segunda-feira, 21 de abril de 2014

Mônica Caetano Gonçalves

Mônica, hoje eu gostaria de dizer em nome do grupo Gandavos, que sua partida foi apenas o fim de sua presença física, porque como disse o Guimarães Rosa as pessoas não morrem elas ficam encantadas para sempre. Saiba que viverá eternamente no coração daqueles que te conheceram, ao vivo ou através de seus belos escritos. Conhecemos pessoas admiráveis, desejamos que elas façam parte de nosso grupo de amigos a vida inteira, pelo menos é isso que queremos, mas a vida trata de mudar nossos planos, elas partem sem avisar porque é assim que as coisas acontecem. Entre as pessoas do nosso grupo há uma interação, um sentimento que nenhuma perda poderá apagar. Este sentimento transcende o espaço e o tempo, não se limita ao contato físico. Aqueles que admiramos nunca morrem, apenas partem antes de nós”.

Blog Gandavos

terça-feira, 15 de abril de 2014

Lançamento de livro

Autor: Carlos A Lopes

Amigos, acaba de sair do forno meu livro SEGUINDO NA PROSA. O livro é ótimo, pode apostar. Vamos espalhar esse livro de contos pelo país? Vou fazer minha parte: Até o último dia da Copa você pode receber o livro em sua casa, em qualquer cidade do Brasil, por apenas R$ 15,00. Peça seu exemplar pelo endereço: gandavos@hotmail.com

Geada negra - Autor: João Batista Stabile

O dia eu não me lembro nem o mês, sei que foi no  inverno de 1975. O dia amanheceu nublado e depois começou  uma chuvinha fina e muito gelada, diziam os mais velhos que era (geada negra), eu estava trabalhando neste dia junto com um tratorista, nossa função era ir a um canavial que ficava distante da sede coisa de meia hora de caminho, picar e trazer cana para tratar um lote de bezerros de desmama que ficava preso em uma mangueira.
No canavial tinha um colega cortando a cana e nós íamos com o trator e uma carreta buscar, chegando la  posicionávamos a carreta do lado de um triturador  (máquina de picar cana como a gente falava), desengatava a carreta e engatava o trator no triturador que o fazia funcionar e nós pegávamos feixes de cana e introduzia por uma boca para picar. Estava muito frio, não dava coragem de trabalhar más era preciso pois os animais precisavam comer, então tínhamos que enfrentar o frio e a chuva.
Lembro-me  de ter amarrado um plástico como se fosse uma capa para proteger um pouco da chuva, mas  pouco ou quase nada ajudava pois tinha que abraçar os feixes de cana molhada  que  deixava-nos com a roupa toda molhada o frio era de doer, trabalhamos o dia todo assim.
A tarde o tempo limpou, isto é cessou a geada preta  e saiu um solzinho e  esse foi o sinal,  o povo do campo sabia o que significava aquilo, (sinal de geada forte)  e o que já esperávamos aconteceu. De madrugada a geada caiu em toda a região, ao amanhecer o gelo estava por toda parte principalmente nas áreas mais baixas.
No terreirão onde tinha montes de café que estava secando ficava coberto por lonas a noite, a água que tinha acumulado  em cima pela chuva do dia anterior estava congelada.
O pessoal que trabalhava na colheita do café, nós e os que trabalhavam por volta da sede como tratoristas, carroceiros e diversos outros serviços, com os parcos agasalhos que possuíamos, não tínhamos animo para começar o trabalho,  esperávamos que esquentasse um pouco. Também os tratores, nenhum funcionou naquela manhã, somente mais tarde quando o sol esquentou o dia de trabalho foi pegando seu ritmo costumeiro.
 A partir deste momento foi se desenhando no horizonte, um cenário desolador, os cafezais, as pastagens já não eram mais verdes como antes, passaram a ter um tom acinzentado, como dizia o povo (foi pretejando tudo).
É claro que eu na época com apenas quatorze anos, não poderia avaliar a extensão do estrago causado pela geada, nem o quanto isso mudaria o curso da história  de nossas vidas.
Este dia marcou o começo do fim da fazenda de café que  meus irmãos, eu e muitos amigos fomos criados. Escapou apenas um lote de café mais velho que ficava numa parte mais alta, que a geada não queimou de todo, apenas (sapecou)  como a gente dizia.
O restante toda a lavoura mais nova, não sobrou nada, era de cortar o coração ver aqueles cafezais antes verdes e tão bonitos que meu pai e outros colonos formaram agora estava tudo seco até a raiz.
Os cafeeiros foram todos cortados com trinta centímetros de altura para brotar. O tempo passou parte da lavoura foi abandonada, dando lugar cada vez mais para o gado.
Famílias foram embora, nós também em 1982 mudamos para cidade, agora passado trinta e sete anos as vezes fico pensando, já passei por muito frio esse tempo todo, mas de uma coisa tenho certeza  que o dia da(geada negra) foi o dia que eu mais senti frio em toda minha vida.


Autor: João Batista Stabile - Marília/SP

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Amigos


Gostaria de contar com a presença de vocês lá no QUINTEXTOS. A Helena Frenzel fez uma edição especial com algumas narrativas de minha autoria. A ela só tenho que agradecer pela gentileza e incentivo ao meu modesto trabalho. 

Fica o convite e a certeza que, além de SEGUINDO NA PROSA, apreciarão todos os e-books já editados pela talentosa Helena Frenzel. 

Um abraço a todos 


quarta-feira, 9 de abril de 2014

Aragens na Serra

Autora: Maria Mineira

À margem da saudade, o vento sussurra na copa das árvores. Capim gordura florido, mancha de roxo a paisagem. Florezinhas miúdas amarelam o chão pedregoso.

Folhas pendentes roçam nas águas, refletindo a luz da primeira estrela. Por instantes o trinado de um canarinho faz recordar a melodia de uma voz distante.

Aragem do anoitecer arrepia a pele. A Lua cochila  num  brilho apagado, enquanto uma vida escorre devagar pelo antigo caminho. Tropeços nas pedras, encontro de mãos, amparo nos braços, calor de corpos, pulsar de corações, aconchego no peito, abraço...

Cheiro de capim, frescor de água deslizando mansa. Respiração ofegante, cheiros e perfumes da noite... A vida leve, o peito cheio de ar e de ilusão adormecida no barrado do horizonte, prenúncio de um novo dia.

O sol lambe o orvalho da manhã, despertando abelhas, pássaros e bichos... Um dia azul muito claro, faz adormecer os sentidos para dar passagem aos sentimentos. 





                                    Maria Mineira - São Roque de Minas/MG


Ilustração: Edmar Sales - Custódia/PE




          Publicação autorizada pelos  autores

Livro: 54, Rua da Alfândega - Autora: Denise Coimbra

Livro: 54, Rua da Alfândega, autora: Denise Coimbra

O livro 54, Rua da Alfândega, da escritora Denise Coimbra, natural de Bom Despacho, é um dos destaques da semana do Jornal de Negócios. Através do excelente texto do professor, escritor Tadeu de Araújo Teixeira, soube que Denise é graduada em Psicologia e pós-graduada em Gestão estratégica de Recursos Humanos pela UFMG. Segundo Tadeu De Araújo, a fonte da produção literária de Denise Coimbra, é límpida e cristalina, jorrada do ambiente em que foi criada e nos estudos humanistas em que ela se formou. Nesse meio ela encontrou os temas para sua escrita. Falando do universo interior de sua gente e dos dramas eternos do ser humano. O professor Tadeu afirma que Denise é uma escritora-psicóloga, seguidora dos passos de grandes escritores universais desse gênero e dessa estirpe.

Como adquirir o livro:
Denise Coimbra (autora), Bom Despacho/MG

dencoimbra@yahoo.com.br


Seis Horas da Tarde

Autora: Ana Bailune

Ela inclinou-se em direção ao rádio, aumentando o volume para ouvir melhor. Com a interferência, vinham alguns sons de assovios e estalos de estática, mas no meio daqueles sons, podia-se ouvir a voz do locutor com clareza. O crepúsculo iluminava a cozinha, e as luzes da casa ainda não tinham sido acesas. A mulher chama a menina:
-Aninha, vem escutar a Ave-Maria!
A menina desvia os olhos do desenho que passa na TV, dizendo:
-Depois eu vou, mãe. Agora está passando "Missão Mágica."
A mãe aumenta ainda mais o volume, perturbando o som da TV. Insiste:
-Vem ouvir a Ave-maria, Aninha. daqui a pouco, acaba.
Finalmente, Aninha suspira fundo e dá os poucos passos que a afastam da cozinha. Ela olha para fora, pelo janelão que dá para o telhado do vizinho, e vê o céu escarlate que serve de pano de fundo para as folhas de coqueiro que a brisa agita docemente. A mãe está em uma posição engraçada, inclinada em direção ao rádio, cotovelos em cima da mesa. 
O locutor lê uma carta. É uma história muito triste com música de fundo triste, que a menina não compreende muito bem. Ela pergunta:
-Mãe, o que é Ave-Maria?
A mãe faz sinal para que a menina faça silêncio, e Aninha, sentada à mesa, procura entre os feijões pretos algum grão colorido para brincar mais tarde. Ela adorava enfileirar os grãos e fingir que eram alunos, como as professoras faziam com as meninas no pátio do colégio.
O locutor termina a história e a oração, e uma música triste começa a tocar. A menina comenta:
-Que música triste, mãe....
-É linda! É a Ave-maria de Gounod. 
-Eu não gosto dessa música.
A mãe recorda, olhos no céu vermelho:
-Quando eu era interna no Colégio Amparo, todas as tardes nós rezávamos uma Ave-Maria às seis horas em ponto.
-Por que?
-Porque era assim.
Aquela cena repetir-se-ia muitas vezes na vida da mãe e da menina. Aninha já sabia rezar o Pai-Nosso e a Ave-Maria, embora não soubesse o que significavam aquelas palavras misteriosas e difíceis. Ela imaginava uma enorme pomba branca como sendo a Ave-Maria. E o Pai-Nosso tinha a cara igualzinha a do seu pai Sylvio.
Havia no quarto da mãe, sobre o mármore de um camiseiro, uma imagem do Menino Jesus de Praga. Ela nunca entendia direito como o menino e o homem da cruz podiam ser os mesmos. E também não entendia como a mãe podia rezar para a imagem do menino, se quando ele morreu, já era um homem feito. Um dia, um moço bateu à porta e disse que era crente. A mãe deixou-o entrar, e quando ele viu a imagem do menino Jesus de Praga, pegou-a e jogou-a no chão, dizendo ser "coisa do diabo." A mãe colocou-o para fora e tentou colar a imagem, mas a lampadinha que ficava aos pés do santo nunca mais acendeu, e ficaram algumas lascas faltando, manchando o manto vermelho de branco.
Aninha aprendeu  que seis horas é a hora de rezar uma Ave-maria e escutar aquela triste canção que toca no rádio. Por que? Porque é assim. E hoje ela estava na varanda da casa, quando às seis horas, o som da Ave-Maria na casa vizinha chegou-lhe aos ouvidos, e ela lembrou-se da mãe...


Autora: Anabailune - Petrópolis/RJ



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terça-feira, 8 de abril de 2014

O jardim

Autora: Conceição Gomes

Todos os anos, ao final do inverno, Maya iniciava os preparativos para receber a primavera, estação que lhe enchia a alma  de incontáveis emoções.Especial era seu jardim, com seus canteiros de flores, todos com nomes de pessoas amadas. Maya cuidava pessoalmente  de cada detalhe,fazia tudo sozinha,desde que Ciro, seu companheiro de longos e felizes anos se fora, deixando apenas a suave lembrança do tempo em que dividiam cada pensamento, cada momento de alegria.O jardim era o espaço mágico  onde Maya contava dos seus sonhos para Ciro e dos recados que ele  mandava para cada uma das flores.A boa Nancy, companheira de Maya  no  grande casarão já não pensava que a patroa era louca  por conversar e rir com as flores.O jardim era o espaço de sanidade de Maya.Era lá que encontrava ânimo para  mandar a solidão embora,  para encontrar-se com Ciro e manter a lucidez..Se tivesse filhos, teria  a quem dedicar-se. Num mundo onde as pessoas têm tão pouco tempo para momentos afetuosos, o encontro com seu jardim e suas flores era o ganho de energia que lhe dava diariamente o sopro de vida.A primavera era o coração  aberto para o calor aconchegante, o cheiro orvalhado das manhãs  e as caminhadas contemplativas , quando cumprimentava outras pessoas que talvez sentissem nessa estação,os mesmos prazeres. Não que Maya não gostasse do inverno, onde podia negligenciar-se sem culpas embaixo das cobertas, ou do outono, com suas cálidas tardes de calor e douradas  folhas espalhadas pelo chão. Ou do verão, com o sol  desabrochando todos os  sentidos.Mas era a primavera  que a deleitava, era quando Maya deixava fluir em suas veias todas as  virtudes humanas, até mesmo a tolerância com os dissabores do mundo. A natureza tudo embeleza, tudo renova e a primavera  era a síntese  de tudo isso para Maya.Ela queria ser  um pouco que fosse , como a natureza, como a primavera.Não desejava  nada mais naqueles momentos em que ela e suas flores fundiam-se  em  unicidade para reverenciar a natureza.
Em uma dessas santas manhãs, Maya estava cuidando de seu jardim, quando  ele apareceu.Era jovem ainda, mesmo tendo os cabelos grisalhos. Cumprimento-a com um jovial bom dia.  Pediu a atenção de Maya para uma consulta. Disse que havia comprado um casarão ali perto e que estava restaurando o jardim. Como admirava o jardim de Maya, gostaria de ter um semelhante. Maya aceitou o desafio  e as semanas seguintes foram excitantes  com o prazer de discutir cada detalhe  do novo jardim. Passaram a caminhar juntos, trocar idéias e experiências. Os cafés no meio da tarde tornaram-se mais freqüentes ao som de músicas que ambos gostavam. Combinaram passar um final de semana em algum lugar aprazível para os dois. Maya sentia um novo ânimo. Ansiava pela presença de Ramon a cada dia, como se  ele fosse  a chama a acender brasas adormecidas em seu corpo.
Finalmente o jardim ficou pronto.Parecia o mais belo jardim que Maya já vira.Era como um filho gestado com todo o amor do mundo e que necessitaria de cuidados dali para a frente.É a vida, pensou Maya. A noite, Maya conversou com Ciro, disse que gostava de Ramon, que os dois tinham os mesmos gostos, que estavam se entendendo bem... A fotografia do porta-retrato manteve o sorriso, maior charme de Ciro. Era como se dissesse: vá em frente, você merece seu jardim, suas flores e um novo amor em sua vida.

Autora: Conceição Gomes - Curitiba/PR


Página da autora:

http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=54344

terça-feira, 1 de abril de 2014

Consultório de um cardiologista

Autor: Ciro Fonseca

Quatro homens sentados numa antessala de um consultório de um cardiologista. O que aparentava ser mais velho olhou para o do lado e perguntou:
-Você já teve um...
-Já, afirmou o homem com certo orgulho. O outro que estava em frente, afirmou rispidamente:
-Pois eu já tive dois, e dos grandes, quase que bati a caçoleta.
Pra quem não sabe, no linguajar característico dos cardiopatas, este um, significa enfarto do miocárdio.
O papo continua, pois o cardiologista ainda não havia chegado e, a conversa mudou de repente para o resultado dos hemogramas.
- O meu bom está alto e o meu ruim está baixo.
- Parabéns!
Os parabéns pode esconder a inveja. Exames de sangue são como exames de escola. Há os que passam e há os que não passam. E não adianta tentar colar do hemograma do vizinho.
O papo continua desanimado até que o primeiro perguntou
- Você faz caminhada regularmente?
- Não, cadê o tempo?
- Faz como eu, compra uma bicicleta ergométrica. Nem precisa sair de casa, pode-se usar com qualquer clima.
- Você faz bicicleta ergométrica quantas vezes por semana?
- Nenhuma, cadê tempo?
Mas é no papo dos safenados que o espírito de competição aparece com muito mais força entre os cardíacos. A hora de cada um dizer quantas pontes fez, é um pouco como a hora de mostrar o jogo no pôquer
- Tenho duas safenas e uma mamária.
- Ganhei! Tenho três safenas e duas mamárias
(Três safenas e duas mamárias equivaleriam a um full hand no pôquer. Pode ser batido, mas não facilmente).
Para os sãos e os leigos não se sentirem diminuídos, é bom explicar, que pontes de safena, são feitas com as veias safenas que nós temos nas pernas. Como elas não fazem muita falta nas pernas, pode-se especular que foram postas ali já prevendo a sua eventual utilização, como sobressalentes, por alguma força superior com um senso de humor discutível. As mamárias são veias que já estão no tórax e são apenas desviadas para outros fins, do mesmo jeito que faz o governo com as verbas da educação e saúde. As mamárias são mais confiáveis do que as safenas, isto talvez se deva ao fato de as safenas emigrarem da perna para o peito, onde precisam se ambientar, conhecer os novos vizinhos. Enquanto as mamárias já são da área.
Eu ainda não posso nem de longe fazer parte deste seleto grupo, pois tenho ido ao cardiologista por conta de uma ardência no peito, que aparece após algum tipo de esforço físico mais vigoroso. Uma simples angina.
Conheci um cara que tinha três safenas e uma mamária, algo como uma trinca de azes. Este sim, não faria feio numa roda de safenados, e certamente teria humilhado a muitos. Mas sempre vai aparecer alguém para dizer. Eu tenho um marca-passo, e estou na fila do transplante. Isto equivaleria a um Royal Street Flash.
Sempre tem um mais exibido.

Autor: Ciro Fonseca - Rio de Janeiro/RJ

As Cuecas e o amor

Autor: Ciro Fonseca

Eu não sou absolutamente um retrógado. Apesar de ter nascido no final da segunda grande guerra mundial, acompanhei todos os avanços tecnológicos e todos os avanços científicos do mundo de hoje. Andei de bonde, lotação, charrete e bicicleta, hoje tenho o meu carro com ar condicionado, freios ABS, trava e vidros elétricos. Tenho os meus cartões de crédito, celular, tablet, computador devidamente turbinado pelo meu filho, que é um expert no assunto. Mas se tem uma coisa que eu tenho resistido através de todos estes anos, é o uso dessas cuecas tipo Zorba, que o pessoal chama de sunga. Sabe, eu sou daqueles que gosta de criar o bicho solto, a vontade. Eu gosto mesmo é da minha velha cueca samba canção, coisa que deixava a Arlete minha mulher, bem à vontade, segura, com relação a outras mulheres. Pensava ela: - “homem que usa cueca samba canção, não trai. Você pode desconfiar de alguma coisa de um homem assim? Vou dizer uma coisa, cueca é caráter”. E esta segurança durou até que a cueca samba canção virou moda de novo. A princípio eu resisti às cuecas de seda, estampadas, mas finalmente, me rendi aos ditames da moda, e hoje já uso cuecas samba canção de todas as cores. Mas a partir daí, percebi claramente uma mudança no comportamento de minha mulher, ela passou a ficar desconfiada, ciumenta, e dizia para as amiga: - “Ele não vai ter mais vergonha de tirar as calças na frente de outra. Pode até dizer que ele não tem culpa. Não foi ele que mudou, foi a moda. Continua o mesmo homem sério e conservador. Não foi ele que resolveu sair para a vida, a vida é que veio atrás dele. Vou ter que ficar de olho. Agora sim. Olho vivo!” Eu continuo a viver a minha vida, completamente integrado aos dias de hoje, mas fazendo e vestindo o que gosto e acho mais confortável. Mas dou a razão as desconfianças e cuidados da minha mulher, pois afinal, quem vê cueca não vê coração.

Autor: Ciro Fonseca - Rio de Janeiro/RJ

Retórica sentimental

Autor: Fernando José Carneiro de Sousa

     Corria o ano de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1974 quando da origem de Os Gândavos, que se deu no final do referido ano com a peça  “Loucuras em um São João”. Uma obra adaptada pelos alunos da 4ª série do Ginásio Municipal Padre Leão, tendo como finalidade coroar com êxito o término do curso ginasial. Conclusão obtida com muito esforço, pois naquela época, ensino era coisa séria. Essa peça veio do cordel “Coco verde e melancia” que sofreu sérias modificações feitas por nós. Cada um dava uma ideia, transmudando-a em uma nova engraçada comédia. A peça foi um retumbante sucesso, leve-se em conta que na época inexistia em Custódia a máquina de fazer doido ( televisão).
Naquele tempo os meios de comunicação eram limitados, entretenimento mais ainda. Qualquer atração artística fazia enorme sucesso (circo, cinema de 16 mm de Zé das Máquinas, shows de auditório de Zé Melo no C.L.R.C). Tudo isso atraía muitos expectadores.
Insuflados por esse êxito momentâneo, resolvemos dar continuidade a atividade teatral. Aí surgindo como por acaso e de formação espontânea “Os gândavos”, termo descoberto por Domingos em uma de suas muitas                                               viagens psicodélicas pelas páginas do “pai dos burros”, como se dizia na época ( dicionário).  As pequenas letras do dicionário fez Domingos ler gângavos em vez de gândavos, na realidade gandavos.  Prevalecendo a palavra gândavos por sua eufonia em relação ao hino do grupo teatral, como acertadamente relata Celêdian em seu texto.
No lusco-fusco de um fim de tarde, inspirado pelo ocaso, Domingos compôs em parceria com Tonho Remígio o hino de Os gândavos, cantado antes das apresentações por todo elenco do grupo teatral. Em seguida, o pano se abria e começava o primeiro ato.
Entre os muitos talentos que compunham a trupe, o que mais admirava era Domingos por sua  capacidade criativa e de improvisação, como se tivesse vivido uma formação circense. Fraco nos ensaios e um gigante nas apresentações (que Deus o tenha!). Lembro-me de um fato surreal na cidade de Iguaraci: teatro completamente lotado, o ator principal tem um coma alcoólico devido a um pileque homérico, chega carregado nos braços dos colegas minutos antes da apresentação causando pânico geral em todos. Domingos salvou a situação substituindo-o em atos divinos de improviso (até hoje não sei onde ele foi buscar tanta criatividade) Com essa façanha cai o pano.
Fim do primeiro ato.
Tudo começou como uma simples brincadeira. Tínhamos como referência primeira o teatro dos circos mambembes que em suas peregrinações quase messiânicas, naqueles tempos, percorriam as vilas, povoados e pequenas cidades deixando uma forte impressão em suas apresentações. Mesmo depois de ter ido embora os bordões usados pelos palhaços no coroamento das piadas eram repetidos pela população como hoje se repetem os bordões deixados pelas novelas.
        Os pequenos circos que povoavam nosso imaginário dividiam o espetáculo em duas partes: palco e picadeiro. Começava no picadeiro com apresentação de equilibristas, malabaristas, contorcionistas,  mágicos, números de trapézio (sem rede de proteção), palhaços engraçados que destilavam piadas picantes fazendo enrubescer o mais sisudo dos expectadores. A máxima conhecida era: quanto menor o circo mais “escrotos” eram os palhaços.
A segunda parte era a peça teatral. Geralmente comédias escrachadas ou românticos dramalhões. As comédias humorísticas protagonizadas pelo palhaço principal tinham começo, mas às vezes não tinham fim. Então eles usavam um artifício bem conhecido da plateia que era terminar a peça com fogo. Consistia num artista  correr  atrás dos atores com um archote aceso. Todos saíam em debandada  enquanto o pano caía.
Existiam números que se repetiam em quase todas as trupes que chegavam. O “piano” era um caso clássico. Quando começava o quadro, a plateia, pressentindo o que vinha, gritava em uníssono: “o piano, o piano, o piano” e eles às vezes pegos de surpresa, embaralhados, encaixavam um novo tema em cima. Algumas companhias sem essa habilidade simplesmente concluíam o quadro do piano, que era engraçado, porém muito repetido.
Anos  depois, conversando com o palhaço Chumbrega indaguei sobre a repetição dos números em todos os circos. Disse ele: “Os números são iguais, a diferença é a fascinante habilidade  de cada palhaço.”
A arte primária que representava o circo do palhaço Pinicolino foi uma grande síntese dessa atmosfera mágica que não existe mais. Essa foi uma das nossas inspirações.
Apesar de ter nascido de forma ingênua e espontânea, Os gândavos  posteriormente foi influenciado pelo grupo teatral "Disparada" da vizinha cidade de Sertânia (que era um grupo mais cabeça). Além do teatro, do qual meus dois primos fizeram parte, o "Disparada" possuía um jornal próprio, crítico e irônico nos moldes de "O pasquim". Afinal, era época da ditadura.
Os alunos da quarta série ginasial constituíam o grupo central da formação original de Os gândavos. Além de alunos de outras séries e de professores como Jussara, que fez parte da direção e do núcleo criativo do grupo, que eu lembre, faziam parte meus primos- os irmãos Tonho e Jorge, Paulo de Zezinho Batista, Jéfferson, Gílson Pereira, Pedro de Dona Pura, Carlos Lopes, Janete, Fátima, Soneide, Evanúzia, figurantes das demais séries e outros dos quais não me vêm à memória..
 Depois de quase quatro décadas, para meu espanto,  quem sabe o destino proporcionou um inusitado encontro. Nós que fizemos parte do grupo original! Esse momento parece mágico, tão emocionante quanto estar em atuação num palco iluminado. Além das pessoas do grupo original (tão distantes), autores desse imenso país  (distantes também) se unem sob o nome Gândavos, um encontro para mim antes impensável.
Lembro-me de uma apresentação no colégio de Dr. Pedro. Que belas recordações!
 Enquanto a peça rolava, tinha-se o fundo musical “Rosamund” de Franz Schubert , que dava um ar de atemporalidade ao momento. Vieram outras peças: Rua do lixo, 24, de Vital Santos; Morre um gato na China ou Uma janela para o céu (Pedro Bloch) e outras que adaptamos de sketches e de outras obras, dentre as quais, o drama familiar que começava com a frase de Leon Tolstoi “Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma a sua maneira” cujo título não consigo lembrar, pois parte dessas recordações se perdeu nas noites do tempo, nos recônditos mais sombrios das sinapses cerebrais. Porém algo ficou para sempre. Uma lembrança doce daqueles tempos ingênuos que jamais poderei esquecer.
Enquanto o pano cai.

Autor: Fernando José Carneiro de Sousa - Custódia PE