terça-feira, 15 de abril de 2014

Geada negra - Autor: João Batista Stabile

O dia eu não me lembro nem o mês, sei que foi no  inverno de 1975. O dia amanheceu nublado e depois começou  uma chuvinha fina e muito gelada, diziam os mais velhos que era (geada negra), eu estava trabalhando neste dia junto com um tratorista, nossa função era ir a um canavial que ficava distante da sede coisa de meia hora de caminho, picar e trazer cana para tratar um lote de bezerros de desmama que ficava preso em uma mangueira.
No canavial tinha um colega cortando a cana e nós íamos com o trator e uma carreta buscar, chegando la  posicionávamos a carreta do lado de um triturador  (máquina de picar cana como a gente falava), desengatava a carreta e engatava o trator no triturador que o fazia funcionar e nós pegávamos feixes de cana e introduzia por uma boca para picar. Estava muito frio, não dava coragem de trabalhar más era preciso pois os animais precisavam comer, então tínhamos que enfrentar o frio e a chuva.
Lembro-me  de ter amarrado um plástico como se fosse uma capa para proteger um pouco da chuva, mas  pouco ou quase nada ajudava pois tinha que abraçar os feixes de cana molhada  que  deixava-nos com a roupa toda molhada o frio era de doer, trabalhamos o dia todo assim.
A tarde o tempo limpou, isto é cessou a geada preta  e saiu um solzinho e  esse foi o sinal,  o povo do campo sabia o que significava aquilo, (sinal de geada forte)  e o que já esperávamos aconteceu. De madrugada a geada caiu em toda a região, ao amanhecer o gelo estava por toda parte principalmente nas áreas mais baixas.
No terreirão onde tinha montes de café que estava secando ficava coberto por lonas a noite, a água que tinha acumulado  em cima pela chuva do dia anterior estava congelada.
O pessoal que trabalhava na colheita do café, nós e os que trabalhavam por volta da sede como tratoristas, carroceiros e diversos outros serviços, com os parcos agasalhos que possuíamos, não tínhamos animo para começar o trabalho,  esperávamos que esquentasse um pouco. Também os tratores, nenhum funcionou naquela manhã, somente mais tarde quando o sol esquentou o dia de trabalho foi pegando seu ritmo costumeiro.
 A partir deste momento foi se desenhando no horizonte, um cenário desolador, os cafezais, as pastagens já não eram mais verdes como antes, passaram a ter um tom acinzentado, como dizia o povo (foi pretejando tudo).
É claro que eu na época com apenas quatorze anos, não poderia avaliar a extensão do estrago causado pela geada, nem o quanto isso mudaria o curso da história  de nossas vidas.
Este dia marcou o começo do fim da fazenda de café que  meus irmãos, eu e muitos amigos fomos criados. Escapou apenas um lote de café mais velho que ficava numa parte mais alta, que a geada não queimou de todo, apenas (sapecou)  como a gente dizia.
O restante toda a lavoura mais nova, não sobrou nada, era de cortar o coração ver aqueles cafezais antes verdes e tão bonitos que meu pai e outros colonos formaram agora estava tudo seco até a raiz.
Os cafeeiros foram todos cortados com trinta centímetros de altura para brotar. O tempo passou parte da lavoura foi abandonada, dando lugar cada vez mais para o gado.
Famílias foram embora, nós também em 1982 mudamos para cidade, agora passado trinta e sete anos as vezes fico pensando, já passei por muito frio esse tempo todo, mas de uma coisa tenho certeza  que o dia da(geada negra) foi o dia que eu mais senti frio em toda minha vida.


Autor: João Batista Stabile - Marília/SP

Um comentário:

Michele C.Marchese disse...

Olá João Batista! Gostei muito do texto, sorte sua que viu geada negra uma vez só, nós temos todos os anos, mas com outro sentido: a geada negra deixa tudo preto de queimado (por isso o nome), tudo coberto de branco e com sol pois o dia da geada nunca é nublado, assim que começa o degelo esfria tanto, mas tanto que dá até medo de por o nariz para fora, mesmo o dia sendo lindo. Parabéns!
Michele C.Marchese