Autora: Celêdian Assis de Sousa
♫ ♫ ♫...
— Esta música vai para alguém e esse
alguém sabe quem... Falava Francisco, o locutor da rádio local, enquanto se
ouvia ao fundo, a introdução de uma música, num belíssimo solo de violão. Com o
ouvido colado ao rádio portátil, Rosinha fechou os olhos, sorriu e repetiu para
si mesma: eu sei, eu sei meu amor...
E cantarolou baixinho como se fizesse um dueto com o cantor Fagner: “Quando penso em você, fecho os olhos de
saudaaaaaades, tenho tido muitas coisas, menos a felicidade...”.
Rosinha, como qualquer
menina no esplendor de sua adolescência, sonhava com aquele amor que, rara e
furtivamente, ela podia ler nas fotonovelas. Criada no seio de uma família
muito severa e ainda sem a permissão dos pais para namorar, todo encanto e
todos os suspiros lhe eram permitidos, desde que não fossem notados por eles. Os
sentimentos iam desabrochando timidamente, por Francisco, aquele homem feito, dez
anos mais velho que ela e o mais bonito e cobiçado rapaz da cidade. Sabia que
era quase impossível que ele a notasse, mas, ainda assim, alimentava-se da sua
ilusão.
Setembro chegou e nesse
mês se preparavam os estudantes do Ginásio Estadual para o grande desfile cívico
do dia sete, que em todos os anos acontecia na cidade, ou então acontecia em
uma cidade vizinha, onde os estudantes visitantes desfilavam representando a
sua escola. Formava-se uma caravana e lá iam as meninas felizes por aquela
oportunidade de se divertirem fora de sua pacata cidade. Para Rosinha, o
evento, a viagem, era uma verdadeira aventura. Naquele setembro de meados dos
anos setenta não foi diferente, muita euforia e expectativa nos dias que
antecederam o desfile e quando chegou o momento do embarque, Rosinha teve uma
grata surpresa, talvez a mais emocionante de sua vida: Francisco estava no
ônibus e acompanharia a turma naquela viagem. Como se fossem aquelas coisas do
destino, nada premeditado, os assentos reservados a eles, eram lado a lado. Ela
não se continha de tanta felicidade, mas tímida como era, alguém só notaria se
observasse o quanto a sua face tornou-se ruborizada.
A viagem era divertida e
muito barulhenta, pois os estudantes cantavam o tempo todo e se moviam de seus
assentos para o corredor, numa verdadeira algazarra. Rosinha ainda perplexa com
a presença de Francisco ao seu lado, ficou mais comedida, preferiu entabular
uma conversa sobre as músicas que ele escolhia em seu programa e não conseguiu
esconder o quanto era fã dele. Ele a ouvia atentamente e sorria amavelmente. Em
certo momento tomou a mão dela e a beijou e seguiram de mãos dadas, durante
toda a viagem. Rosinha emudeceu. Não sabia o que fazer com aquela nova emoção e
Francisco notando todo o seu desconcerto, perguntou-lhe: Você ouviu um dia desses, a música Canteiros, oferecida para alguém?
Ela quase desfalecendo, respondeu que
sim apenas com um aceno de cabeça. Ele prosseguiu dizendo: Não imagina para quem era? Ela não conseguia responder, apenas
balançava a cabeça em sinal de negativa. Foi quando Francisco a fitou ternamente,
tomou a face de Rosinha entre as mãos e deu-lhe um longo beijo, o primeiro da
vida dela. Com o coração disparado, ela não conseguia assimilar o que ele
acabara de declarar com aquele beijo, apenas sentia aquele momento como se
fosse um sonho maravilhoso.
Chegaram ao destino e se
separaram para os preparativos do desfile, mas Rosinha não parava de pensar em
Francisco e como seria a volta da viagem, quando estariam novamente lado a
lado. Não se viram mais durante o desfile e na volta, Francisco ocupou outro
assento sem nenhuma explicação. A menina não entendeu aquela atitude e ficou
desolada. Não sabia o que fazer nem o que pensar, e não pode conter as lágrimas
que rolaram pela sua face.
De volta à cidade natal,
desceu do ônibus e não se despediu dos colegas, seguiu rapidamente para sua
casa, trancou-se no quarto e chorou copiosamente por muito tempo, até que
adormeceu. Acordou no dia seguinte e sua primeira ação foi ligar o rádio para
ouvir o programa de Francisco. E ele abriu a programação com um simples poema,
mas o mais lindo que Rosinha já tinha visto:
As
rosas são raras belezas em cor
exalam
seu perfume suavemente
tornando-se
únicas em esplendor
mas
são apenas flores, simplesmente
Mais
rara é a beleza do meu amor
quando
nasceu espontaneamente
por
uma Rosa com nome de flor
mas
foi apenas um sonho, infelizmente
Em seguida, como era
habitual, Francisco propôs a reflexão do dia e antes destacou que aquele era o
primeiro poema de sua autoria, que o criara na noite anterior, tomado de uma
sensação de que a sua alma precisava falar e ela só encontrou ouvidos na
poesia. E depois continuou a falar de amor nas suas variadas formas. Concluiu a
sua reflexão dizendo: A mais rara forma
de amor é aquele que preserva o outro, para que ele se mantenha sem sofrimento,
amor que protege o outro, como os espinhos protegem a rosa, para que ela se
mantenha intacta. É dura a realidade, meus caros ouvintes, mas saibam que a
renúncia é também uma linda forma de amar.
Rosinha desligou o rádio
em prantos, entendeu que Francisco a amava e que talvez ela nunca soubesse o
motivo de sua renúncia, mas bastava-lhe naquele momento saber de seu amor.
Passaram-se alguns dias
para que Rosinha tivesse coragem de ligar novamente o rádio. Ligou exatamente
no dia em que Francisco se despedia de seus ouvintes, comunicando-os de sua
partida para a capital, onde se casaria daí a alguns meses e também aceitaria
uma proposta de trabalho irrecusável.
Muitos anos depois, Rosinha,
feliz e muito bem casada, lembrando-se de Francisco, riu muito de seus arroubos
de amor adolescente. Não demorou muito tempo para que ela entendesse que a vida
sempre se encarrega de abrir novos caminhos para a felicidade. E ainda no
embalo daquelas lembranças, cantarolou baixinho como se fizesse um dueto com o
cantor Milton Nascimento “Qualquer
maneira de amor vale a pena, qualquer maneira de amor valerá...”
Autora: Celêdian Assis - Belo Horizonte/MG
Autora: Celêdian Assis - Belo Horizonte/MG
2 comentários:
Muito bom texto que tem os ingredientes para ser verdadeiro.
Perfeitamente dentro dos parâmetros do concurso.
Parabéns a quem o produziu.
Alberto Vasconcelos.
Parabéns pro Francisco que soube ser honesto e saiu de cena no momento certo. Não faria feliz a Rosinha. E que bom que se pode rir depois daquilo que já foi pranto. Das ilusões da vida, uma beleza de conto. Parabéns!!
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