Autor: Gilberto Dantas
Pois é,
amigos e amigas. Sim, estou no café Carlyle em Nova York ouvindo o clarinete do
genial Wood Allen. Ele na condição de músico de jazz acho uma merda. Mas minha
opinião não vale nada porque pouco entendo de música.
Resolvi me
mudar para Nova York exatamente para me torturar neste meu último período de
vida (penso que atingi a alta velhice). Estou num pequeno apartamento perto do
Central Park. Passo as noites lendo meus autores preferidos, não desejando
conhecer mais ninguém. Optei por ser solitário e procurar morrer de uma maneira
sutil, aos poucos, mas com a esperança de receber um choque tão grande
que acabe morrendo de infarto fulminante.
Minha
tática é a seguinte: o dia todo ouço João Gilberto e Milton Nascimento,
músicos que eu simplesmente detesto. Com todo o respeito, para mim são
detestáveis e me levam à fossa. Não saio do apartamento nem falo com
ninguém. Uso os serviços de “delivery” da cidade.
Abro
exceção às terças-feiras para sair de casa. Vou ao café Carlyle para me
torturar mais ainda, ouvindo o nosso Wood Allen. Como cineasta, gosto
muito dele e sempre assisti seus filmes, lá no Rio de Janeiro. Agora, ele
tocando clarinete é de doer... Pelo menos para mim.
Nesta
minha crônica meus leitores poderão ver o vídeo do Wood Allen. Neste dia, ele
estava terrível. Fui no fundo do poço com a minha fossa.
Toda
semana, ao lado da minha mesa senta-se uma americana com seus 40 anos. Idade da
Loba. Não tira os olhos de mim. Qualquer dia desses, fatalmente, vai me
dirigir a palavra. Ela se limita a sorrir. Eu sorrio também. E finjo que digo
uma palavra em inglês: um tímido “darling”...
Ela não sabe que a minha depressão vem exatamente
das mulheres sedutoras que arranjei na vida. E eu não consegui aprender a necessária
malandragem para me defender desses ataques de sedução. Além disso, possuo um
gene mutante que atinge todos os homens da minha família após os sessenta anos.
Este gene nos deixa incrivelmente crédulos durante a maior parte da vida. Na
velhice, se transforma num gene terrivelmente cético. Possivelmente, uma defesa
orgânica e psicológica que nos impede de sonhar com o amor eterno, evitando um
doloroso engano em idade tão vulnerável...
Se é para
parar de sonhar, aguardo o dia fatídico. A americana batendo na porta do meu
apartamento e me dizendo: - “ Dear, I love you!” É só o que eu preciso
para enfartar de vez.
Deus, que
chegue logo esse dia!
Autor: Gilberto Dantas - Miracema/RJ
Publicação autorizada pelo autor
Nota: Continuo Viajando e publiquei este texto em trânsito.
2 comentários:
Não sei se é verdade ou ficcção, mas o texto me fez lembra Nova York e a Solidão, cuja autoria não me lembro mais. Eu não conheço NY nem tenho vontade, sei lá, ainda não encontrei nenhum relato que me fizesse querer colocar esta cidade na lista das que desejaria conhecer. Pobre Allen, he's an allien, he is a legal allien... Mandou bem!
Um texto genial, com uma descrição perfeita do perfil solitário e desiludido do personagem, alinhavado com o comportamento arredio e que este acarreta de um tom amargo ao seu poder de crítica aos outros. Uma conclusão fantástica, porque inusitada, como convém aos bons contos: embora desiludido e cuja desilusão se deve às mulheres sedutoras, ainda espera (implicitamente) por aquela que o leve ao infarto.
Adorei, Gilberto.
Um abraço
Celêdian
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