A
vida começa aos quarenta.
Era essa a frase que ela sempre ouvia, quando tinha trinta e sete ou trinta e oito.
Era essa a frase que ela sempre ouvia, quando tinha trinta e sete ou trinta e oito.
Como pensava não ter vivido
tudo que gostaria ou que pensava ter direito de viver, aguardava ansiosa, a
chegada dos quarenta.
Afinal, com a chegada dos
quarenta, chegaria sua vida nova.
Renasceria para a vida ou a
vida lhe renasceria.
Sempre com essa frase em
mente, continuava com sua pacata e moribunda vida que, morreria aos trinta e
nove, para renascer aos quarenta.
Chegou a tão esperada idade
e nada. Não sentiu nenhuma mudança. Nada acontecia.
Tudo era igual. Nada de
nada!
Passou por essa década
esperando seu renascimento e nada de novo em sua vida.
Chegou aos quarenta e nove
e, ouviu de novo que, com a menopausa, a vida começa aos cinquenta ...Mas,
qual... nada de nada.
Mais uma década de
desencanto e mesmice.
Finalmente chegou a terceira
idade. Ah, a terceira idade.
A idade da libertação. Da
aposentadoria. Dos direitos do ¨idoso¨.
Mas não era isso que ela
queria. Ela queria algo mais.
Não queria apenas prioridade
nas filas do banco, nos ônibus, nos cinemas...
Queria sentir-se viva. Queria
estar viva.
Foi quando leu um anúncio, desses
que tentam arrancar dinheiro dos aposentados, que ela pensou em fazer algo só
dela, só para ela. No anúncio dizia:
”A vida começa aos sessenta.
Faça suas malas e venha desfrutar da melhor idade conosco.”
Juntou suas economias, fez
as malas e partiu em excursão para o sul do país.
Se nada de bom lhe acontecesse,
pelo menos teria conhecido geograficamente um pouco mais do Brasil.
Serras Gaúchas; Comida boa. Vinhos
finos. Músicas alegres.
Em uma das paradas do
passeio da Maria Fumaça, ela avistou aquele homem, na plataforma, dando boas vindas
aos turistas. De acordeom nos braços, sorriso nos lábios, voz forte e suave.
Apesar de ter aparência de
argentino, cantava músicas típicas da Itália. Canções alegres ou nostálgicas.
Alto. Magro. Pele clara. Ombros
largos. Entre um sorriso e outro, sentia que seus olhares se cruzavam.
O grupo à sua volta deixara
de existir. Apenas ele. Sem nome. Sem identidade definida.
Ao se despedir, deu-lhe um
beijo no rosto e, num aperto de mão, o homem lhe passara um papel amassado.
Sem jeito, segurou aquele
papel e entrou na Maria Fumaça para o término do trajeto.
No papel amassado havia o
nome de um hotel que ficava em frente ao que ela estava, escrito apenas: nove e
meia.
A frase voltou-lhe à mente
com a força de uma martelada: ¨A vida começa aos sessenta.”
Sua cabeça era um turbilhão
de pensamentos. Vou? Não Vou?
Sem comentar com as senhoras
que dividiam seu quarto, saiu às nove e meia, passando pelo saguão do hotel, de
cabeça baixa.
O letreiro luminoso da
frente, indicava o local do encontro.
Coração acelerado. Boca
seca.
Ansiedade? Taquicardia? Hipertensão?
Na terceira idade, todos
esses sintomas indicariam um infarto. No seu caso, não. Apenas indicava o
desejo de viver.
Lá estava ele. Em pé, na
porta do hotel. Muito mais bonito agora, sem o acordeom que lhe ocultava o
peito jovem ainda.
Vinho. Flores. Cama
perfumada.
Aquela voz a lhe dizer
coisas que não ouvia há três décadas.
As horas corriam. Precisava
voltar ao hotel, antes que começassem a sua procura. Afinal, na terceira idade
os cuidados são redobrados. Perigos de quedas, A.V.C, infarto ou, sei lá, perda
de memória ...Perda de memória. Pronto. Esse seria seu diagnóstico, caso alguém
perguntasse, afinal não seria mentira.
Na manhã seguinte todos dentro
do ônibus para a volta à rotina, à realidade.
Apenas ela trazia algo mais
em sua bagagem. Além das lembrancinhas para os filhos e netos, trazia a bagagem
transbordando a felicidade de uma noite de amor.
Sim. A vida pode começar aos
sessenta. Retornou para casa com essa certeza.
A vida começa quando você
decide começar.
3 comentários:
Muito bom texto, perfeitamente dentro dos parâmetros do concurso.
Parabéns a quem o produziu.
Alberto Vasconcelos
Uma vida sem amor é uma vida vazia mesmo. Ainda bem que nunca é tarde para renascer. Gostei. Conceição Gomes.
E indo àquele encontro, permitiu-se viver uma experiência a ser lembrada para sempre. Ótimo conto. Parabéns ao autor.
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