Autora: Maria Thereza Maith Moreira
Em
sua tela mental começou a projetar-se o filme já tantas vezes assistido, ou
melhor dizendo, sadicamente sofrido, a que ela própria intitulara "A
Infeliz Tarcília".
Nascera
num lar empobrecido, onde seus pais, principalmente o seu pai, tentava a todo
custo manter um padrão de vida compatível com a tradição da família que já fora
abastada.
Restava-lhes
alguma coisa da antiga nobreza. Moravam em uma casa vistosa, embora já velha e
agora impossível de ser conservada.
Por
esse motivo os pais não recebiam nem deixavam os filhos receberem ninguém. Não
queriam expor os tapetes desgastados, os móveis quebrados, as cortinas
rasgadas.
Não
frequentavam a sociedade porque não tinham posses para acompanhar o luxo dos
clubes da elite e frequentar lugares menos elegantes, nem pensar!
Pelo
mesmo motivo as filhas não puderam estudar, pois eles nunca permitiriam que
frequentassem colégios baratos ou escolas públicas e não tinha como pagar os
colégios mais caros.
As
quatro meninas tiveram uma infância reprimida e chegaram à adolescência infelizes
e revoltadas. Queriam trabalhar fora, estudar a noite, fazer o que faz a
maioria das moças de classe média, mas, não! O pai achava que seria humilhante
para ele não poder sustentar as filhas, precisar que trabalhassem fora.
Tarcília
só via uma saída para sua vida infeliz. Casar-se!
E
foi o que fez. Com o primeiro namorado, muito jovem, sem nem conhecê-lo
direito, sem pensar duas vezes.
O
pai aprovou o casamento, conscientemente ou não, satisfeito por ter uma a menos
para sustentar.
O casamento
não foi a maravilha que Tarcília esperava, mas ainda era melhor do que a vida
monótona que tinha na casa dos pais.
Logo
depois do nascimento da filha, porém, piorou muito e ela não demorou a
descobrir que o marido a traía.
Que
fazer?
Depois
de muito pensar tomou a decisão mais fácil. Fingir que não sabia e continuar a
viver despreocupada, sem precisar assumir a pecha de mulher rejeitada. Pra que?
Floriano,
o marido, a tratava bem, dava-lhe tudo o que ela queria e a filha o adorava.
Mas
a Infeliz Tarcília não podia ficar em paz para sempre.
Um
belo dia ele confessou-lhe que se apaixonara por outra e queria o divórcio. Ela
podia ficar com a casa, o carro e ele ainda lhe daria uma esplenda pensão que
lhe permitiria viver confortavelmente.
E o
seu casamento que já nem se podia mais chamar de casamento, acabou de acabar.
Aos
domingos, Floriano vinha buscar a filha para passear e Laís esperava
ansiosamente por ele.
Voltava
contando tudo que fizera, excitada, e Tarcília ouvia, meio enciumada.
—O
Papai levou-me ao parquinho. Eu tomei sorvete e brinquei numa porção de
brinquedos
Ela
já a levara a esse parquinho dezenas de vezes, ela tomara todos os sorvetes que
queria e brincara nos tais brinquedos até cansar, mas nunca se mostrava tão
entusiasmada como quando era o pai que a levava.
Não
demorou muito para que ela se afeiçoasse a madrasta a quem chamava de Tia
Gracinha.
Tarcília
revoltou-se. Não era obrigada a permitir que a filha testemunhasse a pouca
vergonha do pai, mas, lembrando de sua infância triste, de quanto lhe fizera
falta o carinho paterno, tinha que reconhecer que, tirante todos os seus
defeitos, Floriano era um ótimo pai e a tal Gracinha devia ser mesmo "uma
gracinha" para Laís encantar-se tanto com ela.
E
resolveu engolir o sapo.
Quando
Laís começou a namorar o Ivo, um parente afastado da Gracinha, muito amigo da
casa, afastou-se mais ainda da mãe, pois os encontros eram na casa dela. Era lá
que almoçavam aos domingos, de lá que saiam para os passeios, era com eles que
iam ao clube, ou à praia.
Tarcilia
ficava feliz vendo a filha divertir-se tanto, mas sua vida pessoal era muito
triste, sempre só, sem amigos, sem nada com que ocupar os seus longos fins de
semana.
Depois
que Laís se casou, então, Tarcília ficou mais só do que nunca.
A
filha e o genro vinham almoçar com ela aos domingos.
Tarcília
os esperava ansiosamente. Preparava tudo que Laís gostava, mas eles apareciam
sempre atrasados, almoçavam rapidamente e iam embora, pois já haviam marcado
com o pai e a Tia Gracinha para ir ao clube onde passavam a tarde toda, ou o
Ivo queria assistir ao jogo de futebol com o sogro com quem se dava muito bem.
E
Tarcília sentia-se cada vez mais anulada, sem ninguém que realmente se
incomodasse com ela.
Até
surpreendeu-se quando a Laís contou que iriam os quatro (tudo que faziam era
sempre os quatro) fazer um cruzeiro e perguntou:
—Você
não quer ir também? Sempre disse que um dia faria uma viagem de navio. Chegou a
hora!
—Imagine!
Você se esquece que a Gracinha e eu somos rivais. Como é que poderíamos fazer
alguma coisa juntas.
—Ora,
Mamãe! Que bobagem! Já faz tanto tempo. Tem que passar por cima disso. Além
disso, se não quiser não precisa nem se aproximar dela, o navio é uma pequena
cidade. Viajam milhares de pessoas. Vai ser bom para você, distrair-se,
conhecer gente...
Tarcília
resolveu aceitar a sugestão da filha. Afinal precisava deixar de esconder-se
envergonhada de sua situação como se fosse ela a culpada. Ia enfrentar a outra.
Fazer amizades, mostrar ao Floriano que ele não lhe fazia nenhuma falta.
No
ônibus que os levaria até o porto, porém, já estava arrependida.
Como
fora das últimas a comprar o pacote de viagem, ficou no último banco, isolada
de todos. Ao seu lado um garoto irrequieto, o tempo todo levantando para falar
com os pais no banco da frente, ou estes voltando-se para repreendê-lo.
Na
frente os outros passageiros, conversavam, brincavam uns com os outros com a
alegria própria de quem empreende uma viagem de recreio.
E
Tarcília sentia-se mais só do que nunca, deslocada, como se fosse o mico preto
no jogo da vida.
E
reprisava incansavelmente o seu filminho particular, morrendo de dó de si
mesma.
E
agora estava ali. Realizando um velho sonho. Viajando de navio, mas não estava
feliz. Por que?
Lais
aparece:
—Mãe!
O que você faz aqui sozinha? Por que não vai ver o filme que está começando lá
na sala de projeção. Dizem que é muito bom.
Antes
que Tarcília respondesse, Ivo apareceu ao longe, acenou para Laís e ela correu
ao seu encontro.
Tarcília
não queria ver filme algum. Já chegava o "A Infeliz Tarcília" que não
cansava de rever.
Alguém
se aproximou e Tarcilia reconheceu o comandante do navio.
Cumprimentou-a,
perguntou se estava gostando da viagem e acabou convidando-a para tomar um
refresco.
Conversaram.
Ele pouco falou, mas ouviu com atenção e interesse tudo que ela disse e ela
sentiu-se valorizada como nunca.
Nunca
ninguém tivera tanta atenção com ela e ela sentiu que uma tênue esperança
aquecia-lhe o coração.
Durante
o resto do dia pensou nele, no que conversaram, no seu olhar, no seu sorriso.
Nunca
aventara a idéia de casar-se novamente, ter um namorado ou um caso, mas, ia
ousar! Ia divertir-se e mostrar para o Floriano que estava viva!
À
noite, quando descia para o jantar, ele novamente a encontrou e convidou-a para
a sua mesa.
Acompanhou-o
com o coração aos saltos, as mãos tremendo, mal acreditando no que estava lhe
acontecendo.
Mas,
ao chegar a mesa teve uma surpresa.
Ali
já se encontravam duas mulheres que ele apressou-se a apresentar:
—Liliam,
minha esposa, está de férias e veio viajar comigo.
Sorriu
olhando apaixonadamente para ela:
—É
como se eu também estivesse de férias. E esta é a Cléa. Está viajando só, como
você e eu pensei que gostariam de se conhecer.
Autora: Maria Thereza Maith Moreira - Sorocaba/SP
Autora: Maria Thereza Maith Moreira - Sorocaba/SP
3 comentários:
Há pessoas que esperam a vida toda, que os os outros a façam feliz. \Como não aprendem a ser feliz por conta propria, morrem por dentor a cada dia. Assim era a nossa Tarcilia.
Muito bom texto. Perfeitamente dentro dos parâmetros do concurso. Parabéns a quem o produziu.
Alberto Vasconcelos
Juro que pensei que seria com o comandante rs... Não foi. Ah, infeliz Tarcília! Muito bom. Parabéns ao autor.
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