonso da farmácia
emprestaria um ventilador
grande para ajudar a fazer a neve voar.
Tudo pronto, na véspera de Natal todo mundo foi para a
casa de
Toquinho sem fazer barulho, pois queriam que o menino
tivesse uma
surpresa. Montaram tudo: o presépio, a árvore de natal
com os enfeites
(nem dava para ver que estavam quebrados), uma mesa
com a ceia, doada
pelos mais abastados da região, o gramofone. Alguns
meninos mais
levinhos subiram no telhado da casinha com os sacos de
bolinhas de
isopor, posicionando-se bem por cima da janela onde
Toquinho estava.
Quando a professorinha deu o sinal, o gramofone
começou a tocar “Noite
Feliz”, e as pessoas, que já tinham decorado a letra,
cantavam junto.
A família despertou dentro da casa, e assim que
abriram a janela, os
meninos começaram a derramar as bolinhas de isopor bem
devagar, que
era para elas durarem mis tempo. Foi mágico!
Mariazinha, pegando o
filho já bem fraquinho no colo, levou-o para a janela,
dizendo entre
lágrimas: “Vem ver! Tá nevando!”
Toquinho nem acreditava no que estava vendo: quase
igual ao cartão de Natal!
Uma força surgiu de dentro dele (dizem que antes de
morrer, algumas
pessoas há muito tempo doentes despertam se sentindo
muito bem,
conversam, riem e depois, morrem. É como se fosse uma
despedida).
Aquela foi a festa de Natal mais linda que já se ouviu
falar.
FIM
Ah, já ia
esquecendo! E quanto ao Toquinho?
Bem, ele
melhorou. Morreu não. Cresceu, foi para a cidade grande
estudar e
virou doutor. Acreditou que tudo era possível depois que
nevou no
sertão, e assim foi.
Dizem que
ainda tem bolinhas de isopor agarradas aos espinhos de
alguns
cactos, só para lembrar a quem ficou por lá, vazios de
esperança,
que é possível nevar no sertão.
2-Ficou
Ficou
tudo pelo chão,
E
é bom que tenha ficado.
Um
vento lento a soprar
Desfez
as tramas do passado
E
levou, consigo, o legado
Para
bem longe do mundo.
-Toda
a inútil ilusão,
Arrogância,
presunção,
Palavras
de amor ou de ódio,
Escárnio,
riso, e o punho
Que
arremeteu os punhais
Cravados
no coração.
Ficou
sim, tudo no chão,
E
a chuva que chegou
Lavou,
levou e depois
Veio
o sol, e desbotou
Os
restos do que ficou.
Descoloriu
sentimentos,
Apagou
os pensamentos,
Preencheu
de vazio os momentos
E
nada, nada mais ficou
Além
do que ficou no chão,
A
fim de ser esquecido,
Daqui
levado, varrido,
Como
será carregado
Tudo
aquilo que ainda está.
E
agora, eu me pergunto:
Do
que será que valeu
Tanto
ódio, tanto pus,
Tanta
mentira inventada,
Tantas
lâminas cravadas
No
caule frágil da flor?...
No
fim, só fica o amor,
E
mesmo este, algum dia
Segue
a mesma estrada fria,
Vai
no rastro indefinível
De
quem nunca mais voltou.
Ficou
no chão o sentido,
Derramado
feito água
No
meio daquela estrada
Que
ninguém mais percorreu...
Ficou
toda a injúria vil,
De
um coração desabrido
E
desta, nem mesmo um til
Poderá
ser removido.
Valeu?...
3-INVENÇÃO
Invento
cores,
Cheiros,
sabores
Invento
caminhos
Cheios
de flores,
Invento
os sons
Da
trilha sonora
Que
cantam-me a vida,
Invento
as horas.
Demoras,
atrasos,
Flutuam
nos rasos lagos.
Esperas,
anseios
Tentando
encontrar os meios.
Mas
a mente pensa,
A
mente divaga,
A
mente desliga,
A
mente se lava!...
Assim,
eu invento
As
cores e tons,
Os
temas e sons
Que
espalho no ar.
Assim,
eu aguardo
Acontecimentos
Que
ficam suspensos
Acima,
no ar.
4-A
Tua Rosa Não Tarda!
Se
queres tanto escutar,
Então
cala a tua voz,
Pois
Deus não tem paciência
Com
quem distorce a Ciência
De
maneira tão atroz!
Se
queres tanto entender,
Respeita
a filosofia!
Pois
ninguém há de enxergar
Arrotando
tanta azia...
-Fingida
sabedoria!
Aceita
o negro da noite,
Abençoa
a luz do dia!
Mergulha
na escuridão,
Traz
contigo uma canção,
Faz
da vida uma alegria!
Ajoelha-te
em silêncio,
Olhos
fechados, rendidos,
Baixa
as armas, sente o vento!
Cavando
em meio à tristeza,
Acharás
mudas de rosas...
Deixa
que essas mudas falem,
Planta-as
com fé e aguarda:
-A
tua rosa não tarda.
5-A
Vingança das Flores
As
flores me olham quando eu passo,
Balançam
suas leves cabeças e riem,
Em
sinal de desaprovação:
-"Estúpida
criatura humana,
Nem
és capaz de cumprir uma promessa
Que
há tanto tempo, fizeste a ti mesma!"
Então,
eu as colho em um buquê bem apertado,
E
as amarro, todas juntas em um vaso
Que
coloco em algum canto escuro da sala.
Penso
em, mais tarde,
Brincar
de mal-me-quer.
Em
resposta, elas murcham.
6-Varrer
- Exercício Meditativo da Vassoura
Varrer:
atividade que muitos consideram monótona, suja e cansativa.
Mas
na verdade, varrer me faz pensar... para mim, é um exercício
mental
melhor do que qualquer tipo de meditação formal. Enquanto eu
varro,
eu me sinto mais calma, e fico presente no momento, prestando
atenção
às sujeirinhas do caminho que se entranham pelos cantos e
degraus.
Alcanço-as com o cantinho da vassoura, não deixando que fique
nenhuma
impureza.
Depois,
recolho todo o lixo em um saco plástico e jogo fora. Em volta,
tudo
limpo, renovado.
E
enquanto executo este simples ritual, tento limpar também a minha
mente
das coisas que não me fazem bem.
Procuro
dar algumas pausas em meu trabalho e olhar em volta, para um
passarinho
pousado na árvore, um esquilo que chega, caminhando sobre o
muro,
uma nova flor que desabrochou.
Varrer
deixa-me mais limpa.
No
dia seguinte, haverá novas folhas caídas sobre o gramado, caroços
de
ameixa derrubados pelos morcegos durante a noite, em suas
refeições,
um pouco de terra... ainda bem.
7-LEMBRANÇAS
DE NATAL
Quando
a gente é criança, tudo é mágico. Porque as crianças tem uma
visão
que não é baseada em preconceitos e cinismos. Para mim, o Natal
-
assim como a Páscoa - eram datas especiais. Mesmo sabendo que Papai
Noel
não era real, eu gostava de fingir que acreditava, pois aquilo
deixava
a existência mais leve e colorida.
Quem
foi criança na minha época, com certeza lembra-se da boneca Suzi,
uma
antiga versão da moderna Barbie, só que com mais cara de ser
humano
normal, mais cheinha do que esta última, que tem a aparência de
uma
maneca de passarela.
Um
dia, inventaram um namorado para ela, o Beto. Lembro-me de quando
eu
vi o comercial na TV pela primeira vez, onde uma menininha cantava
uma
música estúpida, mas que na época, era o máximo para mim: "Beto é
da
Suzi, Suzi é do Beto, tralálálá..." imediatamente, decidi: eu
queria
o Beto!
Escrevi
cartinhas para meu pai e minhas irmãs mais velhas. Quando eu
queria
alguma coisa, eu literalmente sonhava com aquilo como se já
existisse.
Acordava de manhã pensando, e ia dormir pensando no que eu
queria.
Conversei com a Suzi, e prometi-lhe um companheiro adequado;
afinal,
o Juca (um boneco grandalhão que eu tinha) era alto demais
para
ela!
A
"Suzi" escreveu cartas de amor para o Beto, e o Beto, respondeu a
todas
elas. Trocaram declarações de amor apaixonadas, ansiosos pelo
encontro
que os uniria para sempre. Fiz uma casinha de boneca em uma
caixa
de papelão, onde os dois morariam para sempre e teriam seus
filhos,
quem sabe... o casalzinho apaixonada conversava muito por
'telefone'
(naquela época não existia Internet, muito menos,
computadores
nas casas). Enfim: preparei com carinho a chegada do novo
membro
do meu clube de bonecas.
Conforme
o Natal ia se aproximando, mais ansiosa eu ficava, e quase
tremia
de expectativa.
Uma
semana antes do Natal, minha mãe e minha irmã mais velha foram às
compras.
Voltaram cheias de caixas de presentes, que colocaram, como
sempre
faziam, sobre o armário mais alto do quarto. Impossível, para
mim,
alcançá-las... eu ficava olhando para as caixas, tentando
imaginar
em qual delas estaria o Beto.
Finalmente,
o Natal chegou. Hora de abrir os presentes. Ganhei roupas,
um
jogo de panelinhas e outras coisas, mas o Beto não veio.
Acho
que foi uma das maiores decepções de minha infância. Não sei por
que
cargas d'água, tinham se esquecido do meu Beto.
Suzi
ficou arrasada! Todos os sonhos de amor destruídos, as noites de
sonhos
transformando-se em pesadelos. Ela mal pode lidar com aquela
tremenda
decepção amorosa, e caiu em depressão profunda, por pelo
menos,
três dias. Mas logo, vendo que de nada adiantariam suas
lágrimas
- o Beto estava perdido para sempre, e nunca mais lhe
escrevera
cartas de amor apaixonadas - ela acabou se conformando, e
aos
poucos, foi conseguindo reconquistar o amor do Juca.
8-Experimental
Monoverso
Não
desejo que sejas, jamais
O
que eu venha a desejar que sejas
Sê
aquilo que só tu desejas:
-
Meus desejos far-se-ão reais.
Interação
e Helena Luna:
HLuna
Só
eu mesmo mando em mim,
Não
aceito, não, conselhos,
Se
quiser sou um jasmim,
Ou
um cravo bem vermelho.
O
Monoverso é um estilo criado por Rosa Ambiance.
9-DESTINO
O
destino é um oceano
De
conchas abertas e fechadas
Por
onde navegam as almas
Que
já nascem naufragadas.
Não
há remos para os barcos,
São
as ondas que os levam.
À
deriva, eles flutuam
E
ao destino se entregam.
Sopram
os ventos tão frios
Maremotos,
calmarias...
E
o porto é sempre o mesmo:
O
fundo azul do oceano
Onde
dormem os navios.
10-Atiraste
Uma Pedra...
Ela
me pedia, entre gemidos, que a ajudasse a levantar-se da cama de
hospital,
após uma dolorosa cirurgia que, pelo que tudo indicava, não
tinha
dado certo. Eu tentava acalmá-la, segurando-lhe a mão e dizendo
que
não podia levantar-se ainda, e mentia, dizendo que na manhã
seguinte,
tudo ficaria melhor.
Ela
delirava, ás vezes, dizendo coisas que eu não conseguia
compreender.
Percebi que muitas e muitas vezes, tentava fazer o sinal
da
cruz, e sem querer, arrancava do dedo o aparelhinho que media suas
batidas
cardíacas, fazendo a máquina apitar. Eu o colocava de volta, e
segurando-lhe
a mão, tentava distraí-la:
-Quer
rezar uma Ave-Maria?
Ela
murmurava: "Hã-hã..."
E
eu começava, o coração vazio das palavras que eu mesma proferia. À
sua
maneira, ela tentava acompanhar minha oração, e ao final, tentava
fazer
o sinal da cruz. Os olhos sempre fechados, estava inquieta, e
dizia
que estava morrendo.
De
repente, o inusitado: debaixo da janela do quarto, já às nove da
noite,
um grupo de seresteiros começa a tocar:
"Atiraste
uma pedra
No
peito de quem
Só
te fez tanto bem..."
Pela
primeira vez, ela abriu os olhos, e fitando a parede branca,
pareceu
acalmar-se de repente. Acho que estava se lembrando do seu
grupo
de idosos, e de quando costumava reunir-se com eles nas tardes
de
sábado a fim de dançar e ouvir serestas. Menti mais uma vez:
-Viu
só, mãe? Está ouvindo a seresta? É para você! Seus amigos vieram
aqui
tocar para você!
Ela
soltou novo gemido de dor, fechando os olhos. Mais uma canção, e
os
seresteiros se foram. Mais tarde, ao ajeitar a colcha da cama,
percebi
o lençol empapado de sangue. Tivemos que trocá-la. Jamais
esquecerei
o cheiro do sangue.
Depois
daquilo, ela foi definhando cada vez mais.
A
morte jamais será algo bonito de se ver.
Abraços,
Autora: Anabailune - Petrópolis/RJ
Blog: Ana Bailune - Liberdade de Expressão
Postagem: Face
Link: http://ana-bailune.blogspot.com/2012/03/face.html
Comentários:
Grande escritora que demonstra em cada obra a intimidade com as palavras perfeitamente colocadas para que o leitor construa a imagem sugerida. Ana é dessas autoras que nos fazem sentir o gosto do quero mais ao final da última página e é sempre surpreendente ao fugir do lugar comum em seus trabalhos. Parabéns Ana e felicitações ao Gandavos por tão oportuna escolha nessa quinzena do autor.
Alberto Vasconcelos
Santo André/SP, 30/12/2015
Carlos A. Lopes disse...
Ana, obrigado. Ser homenageado por você com NEVE NO SERTÃO é um presente de natal e uma prova de amizade.
Marina Alves disse...
Grande autora, Ana Bailune, sempre me encanto com sua versatilidade, pois se sai maravilhosamente bem em qualquer que seja o desafio. Realmente um presente pra nós seus leitores, esses fragmentos reunidos de sua grande obra. Parabéns, Carlos pela oportunidade de mostrar ao Brasil, ao mundo, os nossos valores. Abraço aos dois.
Sandra Amorim disse...
Ana. parabéns por tamanha sensibilidade. Te ler é viajar na imaginação. Adoro esse exercício. Um beijo cheio de luz!