Autor: Willes A Geaquinto
Depois, enquanto apreciava os que
dançavam ao som de um forró sacudido, nossos olhares se cruzaram fazendo
explodir em algum lugar dentro de mim um entusiasmo sem tamanho; um sentimento
contagiante, digamos assim. Olhando-a naquele vestido azul rodeado com renda
branca, foi que experimentei a fascinação daqueles olhos penetrantes e de seus
lábios sensuais.
Sem saber quem era a moça, fui dormir
ao fim daquela noite de festa com algo misterioso sapecando minha mente. Ao
acordar cedo no domingo decidi ir à missa na Igreja do povoado esperando, quem
sabe, encontrá-la. E fui; botei roupa bonita, sapato preto lustrado e coisa e
tal. Porém, nem na missa e nem na praça eu vi a bela moça. E já ia
experimentando certo desânimo quando, para contentamento do meu espírito
buscador, a vi saindo de uma pousada ali perto, caminhando em minha direção. O
meu coração batia acelerado, enquanto pensava em como dizer-lhe da minha
admiração ou alguma outra fala bonita que lhe despertasse a atenção.
Caboclo falador, contador de histórias
e causos, naquela hora senti que faltava inspiração para aliviar a minha
ansiedade; mesmo assim caminhei em sua direção pensando num jeito maneiro de
iniciar a prosa. Ao aproximar-me, senti o seu perfume que exalava um leve frescor
de flores do campo. Respirei fundo e falei tentando aparentar naturalidade:
— Olá, como passou a bela dançarina!
Ela sorriu clareando ao seu redor e,
olhos fixos nos meus, respondeu:
— Não me lembro de termos dançado na
festa...
— Ontem eu não dancei, preferi
observar; gosto de apreciar aqueles que dançam bem, a fim de aprender...
— Então isso significa que danço bem...
— Sim, é admirável a sua leveza
enquanto dança...
— E qual é o seu nome, moço admirador
da dança?
— Me chamo Fernando Prado, vim de Três
Corações para os festejos de São João aqui em Sobradinho...
— Meu nome é Maria Angélica, de Boa
Esperança, também vim para a festa...
— Quem bom. Conheço um pouco da sua
cidade, principalmente a região do Lago dos Encantos onde já estive num
festival aquático no ano passado.
Fez se silêncio e percebendo que ambos
estávamos sem saber muito do que conversar no momento, sugeri percorrermos a
quermesse. Ela aceitou e tudo foi ficando tranquilo e natural. Conversamos sobre outras festas, sobre a
beleza das paisagens do povoado e das cachoeiras ali existentes. Contou-me que
era filha de um conhecido produtor de café da região de Boa Esperança e que
lecionava em um distrito rural daquela cidade. Dava gosto ouvir a sua voz
suave; as palavras tinham uma pronuncia singular. Então, sentindo que estávamos
à vontade, a convidei para um almoço à mineira num restaurante próximo. O que
foi prontamente aceito, apenas me informando que iria chamar sua prima
Bernadete que estava em sua companhia, mas ficara abrigada na casa de uns
parentes no centro de São Thomé. Tudo bem. Combinado o almoço, como ainda era
cedo ficamos de nos encontrar mais tarde no restaurante.
Voltando para a pousada onde eu estava
hospedado, fui pensando em Maria Angélica. Como era jovial e, ao mesmo tempo
madura em algumas considerações. E o seu sorriso... Ah, o seu sorriso! Estava
encantado. Eu que nunca acreditara em amor à primeira vista, permanecia
extasiado; quem sabe apaixonado, conclui.
Como ainda faltava algum tempo para o
almoço, decidi repousar um pouco. Deitei-me e logo peguei no sono e no sonho: e
lá estava eu num jardim em frente de uma casa grande que parecia ser a morada
principal de uma fazenda. Sentado num banco de madeira ornamentado com entalhes
que pareciam uma esfinge, acendi um cigarro enquanto observava os pássaros que
por ali realizavam alguns malabarismos enquanto voavam.
O lugar me parecia familiar, mas não
lembrava quando o conhecera. Então ouvi um sorriso inconfundível. Era Maria
Angélica que vindo não sei de onde caminhava em minha direção, com um belo
vestido branco bordado com estrelas azuis. Sentou-se ao meu lado e trazia nas
mãos um livro. Perguntei-lhe sobre o título do livro, disse chamar-se Amor Nos
Tempos do Cólera de Gabriel Garcia Márquez. Segundo ela, era uma história sobre
amor, envelhecimento e morte; uma espécie de reflexão sobre esperança e
obstinação.
Lembrei-me que já tinha lido o livro
algum tempo, e assim conversamos um bom tempo sobre seu conteúdo. Então disse que não conseguiria viver um amor
como o do romance, pois encarava a vida com maior praticidade, apesar de
considerar-se uma mulher romântica. Fiquei calado apenas ouvindo a sua preleção
a respeito do livro. Na verdade, percebendo que não tinha nada a acrescentar à
sua interpretação eu preferi ficar saboreando meiguice da sua voz.
De repente, assim como veio se foi,
deixando para traz apenas o som do seu sorriso e o cheiro do seu perfume. E eu
permaneci ali sentado, refletindo sobre a vida e seus encantos, quando fui
chamado à realidade pelo som de um foguetório retumbante vindo dos lados do
arraial.
Acordei, olhei no relógio já passava do
meio dia, vesti-me rapidamente e segui em direção ao restaurante onde combinara
almoçar com Maria Angélica. Chegando lá solicitei uma mesa ao primeiro garçom
que encontrei que gentilmente me cedeu uma de frente para a porta de entrada.
Achei bom, pois dali podia observá-la chegando. Sentei e pedi uma cerveja e uma
pequena porção de queijo minas, e enquanto esperava passei em revista o
primeiro momento que a vi formosa no baile. Por certo eu estava apaixonado por
Maria Angélica. Porém, sabia que não devia por a carroça na frente dos cavalos,
antes tinha que saber o que pensava a meu respeito; se tinha alguma simpatia
por mim, se continuaríamos a nos ver e coisa e tal.
Enquanto estava ali confabulando comigo
mesmo a respeito do futuro, as pessoas que entravam no restaurante passando
perto da minha mesa me cumprimentavam com simpatia; pareciam até saber que eu
estava a espera de alguém. Passou meia hora e nada da moça aparecer. Um tanto
quanto impaciente pedi mais uma cerveja e continuei ali bebericando de olho na
entrada. Nesse ínterim, lembrei-me que certa vez numa festa do Padre Vitor em
Três Pontas, eu marcara um encontro com uma moça e acabei amargando horas no
banco da praça em frente à igreja matriz sem que a dita aparecesse. Só que
daquela feita eu não estava apaixonado, era apenas uma paquera comum. Agora era
diferente, eu estava encantado com Maria Angélica.
Passados mais alguns minutos, eis que
ela surge entrando no restaurante. Meu coração saltou do peito quando ela
surgiu sorridente e sozinha. Logo se desculpou pela demora, contando que
houvera um contratempo com a prima e isso a havia atrasado.
— Tudo bem, eu lhe disse, coisas assim
acontecem...
— Fiquei preocupada, pensando que você
poderia tomar o atraso como desfeita...
— Nada disso, eu entendo...
Na verdade eu estava aliviado por ter
sido só um pequeno contratempo a causa do seu atraso. Almoçamos a saborosa
refeição que nos foi servida e depois fomos caminhar na praça. Passamos toda
tarde juntos e conversa foi o que não faltou. Maria Angélica era muito
espirituosa e transbordava contentamento com a vida.
Ao final da tarde, depois de muitas
horas agradáveis juntos e antes de nos despedir, falei-lhe que gostaria que
continuássemos a manter contato e que, embora nós morássemos em cidades
diferentes, eu poderia visitá-la e assim iriamos nos conhecendo melhor. Quando
disse isso, me olhou com alguma ansiedade e falou que poderíamos nos comunicar
inicialmente pelo telefone ou carta, e depois resolveríamos quem visitaria
quem. Pediu o número do meu telefone e disse que eu deveria aguardar o seu
contato. Depois, fitando-me longamente nos olhos com ternura aproximou-se e nos
beijamos longamente; um beijo que posso dizer avassalador; uma viagem de corpo
e alma ao centro mais profundo do paraíso onde o amor e sua magia reinam
absolutos. Permanecemos abraçados por algum tempo e depois dissemos adeus.
Ainda meio aturdido com o desfecho
daquele passeio, caminhei em direção à pousada de onde eu seguiria viagem de
volta a Três Corações. Difícil foi achar palavras para descrever toda emoção
que sentia. No carro, de volta para casa, eu via Maria Angélica em tudo que
passava à beira da estrada; num pássaro, numa flor e até no firmamento quando
surgiram as primeiras estrelas. Eu estava caído de amores por ela, como diria
um poeta meu amigo.
Passado uma semana, eu ainda estava sob
os efeitos do encontro com Maria Angélica.
Dormia e acordava pensando nela. Quando o telefone tocava, o meu coração
disparava na esperança de ouvi-la. E assim se passaram dois meses sem nenhuma
comunicação. Às vezes, eu até pensava que tudo aquilo tinha sido um sonho, que
nada fora real, mas, a lembrança daquele beijo, do seu sorriso e da sua voz era
muito viva em minha memória.
Gregório, um amigo ao qual eu tinha
confidenciado o acontecido, me disse:
— Vai com calma, Fernando, vai ver a
moça anda muito atarefada na escola onde trabalha, esse mês é final de
semestre...
— É pode ser que você tenha razão...
E assim mais duas semanas se passaram,
até que um dia bem cedo Gregório apareceu lá em casa com um jornal na mão:
— Olha aqui Fernando, você não disse
que a moça chamava-se Maria Angélica, filha do Leonardo Paiva o dono do café em
Boa Esperança?
— Sim, mas o que isso tem a ver?
— Pois bem, meu caro, aqui está sendo
anunciado o seu casamento...
— Me deixa ver esse jornal Gregório...
E foi assim que aconteceu, um amor mais
ido do que vivido.
Autor: Willes S Geaquinto - Varginha/MG
Autor: Willes S Geaquinto - Varginha/MG
2 comentários:
rs Porque em São Tomé das Letras tudo pode acontecer. O amor marcou encontro, mas esqueceu o final feliz. Lindo conto! Parabéns a quem o escreveu.
Conto muito interessante e perfeitamente dentro dos parâmetros do concurso.
Narrado em primeira pessoa parece estarmos ouvindo a fala do contador.
Parabéns a quem o produziu.
Alberto vasconcelos
Postar um comentário