I
Nivaldo e Márcia desde criança namoravam. Vizinhos, pequena diferença de
idade entre ambos, pais amigos, tudo levava a crer que dali sairia uma vida em
comum, com o casamento.
Estudavam no mesmo colégio, só que em classes diferentes.
A data dos 15 anos de Márcia foi comemorada com uma grande festa. O Clube
XV de Boa Esperança do Sul, onde nasceram e viviam, foi pequeno. A cidade em
peso compareceu. Foram convidados os Cadetes da Marinha para os pares das
meninas, na valsa tradicional. De Márcia, não, pois a Nivaldo era a quem
caberia tal privilégio. E, assim foi.
Rafael e Clarisse, pais de Márcia, viam com bons olhos o namoro de sua
filha. Nivaldo era bom menino, aluno aplicado, falava em ser médico. De seu
lado, Álvaro, pai do moço, também nutria muita simpatia por Márcia. Já Suzana,
a mãe... Não que tivesse qualquer motivo para deixar de gostar de Márcia.
Somente achava que seu filho merecia coisa melhor, uma moça da cidade grande,
filha de um industrial, enfim, que pertencesse à alta sociedade da capital, por
exemplo. Aquelas coisas de mãe. Afinal, era filho único. Mas, tolerava a
situação!
Durante a festa, estando na mesma mesa as duas famílias, a conversa ia
bem animada. Felizes, viam seus filhos dançando, demonstrando ambos, muito
carinho um pelo outro.
— Estou muito feliz, Suzana, em ver minha filha com o Nivaldo! Formam um
belo par!
Suzana, por sua vez, muito reservada, sem demonstrar claramente o que ia
em seu íntimo, respondeu:
— Sim, Clarisse, parece que os dois se gostam mesmo! Apenas acho que são
muito novos, têm muito pela frente!
Assim, a festa transcorreu, com todos se divertindo, os homens falando
sobre a política da cidade, o time de futebol do qual eram diretores, e outros
assuntos normais nessas ocasiões.
As mulheres, por sua vez, comentavam sobre os vestidos das amigas
presentes, do penteado de fulana, enfim, mais na base dos temas próprios do
sexo feminino.
Já em casa, os pais da moça, após o banho relaxante, e deitados, comentavam,
felizes, o sucesso da festa, e a alegria proporcionada à filha Márcia.
— Querido, disse Clarisse, adorei a festa!
Aí, a psicologia feminina entra em ação, e continuou:
— Só fiquei um pouco preocupada com a Suzana. Não me pareceu to-
talmente à vontade! Alguma coisa não lhe estava agradando.
— Impressão sua, querida! Não percebi nada de anormal! Ela é assim mesmo,
meio fechada!
II
Nivaldo passeia pelo campus da Universidade Federal, na capital do Estado.
Cursa o 3º Ano de Medicina. Refaz-se do dia atribulado que tivera, com o estudo
até a madrugada da noite anterior, para as provas feitas pela manhã. Foram as
últimas do ano. Tinha certeza da promoção para o 4º Ano.
Terminado o curso ginasial em Boa Esperança do Sul, seus pais o mandaram
para a capital, a fim de cursar o científico. Foi para o internato de um famoso
colégio. Para a alegria de Dona Suzana!
Nas férias, não via a hora de ir para a sua terra natal, e estar ao lado
de Márcia, a quem jamais esquecera. Ela continuou seus estudos na própria
cidade. Fez o curso normal, e já dava aulas no Grupo Escolar.
Paciente, mas ansiosa, esperava a vinda de Nivaldo, a fim de matar as
saudades, e renovar as juras de amor eterno que ambos confidenciavam.
No entanto, essas idas e vindas de Nivaldo duraram até o término do 3º
Ano da Faculdade de Medicina.
Naquele dia em que o encontramos passeando pelo campus da Universidade
Federal, outra situação o atormentava. Chamava-se Maria Lúcia! Sua colega de
turma! Morena, olhos verdes, cabelos longos, uma linda moça! Desde o primeiro
dia de aula os dois se aproximaram. Naturalmente. A princípio, simplesmente
colegas. Moradora na capital, volta e meia convidava Nivaldo para estudar em
sua casa. Filha de pais ricos, sua residência era uma verdadeira mansão,
situada num dos bairros mais chiques da cidade. Isso tudo impressionava o
colega.
Apesar de tudo, Nivaldo não esquecia Márcia! Nos períodos de folga,
rumava para Boa Esperança, onde a namorada o esperava.
Sua preocupação, no dia do encerramento das aulas do 3º Ano, também, era
de já não ter vontade de ir para o interior, e, muito menos, de rever a Márcia.
Estava completamente apaixonado por Maria Lúcia! Esta, no decorrer dos
anos de estudos, cada vez mais próxima de Nivaldo, foi conquistando o amor do
colega. Numa atitude que demonstrava a grandeza de seu caráter, nunca forçou
qualquer situação. Sabia da existência de Márcia na vida de Nivaldo, e
respeitava os sentimentos dele. Esperava, como esperou, o momento certo,
deixando que o rumo das coisas se encaminhassem de modo natural. E conseguiu!
Essa lealdade de Maria Lúcia, calou fundo no coração de Nivaldo,
levando-o a sentir pela mesma, uma paixão que, até então, nunca sentira.
E, sem qualquer aviso, sem dar qualquer satisfação, Nivaldo deixou de aparecer
em Boa Esperança do Sul. Ali nada mais lhe interessava.
Para o sofrimento de Márcia!
III
Enquanto isso, Suzana exultava! Seus sonhos estavam se tornando
realidade.
Com a ida de Nivaldo para a capital, Suzana deixou de ter maior
relacionamento com a família de Márcia. Raramente, ela via a antiga amiga
Clarisse, a não ser vez ou outra na igreja, na missa de domingo, ou no
supermercado. Mas, pouco se falavam.
Álvaro e Rafael, no entanto, tinham maior contato. Ora no clube, ora num
fim de tarde, após o trabalho, ainda mais numa cidade pequena, era fácil se
encontrarem no bar, quando acontecia uma conversa, e um gole de cerveja. Nada
mais que isso. Não tocavam no assunto dos filhos.
Todavia, Márcia sofria! O rompimento do namoro com Nivaldo foi muito
doloroso. Ainda mais, sem qualquer justificativa. Apenas ele desapareceu! Não
merecia tamanha ingratidão. A cidade toda estava sabendo do drama. Deixou,
inclusive, de dar aula. Para ela a vida não tinha mais sentido.
Vendo sua filha enfurnada no quarto, Clarisse também amargava aquela dor.
Então, a mãe tomou uma decisão. Iria até a casa de Suzana, a fim de saber
o que havia acontecido. Por que Nivaldo tomara tão drástica decisão? Não foi
fácil, porém conseguiu que Márcia a acompanhasse.
À hora marcada, à tarde foram recebidas pela dona da casa. Não se pode
dizer que mal recebidas. Todavia, com certa frieza. Suzana, muito polida,
educada, acomodou as visitas, e os diálogos se sucederam dentro de evidente
formalidade.
— Como vocês vão, há tempos que não nos encontramos para conversarmos,
como antigamente.
— É verdade, Suzana. O tempo se encarrega de nos afastarmos, sempre nos
exigindo mais e mais, diante dos afazeres de casa, as responsabilidades que
tenho como presidente da Associação das Voluntárias do Combate ao Câncer.
Aliás, você faz muita falta. Por que se afastou?
— Sabe Clarisse, após o Nivaldo ter ido para a capital, a fim de estudar,
minha vida mudou muito. Com a compra do apartamento onde ele mora, atualmente,
sempre há necessidade de minha presença. Então, não posso ter outros
compromissos.
— Ah! Logo ele se forma, não é?
— Então, inclusive, está noivo, pensando em se casar brevemente!
Assim que se formar.
Márcia não se conteve! Caiu num choro convulsivo, retirando-se da sala.
Suzana, sem demonstrar qualquer sentimento, disse à Clarisse que
estranhava essa reação da Márcia, alegando que o namoro deles fora entusiasmo
de jovens, nunca podendo ter sido levado como coisa séria. Lá em São Paulo,
numa cidade grande, com pessoas de outro nível, não foi difícil seu filho
encontrar uma boa moça, filha de um grande empresário, bonita, e que, também,
como ele, teria o título de médica. Seu futuro estava garantido.
De fora, Márcia ouvira tudo.
Clarisse, então, levantou-se, recusando o convite para o café oferecido
por Suzana. Despediu-se friamente, juntando-se a Márcia que já a aguardava no
terraço.
Daí para frente, Márcia recuperou suas forças, saiu de seu estado
depressivo, voltando a lecionar.
E, seu amor, se transformou em ódio!
IV
O famoso buffet paulistano estava em polvorosa! Pudera! Duas grandes
festas estavam programadas! Um movimento intenso de chegada de carros, os mais
possantes e luxuosos possíveis. Centenas e centenas de convidados entrando.
Naquela noite, num dos salões, festejava-se o casamento da filha de um
grande empresário, médica, com um rapaz do interior, seu colega de turma. Ela
Maria Lúcia, ele Nivaldo.
No outro, também festa de casamento. A noiva do interior, professora,
filha de um casal tradicional da cidade, e o noivo, homem muito rico, apesar de
sua atividade não ser das mais louváveis. Banqueiro de bicho! Ela Márcia, ele Anísio.
Não é que os noivos e seus pais, coincidentemente, chegaram no mesmo
momento! Grande foi a surpresa ao se verem! E, numa manobra infeliz, as limousines
se chocaram.
Confusão armada, insultos de um lado, xingamentos de outro, um grande
tumulto. Um tiro! Pânico!
Tudo o que Márcia e Clarisse engendraram havia dado certo!
V
No outro dia, o jornal da cidade interiorana anunciava o velório e o
sepultamento de Suzana, em Boa Esperança do Sul.
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3 comentários:
Muito bom o conto com final surpreendente.
Perfeitamente dentro dos parâmetros do concurso.
Parabéns a quem o produziu.
Alberto Vasconcelos
Afinal quem atirou em Suzana? As festas prosseguiram? Fico na duvida. Conceição Gomes
Bodas violentas, violentíssimas rs... "A vingança é um prato que se come frio" ou então "Deixa estar, que o que é seu tá guardado" rs... Que final ardiloso! Parabéns ao autor!
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