sábado, 27 de fevereiro de 2016

Café Carlyle em Nova York

Autor: Gilberto Dantas

Pois é, amigos e amigas. Sim, estou no café Carlyle em Nova York ouvindo o clarinete do genial Wood Allen. Ele na condição de músico de jazz acho uma merda. Mas minha opinião não vale nada porque pouco entendo de música. 
Resolvi me mudar para Nova York exatamente para me torturar neste meu último período de vida (penso que atingi a alta velhice). Estou num pequeno apartamento perto do Central Park. Passo as noites lendo meus autores preferidos, não desejando conhecer mais ninguém. Optei por ser solitário e procurar morrer de uma maneira sutil, aos poucos,  mas com a esperança de receber um choque tão grande que acabe morrendo de infarto fulminante.
Minha tática é a seguinte:  o dia todo ouço João Gilberto e Milton Nascimento, músicos que eu simplesmente detesto. Com todo o respeito, para mim são detestáveis e me levam à fossa. Não saio do apartamento nem falo com ninguém.  Uso os serviços de “delivery” da cidade.
Abro exceção às terças-feiras para sair de casa. Vou ao café Carlyle para me torturar mais ainda, ouvindo o nosso Wood Allen.  Como cineasta, gosto muito dele e sempre assisti seus filmes, lá no Rio de Janeiro. Agora, ele tocando clarinete é de doer... Pelo menos para mim.
Nesta minha crônica meus leitores poderão ver o vídeo do Wood Allen. Neste dia, ele estava terrível.  Fui no fundo do poço com a minha fossa.
Toda semana, ao lado da minha mesa senta-se uma americana com seus 40 anos. Idade da Loba.  Não tira os olhos de mim. Qualquer dia desses, fatalmente, vai me dirigir a palavra. Ela se limita a sorrir. Eu sorrio também. E finjo que digo uma palavra em inglês: um tímido “darling”...
Ela não sabe que a minha depressão vem exatamente das mulheres sedutoras que arranjei na vida. E eu não consegui aprender a necessária malandragem para me defender desses ataques de sedução. Além disso, possuo um gene mutante que atinge todos os homens da minha família após os sessenta anos. Este gene nos deixa incrivelmente crédulos durante a maior parte da vida. Na velhice, se transforma num gene terrivelmente cético. Possivelmente, uma defesa orgânica e psicológica que nos impede de sonhar com o amor eterno, evitando um doloroso engano em idade tão vulnerável...
Se é para parar de sonhar, aguardo o dia fatídico. A americana batendo na porta do meu apartamento e me dizendo: - “ Dear, I love you!”  É só o que eu preciso para enfartar de vez.
Deus, que chegue logo esse dia!


Autor: Gilberto Dantas - Miracema/RJ
Publicação autorizada pelo autor








Nota: Continuo Viajando e publiquei este texto em trânsito.


2 comentários:

Helena Frenzel disse...

Não sei se é verdade ou ficcção, mas o texto me fez lembra Nova York e a Solidão, cuja autoria não me lembro mais. Eu não conheço NY nem tenho vontade, sei lá, ainda não encontrei nenhum relato que me fizesse querer colocar esta cidade na lista das que desejaria conhecer. Pobre Allen, he's an allien, he is a legal allien... Mandou bem!

Celêdian Assis disse...

Um texto genial, com uma descrição perfeita do perfil solitário e desiludido do personagem, alinhavado com o comportamento arredio e que este acarreta de um tom amargo ao seu poder de crítica aos outros. Uma conclusão fantástica, porque inusitada, como convém aos bons contos: embora desiludido e cuja desilusão se deve às mulheres sedutoras, ainda espera (implicitamente) por aquela que o leve ao infarto.
Adorei, Gilberto.
Um abraço
Celêdian