Autora: Maria Mineira
Quero de novo a sua presença, preciso desse alívio
que não vem. Meus olhos pousam nos onze livros da estante. Ansiosa, ando
de um lado ao outro folheando páginas. A vontade é descer e verificar se o
carteiro já deixou a encomenda que chega religiosamente no mesmo dia, há exatos
doze meses.
Pela câmera, passo o tempo a observar dia após dia.
Perco horas a acompanhar a vida de outras pessoas. Vejo tantos acontecimentos e
questiono o sentido de minha existência nesse mundo. Nem as lágrimas
insistentes conseguem dar vazão a esse sentimento angustiante. Eu, cada vez
mais impotente diante de uma tela, onde minha realidade é o contrário de tudo
que sonhei para mim...
Jamais esquecerei nosso primeiro encontro na
livraria de um Shopping Center, na cidade de São Paulo. Ironia do destino,
ambos disputávamos o último volume de “Memorial do Convento” de José
Saramago.
—O livro é seu. Gostaria que aceitasse como
presente. Sorriu, convidando-me para um café.
Aceitei, meio encabulada diante daquele homem de cabelos
grisalhos, voz doce e olhar terno. Conversamos amena e divertidamente a tarde
toda. Falei de minha vida solitária, após noivado desfeito. Contei dos meus
livros, do meu trabalho como secretária numa multinacional. Dele, soube que
apesar de brasileiro, trabalhava como professor de Literatura Estrangeira, numa
conceituada universidade inglesa e estava no Brasil em férias, visitando a família,
que se resumia em uma única irmã.
Ao final daquele dia inesquecível, números de telefones
trocados, endereços de e-mails também. Ele e eu tínhamos tanta coisa em comum e
não seria um oceano e trinta anos de diferença que iriam nos separar. Foi
constante a troca de mensagens, textos, confidências e dicas de livros, pois
tínhamos gostos muito parecidos. Quando percebemos estávamos irremediavelmente
apaixonados.
Apesar da distância, confessou-me que seu amor por
mim, tornara-o quase adolescente outra vez. Para amenizar minha saudade,
quebrando regras, deu-me a senha do circuito interno de TV, da universidade
onde lecionava. Assim, acessando um site, podia vê-lo chegar e sair todos os
dias do trabalho, através da internet. Desde esse dia, acordava muito cedo, devido
ao fuso horário, só para observar, antes de ir para meu trabalho, cada um de
seus movimentos nas frias manhãs londrinas.
Recordo minha surpresa, quando voltei de férias no
litoral. Através da câmera, vi sua imagem na penumbra, entre o acervo de sua
biblioteca. Conversamos muito. Ele confidenciou-me, que ali entre os livros, sentia-se
com alma de passarinho e se imaginava vindo ao meu encontro, viveria para
sempre em meus braços... Nesse dia,
recitou-me um verso de Camões —"Mais servira, se não
fora/ para tão longo amor tão curta a vida." Ao final, contou-me de uma grave
doença, da cirurgia marcada, do seu desejo de que eu fosse a guardiã de todos
os seus livros...
Vi todos os meus sonhos se esvaindo, ao acompanhar
dia após dia, através da tela de um computador, a imagem do meu amado professor
debilitar-se aos poucos. Apenas o brilho dos olhos permanecia inalterado.
Quando conversávamos nos intervalos do tratamento, fazia de tudo para me ver
sorrir. Se percebia tristeza em minha voz, se angustiava ainda mais. Mergulhei
no fundo de minha alma e achei forças para não demonstrar, pois na verdade,
juntamente com ele, eu também morria...
Aquela tarde nem notei a luz desaparecer. Quando o
sol retornou derramando seu dourado em meu quarto, pressenti terminada minha
espera. Inacreditável o que senti. Existiria solidariedade na dor? Não tive
fome, sede ou ânimo para coisa alguma. Seria isto o que chamam de sintonia?
Senti a dor do meu amor em seu leito de morte, enquanto eu ardia em febre aqui
do outro lado do mundo. Os calores do seu corpo se esvaindo, me aqueciam a
milhares de quilômetros distante.
Hoje faz um ano... Uma onda quente de saudade
envolve todo o meu ser. Anoitece, quando finalmente ouço o lamento do
interfone. Recolho a caixa dos Correios.
Antes de abrir o envelope, respiro fundo, apertando-o contra o peito,
para depois rasgá-lo impaciente. Ao pousar os olhos sobre o papel um sentimento
misterioso me faz estremecer... Então minhas lágrimas molham as páginas do
décimo segundo livro, ao ler a sua última revelação...
Autora: Maria Mineira - São Roque de Minas/MG
Autora: Maria Mineira - São Roque de Minas/MG
5 comentários:
Sensacional! Um conto envolvente que vai levando junto o leitor. Impossível não se deixar enredar por essa trama bonita. E no final, Ah, o final puro suspense! Tudo que pede um bom conto de amor. Começamos muito bem! Parabéns ao autor!
Amei! Espetacular! Mas triste tambem.Conceição Gomes.
Excelente texto, com desenrolar suave e perfeitamente dentro dos parâmetros do concurso. Parabéns a quem o produziu.
Alberto Vasconcelos
O autor ou autora deste texto tem a rara capacidade de transformar emoções em palavras, e estas palavras ecoam em nossas mentes produzindo as mais belas e sensíveis imagens que uma paixão pode despertar! Parabéns, gostei muito...
Maria Mineira, uma escritora de alma sensível que estou tendo a honra de conhecer por meio virtual, mas com a graça de Deus irei conhecê-la pessoalmente! Você é uma poetisa nata, dom maravilhoso! Parabéns pelos versos que nos envolvem pela emoção e fervor de cada palavra! Sucesso é o que lhe desejo, Patrícia Farnese.
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