quinta-feira, 24 de março de 2016

Romance em Sobradinho


 Autor: Willes A Geaquinto

Aconteceu que num tempo em que eu andava carente de amor, conheci Maria Angélica numa festa de São João no Arraial do Sobradinho em São Thomé das Letras. Eu estava ali meio cabreiro com a vida, tomando um gole de um vinho quente com sabor de gengibre, cravo e canela, quando ouvi um sorriso que despertou a minha atenção. E, ao me virar, ele estava ali colado na minha retina, o rosto da dona do sorriso mais lindo que já vi; parecia um girassol se abrindo e espraiando raios de luz naquela soberba noite de luar no pé da serra.
Depois, enquanto apreciava os que dançavam ao som de um forró sacudido, nossos olhares se cruzaram fazendo explodir em algum lugar dentro de mim um entusiasmo sem tamanho; um sentimento contagiante, digamos assim. Olhando-a naquele vestido azul rodeado com renda branca, foi que experimentei a fascinação daqueles olhos penetrantes e de seus lábios sensuais.
Sem saber quem era a moça, fui dormir ao fim daquela noite de festa com algo misterioso sapecando minha mente. Ao acordar cedo no domingo decidi ir à missa na Igreja do povoado esperando, quem sabe, encontrá-la. E fui; botei roupa bonita, sapato preto lustrado e coisa e tal. Porém, nem na missa e nem na praça eu vi a bela moça. E já ia experimentando certo desânimo quando, para contentamento do meu espírito buscador, a vi saindo de uma pousada ali perto, caminhando em minha direção. O meu coração batia acelerado, enquanto pensava em como dizer-lhe da minha admiração ou alguma outra fala bonita que lhe despertasse a atenção.
Caboclo falador, contador de histórias e causos, naquela hora senti que faltava inspiração para aliviar a minha ansiedade; mesmo assim caminhei em sua direção pensando num jeito maneiro de iniciar a prosa. Ao aproximar-me, senti o seu perfume que exalava um leve frescor de flores do campo. Respirei fundo e falei tentando aparentar naturalidade:
— Olá, como passou a bela dançarina!
Ela sorriu clareando ao seu redor e, olhos fixos nos meus, respondeu:
— Não me lembro de termos dançado na festa...
— Ontem eu não dancei, preferi observar; gosto de apreciar aqueles que dançam bem, a fim de aprender...
— Então isso significa que danço bem...
— Sim, é admirável a sua leveza enquanto dança...
— E qual é o seu nome, moço admirador da dança?
— Me chamo Fernando Prado, vim de Três Corações para os festejos de São João aqui em Sobradinho...
— Meu nome é Maria Angélica, de Boa Esperança, também vim para a festa...
— Quem bom. Conheço um pouco da sua cidade, principalmente a região do Lago dos Encantos onde já estive num festival aquático no ano passado.
Fez se silêncio e percebendo que ambos estávamos sem saber muito do que conversar no momento, sugeri percorrermos a quermesse. Ela aceitou e tudo foi ficando tranquilo e natural.  Conversamos sobre outras festas, sobre a beleza das paisagens do povoado e das cachoeiras ali existentes. Contou-me que era filha de um conhecido produtor de café da região de Boa Esperança e que lecionava em um distrito rural daquela cidade. Dava gosto ouvir a sua voz suave; as palavras tinham uma pronuncia singular. Então, sentindo que estávamos à vontade, a convidei para um almoço à mineira num restaurante próximo. O que foi prontamente aceito, apenas me informando que iria chamar sua prima Bernadete que estava em sua companhia, mas ficara abrigada na casa de uns parentes no centro de São Thomé. Tudo bem. Combinado o almoço, como ainda era cedo ficamos de nos encontrar mais tarde no restaurante.
Voltando para a pousada onde eu estava hospedado, fui pensando em Maria Angélica. Como era jovial e, ao mesmo tempo madura em algumas considerações. E o seu sorriso... Ah, o seu sorriso! Estava encantado. Eu que nunca acreditara em amor à primeira vista, permanecia extasiado; quem sabe apaixonado, conclui.
Como ainda faltava algum tempo para o almoço, decidi repousar um pouco. Deitei-me e logo peguei no sono e no sonho: e lá estava eu num jardim em frente de uma casa grande que parecia ser a morada principal de uma fazenda. Sentado num banco de madeira ornamentado com entalhes que pareciam uma esfinge, acendi um cigarro enquanto observava os pássaros que por ali realizavam alguns malabarismos enquanto voavam.
O lugar me parecia familiar, mas não lembrava quando o conhecera. Então ouvi um sorriso inconfundível. Era Maria Angélica que vindo não sei de onde caminhava em minha direção, com um belo vestido branco bordado com estrelas azuis. Sentou-se ao meu lado e trazia nas mãos um livro. Perguntei-lhe sobre o título do livro, disse chamar-se Amor Nos Tempos do Cólera de Gabriel Garcia Márquez. Segundo ela, era uma história sobre amor, envelhecimento e morte; uma espécie de reflexão sobre esperança e obstinação. 
Lembrei-me que já tinha lido o livro algum tempo, e assim conversamos um bom tempo sobre seu conteúdo.  Então disse que não conseguiria viver um amor como o do romance, pois encarava a vida com maior praticidade, apesar de considerar-se uma mulher romântica. Fiquei calado apenas ouvindo a sua preleção a respeito do livro. Na verdade, percebendo que não tinha nada a acrescentar à sua interpretação eu preferi ficar saboreando meiguice da sua voz.
De repente, assim como veio se foi, deixando para traz apenas o som do seu sorriso e o cheiro do seu perfume. E eu permaneci ali sentado, refletindo sobre a vida e seus encantos, quando fui chamado à realidade pelo som de um foguetório retumbante vindo dos lados do arraial.
Acordei, olhei no relógio já passava do meio dia, vesti-me rapidamente e segui em direção ao restaurante onde combinara almoçar com Maria Angélica. Chegando lá solicitei uma mesa ao primeiro garçom que encontrei que gentilmente me cedeu uma de frente para a porta de entrada. Achei bom, pois dali podia observá-la chegando. Sentei e pedi uma cerveja e uma pequena porção de queijo minas, e enquanto esperava passei em revista o primeiro momento que a vi formosa no baile. Por certo eu estava apaixonado por Maria Angélica. Porém, sabia que não devia por a carroça na frente dos cavalos, antes tinha que saber o que pensava a meu respeito; se tinha alguma simpatia por mim, se continuaríamos a nos ver e coisa e tal.
Enquanto estava ali confabulando comigo mesmo a respeito do futuro, as pessoas que entravam no restaurante passando perto da minha mesa me cumprimentavam com simpatia; pareciam até saber que eu estava a espera de alguém. Passou meia hora e nada da moça aparecer. Um tanto quanto impaciente pedi mais uma cerveja e continuei ali bebericando de olho na entrada. Nesse ínterim, lembrei-me que certa vez numa festa do Padre Vitor em Três Pontas, eu marcara um encontro com uma moça e acabei amargando horas no banco da praça em frente à igreja matriz sem que a dita aparecesse. Só que daquela feita eu não estava apaixonado, era apenas uma paquera comum. Agora era diferente, eu estava encantado com Maria Angélica.
Passados mais alguns minutos, eis que ela surge entrando no restaurante. Meu coração saltou do peito quando ela surgiu sorridente e sozinha. Logo se desculpou pela demora, contando que houvera um contratempo com a prima e isso a havia atrasado.
— Tudo bem, eu lhe disse, coisas assim acontecem...
— Fiquei preocupada, pensando que você poderia tomar o atraso como desfeita...
— Nada disso, eu entendo...
Na verdade eu estava aliviado por ter sido só um pequeno contratempo a causa do seu atraso. Almoçamos a saborosa refeição que nos foi servida e depois fomos caminhar na praça. Passamos toda tarde juntos e conversa foi o que não faltou. Maria Angélica era muito espirituosa e transbordava contentamento com a vida.
Ao final da tarde, depois de muitas horas agradáveis juntos e antes de nos despedir, falei-lhe que gostaria que continuássemos a manter contato e que, embora nós morássemos em cidades diferentes, eu poderia visitá-la e assim iriamos nos conhecendo melhor. Quando disse isso, me olhou com alguma ansiedade e falou que poderíamos nos comunicar inicialmente pelo telefone ou carta, e depois resolveríamos quem visitaria quem. Pediu o número do meu telefone e disse que eu deveria aguardar o seu contato. Depois, fitando-me longamente nos olhos com ternura aproximou-se e nos beijamos longamente; um beijo que posso dizer avassalador; uma viagem de corpo e alma ao centro mais profundo do paraíso onde o amor e sua magia reinam absolutos. Permanecemos abraçados por algum tempo e depois dissemos adeus.
Ainda meio aturdido com o desfecho daquele passeio, caminhei em direção à pousada de onde eu seguiria viagem de volta a Três Corações. Difícil foi achar palavras para descrever toda emoção que sentia. No carro, de volta para casa, eu via Maria Angélica em tudo que passava à beira da estrada; num pássaro, numa flor e até no firmamento quando surgiram as primeiras estrelas. Eu estava caído de amores por ela, como diria um poeta meu amigo.
Passado uma semana, eu ainda estava sob os efeitos do encontro com Maria Angélica.  Dormia e acordava pensando nela. Quando o telefone tocava, o meu coração disparava na esperança de ouvi-la. E assim se passaram dois meses sem nenhuma comunicação. Às vezes, eu até pensava que tudo aquilo tinha sido um sonho, que nada fora real, mas, a lembrança daquele beijo, do seu sorriso e da sua voz era muito viva em minha memória.
Gregório, um amigo ao qual eu tinha confidenciado o acontecido, me disse:
— Vai com calma, Fernando, vai ver a moça anda muito atarefada na escola onde trabalha, esse mês é final de semestre...
— É pode ser que você tenha razão...
E assim mais duas semanas se passaram, até que um dia bem cedo Gregório apareceu lá em casa com um jornal na mão:
— Olha aqui Fernando, você não disse que a moça chamava-se Maria Angélica, filha do Leonardo Paiva o dono do café em Boa Esperança?
— Sim, mas o que isso tem a ver?
— Pois bem, meu caro, aqui está sendo anunciado o seu casamento... 
— Me deixa ver esse jornal Gregório...
E foi assim que aconteceu, um amor mais ido do que vivido.

Autor: Willes S Geaquinto - Varginha/MG

2 comentários:

Marina Alves disse...

rs Porque em São Tomé das Letras tudo pode acontecer. O amor marcou encontro, mas esqueceu o final feliz. Lindo conto! Parabéns a quem o escreveu.

Anônimo disse...

Conto muito interessante e perfeitamente dentro dos parâmetros do concurso.

Narrado em primeira pessoa parece estarmos ouvindo a fala do contador.

Parabéns a quem o produziu.

Alberto vasconcelos