Autora: Denise Coimbra
A suavidade sonora emitida por um solo
de clarinete seduzira e tocara profundamente a sua alma. Aquele instrumento
cuja tessitura tão extensa quanto bela, possuía também uma nuance sutil e ao
mesmo tempo tão compacta quanto a sua solidão.
Naquele timbre, parecia ouvir o canto
de uma voz, como a de sua amiga, Eunice, a única a quem tivera coragem de
contar um pouco sobre si e seus medos.
O silêncio era o maior deles e sempre
a paralisava. No auge de sua solidão chegara a ler em voz alta todas as
palavras e significados do dicionário. No criado ao lado da cama. O abajur, os
óculos e, claro, o glossário aberto na primeira página. Ridícula e aliviada,
lembrara de sua estratégia de guerra preparada durante os momentos de puro
desespero.
Suas indagações, feito lava de vulcão,
impregnando o ar: quem seria o autor? Quem seria o solista? Qual o nome de tão
bela composição?
Para ela, naquele dia, era
imprescindível saber...
Bateu à porta. De novo. A música
interrompida. Quieta, à espera. Pela fresta. Um homem desconcertado a espreita.
Grisalho, sobrancelhas erguidas, cabeça
em movimento como se a perguntasse: o que desejas? Surpreendida, fez menção de
desculpar a impertinência, todavia, a música dentro dela retumbava como um
djembê africano. Ofegante perguntou:
— Você é o autor dessa música tão
maravilhosa? Onde posso adquirir o cd?
— Sou. Comigo. Respondeu conciso e
aparentemente, incomodado.
— Gostaria de levar dois! Disse ela
apreensiva e assaz perturbada pelo encontro com aquele homem cujas mãos firmes
demonstravam costumeiro e extremo cuidado com o clarinete.
Ligeiramente mais simpático, ele virou-se
e abriu a porta. Célere, ela entrou. Incrédulo e de forma abrupta, o homem disse-lhe:
— Por favor, espere à porta.
Ela, monossilábica e enrubescida, desculpou-se
e quase foi embora. Mas, permaneceu à soleira da porta.
O homem retornou, entregou-lhe dois
cd’s e comunicou-lhe o preço. Imediatamente ela enfiou a mão no bolso. Mostrou-o
vazio dizendo:
— Vou pegar o dinheiro e já volto! Ao
que o homem respondeu:
— Deixe para o final da tarde e venha
para um café!
16:53: A porta aberta. Entrou. Logo à
frente, uma mesa. Uma jarra de suco, bolo, pães. Manteiga. Geléia e queijo.
Xícaras, pratos, copos, facas, colheres. Um forro grande com estampas musicais.
Um arranjo encantador e minimamente orquestrado. A música tomou conta da sala e
era lindíssima! Reconheceu-se na melodia ouvida pela manhã. O som vibrava em
seu corpo inteiro. Ficou sem graça com tal excitação. Hesitante, olhou para o
sofá onde ele estava. Com um gesto rápido e delicado o homem indicou que ela
sentasse.
18:10: A música termina. Ele deposita
o cd em suas mãos. Levanta-se e a convida para
tomar um suco enquanto ele prepara o café. Elza, extasiada, precipita-se
em pensamento: estou apaixonada! Mas o aguarda em silêncio. Ela guarda em seu
coração o amor e a paixão recém-nascidos e prematuros. Deveria cuidar um pouco
mais deles até que adquirissem um mínimo de força para se mostrarem. A ele e ao
mundo.
É preciso dizer-lhe leitor, que Elza,
sempre fora muito sensível, um misto de flor, a mais frágil e aquele que a
beija, o menor, ainda existente no mundo. Como o beija-flor abelha, ela era uma
jóia cintilante e o brilho dela, tal como o dele, são como o do arco-íris,
intenso e delicado, mas só se visto pelo ângulo certo.
18:22: O café foi servido. Os pães,
bolo e queijo degustados e apreciados por ambos. Entre mordidas, palavras
trocadas. Risos tímidos, olhares de soslaio. Uma atmosfera aconchegante e
afetuosa fora instalada. Permaneceram ali por mais de duas horas. Não que o
tempo para eles fosse importante! Mas para mim o é e para você também leitor,
que se lembrará de ter vivido instantes infindos, muitas vezes, mesmo que por
segundos!
20:35: Ela despediu-se, agradecendo a
companhia, o café e os cd’s.
E assim foi por quase seis meses. Ela
apaixonadíssima e ele também! Embora nunca falassem sobre isso. O que sentiam e
viviam não cabia em palavras. Somente a música em toda a sua dimensão e alcance
falava aos seus corações por meio de acordes exuberantes. Ela nada mais temia.
Até o dia em que ele mostrou-lhe uma carta.
As únicas palavras que ela leu em voz alta. Regente. Orquestra. Berlim. Não perdeu tempo. Mudou-se para a casa dele.
Queria tudo o que fosse possível viver e sentir durante os sete dias, em que
juntos, ainda estariam. A companhia do tempo, ela intuía, nunca mais eles a
teriam...
E foi esplêndido! E foi estupendo o período
em que estiveram unidos! Por fim, embalaram os móveis, fizeram as malas e
juraram que não fariam planos nem promessas. Poderia dar azar. Ela titubeou e o
clima azedou um pouco quando ela sugeriu encontrarem-se nas férias e no final
do ano. Ele não quis. Ela recuou.
No dia seguinte. Ele foi embora. Ela
ficou. E, quando a tristeza a dominava, ela escutava o cd e olhava pela janela.
A cada acorde, acordava nela uma lembrança do que ela fora e vivera durante
aquela semana. Por um tempo foi o bastante até que não foi mais suficiente.
Numa manhã de domingo. Tomou um avião
para a Alemanha. Alugou um apartamento. Em frente ao dele. Sentou-se e começou
a escrever:
À
janela, um homem. Seus olhos a vaguear... No apartamento em frente, uma mulher
absorta e alheia. Sentada diante do computador,
parecia ler e escrever, mais do último parecia ocupar-se.
Autora: Denise Coimbra - Bom Despacho/MG
Autora: Denise Coimbra - Bom Despacho/MG
2 comentários:
Texto muito bom.
Apesar da timidez na apresentação da personagem, com o desenrolar da história, ela demonstrou decisões rápidas e decisivas.
Perfeitamente dentro dos parâmetros do concurso.
Parabéns a quem o produziu.
Alberto Vasconcelos
A música permeando históiras de amor sempre empresta um encanto especial. E o conto, creio, do começo ao seu desfecho foi permeado pela fascinação da música. Muito bacana, parabéns!
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