As andorinhas da
minha infância moravam na torre e nos beirais da igrejinha de São José, que o
Padre Leão Varzeri levantou com tanto sacrifício, no meio da praça da antiga
vila de Custódia.
Elas chegavam, ninguém sabia de onde,
aos milhares, num alvoroço ruidoso, mal o inverno aparecia, depois do ribombo
das trovoadas do fim-de-ano, quando as primeiras chuvas caíam, perfumando o
sertão, com o cheiro volutuoso de terra molhada, cobrindo de folhas o chão duro
e revestindo de brotos as árvores desnudas.
Eu ficava, pela manhã, horas a fio,
sentado na calçada de casa, sob o olhar vigilante de mamãe costurando na sua
“Singer”, a olhar enternecido para o céu, onde milhares de asas, entre
chilreios e evoluções, traçavam voos caprichosos, e, de súbito, em descaída
rasante, baixavam, quase ao solo, por sobre a praça quieta.
Depois, subiam rumorosamente, fendiam
os ares num barulho ensurdecedor, pousando depois, aos magotes, nos fios dos
telégrafos que transmitiam as mensagens de Kepler Lafaiete e de “seu” Isaías,
ou se afastavam em busca dos açudes próximos, onde, sobre a lâmina de água
barrenta se atiravam, em voo de flecha, molhando os bicos e as penas.
Até que um dia, de repente, lá se iam
as andorinhas, numa fuga misteriosa, abandonando a vila e a igrejinha humilde
que as hospedara, emprestando-lhes os beirais para o calor dos ninhos
Para onde fugiam?
Ninguém sabia explicar.
Nem “seu” Joaquim, de bodega vizinha,
que dava notícia de tudo: de “coiteiros” que aparecessem, disfarçadamente, ou
de volantes que pernoitassem na rua, na perseguição ao grupo de Lampião.
O velho Numeriano, no caldo-de-cana
de seu Zé Tomaz, dizia que as andorinhas tinham voltado para as beiras do São
Francisco, em cujas margens e ilhas elas viviam e se multiplicavam.
O negro “Bezouro”, por sua vez, com
os olhos raiados de sangue, a voz roquenha de tangedor de gado, que batia as
estradas poeirentas levando boiadas para Alagoa de Baixo, Vila Bela, Salgueiro
e outros lugares, afirmava, entre duas “bicadas” de aguardente, na venda de seu
Leopoldo Mafra, que as “indurinhas” vinham dos rochedos da Serra do Araripe, e,
para lá voltavam, quando se acabava o inverno e o calor chegava para o sertão.
É lá que elas “assiste”, pois
“indurinha” é “passo” de frio e ali tem mata que o sol não atravessa, e furna,
prá elas viverem, onde só moram morcegos e onça pintada.
Ninguém, no entanto, sabia, com
precisão, o destino das aves que enfeitavam, por algum tempo, o céu azul do
sertão.
O certo, (sei-o eu, tantos anos
passados), é que elas fugiram.
E levaram nas asas ligeiras, para o
distante e misterioso país onde se esconderam, os dias ensolarados da infância
descuidosa, passada na “ribeira” ardente do Riacho do Cupiti, enfeitada de
juazeiros e de quixabeiras e recendendo, nas noites de lua, ao suave perfume
dos pereiros em flor.
Crônica
de Luiz Cristóvão dos Santos, extraída do livro Caminhos do Sertão. Edição
1970.
¨Creio
que como eu, muitos custodienses se sentirão protagonistas dessa história¨.
Jorge Remígio
Texto enviado por: Jorge Farias Remígio, em 03/05/2020
2 comentários:
Olá, Carlos. Se fosse hoje, eu diria que elas estão em quarentena!
Amei o texto!
Apesar de já conhecer a crônica- dentre muitas outras do autor, voltei no tempo e me vi, criança, nas manhãs frias Custódia.
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