domingo, 29 de janeiro de 2012

O gato azul ... - Autora: Vanice Ferreira


        Ontem, ao acordar lembrei-me de um sonho que me deixou com uma sensação de paz e mistério... Em meu sonho estava em um campo com lindas margaridas de vários tamanhos, era de manhã, o sol agradável me aquecia enquanto passeava sozinha, entre as flores. Admirar o céu límpido e a linda paisagem me fazia bem!

        Caminhei por um tempo que só existe nos sonhos, um tempo que não aparece entre os espaços dos ponteiros do relógio... Foi então que fiquei surpresa ao me deparar com um lindo gato azul! Minha primeira reação foi parar diante dele, pois me assustei ao vê-lo, o que um gato azul estaria fazendo em meu sonho?

        O gato não sabia dos meus pensamentos e mesmo que soubesse, penso que não se importaria com eles, então se aproximou e pulou nos meus braços, surpresa com a atitude dele, apenas tive tempo de segurá-lo, e olhar em seus olhos que também eram azuis, um azul claro brilhante, lindo!

         Senti que estava diante de um gato simpático e misterioso. Ele ficou um tempo nos meus braços me olhando fixamente, depois pulou no chão e despareceu entre as flores... Durante o dia não pensei mais no sonho, estava ocupada com outras atividades, entre elas, pendurar na parede um espelho antigo com moldura de madeira escura, que deixei, por dois dias em cima do sofá, enquanto a pintura da sala secava...

         Um de meus gatos, o Bill, um Siamês entrou na sala pulou no sofá e resolveu afiar as unhas, quando fui tirá-lo de lá, e de perto do espelho, fiquei surpresa com a imagem que vi: o misterioso gato azul, o mesmo que apareceu em meu sonho, estava refletido no espelho, entretanto naquele momento eu estava bem acordada...


Autora: Vanice Ferreira - Curitiba/PR
Publicação autorizada através de e-mail de 27/01/2012

sábado, 21 de janeiro de 2012

A poesia pós internet - Uma abordagem sucinta - Autora: Celêdian Assis

Podemos dizer que advento da internet é relativamente “jovem”, com pouco mais de 40 anos. Este se deu na década de 60 e em 1969 foi transmitida a primeira mensagem pelo correio eletrônico entre dois computadores (e-mail em rede) situados em locais distantes, quase dois meses depois do primeiro nó que deu origem à Internet. Contudo, o boom (explosão) e a popularização da Internet só se deram na década de 1990. Até 2003, cerca de mais de 600 milhões de pessoas  no mundo estavam conectadas à rede e em 2007 cerca de 1 bilhão e 234 milhões de usuários (Fonte: Internet World Estatistics).

Já no Brasil, os dados mostram que em 2010 a audiência na internet brasileira foi de 73,7 milhões de pessoas a partir de 16 anos e 80,3 milhões a partir dos 12 anos, de acordo com o IAB(Interactive Advertising Bureau). Esses dados permitem inferir que a internet tornou-se uma ferramenta valiosíssima de troca, compartilhamento e fluxo contínuo de informações por todo o mundo.

Para a literatura tal advento tornou-se notável, pois representou uma maior facilidade e comodidade, comparada à busca por livros impressos em papel.

O homem muda através dos tempos e com ele mudam também as formas de expressão artística e em cada período existem obras e autores que apresentam certas afinidades entre si, o que em literatura constitui um estilo de época, um movimento literário. Todavia não é prudente considerar que todos os poetas, escritores de uma mesma época pertençam a este, ou aquele estilo, ou movimento literário, pois muitos deles não se ligam à tendência literária, ou  alguns autores estão muito a frente de seu tempo, o que não permite enquadrá-lo  ao estilo vigente.

Graças a originalidade dos autores, ao  estilo próprio ou maneira típica de cada um exprimir seus pensamentos através da linguagem, isto é, a sua expressão que reveste uma forma característica, através da qual se manifesta sua sensibilidade e a feição peculiar de seu espiríto, esses diferenciam-se uns dos outros. Além das características individuais, o estilo revela também os traços psicológicos de uma sociedade e as tendências dominantes das diversas escolas e correntes literárias através do tempo.

Neste contexto, podemos dizer que na atualidade a poesia e a literatura em geral,  se enquadram em um estilo bem eclético, pós moderno, pois os artistas das palavras criam suas obras ora seguindo tradições das escolas literárias, ou  simplesmente as ignorando, tornando mais evidente o seu estilo pessoal. Entretanto, é preciso notar que nenhum artista é indiferente à realidade e a sua arte está incontestavelmente vinculada à sociedade na qual ele vive. Partindo de suas experiências pessoais e sociais, o artista recria a realidade, dando origem a uma supra realidade ou a uma realidade ficcional, pelas quais transmite seus sentimentos e ideias ao mundo real, de onde tudo se originou.

Posto que, estamos inseridos no momento da história atual e que a internet oferece uma avalanche de ofertas de espaços para divulgações, via sites pessoais ou comunitários, blogs pessoais, entre outros meios e que através dela pode-se alcançar autores e leitores de todo o mundo, é possível observar três pontos interessantes:

1-  houve um resgate do interesse pela poesia, antes mais restrita ao meio escolar, acadêmico e que nem todos tinham acesso. A internet proporcionou facilidade de visibilidade, valorizou a liberdade de expressão e abriu espaço para a manifestação da criação artística;

2- por conta dessas mesmas facilidades propiciou-se também a inserção no meio, de uma poesia  sem muitos critérios no que concerne à forma e ao conteúdo, ou seja, os aspectos que envolvem a construção do texto, vocabulário, sintaxe, sonoridade, imagens, disposição de palavras e por fim, as ideias e os significados dos textos.

3- cabe refletir até que ponto o excesso de informações veiculadas de forma totalmente acessível, pode de alguma forma afetar o desenvolvimento das ideias, do processo da criatividade e da formação do conhecimento.

A literatura é um instrumento de comunicação e apesar de estar ligada a uma língua que lhe serve de suporte,  não está presa a ela e faz uso livre da língua, chegando a subverter suas regras e o sentido de suas palavras, conferindo-lhes multiplicidade. Portanto, é difícil avaliar se a internet trouxe com a liberdade de expressão da criação, maior valorização ou banalização da poesia  no sentido de qualidade.


Autora: Celêdian Assis - Belo Horizonte/MG
Publicação autorizada pela autora.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Viagem ao meu passado no RJ: Inesquecíveis recordações - Autor: Carlos Costa

Carregando meus leves vinte dois anos às costas, visitei, “sem lenço e sem documento”, a praia de Copacabana, nos anos 80, quando uma cigana me parou e pediu para ler minha mão. Disse-lhe que estava desprovido de qualquer dinheiro.

- Eu a leio de graça – respondeu-me a cigana, vestida com saia longa, típica das ciganas.

Estendi a mão e ela fez uma previsão que se confirmou:


- Você vai ter dois casamentos e dois filhos homens – previu a cigana!

Mas como? Namorava uma moça em Manaus há mais de cinco anos e nem pensava em casar-me com ela!

Em uma festa de inauguração, conheci a que viria a ser minha primeira esposa. Casei-me com ela em pouco tempo. Era uma pedagoga. Com ela, não tive filho; já tinha um filho de outro relacionamento!

Separei-me 12 anos depois e não pensava em outro casamento. Decidi morar com meu filho. Quando comecei a namorar a minha atual segunda esposa, uma advogada, ele se rebelou, não aceitou e decidiu morar com a mãe que ele convivera. Saiu de casa.

Tive um segundo filho homem com minha atual esposa, embora desejasse uma mulher!

Estou narrando isso porque assisti com muita atenção ao programa “Globo Repórter”, apresentado pela Rede Globo, que falou sobre o tema abordando-o sobre os seus vários aspectos.

Concluída a Faculdade de Jornalismo, nesse período, tinha ido fazer especialização ao Rio de Janeiro em Assessoria de Comunicação e Marketing Empresarial com bolsa de estudos oferecida pelo saudoso superintendente da Suframa, Ruy Alberto da Costa Lins. Comecei morando com oito outros alunos, mas me mudei! Sempre fui meio rebelde!

Não existia ainda a estátua de bronze de Carlos Drumond de Andrade no início da praia de Copacabana – da qual roubaram os óculos, uma maldade! Como Drumond veria o mar de Copacabana sem os óculos, sua marca registrada?

Inicialmente, morei no Hotel Brasil, um dos mais baratos, logo depois me mudei para outro hotel, onde funcionava no seu porão a Boate Barbarella. Hoje não sei ainda existe.

Com amigos, frequentava restaurante de “Prato Numerado”, no qual se podia fazer variadas combinações: era só pedir pelo número e misturar tudo em um prato só.

Nessa época, conheci muitos artistas e jornalistas, como Sérgio Souto, de origem Acreana, que acabara de ganhar o “Festival Brahma” com a música composta por Amaral Maia, “Falsa Alegria”, ambos muito jovens ainda.

Do compositor de “Falsa Alegria”, recebi um livro autografado de poemas que publicara. Acho que o nome dele era Amaral Maia (mas não tenho absoluta certeza porque os anos já foram tantos, muitas coisas aconteceram e minha memória não é mais tão precisa), bem novinho e cheio de entusiasmo!

Com o jornalista Anibal Júnior, convivi bastante. Ele era separado e tinha um filho, que hoje deve ter um pouco mais de 30 anos! Como o tempo passa, hem, mas lembranças boas nos marcam?

Muitas vezes, com o jornalista Anibal Júnior, na sua Brasília, ia ao estacionamento da Petrobrás, onde se reuniam as “moças” que não levavam uma vida nada fácil. Quando os carros da polícia se aproximavam, fugíamos em disparada.

A outros cantores fui apresentado por Sérgio Souto, mas não lembro o nome; prefiro não citá-los para evitar falhar o de alguém. Lembro-me apenas do sambista João Nogueira, pai do hoje cantor de samba Diogo Nogueira.

Frequentei muito o “Bola Preta” e, mesmo com pouco dinheiro, que eu nunca tinha, vivi intensamente no Rio de Janeiro, estudando.

Essas lembranças me vieram à memória depois que assisti ao programa sobre adivinhações, apresentado por Sérgio Chapelein, pela Rede Globo de Televisão. Ah, que viagem fiz em um tempo que passou tão rápido e deixou em mim tantas saudades!

Autor: Carlos Costa - Manaus/AM


Publicação autorizada através de e-mail de 18/01/2012

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Inha, um doce de papagaio - Autor: Carlos Lopes

(... Inha, até parece que só esperava o momento de se despedir. Ficou imóvel algum tempo, pareceu me olhar e de repente alçou vôo! Tive medo que ela desabasse daquela altura, mas suas asas não estavam cortadas. Fez a curva da volta para ganhar ímpeto e seguiu linha reta, no sentido oposto de onde eu estava. Ela parecia saber estava voando em direção às baraúnas, local onde se concentrava a maior quantidade de árvores de grande porte, já fora da cidade).

Texto retirado para composição de livro)
Autor: Carlos Lopes - Olinda/PE

Segunda-feira - Autora: Anabailune

Abriu as janelas pela manhã e percebeu que não parecia segunda-feira. O céu estava claro, apesar de algumas nuvens cinzentas que se insinuavam no horizonte, e a temperatura era fresca e agradável. Não conseguia sentir no ar aquela habitual 'ressaca' de domingo.

Havia alguma coisa de diferente, algo que ela não sabia identificar. Uma sensação boa. Como se de repente, todos os seus problemas estivessem se tornando menores, como se  a qualquer momento, alguém fosse chegar para ela e dizer: "Hei, olhe, acabou! Pode relaxar um pouco, agora."

Fechou os olhos, ainda à janela, e sentiu o frescor daquela brisa. Escutou o canto dos passarinhos. Respirando fundo, sentiu o cheiro fresco de musgo e eucalipto. Rapidamente, recordou-se dos dois últimos anos; os mais difíceis de sua vida! Conseguira passar por eles. Conseguira transcendê-los. Fora mais forte do que pensaria que poderia, um dia, ser.

Merecia algum descanso.

Relaxou. Abriu os olhos, e dirigindo à vida uma prece de agradecimento e esperança, começou o seu dia.

Uma brisa brincalhona balançou a cortina, e ela nem viu quando uma pequenina cambaxirra pousou no peitoril da janela, e logo depois, voou para o galho da árvore mais próxima.


Autora: Anabailune - Petrópolis/RJ

Blog da autora: http://ana-bailune.blogspot.com.br/

Blog: Ana Bailune - Liberdade de Expressão
Postagem: Face
Link: http://ana-bailune.blogspot.com/2012/03/face.html
Powered by Blogger
http://www.blogger.com/
Publicação autorizada pela autora através de e-mail de 08/01/2012

Mio babbino caro (meu paizinho querido) - Osiris Duarte de Curityba

Eu era bem pequena. Acho que eu tinha 7 ... Ou 8 anos.
 
Não. Acho que tinha 6 anos ... Ou 7 anos ... Mas eu já sabia andar sozinha de bicicleta.
 
Meu pai é que me deu a minha bicicleta no meu aniversário.
 
Quando eu ainda não conseguia pedalar direito, meu pai é que me segurava e me ajudava a me equilibrar direito, sem cair da bicicleta. E meu pai nunca me deixava cair. Ele sempre me segurava, até que um dia, ele não precisava mais me segurar, porque eu já sabia andar sozinha.
 
Um dia, meu pai me falou que ia viajar prá bem longe. Meu pai falou que era um lugar bem distante. Bem longe mesmo. Então eu fui com ele até o portão e ele me deu um abraço.
 
Eu senti o perfume que ele estava usando. Ele levou uma "malona" bem grande.
 
Naquele dia, quase de noite, fui no portão esperar meu pai voltar. Mas ele não voltou. No dia seguinte, ele também não voltou. E no outro dia, também não voltou ...
 
Um dia, veio um caminhão e uns homens carregaram todas as coisas da nossa casa (até minha bicicleta que meu pai tinha dado). E nós fomos morar numa outra casa, que só tinha um banheiro. Uma sala. E um jardinzinho bem "piquinininho". Será que meu pai sabe que agora nós moramos em outra casa ... ?
 
Então, sempre quando volto da escola, eu passo pela frente do portão da casa onde nós morávamos e pergunto lá se meu pai não foi lá. Acho que meu pai não sabe que nós agora moramos numa outra casa.
 
Meu pai não falou que não ia mais voltar ...

Autor: Osiris Duarte de Curityba – Portugal
Página do autor: http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=41993Publicação autorizada através de e-mail de 14/01/2012

Ambição como única fortuna - Autor: Ricardo Garopaba Blauth

Quando li no texto dum conto estas quatro palavras, “ambição como única fortuna” imediatamente se formou em minha mente uma torrente de exemplos desta afirmação, frutos de muitas leituras.

No começo de tudo, na maioria de impérios, dinastias, famílias poderosas, empresas globais, ou o que mais for, enxergar-se-á um solitário determinado que iniciou tudo tendo a ambição como única fortuna.

Milionários, atletas, empreendedores, políticos, tiranos ou pessoas que mudaram o mundo com suas idéias e filosofias, foram pessoas que “venceram” porque tinham o “querer” forte bastante para alcançar seus objetivos. Com este na mente traçado, alcançar a meta foi uma questão de tempo e determinação.

Biografias históricas nos fornecem um sem número de exemplos, que podemos saber lendo, vendo filmes que se baseiam em relatos verdadeiros. Artistas pintam telas e painéis, poetas descrevem sagas. Todos baseados em informações que no final sempre mostram no começo de tudo a “ambição de chegar à algum lugar”.

Todos nós temos “quereres”. Quase sempre sufocamos estes, pressionados pelo mundo ou realidade que nos cerca.

Se soubermos preservar e valorizar o nosso “querer” é fantástico a realidade que podemos alcançar.

Já contei inúmeras vezes que quando me tornei o que sou hoje e isto já faz um quarto de século adotei um lema que quando posso repito para quem quiser ouvir, mais das vezes para mim mesmo para que nunca o esqueça.

Quem quer acha meios, quem não quer acha desculpas

Ambição revelada como um querer saudável, nos levará aonde queremos ir acompanhados de muitos tantos que procuram o mesmo. Vida simples.

Basta acreditar e ter determinação.


Autor: Ricardo Garopaba Blauth - Garopaba/Santa Catarina
Publicação autorizada por escrito pelo autor da obra

Anarrier - Autor: Roberto Rêgo

Chegou junho, o mês das festas juninas, das fogueiras, do quentão, das bombinhas e das famosas “quadrilhas” que a gente dançava até quase o amanhecer! ... Como era bom.

Recordo-me saudoso dos meus quatorze anos, imberbe ainda, ensaiando a “quadrilha” no Esporte Clube Renascença, Belô, todo cheio de prosopopéia. O Zezinho, um veterano do clube, exímio dançarino, era quem comandava a turma, ensaiando a dança e ensinando a coreografia aos participantes.

“- Anarrier! ...”, gritava ele, e todo mundo que circulava pelo salão feito um “trenzinho”, moça à frente, rapaz atrás segurando na sua cintura, virava-se rápido e fazia o mesmo movimento no retorno. E o entusiasmo, a alegria contagiava-nos a todos, iluminava as faces da rapaziada, provocava um frenesi em todos os jovens corações. Daí a pouco, de novo o Zezinho:-

“- Caminho da roça! ...”

E nós voltávamos, os pares dançando ao  ritmo da  linda  marchinha  executada  pelo sanfoneiro (“- Com a filha de João/Antonio ia se casar/Mas Pedro fugiu com a noiva/Na hora de ir pro altar ...”), seguindo por um caminho imaginário que nos levaria até a roça!

Durante os ensaios principiei um namoro tímido com a Rosário, menina gordinha e de grandes olhos negros, que formava par comigo. O clima de festa ajudava, os ensaios ensejavam o colóquio e o namorico rolou tranqüilo. Daí a pouco estávamos preparados para o dia da exibição e a ansiedade nos saía por todos os poros do corpo.

Finalmente, o grande dia, um domingo, 24 de junho, dia de São João! Apresentamo-nos todos caracterizados, vestidos como caipiras, os rapazes de botinas e calças de brim cáqui bem justas, tipo “pega frango”, chapéu de palha, as moças de vestidos rodados, recheados com duas ou três anáguas, o carmim pintado nas bochechas, batom  nos seus lábios carnudos, cabelos longos  em  tranças, uma belezura!

Veio a “quadrilha”, perfeitamente bem comandada pelo Zezinho, o sanfoneiro foi show de bola e a alegria tomou conta de todos, dançarinos e povo na assistência. Antes da dança, houve o tradicional “casamento na roça”, com o padre, a noiva (grávida) e o noivo, magrelo e banguela, intimidado pelo guarda fardado e com a espingarda cutucando o seu lombo (casou na marra), cuja encenação foi hilária e provocou estridentes risadas de todos os presentes.

Terminada a exibição, o povo foi se dispersando, as famílias regressando aos seus lares e eu, com a Rosário, agora mais firme do que nunca, fui acompanhá-la até sua casa junto com algumas amigas e amigos. Todos à frente, eu mais atrás com a menina, rindo muito e trocando afagos.

Sozinhos no portão da sua residência, conversamos mais um pouco, nos acariciamos e rolou o primeiro beijo das nossas vidas! Tão rápido, nervoso, pupilas dilatadas, narinas ofegantes que mal deu pra escutar a “tosse” do pai dela, de propósito, por detrás da janela do quarto, raspando a garganta e chamando lá de dentro:-

“- Maria do Rosário, entra pra casa já! Tá fazendo frio e já é quase madrugada, menina!” ...

Autor: Roberto Rêgo - Belo Horizonte/MG
Publicação autorizada através de e-mail do dia 10/10/2011

Dessa água não bebo? - Autor: Carlos Lopes


E eu, um agnóstico, deixei o templo sagrado ciente do significado do batismo, que é o sacramento através do qual o Sacrifício Pascal de Jesus Cristo se aplica às almas, tornando-as membros da Igreja e abrindo o caminho da salvação eterna.

Autor: Carlos Lopes - Olinda/PE


Material retirado para compor livro

Encontro no cemitério - Autor: Daniel Fiúza

Lucrecia tinha comprado uma camisola nova de seda preta e curtinha. Esperava com isso motivar Maurício seu marido. Ela achava que ele tinha uma amante, pois ele quase não a procurava mais. Lucrecia era jovem ainda, não tinha chegado aos trinta e cinco anos, tinha um fogo danado e o marido batendo fofo daquele jeito. Maurício chegou as dez como vinha fazendo já há um tempinho. Jantou tomou banho e foi ver televisão, Lucrecia também tomou banho se perfumou e vestiu sua sensual camisola. Quando foi ver... O marido já estava dormindo no sofá. Ela não se conformou, tentou acordá-lo, se insinuou fez de tudo, mas ele não deu sinal de interesse, ela até falou da camisola nova, comprada só para aquela ocasião, mas só ouviu um balbucio sonolento, dizendo: - Outro dia bem! Hoje to muito cansado... E voltou a dormir. Lucrecia mais uma noite foi dormir frustrada, cheia de malícia e tesão. Mas um pensamento começou a se formar na sua cabeça, até pensou alto: - Se ele tem uma amante, eu também vou arranjar um. Joaquim vinha dando em cima dela desde dia que a viu em um churrasco na casa do Wilter, um amigo comum. Ela nunca deu trela para ele, mas depois da noite frustrada da camisola nova, Lucrecia já pensava diferente. Um dia ela estava no ponto do ônibus, quando Joaquim passou de carro e parou: - Aonde você vai, quer uma carona? Falou abrindo a porta do carro. Encabulada ela respondeu: - Vou ao cemitério, toda quarta feira, vou visitar o túmulo de minha mãe, mas infelizmente não posso aceitar a carona. Depois disso se aproximou do carro e quase sussurrando falou: - Se quiser falar comigo vá ao cemitério São João batista, te espero lá bem atrás do velório onde tem uns bancos, mas não demore, tenho pouco tempo. O primeiro dia foi só de beijos e abraços, ali mesmo sob os eucaliptos sombrios e túmulos silenciosos. De vez em quanto interrompido por um lamento ou choro distante. Agora Lucrecia ia a ver a mãe no cemitério todas às quartas e sextas feiras, saía logo depois do almoço e só voltava às sete da noite. Maurício havia notado duas coisas em Lucrecia; Ela não mais enchia o saco dele á noite, e a outra era aquele sorriso de felicidade que há muito tempo ele não via nela. Mesmo os amassos esporádicos que ele tentava dar nela, ela saia fora. O marido começou a ficar preocupado, passou a ligar todo dia á tarde para casa. Com essas ligações foi que descobriu que a esposa nunca estava em casa por dois dias na semana, justo as quartas e sextas feiras. Naquela noite ao chegar foi logo perguntando: - Você nunca estar em casa quarta e sexta á tarde, o que faz nesse horário? – Vou ao cemitério rezar no túmulo da minha mãe! Exclamou dissimulada. - Cemitério, toda semana? Perguntou incrédulo. – Sim, todas as quarta e sextas, foi promessa, bem! Ela disse, dando por encerado o assunto. Maurício cada semana que passava ficava mais inculcado, ela tinha mudado muito, era outra mulher... - Será que ela tinha arranjado um amante? Pensou apreensivo. Essa duvida estava acabando com os nervos dele. Tomou uma decisão, iria tirar isso a limpo, na próxima quarta ele iria esperar Lucrecia na entrada do cemitério, queria se certificar se ela ia pra lá mesmo. Sentindo se traído, Maurício esperou a esposa na entrada principal do cemitério. Logo depois do almoço ele se plantou por lá. Antes das duas da tarde ele viu com seus próprios olhos, era ela... Lucrecia, com um véu e um terço na mão, entrar no cemitério e sumir. Maurício repetiu a dose na sexta feira e nos dois dias da semana seguinte, e sempre via Lucrecia entrar e sumir dentro do cemitério. Foi quando bateu um remorso danado nele, se sentiu o pior dos homens, desconfiando da mulher quando na realidade era ele que sempre traia. Quando Lucrecia chegou, na sexta, sete e trinta da noite, tinha flores na sala e duas entradas para o teatro. Naquela noite Maurício além do teatro levou Lucrecia para jantar fora e dormiram no motel. Ele agora se desmanchava em gentilezas com ela, sempre trazendo presentes e a cobrindo de mimos. - Boa idéia essa sua de me encontrar na outra porta do cemitério! Falou Lucrecia para Joaquim, enquanto se enxugava. - É... Ele caiu direitinho, respondeu Joaquim, abotoando a camisa. - Tinha certeza que ele não entraria no cemitério, desde criança ele tem verdadeiro pavor, pânico de cemitério. A vida de Lucrecia e Maurício continuou ótima, ele sempre a tratando bem, e ela sempre chifrando ele, ora com Joaquim, ora com outros que iam aparecendo, sempre as quartas e sextas. Às vezes a mentira funciona melhor do que a verdade.
Autor: Daniel Fiúza - Santa Bárbara Do Oeste/SP
Publicação autorizada pelo autor através de e-mail de 01/11/2011

O Homem da Rosa - Autor: Carlos Costa



CARLOS COSTA, POETA E CRONISTA

A trajetória da crônica amazonense, vai de Orelãna e Carlos Costa. Da foz do Amazonas ao Morro da Liberdade (lugar onde nasceu o autor, em Manaus. Mudou na forma mas persiste nela, o conteúdo mítico das sombras que as transformam em mulheres guerreiras, e dos fatos sociais que tomam a fumaça da colorida da TV para as coisas do entrudo urbano que possam disfarçar o apocalipse humano...

O autor é uma testemunha, recente, que se empenha em resgatar a Manaus afetiva, adolescente e pura dos anos quarenta e cinqüenta; seu réquiem ainda pode valer os contornos da amizade, do namoro furtivo, dos natais caseiros, das empregadas domésticas sem INPS e sem televisão na cozinha, das morenas em flor, das extensões com a infância verde do estado, da voz de Josué Cláudio de Souza, no horário de meio-dia, e tantas outras relíquias que o bombardeio eletrônico da ZFM converte, secamente, no pó das lembranças. A bem dizer, as crônicas de Carlos Costa são crônicas da falta. A falta dos tempos singelos que, de modo paradoxal alimentam a crônica. 

E as crônicas se tornam singelas. O tom coloquial de quem lamenta não ter ido ao enterro do amigo, redime pelas garras do remorso, e exuma o tempo pelo milagre da poesia. Os amores da primeira idade e as canções de peito sofrido crivam também o solo destas destas “Crônicas Comprometidas com a  Tua Vida”, sequência mágica de um cotidiano que se quer triunfante e belo, produto de bateias invisíveis, de mãos peregrinas que tecem o vento das lutas, numa aparente corrida de frases e perídos que tomam o lugar do repórter e salvam o poeta.

Que mais dizer do cronista Carlos Costa? Eu prefiro a leitura de seu livro, a certeza de que a crônica amazonense continua viva no dia-a-dia de nossos escritores. A lista deles é pequena, mas significativa: L. Ruas, Alencar e Silva, Arthur Engrácio, Arlindo Porto, Waldemar Batista de Sales, para citar apenas os mais constantes.

Na parte que me toca, agradeço Calos, pela última crônica, ao estilo eclético de um travador que sabe inventar balcão e senhora, explicar o poeta e torná-lo um pouco mais visível dentro de uma atmosfera na qual já se distingue  a poeira do satélite, do põem da rosa.

Dizem os físicos modernos que a Natureza não é substantiva, ou seja, ela não tem substância. E nós respondemos: mas tem poesia. Obrigado, amigo.

Jorge Tufic, poeta, ex-presidente do Conselho Estadual de Cultura do Amazonas, atualmente vivendo e produzindo em Fortaleza

PREFÁCIO

Há muitos anos, em plena flor d mocidade, recebi de uma pessoa desconhecida, no dia do meu aniversário, um buquê de rosas vermelhas. Desde aquele dia, busquei entender o significado do presente, mas não encontrei uma resposta definitiva.Desconhecendo a sua origem, impossível foi estabelecer um relação significativa entre mim e aquele buquê tão belo.

Anos mais tarde, novamente a cena se repetiu. Só que, mais atento, não procurei saber a origem do presente, mas simplesmente descobrir o significado da rosa. Então, após muitas observações, só consegui entender a rosa como a própria vida: bela e frágil. As pétalas são formadas da mesma maneira que se forma a vida e, ao longo da existência, as pétalas vão se soltando, como também acontece na vida.

Talvez a minha rosa não seja a mesma rosa dos poetas, não seja a face corada da mulher amada, nem a beleza formosa da moça. Também não se parece com a peça de latão que encaderna os livros, nem com o mostrador de agulhas de merear. Nada se parece, ainda, com a rosa-dos-ventos a mostrar os trinta e dois raios da circunferência do horizonte.

Minha rosa pode ser tudo e também pode não ser nada. As, verdadeiramente, minha rosa é a vida real, é a busca desesperada de respostas, é a busca do tempo perdido, do tempo esquecido, dos valores esquecidos, do amor esquecido, da dor doída, do tudo, do nada.

Apresento um homem-da-rosa sem idade, sem passado, presente, futuro. Um homem que discute temas comuns, em lugares comuns e que busca respostas. Um homem que mostra que a vida é formada em círculos de onde se sai é para onde se vai. Enfim, apresento um homem-quase-comum, igual a você, a mim, a nós, que buscamos respostas.

O autor


APRESENTAÇÃO

È uma tarefa interessante, e sempre uma distinção, atender ao convite de um amigo escritor para apresentar sua oba, seu trabalho; parto de letras em vidas imaginárias. Entretanto é um fato de criação imediato quando, de repente, muito à vontade, arrisco conceitos sobre suas páginas, sabendo que, invariavelmente é difícil estabelecer uma definição precisa sobre as lições de jardineiro, nesses recônditos mosaicos do pensamento, que muitas vezes não têm exatamente uma recente imagem, mas sensações.

O texto de Carlos Costa navega no cotidiano dos sentimentos, a caminho do sonho e do delírio, mas um delírio construtivo, oportuno, afinal é imprescindível clamar o amor diante das indiferenças.

A palavra liga a intuição  à reflexão espiritual e nos leva a uma descoberta súbita da crueldade das convicções humanas, quando não se aceita, ou pelo menos, resiste-se à coragem da solidão dos sensíveis. São instantes, fragmentos dos conflitos que vêm à deriva, na cumplicidade de uma dupla. Neste balé de ondas, que emana da pena, se taça o percurso onde a lógica cabe mais no interior de quem lê do que propriamente do texto em si.

A obra é referência, sem dúvida, porém, na mente está a resposta ao enigma, como um caleidoscópio de experiências. É um jogo. Jogue. Nele, o subconsciente veleja. Assim pretende o cronista em sua liberdade criativa, ordenando neste episódio um eco veloz, retumbante, dentro da consciência coletiva, perturbando propositalmente os ecos, sacudindo o sossego da convivência alheia...

Quanta convivência existe, não?!

Para a assimilação da mensagem,a essência está em nós, como disse, e não na obra simplesmente. Somos uma extensão do livro, numa realidade 1000D, além de virtual porque não é fria, tem seus sabores e fragilidade que é tecida  de pele, estímulos e verdades bem conhecidas.

A flor não é apenas uma rosa estática, soltando para dentro dos leitores. Investiga, sentencia nas nervuras das folhas, na maciez das pétalas, que representa anseios naturais, doutrinando o amor.

E ela é a bússola, a bandeira de quem se apaixonou pela vida, como os homens das letras, num sacerdócio, o fazem os dias e todos nós sabemos que a existência merece ser defendida com as centelhas da plenitude espiritual e se conclui, por mim, que melhor que esperar pela rosa é fazer do coração um jardim de excelente vizinhança. Decerto, uma rosa nascerá.

Pojucam Bacellar, poeta

EXPLICAÇÃO SOBRE O POR QUÊ DESSE TEXTO

Há muitos anos, em plena flor da mocidade, recebi de uma pessoa desconhecida, no dia do meu aniversário, um buquê de rosas vermelhas. Desde aquele dia, busquei entender o significado do presente, mas não encontrei uma resposta definitiva.Desconhecendo a sua origem, impossível foi estabelecer um relação significativa entre mim e aquele buquê tão belo.

Anos mais tarde, novamente a cena se repetiu. Só que, mais atento, não procurei saber a origem do presente, mas simplesmente descobrir o significado da rosa. Então, após muitas observações, só consegui entender a rosa como a própria vida: bela e frágil. As pétalas são formadas da mesma maneira que se forma a vida e, ao longo da existência, as pétalas vão se soltando, como também acontece na vida.

Talvez a minha rosa não seja a mesma rosa dos poetas, não seja a face corada da mulher amada, nem a beleza formosa da moça. Também não se parece com a peça de latão que encaderna os livros, nem com o mostrador de agulhas de merear. Nada se parece, ainda, com a rosa-dos-ventos a mostrar os trinta e dois raios da circunferência do horizonte.

Minha rosa pode ser tudo e também pode não ser nada. As, verdadeiramente, minha rosa é a vida real, é a busca desesperada de respostas, é a busca do tempo perdido, do tempo esquecido, dos valores esquecidos, do amor esquecido, da dor doída, do tudo, do nada.

Apresento um homem-da-rosa sem idade, sem passado, presente, futuro. Um homem que discute temas comuns, em lugares comuns e que busca respostas. Um homem que mostra que a vida é formada em círculos de onde se sai é para onde se vai. Enfim, apresento um homem-quase-comum, igual a você, a mim, a nós, que buscamos respostas.
 
Carlos Costa
          
COMENTÁRIO SOBRE A OBRA, PELO SEU EDITOR

“Trago uma flor comigo” – disse ele em voz alta, talvez querendo ser ouvido por alguém.

Este é o começo de tudo, a chegada do Homem da Rosa ao cenário deste livro. E o homem segue em frente, e nós com ele, na incessante busca por respostas que norteiam a vida, o dia-a-dia de cada um de nós.

Carlos Costa é por excelência um pensador que questiona tudo e, quase que em parábolas, nos traduz o que aprendeu. Nosso pensador é um incansável, é um Quixote, que faz de sua obra a lança e o laço, a bússola que irá nos orientar em tempos difíceis.

O Homem da Rosa é ele, é você, sou eu, todos nós. O Homem da Rosa é um divisor de águas, que nos alegrará, emocionará e, por fim, nos dará a certeza de que nem tudo está perdido enquanto houver rosas, jardins e jardineiros.

Artur Rodrigues, escritor e editor de O HOMEM DA ROSA
Publicação autorizada por escrito pelo autor da obra


Capítulo I

- Trago uma flor comigo – disse ele, em voz alta, talvez querendo ser ouvido por alguém. Mas não havia ninguém – Trago uma flor comigo – repetiu, e ficou olhando para um pássaro que voava suavemente, aproveitando a força do vento. – Não queria acreditar, mas aquele dia parecia igual a todos os outros. “ Por que os dias se repetem, sempre iguais”? – pensou. Ele tinha lido em algum lugar que todos os dias são iguais porque as pessoas deixaram a percebe as coisas boas que aparecem em suas vidas sempre que o sol se põe. “Os dias são como o sol: nasce, caminha e morre. E as pessoas só sentem falta do sol quando a chuva bem e elas reclamam que o são não existe” – pensou novamente, como que querendo que alguém lesse seus pensamentos. Mas não havia ninguém. Ele estava só, caminhando sem saber para onde.

O homem que caminhava só não de um tipo incomum. Ao contrário: era comum demais para ser percebido por outras tantas pessoas comuns. As pessoas não conseguem identificar as coisas porque não sabem ler a Alma. É na Alma que se permite ao homem vê além do que os olhos mostram.

- Esta flor é alma, a vida. É bela e é frágil. E só é bela porque é frágil. Tudo o que é belo é frágil e precisa de cuidados especiais. É como a Alma. As pessoas não entendem de Alma e por isso não a acham bela. Tudo o que as pessoas não entendem não lhes dão beleza. O que eu faço com a minha flor? Não quero que Ela morra...- falou novamente o homem, mostrando um certo desespero por ver que o tempo passava e ele não encontrava uma só pessoa para entregar a flor. E por que tinha que dar a flor? Nem ele mesmo sabia, como também não sabia exatamente onde havia encontrado aquela flor.

- Talvez eu a tenha arrancado de uma pedra. As belas flores estão nas paredes, só que os olhos não as vêem porque os olhos não sabem ver aquilo que lhes parece impossível. E, para os olhos, uma flor na pedra não existe. Mas eu lhes afirmo que existe porque eu a encontrei. A pedra de onde eu tirei a minha flor é mais forte que todas as pedras que existem porque é uma pedra que nasce no coração das pessoas que não têm Alma – disse o homem, em voz alta, enquanto sentava sobre a sombra de um árvore para descansar.

Deitou suavemente a rosa em seu peito e dormiu. O sol forte daquele dia lhe bateu no rosto e ele fechou os olhos. De repente, um sonho profundo se lhe abateu.

- Olhe aquele homem ali, ele parece morto – gritou um garoto que passava rápido. – Olhe, ele tem uma rosa sobre o peito.

Foi até o homem e tentou tirar-lhe a rosa para vender. Não conseguiu. Ao puxá-la, sentiu como se a rosa tivesse raiz e não se soltava da mão daquele homem de cabelos longos e barbas longas e uma feição diferente. Com o movimento do garoto, o homem acordou.

- Não tenha medo. Eu estava esperando por você. A rosa será sua, mas antes me responda uma coisa: você já plantou uma rosa antes?

- Não, senhor...a rosa não nasce se a gente plantar... – respondeu, hesitante.

- Não? Como você pode afirmar isso se nunca plantou uma? – insistiu o homem de cabelos e barbas longas.

- Eu tenho que plantar um pé e não uma rosa. Uma rosa não tem semente e sem semente ela não nasce... – explicou.

- Olhe, sente aqui – e acomodou o garoto ao lado da rosa. Em seguida, pegou a rosa e  colocou-a na mão do garoto.

- Olhe, isso aqui não é simplesmente uma rosa. É a vida. Observe as pétalas da rosa, não são belas? Pois cada pétala dessa que você está vendo é um ano de vida que nós podemos ter. E esses espinhos, você sabe para que servem? É para defende-nos dos problemas da vida. A rosa é bela e frágil, como a vida , e precisa se defender. Se a você tira o espinho da rosa, ela fica indefesa e more. É como se nós ficássemos doentes e morrêssemos. Olhe bem aqui no centro da rosa. Está vendo essa última pétala, a bem do centro? Essa é o nosso primeiro ano de vida. Temos que ser protegidos porque somos frágeis. Olhe essa outra pétala aqui no meio. Ela é maior e está meio solta das outras. Essa é quando estamos na adolescência e entendemos a vida como só nossa. É por isso que o adolescente é rebelde. Ele quer se soltar do centro da rosa...

O garoto não dizia nada, só olhava para aquele homem que falava com uma voz suave, tranqüila e transmitia paz. E o homem continuou;

- Essa última pétala, já meio solta das outras, é o fim de nossa vida. Observe que ela está querendo morrer. Isso é porque já chegou ao final de tudo e precisa entender da Alma. E a Alma só existe depois que ela não puder permanecer com as outras.

- Mas a rosa tem perfume – disse o garoto, como que querendo dizer que a rosa não era nada do que o homem insistia em dizer.

- A vida também o tem. Os perfumes da vida são percebidos pelas pessoas que Amam. E amam com a Alma...

- E o que é a Alma? O senhor fala tanto em Alma... – perguntou o garoto, já demonstrando um certo medo daquele homem. E se ele fosse um salteador?

- Você ainda não tem idade para entender de Alma, mas acredite nisso: a vida é traçada antes da sua existência. Temos que segui-la por uma estrada longa, cheia de barreiras, pedras, espinhos. Temos que subir e descer montanhas. Temos que sentir sede, fome e frio. Se subimos uma montanha, devemos descer outra Montana. Se não acreditarmos nisso, poderemos cair na descida e nunca poderemos subir de novo.

- Minha mãe está esperando. Ela disse que eu não devo conversar com estanhos. E eu já conversei demais com o senhor. Desculpe-me, mas eu preciso ir... – disse o garoto, levantando-se rápido e saindo correndo.

- Ei, espere. Olha a rosa que você queria...

O garoto não parou, não olhou para trás e saiu correndo. O homem voltou a ficar só com sua rosa, que permanecia bonita, apesar do sol forte.

Havia naquela rosa algo mais do que a simples beleza, mas ninguém a entendia melhor do que o homem que a carregava. Talvez houvesse diferença entre a vida e a morte, ente o ontem e o hoje e, talvez, o amanhã; entre a luz e a sombra, enfim, entre a ordem e a desordem. Quem há de saber? O certo é que as respostas buscadas pelo homem-da-rosa- não estavam onde ela as procurava. Mas que respostas ele queria? Nem ele o sabia.

Em maio a solidão da rua, escreveu num pedaço de papel: “O ser humano detém, por herança ou conquista uma gama de atributos e qualidades, cuja maior ou menor presença, desenha-lhe o perfil: a coragem, o vigor, o talento, a riqueza, o prestígio, tudo aquilo, enfim, cuja presença ou ausência faz de um homem alguém amado, estimado ou admirado são fatores que o ser humano procura obter ou desenvolver para destacar-se diante de seus semelhantes”. Depois colocou o papel no bolso, levou a rosa ao peito e murmurou: “Tirem tudo de mim, mas não me tirem a rosa. ¨Ela é meu sonho e um homem não vive sem um sonho. Deixem-me sonhar. É a minha vida.”


Capítulo II

- Posso entrar?...Trago esta rosa comigo e não queria que ela morresse... – disse o homem, ao bater na porta da primeira residência que encontrou desde que começou a caminhar com a rosa.

A mulher que o atendeu, meio desconfiada, respondeu que ele não poderia entrar porque estava sozinha e o marido poderia chegar a qualquer momento.

- Não tem importância, eu falo com ele também...insistiu.

- E que o senhor deseja falar...fale daí mesmo – disse-lhe a mulher, acrescentando – Se é vendedor, saiba que eu não compro nada...

- Eu não sou vendedor, senhora. Eu apenas tenho esta rosa e não queria que ela morresse. Ela precisa de água... – respondeu o homem, calmamente.

- É estranho que o senhor tenha esta rosa na mão pedindo água na casa de estranhos. Se você é dono dessa rosa, por que não vai para casa e a entrega para sua esposa? – perguntou a mulher, desconfiada.

- Eu moro só, senhora. Moramos eu e esta rosa. Se ela morrer, a vida também vai morrer. Ou a senhora não percebeu que esta rosa  é como a vida. Ela precisa de água  como eu preciso de sangue. O sangue da rosa é a água, como o ar também é o sangue dos homens. Eu preciso respirar para viver. O meu coração precisa respirar e ele só sabe respirar o perfume da rosa. Se ela morrer, não é só ela quem morre. Vão morrer, também, as pessoas sensíveis, as pessoas que conseguem escutar o silêncio e conversar com o vento, sentir o barulho da folha que cai, ver na noite mais do que a beleza da lua e das estrelas e, no dia, mais o que a perfeição de suas formas. Ah, senhora, eu preciso que a minha rosa continue vivendo porque se ela viver, o silêncio e a paz existirão. Se ela morrer...ah, senhora, se ela morrer...

O homem estava falando sozinho, olhando para a rosa. A mulher, desconfiada, já havia encostado a porta de sua casa e fechado a janela. Ao perceber que ficara sozinho, pensou em bater na porta mais uma vez, mas desistiu, afinal, muitas pessoas ainda não estão preparadas para receber uma Rosa. Decidiu continuar caminhando. Talvez, em algum lugar houvesse alguém para dar água a sua rosa que parecia triste...


Capítulo III

- Mãe, eu conheci um homem. Ele estava dormindo embaixo de uma árvore e tinha uma flor no peito – disse o menino ao chegar em casa.

- Você conheceu ou viu um homem? Eu lhe expliquei que a gente só conhece alguém quando é capaz de ler a Alma e você ainda não nem sabe o que é isso – retrucou a mãe, que naquele exato momento em que colocava água em um vaso com rosa.

- Sabe mãe, eu não entendo bem uma coisa: a senhora fala em ler a Alma e o homem também falou a mesma coisa. O que é isso, afinal? Eu sei ler um livro, o que falta para eu aprender a ler a Alma? – quis saber o garoto.

- Meu filho, senta aqui ao meu lado. Deixa eu lhe dizer uma coisa: a verdade é que você já sabe ler um livro. Mas, na vida os livros são escritos pelos homens de espírito e são a extensão da nossa Alma. E nós precisamos ler a Alma para descobrir a felicidade...

- E o que é a felicidade, mãe – quis saber o garoto.

- A felicidade é uma gaveta misteriosa e mágica. De dentro dela, saem coisas boas e coisas ruins também...

- Se é felicidade, então porque saem coisas ruins, mãe?

- Por que a verdadeira felicidade não existe em sua totalidade!  Nós precisamos abrir muitas portas, caminhar por muitas estradas, subir muitos morros, descer por caminhos escuros...A felicidade, meu filho, é tudo aquilo que pensamos que não a temos e só percebemos que temos quando deixamos de ser felizes.

- Mãe, a senhora é feliz? - perguntou o garoto.

- A felicidade, meu filho, mora ao lado...

- A senhora que dizer na casa do vizinho?

- Não meu filho...a felicidade mora ao lado...Nós só percebemos que a felicidade existe quando a deixamos de tê-la. Aí ela nos faz falta. É por isso que mora ao lado. Aí, quando não a temos mais, corremos em sua busca e então percebemos que ela estava todo tempo ao nosso lado e não soubemos preservá-la.

- Mãe, eu não entendi direito. Dá para a senhora explicar tudo novamente?

A mãe não respondeu. Apenas passou a mão na cabeça do filho e mandou-o brincar, sem fazer qualquer pergunta sobre o homem que disse ter conhecido. No momento em que o garoto abria a porta da rua, a mãe chamou-o mais uma vez – Meu filho, escute uma coisa antes de sair: o homem da rosa procura conversa e fica na companhia daqueles de quem gosta. É por isso que o homem que conheceu você, tinha uma rosa com ele...

Depois da saída do menino, a mãe olhou pela janela e observou que, ao longe, que pássaros voavam aproveitando o vento norte. Por que os pássaros voam? Será que eles  buscam, em seus vôos, encontrar o caminho perfeito para voltarem aos seus ninhos? Ou será que eles, como os homens, não entendem como são doces os caminhos que levam o verdadeiro amor de volta aos braços da mulher amada? Não acredito. Os pássaros são mais inteligentes que os homens. Eles sabem ler a Alma do Mundo. Eles entendem a linguagem da natureza. Eles sabem que os olhos de suas amadas os acompanham em todos os vôos. Mesmo os noturnos, que são raros.

- Sabe, meu filho, o homem que está carregando a Rosa carrega com ele as dores do mundo! – Depois de dizer isso, a mãe olhou para a porta e percebeu que seu filho já havia saído.


Capítulo IV

Quanto tempo já fazia que aquele homem vagava com uma rosa na mão e qual  espaço ele havia percorrido, procurando alguém para dar-lhe água...O seu aspecto era de cansado. Os cabelos longos e a barba por fazer emprestavam-lhe um ar de sujeira. Ele caminhava e sorria, como que não se importando com as discussões filosóficas de espaço e tempo, já que em sua mente podemos prescindir do espaço, mas não do tempo. E o tempo estava correndo. Logo mais seria noite e será que a rosa teria como sobreviver por mais tempo, sem água?

- Por que o mundo é tão complexo e por que as pessoas não aceitam uma simples rosa? Em que mundo eu estou vivendo? – perguntava-se aquele homem com aspecto cansado. De repente ele parou e sentou-se em um banco de praça, pensativo.

Sorriu ao lembra-se dos famosos versos de Tennyson: “time is flowing in the middie oft dhe nigth” (O tempo corre no meio da noite). Ele conheceu esses versos quando estudava Filosofia. De que lhe serviram esses versos? Se o tempo corria no meio da noite e por que o tempo corre? Se a noite é bela, não seria mais lógico que o tempo parasse? Não, o tempo tem que correr para nascer um outro dia e depois a noite voltar; Acho que os homens precisam conhecer a dureza de um dia para entender a beleza da Rosa. Só com o sofrimento os homens serão capazes de ler a Alma da Rosa – pensava ele, olhando para um ponto distante da praça, onde os pássaros voavam suavemente, aproveitando a força do vento. O vento leve que lhe batia ao rosto o fez dormir no banco da praça. A Rosa em sua mão foi colocada por sobre o peito, ao mesmo tempo em que ele deitava. E o homem sonhou.


Capítulo V

Havia um grande jardim. Cheio da rosas. Uma delas, maior que as outras, mais que bela que as outras, parecia ser a rainha de todas, dava ordens, gritava,  dominava a vida e a morte das rosas mais fracas – Esta pode morrer, não serve. Não tem o perfume que deveria ter – dizia ela.

E a pobre e frágil rosa era impiedosamente arrancada e largada ao tempo. O sol, que lhe tinha pena, custava a destruí-la. Mas a Rosa - Rainha esbravejava:

- Até o sol está contra mim?

De repente, a Rosa do peito do homem que dormia no banco da braça ganha força e caminha por entre as menores rosas: - Vocês devem reagir. Vocês devem lutar. Não é possível que aceitem viver assim – dizia a Rosa.

As Rosas pequenas e frágeis escutavam silenciosamente. E nada diziam. Do meio delas, uma voz fraca, quase inaudível, começou a falar:

- Ela está certa, ela está certa – todas se viraram para aquela rosa de voz fraca. Era a Rosa que tinha sido arrancada minutos antes. Parecia que o sol lhe tinha poupado a vida. E ela continuou: - Temos que reagir. Nós somos todas iguais. A ninguém é dado o direito de determinar a nossa vida e nossa morte. Se eu nasci fraca, também tenho o direito de viver, tenho o direito de expelir o meu perfume, tenho o direito de crescer, conhecer o mundo, tenho o direito de ser alguém.

A Rosa do peito do homem que dormia na praça ouvia a tudo em silêncio. Quando a Rosa fraca parou de falar, as outras Rosas silenciosas começaram a murmurar entre si.

- Minhas companheiras – começou a falar a Rosa do peito do homem que dormia na praça – eu estou percorrendo o mundo nas mãos de um homem. Estou sendo recusada pelas pessoas. Essas pessoas não estão recusando a mim, mas ao homem. As pessoas não sabem ver além dos olhos. Não sabem ler a Alma da Vida. Não entendem que não é a beleza do corpo que gera a beleza da Alma. Eu estou sofrendo pelo homem que agora dorme na praça, cansado. Vamos lutar companheiras. Precisamos vencer a quem nos oprime, para podermos vencer o coração dos homens. Vamos à luta!

- O que estão fazendo aqui? Por que não estão nos seus lugares, perfumando o meu jardim? O que ela faz aqui? Guardas prendam-na. Eu quero interrogá-la. Pode ser uma espiã.

Os guardas iniciaram o cumprimento das ordens da Rosa - Rainha , mas viram-se cercados pelas rosas menores. A Rosa - Rainha tentou fugir mas foi dominada, cercada e presa pelas Rosas menores. A Rosa arrancada e posta ao sol gritou:

- Não machuquem ninguém. Não queremos perder a nossa nobreza. Não somos violentas e nossos espinhos servem-nos apenas para a defesa de nossas vidas.

As outras Rosas menores abedeceram a soltaram a Rosa – Rainha, que permaneceu no meio da roda:
                   
- Castiguem-me. Eu as castigava todos os dias porque eu era a Rosa mais forte e mais bela e por isso me fiz rainha. Matem-me. Eu o mereço.

- Não a mataremos. Nós a perdoamos por todos os seus erros. Volte para o jardim e fique igual a nós. Aos guardas, damos também a liberdade. Voltem ao campo e digam a todas as outras rosas que não temos mais rainha. Todas seremos rainha de nós mesmas. Temos que continuar perfumando o mundo. Temos que perfumar a Alma do Mundo. Vão, sigam em paz. E a você, rosa que nos despertou para a consciência, ficaremos gratas. Você nos fez ver nem sempre o mais forte é o vencedor. Se todas nós tivermos consciência, venderemos todos os que nos oprimem. Vá. Diga ao mundo que o nosso reino vai continuar fazendo as pessoas felizes.

- Viva a liberdade! – gritaram todas as rosas.

O homem que dormia no banco da praça acordou assustado. Levou a mão ao peito e encontrou sua Rosa no mesmo lugar. Olhou para o lado e viu um enterro que passava. Ficou curioso. Será que mataram a Rosa – Rainha? Não, não era. Era apenas um homem que havia morrido, As pessoas que acompanhavam o féretro traziam rosas nas mãos? Por que choravam se todas tinham rosas nas mãos?

Choravam pelo homem que morreu ou choravam pela dor das Rosas – Arrancadas? Será que a beleza da Rosa só era vista na hora da morte dos homens? E por que o homem que morreu não resistiu à morte, como fez a Rosa – Fraca arranca pela Rosa – Rainha? Por que o homem  que morreu não resistiu à indiferença dos outros homens e mostrou aos homens que morrem que a união deles em torno de um ideal lhes torna fortes!


Capítulo VI

- A que horas ele morreu?

Alguém fez essa pergunta a uma mulher que caminhava ao lado do cortejo. O homem que segurava a Rosa riu da pergunta. Mas riu baixinho. Não queria que as pessoas do cortejo percebessem e quanto é irracional perguntar a hora em que alguém morre. Não existe hora. Não existe tempo. Não existe ontem. Não existe hoje. O tempo é um só, dividido em partes. O presente em si, não existe porque o presente vira passado e se transformará em futuro.

Por que o homem da rosa questionava o tempo? Ele olhava para a Rosa e se perguntava por que ela permanecia  viva, embora já estivesse há tanto tempo arrancada da terra e sem água. A resposta para ele era simples: não havia tempo. Ela estava com ele e não contava o tempo. Ele lembrou de ter lido em algum lugar, talvez nos tempos do curso de Filosofia, que há duas teorias sobre o tempo. Uma delas vê o tempo como um rio, um rio que corre desde o princípio e chega até nós. Janes Bradley, um metafísico inglês que conheceu na faculdade, em seus estudos filosóficos,  dizia que o tempo corre do futuro para o presente. “Aquele momento no qual o futuro se torna passado é o momento que chamamos de presente”, dizia ele.

- O meu tempo é o futuro ou o passado? – A Rosa falou que o tempo  começa na eternidade, portanto, é anterior ao próprio tempo. “É por isso que eu ainda estou viva. Eu venho  da eternidade. Eu venho de um lugar que os homens não conhecem porque o tempo não é a medida do movimento. O movimento acontece no tempo e não pode explicar o tempo”, disse ala.

O homem estava confuso. A Rosa havia falado. Ou seriam delírios seus. Estaria ele delirando? Olhou para o fim da rua e observou que o cortejo estava chegando ao fim. Logo mais colocariam o homem na sepultura e o cobririam-no com terra. Lembrou-se da frase de um pastor: “Do pó vieste e para o pós voltarás”, mas duvidou. O homem não veio do povo e não será para o pó que voltar[a. O homem veio do tempo, não de um tempo anterior. O  mundo começou a ser com o tempo. E tudo é sucessivo. O homem é sucessivo.

Caminhando lentamente o homem da Rosa observou que as pessoas saíam do cemitério chorando. Por que as pessoas choram? Choram de alegria ou choram de tristeza? Por que a alegria faz chorar? Pó que a tristeza faz chorar?

- Só existem no mundo as nossas percepções, nossas emoções – respondeu ele, para si mesmo, enquanto observava o movimento lento das pessoas que deixavam o cemitério.



Capítulo VII

Em frente à praça central havia uma igreja. Era dia de casamento. Por que era dia de casamento? Existe um dia para casar? Afinal, o que é o casamento. Existe amor no casamento? Ele aprendeu que o casamento é um contrato comercial, no qual os interesses são colocados.

Mesmo estando maltrapilho, decidiu entrar na igreja, mas não o deixaram. Ele não tinha convite. – Eu trago uma Rosa comigo! – retrucou. Não o deixaram entrar e ele ficou de longe observando o movimento.

O noivo chegou cedo. Estava nervoso. Dentro da igreja haviam pessoas nervosas também. Muitas pessoas esperavam pelo lado de fora. Ele estava pelo lado de fora.  Mas  ele; não  igual  àquelas pessoas. Elas estavam bem vestidas.    Ele só tinha uma Rosa.

A noiva chegou. Estava bonita. Viu quando o noivo sorriu. A noiva entrou. Tocaram a valsa. O tempo parece que parou e o homem da rosa relembrou de um data passada há muito tempo.

- São doces os caminhos que levam o homem aos braços da mulher amada!

Lembrou-se de uma paixão de juventude. Não havia Rosas. Por isso não havia amor. O amor pode vir antes da paixão? Não, não pode porque amor e paixão são vizinhos próximos, amigos próximos, mas não se visitam. Apenas se olham de longe.

- Se você estivesse apaixonada por mim, encheria sua casa de Rosas e depositaria aos seus pés o clarão das estrelas. Se você estivesse apaixonada por mim, me despiria de todas as roupas e me lançaria em seus braços...

Seus pensamentos foram despertados para as últimas palavras do padre: “Sejam felizes para sempre”. Impossível, o eterno não existe!. Já disse que o tempo é sucessivo, mas não existe “o para sempre”, o “eterno”. A idéia de “eterno” é um desejo que temos de voltar ao princípio. A palavra “para sempre” do padre quer dizer eterno! E o “eterno” também não existe.

Sem que ninguém entendesse nada, o homem começou a ri e a balançar a Rosa. O tempo começa na eternidade, por isso o eterno não existe. Só a Rosa existia. Só a sua Rosa existia e era eterna. O casamento não é eterno. Ele acaba um dia, ou pela morte, ou pela separação. Por isso ele não pode ser eterno. Como os noivos se casaram e o padre disse “sejam felizes para sempre”? Se nada é eterno, como os dois seriam felizes para sempre? Não se vive para sempre. Vive-se até a morte, apenas. A morte é o “para sempre” da vida. O homem ria, e ria, e ria, e ninguém entendia nada.

- Ele deve ser louco – disse um homem que passava ao seu lado, vindo da igreja.


Capítulo VIII

O tempo não importa. Mas o sol já começava a se pôr no horizonte, anunciando a noite. Durante o dia, o sol vive para todos, sem distinção, sem distinção. Durante a noite, é que a lua e as estrelas brilham igualmente para todos. Não há diferença entre quem recebe o sol e quem contempla a beleza da lua. Se o sol nasce, para uns é sinal de alegria; para outros; de sofrimento. Uns contemplam o sol com prazer, outros com dor. O sol serve para produzir no campo. O sol também mata no campo. Só a lua pode ser bela para todos. Não há necessidade de Ler a Alma do Mundo para sentir e ver a luz da lua. Mas é necessário ler a Alma do Mundo para contemplar a beleza que existe na luz da lua.

Caminhando lentamente rua abaixo, antes de o sol se pôr e a lua chegar, o Homem da Rosa percebeu o exato momento em que um prisioneiro algemado saía do Fórum da Cidade, escoltado  por vários policiais. Outras olhavam. O prisioneiro parecia jovem. Seu aspecto era de limpeza e nada nele denunciava ser uma pessoa perigosa. Qual o seu crime? Qual a sua sentença? Uma mulher sofrida vinha próximo ao prisioneiro. Parecia que chorava. Seus braços estavam estendidos  para frente mas o prisioneiro não olhava para trás. Embora o tentasse, o gesto daquela mulher sofrida para tocar  no prisioneiro era impedido pelos policiais. Ela parou. Levou as mãos ao rosto e chorou forte. Foi colocado no carro da polícia. Era apenas mais um prisioneiro nas estatísticas.

O homem da rosa aproximou-se da mulher que chorava e observou o seu rosto sofrido. Ela não parava de chorar.

- A senhora aceita esta Rosa – perguntou à mulher que chorava. Ela olhou-o sem  dar resposta alguma. Ele insistiu na pergunta e a mulher respondeu:

- O meu filho acaba de ser condenado e o senhor vem me oferecer uma rosa?

Em suas palavras havia sofrimento e dor.

- A rosa vai lhe fazer bem. Ela vai lhe acalmar. Olhe só para esta rosa. Ela transmite paz. Se o seu filho foi condenado, isso não significa que o mundo está perdido. Ainda resta beleza a ser contemplada.

- O senhor não entende! O meu filho foi condenado! O senhor não está vendo a minha dor? O senhor não está percebendo o meu desespero?

- Senhora não há condenação que seja capaz de matar a beleza da Rosa. Se o seu filho está condenado pela Justiça é porque ele não soube conhecer a Rosa. Ele não conheceu a Alma da Vida e nem foi capaz de ler a Alma do Mundo. Só quem conhece os caminhos da Rosa é que pode caminhar livre pela vida. Aos homens são dados o direito e o dever.

Os direitos e os deveres são resultantes de convenções sociais. Também são mostrados ao homem,  o certo e o errado. Mas, senhora, o que é o certo e o errado? Não existem o certo e o errado...

- Como o senhor diz que não há o certo e nem o errado se o meu filho acaba de ser condenado porque seguiu por caminho errado?

- Aos olhos da Rosa, desta Rosa aqui, o certo e o errado são a mesma coisa. O que é certo para uns é errado para outros. O certo para o seu filho é o errado para a Justiça. E a Justiça representa o Estado e o Estado representa a Nação e a Nação somos  todos nós. E nós temos que viver o que é certo só porque todos vivem o que é certo? Se todos nós vivêssemos como seu filho, fazendo o que ele fazia, o certo  seria o que todos fizessem  e isso passaria a ser uma convenção. Os que não fizessem a mesma  estariam errados. Sabe, senhora, a Justiça é resultante da força, do poder, Quem tem o poder faz as Leis e aplica a Justiça. E a Justiça nem sempre é justa porque o que é justo para uns é injusto para outros...

- O senhor é um louco!  Vá dizer isso ao juiz. Ele vai mandar prendê-lo prender como o fez com meu filho. O senhor sabe por que meu filho foi preso? O senhor sabe? Pois eu vou lhe dizer: ele está preso por desacato de autoridade! E sabe qual foi o desacato? Ele se negou a permitir que um homem fosse preso sem mandado da Justiça. Ele exigiu o cumprimento da Lei e a Lei ficou contra ele...

- Isso, senhora, é abuso de autoridade. Olhe, eu quero lhe dar esta Rosa porque ela ensina aos homens...ela é a Justiça. Pegue-a. Tome a Rosa!

A mulher começou  a chorar e a correr. Não olhou para trás. Não recebeu a Rosa. Diversas pessoas que ouviam o diálogo do homem da rosa observaram-no sem entender nada. Foram deixando lentamente o local. O homem da rosa ficou sozinho, mais uma vez!

-As pessoas ainda não estão preparadas para viver o Mundo da Rosa. Nós precisamos viver o mundo do contraste para poder ler a Alma do Mundo – disse o homem.


Capítulo IX

O dia está acabando. A noite está chegando. “Tivemos a luz do sol. Teremos a escuridão da noite. É como a própria vida: precisamos conhecer a escuridão para podermos valorizar a luz. Se a vida for eternamente bela, não teremos condições de vencer os obstáculos, por menor que eles se apresentem. Se vivermos eternamente na escuridão, não seremos capazes de identificar a luz quando a vermos.

A noite, hoje, está começando de uma forma trágica. Ao final da rua, pessoas morreram de uma forma trágica. O homem da rosa, que meditava calmamente sobre a necessidade de conhecermos a luz e a sombra para que possamos identificar os dois opostos da vida, foi atraído pelo grito das pessoas que, desesperadamente, tentavam apagar um incêndio, na residência.

Não havia mais o que fazer. As  quatro pessoas, incluindo uma criança, estavam mortas.

- Meu Deus, como isso aconteceu? Eram pessoas tão boas! – gritou alguém no meio da multidão que se formava.

O homem da rosa era o único que aparentava calma, talvez porque não conhecesse ninguém na casa e também porque ninguém o conhecia naquele lugar. Sem lugar, a Rosa que carregava em sua mão esquerda, caminhou alguns passos e ouviu os comentários das pessoas, enquanto os homens da Defesa Civil iniciavam o trabalho de rescaldo para, depois, retirar os corpos carbonizados.

- Eram  bons, não mereciam morrer assim!

O homem da rosa, pensando alto, comentou que não existe uma forma exata de morrer. O destino é o responsável pela vida e pela morte. Se se morre de forma violenta é porque o destino assim estava determinado. Não podemos mudar o destino.

- Como não podemos? Se alguém fosse avisado do fogo, eles não estariam mortos! – gritou alguém, ao ouvir seus comentários.

Calmamente, o homem da rosa respondeu:

- Não avisaram porque era o destino não quis que assim ocorresse...

- E quem é esse destino? É Deus?

- E quem é Deus? – perguntou o homem da rosa.

- Você não acredita em Deus?

- Eu apenas estou perguntando quem é Deus.

- Deus é Deus! – irritou-se o interlocutor.

- Meu senhor, eu acredito no Destino. O Destino  é  a Alma do Mundo. É ela que nos determina o caminho da vida e da morte. Nada foge ao Destino.

- Mas nós podemos evitar...

- Meu senhor, como seremos capazes de conhecer o Amor se não soubermos o que é a Dor? Como conheceremos a sombra se não sabemos  o que é o sol?. Não, meu senhor, nós precisamos sofrer para conhecermos a felicidade. Não existe felicidade sem sofrimento e nem amor sem dor. O mundo é um contraste. Por isso eu lhe digo meu senhor: eu acredito em Deus e para que possamos chegar a Ele, temos que cumpri-lo integralmente.

- O senhor fala do Destino mas não fala em Deus!

- Por que o senhor insiste em falar em Deus e não aceita o Destino? O Destino pode ser Deus. Desse destino nós não nos afastamos. Esse Destino é como essa Rosa: é bela, mas as pessoas não o conhecem. Por isso têm medo dele!

Em meio a gritaria, o homem da rosa viu o exato instante em que os voluntários da Defesa Civil retiraram do quarto a criança carbonizada.

A luz já começava a aparecer no céu. O sol naquele dia havia cumprido sua missão e já se ia, permitindo que a noite chegasse com toda a sua beleza e seus mistérios. É na noite que se tramam os planos diabólicos, que se executam os piores crimes, que se completam os grandes amores. É na noite de lua que os boêmios se sentem felizes e os poetas se inspiram. É também na noite que a virgem se perde. A noite é um belo mistério!

O homem da rosa caminhou lento, procurando um lugar para descansar. As pessoas caminhavam apressadas e não observavam que o tempo não pára. “Para que a pressa, então. Se o tempo é eterno e não pára, andar lento também levará  a algum lugar”. – pensou o homem da rosa, no exato momento em que ocupava um banco da praça.

- Minha rosa, o que seria de mim se não fosse você para aliviar a minha solidão...

O sono chegou e o homem da rosa dormiu no banco da praça, coberto pelo lençol da lua.

Capítulo X

Era noite e a  noite era escura. Não fosse essa certeza, dir-se-ia que por certo que ser noite era ser dia, afinal qual é a diferença entre a noite e o dia se o tempo e a vida não param quando se dorme!

O homem da rosa dormia. O homem do jornal trabalhava. O homem de branco atendia paciente. O homem do carro apanhava passageiro. O homem que rouba entrava em uma casa. O homem da lei estava com sono e não trabalhava. O homem que governa dava ordens. E a noite via tudo e não dizia nada porque parecia dia. Essas coisas também aconteciam durante os dias de sol e os dias de chuva.

A rosa do homem da rosa não dormia. Rosa não pode dormir porque os homens precisam sempre de Amor.

- Posso entrar...? Não, não importa se o seu marido está, falo com ele também. Desculpe-me, mas não tenho assuntos. Não sou vendedor. Juro. Sou apenas esta flor, esta Rosa!

Estou mentindo? Não, não estou. Eu sou uma Rosa e estou entrando em sua residência com sua permissão. Posso sentar? Obrigado. Senhora, eu gostaria que a senhora colocasse água em minhas pétalas. Não quero morrer porque a flor morta é como um coração morto: não tem qualquer valor...

- Muito prazer...! Estou conversando com sua esposa. Não acredita? Por que o senhor não acredita que uma Rosa posa conversar?

Já ouviu falar de Destino? Só em Deus? Não; perguntei só por perguntar. Os homens não conhecem o Destino porque têm medo do desconhecido. Desculpe-me. É como se eu estivesse perguntando sobre Economia, Filosofia, Política, Guerras, coisas assim...Vocês já observaram que quando essas coisas acontecem as pessoas esquecem a Rosa?

- Senhora, eu lhe pedi água e a senhora não me deu. Eu posso morrer se a senhora não me der água. Preciso de água para poder andar pelo mundo, ensinando aos homens a conhecerem a Alma da Vida. Infelizmente, não pude ser útil para vocês, mas  não importa. Sei que, ao dormirem, sonharão com uma rosa e não com uma guerra. Boa noite, senhores.

O homem da rosa acordou assustado. Olhou para a rosa e a viu quieta, encobria-o com seu manto de amor...O homem, enquanto dorme, não se dá conta de que está dormindo, já que tudo que o circunda é igual.

Capítulo XI

O sol estava alto. Um homem gritava na praça que Jesus o havia encarregado da missão de renovar a Igreja e  que lhe seria permitido visitar o mundo dos espíritos, o mundo dos imensuráveis céus e infernos.

O homem da rosa acordou,  e passou a observar o pregador. Muitas pessoas começaram a ouvi-lo, outras lhes depositavam dinheiro aos pés, outras se afastavam rapidamente. E, ao fundo havia uma igreja, em frente ao local onde o homem pregava.

O homem que pregava dizia que os homens mortos eram condenados por um tribunal e mereciam o céu ou o inferno. As pessoas que ouviam se assustaram porque tudo o que acontece no outro mundo se mostra mais real do que neste. O outro mundo não é nebuloso e as coisas que nele acontecem são mais vivas do que neste. As cores são mais vivas. As dores são mais fortes. Tudo é mais intenso, mais concreto. Esse nosso é sombra comparado ao outro mundo.

O homem da rosa viu Swedemborg no pregador. Era um homem admirável e o mais misterioso dos súditos de Carlos XII. Mas como um homem que nasceu em Estocolmo, em 1688 e morreu em Londres, em 1772, podia estar naquela praça, pregando idéias?

A Rosa estava muda. O homem pensou que estava delirando. O sol estava muito forte e ele estava sem comer já há dois dias. Não sentia fome, não sentia sede e sabia que tudo aquilo era real, era verdadeiro. Quem era aquele homem? E quem teria sido o homem que  seguiu os passos de Swedemborg pelas ruas de Londres e entrou em sua casa e lhe disse que era Jesus e que a Igreja estava em decadência?

Tudo parece absurdo, incrível, mas o pregador estava ali, no meio da praça, falando para as pessoas.

“O que acontece quando o homem morre”? Ele não sabe que morreu porque suas ocupações habituais continuam iguais, ele recebe os amigos, conversa, mas aos poucos as pessoas percebem assustadas, que tudo é mais intenso. E o homem percebe que viveu sua vida na sombra e que agora conhece a luz. Ele entende o contraste da vida.

“Deus não criou os anjos. Deus não criou os demônios. Os anjos são os homens bons. Os demônios são os homens maus. Os anjos sabem ler a Alma do Mundo e conhecem o amor da Rosa. Os demônios destroem a Alma do Mundo e desconhecem o Amor da Rosa. E o outro mundo é feito de homens, homens anjos e homens demônios”.

“Os mortos procuram os anjos porque Deus não condena ninguém ao inferno. Todos os homens existem para serem salvos, mas Deus concedeu o livre-arbítrio, um privilégio que possuímos de condenar-nos ao inferno ou merecermos o céu. Se for um demoníaco, prefere os demônios. Se for um homem capaz de conhecer a Alma do Mundo, procura os anjos. O homem conversa com demônios e se sente atraído mais por uns do que por outros. Os que se condenam ao inferno se sentem atraídos pelos demônios e se sentem felizes porque podem conspirar uns contra os outros, num mundo de política do mais baixo nível.”

“O céu é formado em equilíbrio entre as forças do bem e as forças do mal. Da desordem nasceu à ordem e Deus é o equilíbrio  entre as forças. E Deus é o Sol. E Deus é a Lua. E Deus é a Rosa. E Deus não gosta de ser adulado”.

O homem da rosa compreendeu, então porque na terra, as pessoas boas se identificam com as pessoas boas e as pessoas más se identificam com as pessoas más. É o destino do Mundo dos Espíritos.

Da igreja, em frente ao local onde o homem pregava, saiu uma senhora que adulava Deus. O homem que pregava imediatamente apontou e gritou:

- Ela renunciou a todos os gozos sensuais porque queria ganhar o céu. Com isso, ela se empobrecia na terra. E quando ela morrer, chegará ao céu, e lá chegando, não saberá o que fazer. Ela vai escutar as conversas dos anjos, mas nada entenderá. Tentará aprender uma arte, ouvir tudo, mas nada consegue por haver se empobrecido na terra, adulando a Deus. Ela será uma mulher justa mas mortalmente pobre. Deus mostrar-lhes-á o deserto onde ela rezava  na terra, mas não a desligará do céu porque ela precisará entender que se tornou indigna do céu pelas suas penitências, por haver se empobrecido na terra, recusando os gozos e os prazeres da vida. Deus dizia “dos pobres de espírito é o reino dos céus...”, mas a mulher não se salvou intelectualmente. E a mulher vai viver sozinha no céu.

O sol estava muito quente. E o Sol é Deus. O homem que pregava agradeceu a todos, fechou seus livros e desceu a rua, sumindo na primeira esquina.


Capítulo XII


- Doutor, este mendigo está desidratado, precisa de soro. A febre está muito elevada, por isso está delirando.

- Quem é este homem? – quis saber o médico.

- Não sei. Encontraram-no desmaiado na praça e o trouxeram para cá – respondeu a enfermeira.

Os médicos do posto de saúde aplicaram soro no homem da rosa. Ele estava desmaiado há horas e foi levado ao hospital por um homem estranho que passou pela praça logo ao amanhecer.

- Esse homem não pode morrer porque ele se abstraiu de tudo e, se for para o céu, não conseguirá entender a conversa dos anjos. Salvem-no...

Depois de deixar o homem da rosa no posto de saúde, o que falou com os médicos desapareceu rapidamente e todos ficaram sem entender suas últimas palavras.


Capítulo XIII    
           

- Precisamos saber quem é esse homem. E este outro que acabou de desaparecer, quem será?

Os médicos não obtiveram qualquer resposta para a segunda pergunta. Mas, para saber quem era o paciente, bastava abrir a bolsa que ele carregava, dentro da qual estava uma Rosa. É certo que não havia documentos dentro da bolsa. Mas havia escritos, que os médicos e as enfermeiras começaram a ler, na esperança de descobrir  quem era o paciente.


Escrito primeiro

“Caro amigo poeta Calheiros: a minha rosa está chorando porque a juventude saiu de mim com rapidez e eu, na janela do mundo, olhando para um futuro, a vi passar e não a chamei e nem a questionei. Eu a vi passar em passos rápidos e  eu parado, olhando para um futuro que desejava conhecer com pressa, nada fiz para impedi-la. Deveria tê-lo feito? Talvez, respondeu minha rosa, sem muita certeza.”

- O que ele quer dizer com isso? – perguntou um médico, sem obter resposta. A leitura prosseguiu:

“Hoje, minha amiga Rosa, olhando pela janela do mundo em busca de uma explicação para o fim do horizonte, busco inutilmente seguir com os olhos os caminhos percorridos pela minha juventude. É inútil a tentativa. Não se encontra o que se perde quando não se luta pelo que se deseja e eu perdi minha juventude enquanto olhava pela janela.

Minha companheira Rosa dos infortúnios e de minhas dores! Se eu tiver a felicidade de encontrar minha juventude novamente pelo caminho, procurarei conhecê-la bem e, talvez, conhecendo-a como desejo, encontrarei respostas para minhas divagações. Tentarei segui-la ou caminhar ao seu lado pelo infinito, em silêncio, só para não perceberem meu desespero por tê-la perdido. Se a encontrar, talvez velha, mais do que eu, talvez cansada, mais do que meu corpo, a convidarei para uma caminhada e com conversa, mesmo que breve, contarei a ela meus dissabores e a falta que ela me faz por tê-la deixado  partir enquanto olhava pela janela,  o mundo em busca de um mundo que não existia.

Ah, meu caro Calheiros e minha querida Rosa, quantas saudades sinto da minha juventude perdida. Eu não a conheci por inteiro e nem tomei conhecimento do seu rosto. Não sei se é bonita, feia, se tem cabelos longos, custos,, se chegou a conhecer-me ou se eu não a deixei conhecer-me. Quando eu a vi, pela janela do mundo, já se ia longe e meu grito chamando-a teria sido em vão.Ela não me ouviria mais.

Companheira Rosa, agora somos só nós dois, eu e você. Eu, com minhas angústias. Você, com seu êxtase de amor. Mas se encontrar a minha juventude, tentarei compreende-la. Talvez  nos amaríamos desconfiados. Por certo, o faríamos com o fervor dos homens, com o capricho dos sábios, com a paciência dos inteligentes, com a sabedoria dos velhos. Seria um amor perfeito, como perfeito é o amor da rosa pelos homens.

Hoje, caminho a passos largos rumo a minhs morte. Minha sorte será se minha morte for suave, rápida, como deve ser a morte de todos que amam a rosa. Mas, se algum pecado tiver cometido por não ter parado a minha juventude no momento de sua partida, que me venha a morte dos mortais. Minha rosa, o que estou fazendo hoje sem a juventude? Que a morte me venha sem necessidade de aviso, e que eu me vá sem que perceba. Igual como foi a minha juventude. Adeus minha rosa!.”

Escrito segundo:

Minha companheira rosa:

É sábio todo aquele que, sabedor, busca conhecimento como forma inesgotável de luz e, no conhecimento, adquire a virtuosidade, a passividade, a humildade e o gigantismo necessários à vida. Não devemos esquecer jamais, minha querida, muda e amada rosa: é temerário o saber porque quem o tem tem o poder. Bacon já disse que o saber é a primeira grande fonte do poder...

Compreenda, minha rosa, o saber, como conjunto de conhecimentos humanos humanos, é inesgotável e, sobre ele, devemos debruçar-nos para admirar o desconhecido. Mas precisamos ser humildes em seus conhecimentos. A humildade é o gigantismo do saber porque humildade não é passividade, morticínio do espírito, ledismo. Ao contrário: é agitação, é vida, é velocidade.

Minha rosa compreenda que nós, seres humanos, só vivemos nove meses. O resto se morre a cada dia e o que nos sustenta é a certeza de que somos capazes de descobrir o desconhecido, utilizando-nos tão-somente de nossa mente criadora e criativa. Sermos insuperáveis em nossos pensamentos  é a maior virtude da vida, minha doce e silenciosa companheira rosa!

Será que você é capaz de entender isso, minha companheira rosa, ou também já está contaminada pelo vírus destruidor dos homens?

Escrito terceiro:

“Querida Rosa:

Eu sou o que ama sem se saber amado e, se distante está o motivo do amor, sou o que sofre calado. Sou o que não conta tempo, hora ou lugar, não pensa no ontem e nem projeta o amanhã, decidido  a viver em silêncio com a certeza de amar. Eu sou o que sofre pela distância e sente o silêncio como ausência, porque apesar da minha insistência, enfrento sempre a resistência de sempre para depois deixar. Ah, amor louco, amor insano, amor que sofre calado mas que permanece inalterado. É um amor que ultrapassa sonhos, vence distâncias, vive verdadeiramente e, embora bisonho, vai sobrevivendo, sobrevivendo. Já não tenho forças para resistir a este amor. Entrego-me por inteiro, mas sei que um dia ele vai partir, matando definitivamente um sentimento puro e verdadeiro.

Hoje, minha querida rosa, é só o que importa. O amanhã será uma lembrança morta. Mas enquanto  o hoje existir e perdurar, resistirei a tudo para até mesmo no infinito poder de amar.

Ah, amor louco, amor insano, amor pouco! Mas eu quero te dar, deixar meu corpo no teu corpo e, nunca, nunca mesmo, te largar. Ah, amor louco, amor insano...Mas é assim que sei amar. Com ciúmes, com dores, com silêncio...Mas é assim que eu hei  de sempre amar. Minha querida rosa!”


Capítulo XIV

- Já conseguiram descobrir o nome do homem que ocupava o leito 23? Era o médico quem perguntava às enfermeiras.

- Não, doutor, mas encontramos alguns escritos entre suas coisas, mas infelizmente, não existem documentos.

- Bem, vou conversar com ele...

O médico caminhou pelo longo corredor, parou na enfermariam verificou as anotações do plantão, conferiu a dosagem e os horários das medicações e se encaminhou para o leito.

O homem da rosa não se encontrava mais lá.

O médico voltou à enfermaria e perguntou pelo paciente, mas ninguém sabia informar onde ele estava. A alta ainda não havia sido prescrita e ninguém o tinha visto pelos corredores. De volta ao leito, o médico tomou um susto ao vê-lo deitado, dormindo.

- O senhor ausentou-se da cama?

- Sim...

- Onde o senhor estava?

- Fui visitar a minha rosa...

- Sua rosa? E onde ela se encontra agora...?

- Dentro do meu coração...!

- Mas o senhor não estava na cama...

- Estava...o senhor é que não me viu porque não consegue ver além daquilo que os seus olhos mostram...O senhor só vê as aparências e as aparências enganam aos olhos...

- O senhor é o quê? Por acaso é filosofo?

- Eu serei o que o senhor desejar que eu seja. Se ver além das aparências e visitar o que temos dentro do coração, mesmo que para isso pareçamos invisíveis aos olhos que apenas vêem as aparências é ser filosofo,  então eu o sou. Caso minha premissa não seja verdadeira, posso ser outra coisa também...

- Como é o seu nome...?

- Eu terei o nome que o senhor desejar que a mim pertença, afinal, o nome só serve para marcar uma identidade, mas não molda e nem define uma personalidade. Eu já tive um nome mas cansei de repeti-lo, por isso hoje eu sou apenas “o homem da rosa”. Talvez porque eu tenha tido alguma namorada com esse nome...

- O senhor me parece um louco! -  gritou o médico, irritado com a resposta.

- Também posso ser. Afinal, qual a diferença entre a lucidez e a loucura? Será que a lucidez é o que o senhor acha é lúcido ou será que a lucidez é apenas o que lhe ensinou a medicina? Eu sei que o senhor estudou essa diferença, mas saiba que essa diferença foi estabelecida pelos homens. E será que eles eram lúcidos ou loucos? A loucura também não pode ser lúcida?

- O senhor toma algum tipo de remédio?

- Não. O meu remédio é a Alma do Mundo. Se o senhor for capaz de encontrar a minha rosa, a rosa que está dentro do coração, eu saberei que o senhor sabe ler a Alma do Mundo.

- Sua Rosa...?

O médico olhou para os lados e encontrou uma rosa colocada na cabeceira da cama do homem. Ficou intrigado. Ele tinha certeza que não havia rosa naquele local minutos antes de o homem referir-se a ela. Como apareceu aquela rosa?

Esticou o braço, apanhou a rosa e mostrou ao homem.

- Está certo, doutor. É por isso que encontrou a minha rosa.

- O senhor também sonha doutor. É por isso que encontrou a minha rosa.

- Ela é o meu sonho e o seu também. Por favor, doutor, eu preciso sair desse hospital. Eu preciso plantar minha rosa no coração das pessoas. Eu preciso sonhar...eu preciso viver...

O médico nada respondeu e foi até a enfermaria. Minutos depois voltou e disse ao homem da rosa:

- O senhor está de alta. Pode ir cultivar a sua rosa. ..Ela precisa viver.


Capítulo XV

O sol estava forte. Não havia pássaros voando, nem vento soprando.
                     
O homem da rosa caminhava lentamente, observando a tudo e a todos. Havia algo intrigante no seu olhar. Era um olhar fixo no infinito. Parecia querer ver além do que o simples olhar pode mostrar. Ele costumava dizer que enxerga-se com os olhos mas somente com o coração pode-se ver a vida. Era assim que ele olhava: com coração. E fixou o olhar ao longe, no banco da praça, onde uma jovem derramava lágrimas doídas, lágrimas que saíam de dentro do coração e molhavam aquele belo rosto, caindo ao chão.

Em passos lentos, temerosos, o homem da rosa atravessou toda a extensão da praça e ficou parado, observando o choro triste daquela moça bela.

- Não se assuste – disse o homem, ao sentar-se ao seu lado. Eu não vim fazer-lhe mal...Por que você chora assim tão copiosamente?

A moça nada respondeu e olhou-o nos olhos. Queria falar alguma coisa, mas o máximo que conseguia era aumentar o choro.

- Olhe, moça, eu queria lhe dar esta rosa...Ela afaga as mágoas do coração e cura as cicatrizes geradas pela vida...Olhe, olhe a rosa na minha mão. Segure-a, ela é sua.

Novamente a mudez da moça foi a resposta. Ela tentou deixar o banco da praça, mas o homem da rosa pediu que ela ficasse.

- Moça, as suas dores são as dores dessa rosa. Ela busca desesperadamente existir mas as pessoas não a aceitam porque não compreendem a sua beleza e nem conseguem ler a sua alma. Sabe, moça, eu vivo só no mundo e só disponho desta rosa, por isso quero dá-la para você. Ela precisa só de água, caminho e amor. Eu sei que ao dá-la para você, vou sofrer; afinal, eu amo esta rosa. Aceite-a. Ela precisa viver...

A moça estendeu a mão e segurou a rosa. Imediatamente levou-a a altura do coração e parou de chorar. Até tentou sorrir, mas não o conseguiu. Sem dizer qualquer palavra, deixou que as lágrimas do seu rosto caíssem sobre as pétalas. Sem dizer qualquer palavra, a moça cavou um buraco no chão e a plantou. Para rega-la, a moça deixou que mais lágrimas caíssem, desta vez ao chão. A rosa, então, abriu-se totalmente. Os dois olharam para rosa. Viva, bela e cheia de luz!

- Minha rosa nasceu! Minha rosa nasceu! Ela foi plantada com o coração e regada com o amor, a alma da vida. Minha rosa nasceu! Minha rosa nasceu! – gritava o homem da rosa, pulando de alegria, enquanto várias pessoas o observavam, sem nada entender. Ele continuou gritando e, ao parar, olhou para o banco da praça e não encontrou mais a moça que chorava. Ela havia desaparecido misteriosamente. Ele a procurou por entre as pessoas, olhou em volta e não a encontrou.  Ao olhar novamente para o lugar onde a moça estivera sentada, encontrou um botão de rosa, pequenino, mas vivo e,  ao olhar para o chão, chorou ao ver que a rosa que fora plantada estava bela e forte.

O homem da rosa sentou-se no banco da praça em cima do botão.


Autor: Carlos Costa – Manaus/AM
Publicação autorizada pelo autor

Comentário de Jorge Tufic:

É  sempre um raro prazer estético e literário aliar-me a um texto ficional de Carlos Costa, não apenas como seu amigo de longa data, senão também porque sempre vi, no que ele escreve, um pendor para as letras e uma legítima força criativa. Dizem que aos poetas, todos os demais segmentos da literatura podem ser praticados com leveza e autenticidade. Em CC se confirma, plenamente, esta óbvia acertiva dos melhores críticos do gênero.