A mulher da minha vida
Autora: Conceição Gomes
Sentados à mesa de um boteco,
desses de beira de calçada, final de tarde, com os pinguços de todos os tipos
encostados no balcão, contando ou ouvido mágoas presentes e passadas, lá estava
eu ouvindo a história de amor de meu amigo Abelardo. Entre um gole de cerveja e
a degustação de batatas fritas, iniciou sua história. Pois é amigo, foi num certo trinta de junho,
dia de São Marçal, em uma festa junina, na casa de uma amiga. Quando eu
cheguei, ela estava em pé, sozinha, apreciando os casais dançando a quadrilha.
Quando a olhei, não pude me conter de emoção. Lá estava a mulher de meus
sonhos. Aproximei-me dela e tomando seu rosto em minhas, disse quase num grito
incontido: você tem os olhos mais lindos que já vi em toda a minha vida.
Aqueles olhos de um verde indescritível, me deixaram extasiados, literalmente
apaixonado. Ela sorriu e fitou-me sem nada dizer, talvez surpresa por tão
inusitada declaração de amor. Dançamos até a festa terminar, rostos e corpos colados,
no afã de ultrapassar os limites das mãos ávidas de contatos mais ousados.
Vieram os encontros em que buscamos nos conhecer melhor. Ela trabalhava de dia
e estudava a noite no mais tradicional colégio da cidade. Como ficava graciosa
no seu uniforme escolar, na candura de seus vinte e dois anos. Perdera os pais
muito criança ainda e desde os dezoito anos, era responsável pela sua própria
vida. Morava na casa de uma família que
a adotara quase como filha. Mas isto não significava nada para mim. Quando
decidimos ter nossa primeira e tão esperada intimidade maior ela me confessou
que eu não seria o primeiro homem a possuí-la. Meu mundo veio abaixo. Não podia
imaginar que a mulher que eu escolhera para a vida toda, não fosse mais pura.
Ainda ficamos juntos algum tempo, mas o ciúme daquele passado, imaginá-la nos
braços de outro, corroía minhas entranhas. E quando ela percebeu que eu jamais
a assumiria, mudou-se de cidade. Quando eu a deixei no aeroporto, na hora da
despedida, ela disse: estou grávida. E se foi, sem mais nada dizer. Ainda
mantivemos algumas correspondências, até que conheci outra mulher, e pouco mais
de um ano depois da partida de Anita, casei-me e então lhe enviei uma carta
dizendo no final: diga ao nosso filho que papai morreu. Só voltei a encontrá-la
dez anos depois, formada, com um emprego de destaque onde morava e com nosso
filho com nove anos de idade. No esplendor de sua beleza e maturidade, disse
nada querer de mim, apenas que nosso filho queria conhecer o pai. Assim foi. Mas
não tive coragem de assumir a criança.
Nossos caminhos nos levaram cada um para os seus destinos. Sei que está
casada. Não sei se é feliz. Quanto a
mim, vivo um casamento sem amor. Maldito preconceito que me fez perder a mulher
da minha vida. Escutei calado, pensando que hoje, virgindade é um valor tão
ultrapassado e que o fato de uma mulher já ter tido vários homens não é mais
obstáculo para nenhum casamento. Os tempos mudam e com ele, alguns valores. Meu
amigo Abelardo sabe disso, mas sabe também, que agora é tarde, muito tarde para
um final feliz entre os dois.
Autora: Conceição Gomes - Curitiba/PR
2 comentários:
Muito bom texto, perfeitamente dentro dos parâmetros do concurso. Parabéns a quem o produziu
Muito amores foram e são sacrificados pelo preconceito, o que é realmente lamentável . Ótimo conto, parabéns ao autor.
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