Morava na fazenda Gervazio, um caboclo solteiro de uns vinte e cinco
anos, trabalhava na lavoura de café junto com sua família. Num dia de festa na
vila dia do padroeiro depois da missa, numa grande barraca cercada de bambu
rachado e coberta de lona, ao lado da igreja havia quermesse com muita comida,
leitoas frangos assados, pastéis e outras iguarias e também diversas qualidades
de bebidas.
Tinha também uma barraca de música onde um rapaz sentado atrás de uma
mezinha controlava o som. Uma vitrola e diversos discos de cantores e estilos
variados, a pessoa pagava um pequeno valor para escolher uma música e oferecer
a alguém que ele anunciava no sistema de alto falante.
Gervazio estava do lado de fora da barraca, quando recebeu da mão de uma
criança um correio elegante dizendo que alguém gostaria de conhecê-lo, ele
rapidamente procurou uma das meninas que vendia os tais correios elegantes e
comprou um. Pegando emprestada uma caneta, rabiscou uma resposta com alguma
dificuldade pela falta de hábito de escrever, marcando um encontro, o local
seria ao lado esquerdo da barraca do som junto a um poste da iluminação.
Feito isso entregou para criança o bilhete e foi para o local esperar,
passado uns dez minutos ele teve até um frio na barriga, aproxima-se dele uma
linda mulata de porte esguio, cabelos cacheados pelos ombros e um lindo sorriso
com dentes muito brancos, Gervazio nem acreditava era Sofia que ele já conhecia
de vista e morava na fazenda vizinha.
Ficaram passeando na pracinha em frente à igreja conversando, quando já
estava na hora de irem embora ele a pediu em namoro, ela disse que aceitava mas
que ele tinha que ir no próximo sábado na sua casa pedir para seu pai, e assim
ficou combinado.
Depois de aproximadamente um ano de namoro Gervazio e Sofia decidiram
casar, por tratar-se de famílias já conhecidas os pais não fizeram nenhuma
objeção. O casamento foi marcado para o início de setembro assim que terminasse
a colheita do café que era um período mais tranqüilo na roça.
Foi uma festança da boa, churrasco, leitoa assada, muitos frangos,
macarrão, comida a vontade tinha também diversas espécies de doces, de abobora,
batata, goiaba e o tradicional bolo.
Para beber numa festa dessas não podia faltar a cachaça, tinha cerveja e
também refrigerantes. Vale lembrar que naquele tempo não tinha o conforto que
temos hoje, com os vasilhames descartáveis, conforto este que está custando
caro ao meio ambiente.
Os vasilhames eram todos de vidro e retornáveis, também naquela época
nas fazendas ninguém tinha geladeira, então a cerveja e o refrigerante eram
colocados num tambor daqueles de duzentos litros com gelo e palha de arroz para
conservar mais tempo o gelo.
Assim que passou o casamento, o patrão de Gervazio fez-lhe uma proposta
para que ele fosse tomar conta de uma fazendinha pequena se comparada com a que
ele morava bem distante dali, ele aceitou e assim foram morar longe das
famílias.
No início foi um pouco difícil acostumarem-se, era uma propriedade de
uns oitenta alqueires onde cultivavam café, tinha um gadinho e uma tropa de
serviço.
O lugar era aconchegante, uma boa casa de tijolos bem arejada com uma
varanda que pegava a frente e um lado, toda rodeada por árvores.
Saindo pela cozinha tinha o tanque com torneira para lavar roupa, água
boa encanada de uma mina, logo para baixo do tanque tinha dois pés de
jabuticabas, um pé de jaca, um de tamarindo, do lado da casa tinha um pomar com
várias espécies de frutas e toda manhã eram despertados por uma algazarra de
pássaros saudando a aurora.
Um pouco afastado tinha uma pequena colônia com seis casas para os
empregados, na frente um terreirão para secar café e uma tulha, uma mangueira
para o gado e outra dos animais de trabalho.
Sofia estava grávida quando se aproximava o tempo de nascer a criança,
tudo mais ou menos calculado porque ninguém ia ao médico, Gervazio buscou numa
fazenda vizinha uma parteira que era afamada na região, a trouxe para casa para
acompanhar o final da gravidez.
Combinaram entre o casal que Gervazio buscaria uma irmã mais nova para
passar um tempo com eles e ajudar a cunhada a cuidar da casa após o nascimento
da criança.
Assim o rapaz deixou a esposa aos cuidados da parteira, recolheu a tropa
no curral e escolheu dois animais para a viagem, para ele uma mula ruana forte
e ligeira que ele gostava de usar para o trabalho de correr os serviços, e
também um cavalinho baio marchador que era para trazer a irmã.
Tudo arrumado para a viagem ele resolveu sair à noite, seria menos
cansativo para os animais já que era uma longa distância, sendo mês de outubro
fazia calor e o sol era muito quente.
Passado um pouco da meia noite, Gervazio calçou as botas colocou a
guaiaca, do lado esquerdo uma faca do direito um revolver 32 e algumas balas,
amarrou a capa de boiadeiro atrás do arreio, despediu da esposa e partiu.
Depois de aproximadamente uma hora e meia de estrada, ele notou uns
relâmpagos longe, passado mais um tempo começou um vento e o temporal chegava rápido
prometendo ser uma chuva forte, ele pensou vai ser difícil para os animais
andar nesta chuva, já pensava em parar mas viu logo adiante numa curva da
estrada parecia uma casa apertou o passo e chegou.
Era uma casa velha pelo seu aspecto notava-se que há muito tempo estava
desabitada, a porta da frente estava aberta e uma janela do quarto pendurada só
em uma dobradiça, ele pensou dá para proteger da chuva, parou amarrou os
animais numa árvore ao lado da casa, cobriu o arreio com a capa e dirigiu-se a
casa.
Quando Gervazio chegou à porta já chovia, ele pisou na soleira nisso deu
um relâmpago forte e ele avistou num canto da sala dois vultos parecendo duas
pessoas, pensou que também eles estavam se protegendo da chuva, disse boa
noite, não teve resposta, agachou no outro canto e ficou quieto.
A chuva foi pesada e demorada, com os relâmpagos ele percebeu que era um
casal de velhos cabelos brancos e roupas pretas.
Parada a chuva o tempo limpou de repente e apareceu a lua, nisso aquelas
duas pessoas saíram pela porta da frente e pegaram a estrada, ele saiu em
seguida olhou atentamente o chão não viu sinal de pegadas na areia em frente à
casa, foi até a estrada não mais os avistou e nem marcas de seus passos.
Gervazio pegou os animais e seguiu caminho, logo após a curva tinha um
trecho de mata fechada com grandes árvores que sombreava a estrada deixando-a
bem escura, ele foi pensando no que acabara de acontecer sem encontrar uma
resposta satisfatória para o ocorrido.
Durante o percurso no mato ele percebeu que o ritmo da marcha diminuíra,
o cavalo que ele puxava parecia cansado com um peso excessivo mas tocou em
frente, ao sair do mato novamente no claro da lua ele olha para traz e vê montado
no cavalo o casal de velhos, instintivamente e fez o sinal da cruz e gritou “valei-me nosso sinhô Jesus Cristo”,
ouviu um baque no chão e não viu mais ninguém.
Chegou clareando o dia na casa do pai, deu uma boa porção de milho para
os animais e os soltou no pasto para descansar. Passou o dia todo com a
família, a tarde sua irmã disse, “ vamo
viaja a noite Gervazio é mio pus cavalos”, ele disse “não, não, vamo descansa a
noite, vamo de dia memo”.
Saíram no outro dia bem cedinho, durante o dia a viagem foi mais
demorada devido ao sol, pararam num riacho para as montarias beber água e
descansar um pouco e seguiram.
Na volta ao passar pela mata, o rapaz vinha
pensando no que acontecera a noite, mas não disse nada a irmã para não assustá-la.
Passando em frente à casa velha, Gervazio olhou não viu nada mas teve a
sensação de que alguém lá de dentro os espiavam, ele disfarçadamente fez o
sinal da cruz, riscou a espora de leve na mula para apressar o passo e começou
a cantar uma velha melodia para afugentar as ideias.
Autor: João Batista Stabile - Marília/SP
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