quarta-feira, 8 de junho de 2016

A Dama do Cemitério (Livro) - Autor Geraldinho do Engenho (Primeiro capítulo)

Alta esbelta loira cabelos longos com duas tranças enrodilhadas, uma verdadeira obra de arte, aquele seu penteado. Mãos, pés e unhas bem cuidadas, um perfeito e invejável conjunto escultural, elegantemente bem vestida. Ela entrava pelo portão do cemitério com a cesta de flores recém colhidas, ainda respingadas pelo orvalho da manhã, dirigia-se a um luxuoso tumulo de mármore cuja foto de um casal que aparentavam ter entre 60 a 65 anos de idade. Apanhava dois vasos de uma porcelana azul celeste finíssima, decorados com a pintura do Divino Espírito Santo, representado por uma pomba branca que flutuava com uma hóstia no bico acima de um cálice sobre uma bíblia aberta. Caminhava até o chafariz que ficava ao lado da entrada, retirava as flores velhas despejava seu conteúdo no esgoto, após lavá-los, enchia-os de água limpa recompunha as flores depositando-os novamente sobre o mesmo túmulo. Seguia para o canto esquerdo do cemitério colocava sobre uma singela lápide ali existente, um ramalhete de rosas vermelhas, recolhia o anterior, como suas rosas murchas e desbotadas, juntava às demais que ficaram próximas ao chafariz, passava pelo portão colocando-as nas lixeiras.  Aquele ritual se repetia de dois em dois, a tardar a cada três dias.
Em principio o zelador despercebido nem retribuía a saudação a ele dirigida, mas no decorrer do tempo ele passou admirá-la de tal forma que sempre arranjava um pretexto, para acompanhar de perto suas ações, e corresponder gentilmente à sua saudação. Passando acompanhá-la com o olhar pela alameda afora até ela dobrar a esquina rumo ao seu palacete, que ficava mergulhado em um bosque ajardinado fora da área periférica da cidade.
- Bom dia seu Rafael! - Bom dia senhora! Sua simpatia acabou despertando o zelador, e não tardaram eles já trocavam algumas palavras relacionadas com as condições climáticas ora falando do calor chuva ou frio, essa forma brasileira que temos de puxar assunto. Essa intimidade acabou por render    ao zelador algumas  frutas fresquinhas colhidas pela dama, que amiúde chegavam a ele, levadas embaixo das flores naquela sesta. Logo o coveiro e seu ajudante também já sabia que seu nome era Silvia, e que o casal que recebiam flores eram seus pais, mas e aquela lapide do ramalhete de rosas vermelhas, sem nenhuma inscrição de identificação de quem seria?
A convivência entre os três personagens era momentânea sem delongas e em dias alternados, mesmo assim criou-se um laço simpático, cordial e até um pouco afetivo. Vários anos aquela mesma rotina.
Que mistério teria aquela dama tão elegante? – Essa era a pergunta que o zelador e seu colega gostariam de uma resposta!  Certa ocasião passou uma semana sem que ela aparecesse, as flores despencaram nas bordas dos vasos o ramalhete secou castigado pelo sol, sobre aquela lápide pretejada pelo tempo.
Os dois amigos preocupados decidiram rastrear informações, nunca conversaram a respeito de seu endereço, mas alguém os informaria com certeza. Numa tarde após o expediente decidiram seguir o mesmo trajeto percorrido pela dama. Caminharam pela avenida dobraram a esquina até aí tudo bem, mas agora, aonde vamos?-- Tantas ruas cruzando aquela avenida. Atinou-se que as frutas e as flores fresquinhas, não poderiam ser produzidas na cidade, a única opção seria procurarem na área rural. No trajeto percorrido, não havia se quer um pomar capaz produzir coisas tão belas como aquelas. Ninguém soube explicar, sobre a elegante mulher a viam sempre transitando vinda da área rural, mas jamais falaram além de bom dia ou boa tarde, deveria ser fazendeira, era a única informação.
Um velhinho lenhador, este sim soube informar certinho seguiram sua indicação depararam com uma portaria no que parecia ser um grande condomínio de luxo cheio de arvoredos e milhares de arvores frutíferas. O porteiro informou tratar-se da fazenda de Silvia, mas ela não se encontrava estava hospitalizada.
De posse do endereço foram ao hospital se dizendo seus amigos.  Conseguiram permissão para visitá-la. Conduzidos ao apartamento donde a dama se encontrava. Pediram desculpas pela invasão de sua privacidade explicando suas preocupações quando ela não apareceu. — Fizeram muito bem vou ser grata a vocês pelos poucos dias que ainda me restam. Vejo que é chegada minha hora e tenho que compartilhar com alguém a minha historia de vida, que durante muitas décadas permaneceu trancada a sete chaves no meu coração -. Estão dispostos a me ouvir? - Ouviremos com grande prazer dona Silvia quando queira! - Eu terei alta muito breve. Voltarei ao cemitério e La a gente conversa combinado? - Perfeito, só gostaria que nos permitisse cuidar da colocação de flores nos túmulos enquanto recupera a saúde! – Não será necessário muito breve retomarei esta tarefa, é coisa minha não quero que ninguém o faça, mesmo porque quando eu partir não terá ninguém para me substituir.
Uma semana depois estava a dama cumprindo seu ritual, com a mesma rotina de antes, mas desta vez com um tempo para jogar conversa fora com a dupla de amigos. E assim a cada dia ele narrava minuciosamente uma capitulo de sua vida. Iniciando com uma garotinha loirinha de olhos azuis, parecia o manequim da Barbie, a única sobrevivente, que pôs fim ao sofrimento de sua mãe na tentativa de salvar pelo menos uma gravidez, dentre tantas abortadas involuntariamente. Após uma serie de tratamentos a garotinha nasceu linda e saudável. Aconselhada pelos médicos a mãe nunca mais se engravidou.
Silvinha filha única do casal era alegre ativa e inteligente o pai que viera de uma família humilde sem recursos financeiros, acostumado com uma vida modesta, nunca privou a filha de vivenciar sua infância com simplicidade entre os amiguinhos (as) mais humildes. Ao contrario da mãe que a repreendia constantemente tentando escolher suas amizades.
- Não podemos criar nossa filha numa redoma Amélia, cabe a ela escolher suas amizades. A vida de nossa filha pertence a ela, não temos o direito de interferir em suas escolhas, parece-me que você quer viver a vida dela. — Você Alcides deveria ter passado o que eu passei para colocar a Silvinha no mundo, mas não, o homem é só deleitar em seu gozo colocar o sêmen no útero da mulher e pronto o resto ela que se dane! – Você está sendo injusta mulher, amo nossa filha tanto quanto você, os filhos são criados para o mundo, um dia eles crescem bate as assas e voam indo viver a sua vida. – Concordo, mas pode ser com os filhos dos outros, não com a silvinha, esta saiu daqui ó! De dentro da minha barriga sou eu que farei suas escolhas.
Silvinha crescia linda e inteligente encantava em talento e beleza. O pai simples como sempre, honesto e trabalhador, atributos que o tornaram-se respeitado. Cresceu satisfatoriamente o patrimônio herdado, pela esposa, provando ser de fato um grande administrador. Silvinha era a musa daquela cidadezinha do interior, cobiçada pela elite. Nos bailes realizados no clube da cidade era o centro das atenções, mas só dançava com o cavalheiro escolhido pela mãe. Pobre não tinha vez, pé rapado dançar com minha filha nem morta, dizia a mãe! Alcides tentava em vão convencer Amélia libertar a filha, mas ela se julgava superior nas decisões e ele devido ser de origem pobre se julgava como um refém de sua fortuna embora fora o responsável por multiplicar seus bens com seu trabalho e sua boa administração.
Marcos desde a infância caia de amor pela garota, mas este jamais iria se aproximar dela, alem de pobre e inferior, era disputado por todas as garotas mal faladas da cidade. Tomou fama de boêmio e namorador embrulhão. Não teria a mínima chance com Silvinha. Mas o seu charme a atraia, ela tentava em vão tirá-lo do pensamento.
Era final de ano, época que geralmente os conterrâneos moradores em outras cidades retornavam a rever os amigos e parentes. Eram recebidos com um baile de confraternização. Uma tradição que passava de geração para geração, responsável por inúmeros casamentos realizados entre  os conterrâneos locais com os ausentes.
Nesta oportunidade Amélia viu a chance de um bom casamento para Silvinha. Sua prima que morava na capital retornou com o filho medico recém formado e que por diversas vezes telefonara querendo noticias de silvinha, mas a empregada recomendada por ela, nunca levara ao conhecimento de Amélia tais telefonemas.  A empregada foi demitida perdeu o emprego, quando em conversa com a prima a patroa descobriu a respeito. Forçada pela mãe silvinha se viu obrigada a fingir que aceitaria se casar com o médico.
No baile Marcos e Silvinha eram os centros de todas as atenções, o casal mais elegante da festa. Marcos quis tirá- La para dançar, Amélia o impede, apesar de irresponsável acostumado em não levar desaforo pra casa, seu amor Por ela falou mais alto ele se conteve, desculpando com a jovem afirmando que em respeito a ela ele se retirava, mas sua mãe que aguardasse, pois teria o troco na hora certa.
No dia seguinte alguém bateu à porta da mansão. A nova empregada atendeu: – dona Amélia Marcos quer falar com a senhora e com seu Alcides! - Que Marcos menina? - Aquele gato lindo que morre de amor por Silvinha! – Diga para aquele cachorro que se ponha daqui pra fora antes que eu chame a policia! E tu se quiseres preservar seu emprego procure não mencionar seu nome nem em sonho aqui, principalmente na presença de Silvia, entendida?
– Olha Marcos a patroa está uma fera mandou dizer que será melhor para todos você sair numa boa, assim evita escândalos. Sentado sem autorização na sala Marcos retrucou. —Diga à sua patroa que daqui eu não saí e daqui ninguém me tira, é bom ouvir-me primeiro antes que eu enlouqueça! Naquele momento Alcides entra na sala – boa noite Marcos que diabos procuras aqui rapaz como atreves entrar em minha casa sem ser chamado? – Olha seu Alcides eu vim em paz, quero sua permissão e dona Amélia para que silvinha eu possamos namorar, sei que meu passado não é muito recomendável, mas farei todo possível para fazer sua filha feliz, nunca é tarde para a gente mudar de vida. E pelo amor de sua filha eu farei tudo para não os decepcioná-los. – Vamos conversar minha esposa e eu, ver o que posso fazer a felicidade de minha  filha está acima de minha própria vontade, resta saber se Amélia comungara com o meu pensamento, o que acho muito difícil, breve você terá nossa resposta. - Seu Alcides eu não arredo pé daqui sem uma resposta chame dona Amélia e vamos resolver isso agora! – Rapaz corajoso você não? Tudo bem-, já que insiste e está disposto a enfrentar a fera!
- Eu Silvia, com um livro na mão, na sala ao lado, ouvi  toda a conversa enquanto fingia ler.
Alcides conseguiu acalmar a esposa e a convenceu a conversar civilizadamente com seu pretendente a genro, mas de nada adiantou, ela nem cogitou questionar a filha se o amor daquele rapaz era correspondido Por ela. Foi taxativa, afirmou que Silvinha não teria vontade própria e só ela que a criou com todos os mimos, decidiria seu futuro inclusive sua mão já fora prometida a um pretendente do seu nível. E ponto final. Marcos Saiu disposto a arrancar de vez a moça do seu coração, mas sua atitude corajosa fez com que o amor enraizasse no coração da jovem.  Sua mãe marcou seu noivado com o Dr. Túlio filho de sua prima. Marcos quando soube ficou arrasado.

(continua na próxima semana)

Autor: Geraldinho do Engenho 
Bom Despacho/MG

2 comentários:

Ana Bailune disse...

Tristes amores impossíveis... bela história!
Vamos acompanhar!

Anônimo disse...

Essa história tem todos os ingredientes de uma grande tragédia, bela e comovente.

Alberto Vasconcelos
Santo André/SP, 09/06/2016