terça-feira, 30 de julho de 2013

Outras lembrancinhas de Pernambuco

Além de terem seus textos publicados em livro, os ganhadores do Primeiro Concurso Temático do Blog Gândavos, receberão em suas cidades livros e mais estas duas belezuras do artesanato da região: Anjos de estopa e caixas baú (11,5x13cm), apelidada de Arte sublime, do artesão Wilton José da Silva, de Igarassú/PE.





Outras lembrancinhas já anunciadas:

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Um causo de amor

Autora: Michele Calliari Marchese

“O Teixeira era um jagunço dos diabos e vivia por aqui, matando, assaltando e deixando todo mundo assustado. A morte dele deu-se ali na cidade de Catanduvas. Ficou dentro de uma cabana, armado até os dentes. Nenhum polícia conseguia tirar ele de lá e não conseguiam acertá-lo. Num determinado momento e querendo matar a polícia, saiu da cabana com um revólver em cada mão e atirando sem parar. A polícia que tinha ido preparada, sacou de uma metralha e foi só assim que o Teixeira morreu. Tiraram uma foto dele com o par de revólveres cruzados em seu peito.”
E o Padre Dimas mostrou para todo o povo da Campina a foto do jagunço jazido e olhou de atravessado para o Juvenal. Fora este o Jacó e o Padre Dimas, ninguém entendeu porque ele estava falando de jagunço morto em Catanduvas, mas ninguém perguntou nada. O padre falou e estava falado e também porque era um prenúncio de morte.
O povo ficou impressionado.
Acontece que o Jacó tinha várias filhas e uma delas, já com 17 anos estava enamorada de um rapaz de Capinzal que o pessoal achava tratar-se de um jagunço daqueles bem brabos. O nome do moço era Juvenal e tinha um cavalo crioulo muito lindo e não olhava para moça nenhuma que não fosse a Iracema, uma das filhas do Jacó.
O Juvenal ia e vinha, e ninguém nunca soube o paradeiro dele, se tinha família e se trabalhava no quê. Era um mistério. A única coisa que se sabia certo era que queria casar a todo custo com a Iracema. E ela com ele.
Iracema chegou a sugerir uma fuga, mas Juvenal não aceitou. Tinham que casar bem certinho, na Igreja, com a benção do Padre Dimas e tudo o mais. Já tinham até as alianças, mas o Jacó não aceitava nem por misericórdia.
Foi no domingo que o Padre Dimas falou em seu sermão sobre a morte do bandido Teixeira e o Jacó achou por bem falar com o Juvenal. Assim, de homem para homem e entre tantas coisas que foi falado e que nunca se soube, foi que o Juvenal partiu de volta para Capinzal naquela mesma hora e nunca mais voltou.
À pobre da Iracema restou chorar amargamente e casar com o primeiro que apareceu.
E assim como na vida, tudo passou. O padre Dimas morreu, as coisas mudaram de lugar e de espaço, o Juvenal ficou viúvo e a Iracema, também.
Aconteceu bem quando eles estavam esperando a morte chegar, quando já tinham vivido e não tinham mais nada para viver e os dois se viram e se encontraram na Missa das oito, aqui na Campina e justamente na hora que o Padre Ivo disse:
“O bando do famoso bandido “Facão do Penacho” só pôde ser capturado depois que os assaltados conseguiram dar uma bebedeira nos assaltantes, e aí então, depois de dormindo foi que conseguiram dar o cerco na casa e prenderam os meliantes, sem direito de defesa e tampouco de vida, desapareceram no caminho da penitenciária de Curitiba, no Paraná.”
E foi a coisa mais linda que ouviram, porque era o prenúncio de uma nova vida, a vida deles juntos, mesmo que durasse outro tão pouco tempo quanto àquele de sessenta e cinco anos atrás e também porque o Padre Ivo não sabia nem porque tinha comunicado à população sobre a captura, já que o ocorrido tinha acontecido uns 30 anos atrás.
Então Juvenal e Iracema resolveram se casar, imediatamente. Sozinhos os dois com o Padre. Sem padrinhos, sem família, sem ninguém, com aquelas velhas alianças que o Juvenal tinha guardado e que não cabiam mais nos dedos, mas que serviram em seus corações.
Assim como devia ter sido em 1932 e não foi. E eles sabiam também que quando o padre falasse de novo em jagunços e bandidos jazidos há muito tempo atrás, era porque era a hora da despedida.
Era a hora da morte do amor. 

Michele Calliari Marchese é catarinense de Xanxerê. Formada em ciências contábeis, é contista semanal do Jornal Diário Folha Regional de Xanxerê - SC, mantém uma escrivaninha no site Recanto das Letras e no blog Sem Vergonha de Contar. Participou com contos nos livros UFOs - Contos não identificados e Espectra, ambos pela Editora Literata de SP,  do Livro dos Prazeres editado pelo SESC de Santa Catarina e no E-book Quinze Contos Mais pela editora Helena Frenzel.


sábado, 27 de julho de 2013

Primeiras ¨lembrancinhas¨ de Pernambuco para os vencedores do concurso Temático de Textos do Blog


A FENEART em sua 14 edição, no Centro de Convenções, Recife/Olinda PE, foi de programação vasta, com estandes de artesanatos, exposições e shows. No detalhe, duas peças do artista Jones Emídio, expositor de Sertânia PE, criador das esculturas (vazadas) em madeira que farão partes dos brindes da terra, uma para cada um dos dois vencedores do Concurso Temático de Texto do Blog, em andamento.


Contato do artesão:
José Emídio
jones_arte@hotmail.com
Telefone (87) 9143-7661 (87) 9657-1305


As duas lembrancinhas desta semana, para os ganhadores do Concurso, vão deixar a mesa dos autores mais interessantes. Um belo porta lápis do Artista ARNALDO LOPES, com trabalho em cerâmica sobre a madeira; e também os famosos bonecos agricultores, do artista PAULO RODRIGUES, lá de Caruaru (PE). São aqueles bonecos de barro conhecidos popularmente como ¨bonecos do Mestre Vitalino¨.






terça-feira, 23 de julho de 2013

Mensagem aos autores do Concurso Temático do Blog Gândavos


Autores:

Já estamos recebendo os votos para a escolha dos dois melhores textos do Concurso.

Enviem seus votos para o endereço: gandavos@hotmail.com, basta citar os nomes dos dois textos escolhidos, atribuindo-lhes notas de 1 a 10, a cada um deles.

A fase de votação se encerra quando o último autor votar, ou no dia 10/09/2013.

Importante: O texto de número 30 – A herança de Dona Zefa, foi retirado do concurso, portanto não dever ser agraciado com votos.

Por fim, vamos eleger os dois melhores TEXTOS do concurso.

Um abraço

Carlos A Lopes

Coordenador do Concurso

Lilica

Autor: Roberto Rêgo

Esse é o nome da cachorrinha “poodle” da minha princesa Ana Claudia e dos seus filhos, meus netinhos adorados, Isabela, Victor e Guilherme, residentes no Condomínio Residencial Jardim das Palmeiras, em Jundiaí, São Paulo.
“Lilica” tem o número 0 (zero, o menor na classificação pelo tamanho), mede uns trinta centímetros de comprimento, no máximo, é branquinha, pelos anelados, olhinhos negros, muito mimosa, uma graça de animal. Conquistou logo a simpatia de toda a família, até do paizão, o Décio, o qual não é lá muito chegado a cachorro. Mas, como ele faz tudo pela alegria e felicidade da família, concordou com a vontade de todos e adquiriu o bichinho de estimação.
Aí “Lilica” chegou, viu e venceu. Muito meiga, vive dentro de casa, sempre por perto, gosta de aconchego e de carinho; cachorrinha  de companhia, parece gente! Se você está triste, pensativo, ela deita à sua frente, estende as patas dianteiras e nelas apóia seu queixo, permanecendo quieta e pensativa também. Isso mesmo, pensativa! Ou vocês acham que cachorro não pensa? ...
Se você está alegre, bem disposto, a “Lilica” participa desses momentos de descontração, corre pra lá e pra cá, abana o rabinho, os olhinhos brilham, dá latidos curtos de entusiasmo, se achega e estende a cabecinha pedindo cócegas no pescoço gracioso. Ela é assim, amiga, companheira fiel, participativa.
Aos domingos, quando a turma sai para os passeios no Parque da Cidade, ou no Jardim Botânico, “Lilica” marca presença, correndo atrás dos meninos e das suas bicicletas, ou apostando carreira com Isabela, Victor e Guilherme nas voltas de patins ou de “skate”. Se a brincadeira da turma é com bola, ela também está lá, vai atrás, corre de um lado a outro do gramado, só faltando disputar a pelota com eles, arriscando-se até a levar um chute ou uma bolada dos marmanjos.
Mas quando chega a noite, “Lilica”, cadelinha bem comportada, sai para a área externa e corre pra sua casinha, ao lado do pequeno jardim bem cuidado, onde se instala, agasalhada pelos panos macios e quentinhos do seu “lar, doce lar !” ... E sonha com as brincadeiras que virão no dia seguinte.

Autor: Roberto Rêgo - Belo Horizonte/MG
Publicação autorizada pelo autor

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Alma penada

Autora: Conceição Gomes

Nos áureos tempos  do município de  Brejo Santo,  em Pernambuco, vivia um rico fazendeiro conhecido como Santeval. Suas terras perdiam-se de vista, iam além das colinas cobertas da mais verdejante vegetação. Muitas cabeças de gado e vários hectares de cana de açúcar. Só tivera uma filha, chamada Rosa. Moça de rara beleza, fora educada na Europa, precisamente em Londres. Os moços do lugar perdiam-se de amores pela bela jovem, mas ela declinava a todos e dizia que nenhum havia tocado seu coração. Vivia também no município, um belo rapaz de nome Maneco Santício. As moças suspiravam por ele, mas ai de quem ousasse namorá-lo. Os pais das donzelas não admitiam nem falar em Maneco  nas conversas de família, tudo porque o moço  era um exímio preguiçoso, não tinha emprego fixo fazia pequenos bicos  tudo o ganhava,  gastava com a bebida. Não raro, era encontrado caido de bêbado  nas beiradas das estradas. Aconteceu na festa do padroeiro do município. Rosa passeava  pelo arraial, admirando  os produtos das barraquinhas e deliciando-se com  as guloseimas. Maneco fazia o mesmo. De repente, seus olhares se cruzavam. Foi paixão à primeira vista. Maneco puxou conversa, ofereceu um refresco para Rosa e saíram a passear juntos. Sabendo depois quem era o mancebo, Rosa sabia perfeitamente que não poderia namorá-lo, mas  quem manda no coração? Os dois passaram a encontrar-se às escondidas, em algum canto sossegado da fazenda  do Velho Santeval, precisamente em  uma caverna  cheia de mistérios. Quase todos os habitantes sabiam do romance, mas quem se atreveria a turvar a felicidade de um  casal apaixonado? E ainda sabendo do risco que Maneco estava correndo?Certo,  ele era um beberrão, mas depois de iniciado o romance  com Rosa, até parara de beber  e arrumara um trabalho como peão em outra fazenda vizinha a de  Rosa.  Mas quem disse que  esse romance passaria impune? Alguem contou tudo ao velho Santeval, que flagrou os dois no refugio onde se encontravam escondidos. Rosa foi levada para casa e trancafiada no  seu quarto. Maneco levou uma camaçada de pau e foi ameaçado que se tentasse  ver Rosa novamente seria castrado.
O tempo passou. Maneco voltou a beber desbragadamente e Rosa definhava a olhos vistos. Certo dia, mal conseguindo se por de pé, Maneco invadiu a Fazenda Santeval, bem perto do pasto dos bois para ver sua amada. Apanhado  por um touro furioso, foi atingido com algumas chifradas na região do fígado e morreu ali mesmo. Rosa ficou sabendo e desesperada correu até o local onde Maneco caíra morto. Atirou-se  sobre o corpo do amado chorando copiosamente. O Velho Santeval ao ver a cena,   tirou a filha dali e ainda esbofeteou-a. Rosa não resistiu e teve uma síncope ali mesmo. Nessa hora,  despejando ódio por todos os poros, o Velho Santeval rogou uma praga:  que a alma de  Maneco vagasse  no fogo do inferno e que nunca tivesse paz. Alguns dias depois,  por volta da meia noite Tadeu, o irmão de Rosa, passando pelo local onde Maneco morrera, viu um vulto vestido de negro.  Quis correr mas as pernas pareciam ter chumbo. Ficou inerte. Então ouviu uma voz que lhe pediu:
-Tadeu, peça ao seu pai para retirar a praga que me rogou, senão nunca minha alma vai poder descansar. Dito isto, o vulto sumiu. Tadeu transmitiu o recado ao pai, mas este foi inflexível, não perdoou Maneco e nem retirou a praga. Diante da morte do Velho Santeval, a mulher dele pediu que retirasse a praga. Nem assim o velho cedeu. Os antigos moradores de Brejo Santo,  hoje um município em total decadência,  dizem  que a alma de Maneco vaga por lá. Dizem até que por vezes, um velho também vestido de preto aparece ao lado de Maneco. Muitos já viram  e haverão de ver.

Autora: Conceição Gomes - Curitiba/PR

Página da autora:
http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=54344

domingo, 14 de julho de 2013

A Tosa do Pepe

 Autor: Roberto Rêgo

O “Pepe”, um cachorrinho vira-latas, pelagem grande, cor do mel, foi deixado com menos de um mês na garagem lá de casa.
Pela manhã, ao ligar o carro, ouvi um chorinho fraco bem próximo, de cachorro desamparado. Só podia ser.
Agachei-me e vi o danado debaixo do carro, meio desconfiado. Fiz uma graça e o chamei, ele abanou o rabinho mas negaceou. A custo, logrei tirá-lo de sob o veículo.
Levei-o à minha esposa, Maria Mari que, de cara, se encantou com o cãozinho e resolvemos adotá-lo.
Tive um rompante, liguei para São Paulo e falei com os netos Izabela e Victor, contando a novidade. Encostei o aparelho ao focinho do animal e os meninos ouviram os seus ganidos, a mais de seiscentos quilômetros de distância, ficando ainda mais ouriçados do que eu!...
Daí pra frente, nossa casa ficou mais agitada com o “Pepe”, já por natureza um cãozinho levado da breca. Rodos, vassouras, tapetes, pequenos objetos e tudo o mais que estivesse ao seu alcance era simplesmente destruído.
A Dona Maria Mari, sempre muito organizada com as suas coisas, seu jardim e suas flores, surpreendeu-me ao tolerar as peraltices do cachorro, relevando tudo o que ele aprontava. E como aprontava!
O Igor, nosso primeiro neto, tomou-se de amores pelo “Pepe”, brincava com ele, rolavam na grama do jardim simulando briga feia, porém jamais foi sequer arranhado pelo animal de boa índole.
E assim a vida correu um ano e meio, até o dia em que eu, achando o “Pepe” muito cabeludo, resolvi levá-lo à “Dog’s House” para uma tosa.
Deixei-o com recomendações diversas, mas não imaginava o que fariam com ele, pois era a sua primeira vez (eu mesmo lhe dava banho e o tratava, mas sem tosa, é claro).
À tardinha, tocou a campaínha lá de casa e deparamos com a camioneta da “Dog’s House” estacionada. Um garoto desceu com o “Pepe” na coleira, todo pelado e cheiroso que só!
Levamos um baita susto, pois ele ficou magrelo à beça, com as costelas à mostra, sem pelos, e foi reconhecido apenas pela sua cara sem vergonha, de focinho preto, seu ar brejeiro e sua enorme alegria.
De consolo, botaram-lhe uma gravata de seda grená no pescoço pelado, com nó caprichado. Ficou chique!...

Agora é dar tempo ao tempo e esperar crescer sua bonita pelagem dourada (“crocante”, como diz o Igor), para que nos sintamos todos, de novo, felizes e orgulhosos do nosso mascote.

Autor: Roberto Rêgo - Belo Horizonte/MG

Publicação autorizada pelo autor

quinta-feira, 11 de julho de 2013

O diabinho e o cinto de castidade

Autor: Geraldinho do Engenho

Rebeca era a mais velha das quatro filhas do coronel Juvêncio. Fazendeiro abastado e influente naquele vasto sertão. O latifundiário tentava manter uma tradição erronia e ultrapassada, herdada desde as remotas épocas da idade média, repassada de geração a geração até chegar aos seus ancestrais.
Diziam as más línguas que a riqueza do coronel tinha um porque, era duvidosa. O homem não era lá muito bento, possuía um diabinho preso em uma garrafa, escondido num compartimento secreto da casa grande. Chegavam afirmar já terem o visto à meia noite de uma sexta feira treze, conversando com um ser muito estranho, na encruzilhada que dava acesso a caverna do diabo, nome dado ao despenhadeiro existente onde situava as crateras de um vulcão adormecido.
Viúvo desde o nascimento da filha caçula era enrabichado pela Pandora, mulher de reputação duvidosa, que diziam ser vidente e macumbeira.
Dorinha, cuja mãe faleceu ao lhe dar a luz, ao completar seus doze anos, vivia lamentando o desconforto causado pelo cinto de castidade, imposto pelo pai, e acusando Rebeca por não desencalhar, arrumando um casamento. Segundo a tradição do velho primeiro a filha mais velha teria que ser levada ao altar para o casamento, abrindo o caminho para as mais novas. Revoltada com a situação não cansava de lamentar o triste destino por ter nascido de um pai tão quadrado com o seu conservadorismo doentio.
Ìnhá Chica era um anjo de bondade  para as quatro moças, que a consideravam como verdadeira mãe. Todas elas ao completar doze anos eram trancafiadas por um cinto de castidade. Cujas chaves dos cadeados andavam pendurada na cintura do velho.
Apesar da condição de escrava, Inhá Chica tentava ajudá-las, mas sua posição de cativa a impedia. Alem do mais desde a tentativa de surrupiar a penca de chaves do velho, o que lhe custou mais de quarenta chibatadas, a pobre escrava apenas rezava consolando suas meninas. As três mais velhas eram mais recatadas e quase não apareciam em publico, aos currais onde havia grande movimentação de empregados e clientes que negociam a produção agropecuária com o coronel. Mas Dorinha, essa era pimenta pura, vivia a correr pelas capoeiras as escondida do pai, se agarrando com os filhos dos vaqueiros, que tentavam sem sucesso arrombar o cadeado do seu cinto. Mais saidinha estava sempre servindo o café da manhã e da tarde aos vaqueiros e visitantes, toda cheia de charme esnobando seus encantos, espevitada deitando o olhar provocante em cima de tudo que era homem.
Certa ocasião coronel fechou um grande negocio com um rico carniceiro dono de um estabelecimento de charques. Dias após chegou à comitiva encarregada do transporte da boiada. Permanecendo na fazenda durante duas semanas capeando a boiada no  procedimento  preparativo para a viagem. Dentre seus membros, um ferreiro que cuidava das ferraduras da tropa, fazendo dupla com o cozinheiro, os dois rapazes bem afeiçoados, eram cantadores e violeiros.
Confiante no equipamento que protegia suas filhas, contra os malfazejos o coronel lhes deu toda liberdade para assistir a cantoria da dupla, coisa inédita naquelas remotas paragens sertaneja. Imaginando a     possibilidade de desencalhar as filhas mais velhas com algum casamento, relaxou sua vigilância. Passou o tempo inteiro entretido com a Pandora.
Foi o bastante para sua espertinha caçula passar ao ferreiro, copias dos cadeados que as mantinham castas, moldados em cera de abelhas. Durante mais de uma semana o amor rolou solto, no silencio, da noite as altas horas entre as quatro virgens, os violeiros e outros que faziam parte da comitiva. Quando a comitiva partiu foram quatro corações partidos que ficaram.
Tempos depois coronel cismou que suas filhas haviam sido atacadas pela malaria, imaginando que o paludismo estava deformado o corpo das filhas. Mandou Inhá Chica preparar as ervas necessárias para o tratamento. Experiente a velha escrava as encheu de vitaminas, cuidando bem das quatro moças. Ao completar nove meses da partida da comitiva Ínhá Chica chamou o coronel com certa urgência na casa grande, exigindo lhe passar as chaves, pois chegou à hora ele seria avô de quatro netos. Estupefato o velho quis tirar satisfações com a escrava, que o reprimiu:
--Agora coroné Juvêncio é hora de bota no mundo quatro vidas, quatro netos que Deus te mandô mode castigà ancê! Tá pensano qui vigiá muié coroné é tarefa fácil, ninguém vigia muié não! Dão-me cá as chaves qui os bacurim tão bateno nas portas mode saí!
Transtornado o velho obedeceu à escrava, entregou a penca de chaves e foi se consolar nos braços de Pandora. Por mais de trinta dias ninguém deu noticia de seu paradeiro. As filhas já recuperadas imaginavam mil coisas quando o velho reaparecesse. Dorinha sempre afirmando:
-- deixem comigo eu resolvo tudo. Um belo dia aparece o velho. Inhá Chica o viu chegar trotando seu cavalo baio. Correu ao seu encontro estava manso como um cordeiro. Assustada com sua mansidão a escrava logo previu o que estava para acontecer, dizendo--lá com seus botões:
-- aí tem coisas, estamos diante de um lobo em pele de cordeiro. Estava certa-, o velho chamou as quatro mães às colocou de pé a sua frente e disse:
- estão vendo esta pistola no meu cinturão? Voltei para lavar a minha honra, dêem-me uma boa explicação ou morrerão todas!
Dorinha se postou a sua frente e disse:
- meu pai, tu se lembra daquele dia em que eu soltei seu diabinho quando o encontrei por acaso, naquela sala secreta do porão, preso naquela estranha garrafa? Eu passei o maior apuro não sabia como prendê-lo; minha única alternativa foi lhe dar ordem para lavar as pintas pretas do bode reprodutor dizendo que o queria todo branco. Ganhando tempo até que o senhor chegou para prendê-lo? Foi ele que me ensinou a moldar de cera as chaves de nossos cintos. Quando a comitiva chegou passei ao ferreiro o molde das quatro chaves. o resto o senhor como homem deve imaginar o que ocorreu. Esta é a história agora façamos o seguinte o senhor mate a mim sou a única culpada, deixe minhas irmãs viverem e criar seus quatro netos, eles estão isentos de culpa, são inocentes!
-- E não merecem ser castigados por um avô tão burro como Eu -, não é mesmo filha? Venha cá me dê um abraço não vou matar ninguém e estou louco pra conhecer meus netos! Estou orgulhoso de você, saiu com a minha coragem e a beleza de sua falecida mãe!
Quanto ao diabinho você nunca o viu! E ninguém aqui sabe de nada estamos entendidos!


Geraldinho do Engenho - Bom Despacho/MG



Publicação autorizada pelo autor

terça-feira, 9 de julho de 2013

Meu boi da cara preta

Autor: Dilemar Costa Santos (Vô Dila)

Morávamos num sítio, chamado “sossego’”.
Sendo o mais velho dentre os filhos homens, cabiam-me as tarefas mais puxadas.
Eu não reclamava, quando eram para ser desempenhadas no campo. Sentia-me bem, em contato com a natureza.
Aprendi a me alimentar com frutos silvestres, que permitiam eu percorrer longas distâncias;  bebia água de gravatá, e outras coisas que a cerrada caatinga oferece.
Sentia-me bem! Conhecia todos os animais que habitavam a região.
Olhávamos-nos com desconfiança, e quando nos víamos muitas vezes, até despontava certa intimidade.
Nosso sítio era pequeno. Por isso, só três vaquinhas povoavam a propriedade. Não podia ser mais porque nosso campo não oferecia alimentação bastante.
Nossa família era pródiga: Doze filhos, Pai, Mãe, Avó, duas Irmãs de criação, e uma Empregada doméstica, que também era nossa família, sem nenhum preconceito.
As vaquinhas eram conduzidas por nós, crianças, até o curral, para tirar o leite, apartar os bezerros. Eram muito mansas.
Os bezerros atendiam ao chamado, pelo nome que nós colocávamos, desde quando nasciam.
Assim, havia uma estima enorme pelos animais.
Ora, o bezerro crescia, e a vaca ficava velha. Assim, nem um, nem a outra, podiam permanecer no nosso sítio, porque significava excesso de ocupação.
Nós crianças, não entendíamos dessas razões, e quando ia ocorrer o desbastamento do rebanho, ocorria também uma torrencial chuva de lágrimas, com lamentos que se podia ouvir de longe.
Por outro lado, tão humanizados ficavam esses animais, que nenhum vaqueiro, montando cavalo, se atrevia a chegar perto deles.
Tornavam-se umas feras, e chifravam os que se atrevessem a insistir chegar perto.
No momento dessas fúrias, eu era o infeliz remédio. Digo infeliz, porque ia conduzi-los, aos prantos, sabendo que muitas vezes marchavam para o abate.
Meu touro Cara-preta, chegou ao ponto de ser vendido, e não havia alternativa; nem Papai admitia ser contestado.
Numa tarde, chegou um açougueiro montado a cavalo. Papai o recebeu, e indicou onde estava o touro Cara-preta. Isso significava que ele fora vendido.
O Cara-preta estava calmamente pastando. Ao pressentir a presença do estranho, levantou a cabeça, juntamente com os outros do rebanho, entortou-se todo, começou a fungar, e cavar com as patas dianteiras. Baixou o cangote, e partiu que nem um raio pra cima. Ireno desistiu de levá-lo naquele momento.
Mais tarde voltou com outro companheiro.  Então os dois, em grande vantagem para com meu valente bichinho, jogaram laços, dominaram-no e amarraram uma corda prendendo os chifres a uma das mãos; colocaram uma careta – um artifício que deixa o animal sem enxergar para frente -. Quando terminaram a empreitada já era noite, e não seria possível levar Cara-preta. Então o deixaram junto aos demais do rebanho, para que ele se acalmasse, e no dia seguinte virem buscá-lo.
Eu trazia os olhos inchados de chorar, e fiquei grande parte da noite escondido nas proximidades da casa, acariciando meu bichinho, que também parecia chorar comigo, porque seus olhos gotejavam e escorria pela cara, enquanto das ventas, saia uma espessa baba.
Mais Tarde, entrei pela porta da cozinha, e fechei-a com a tramela, indo direto para o quarto. Depois, ouviu-se um grande ruído vindo da cozinha. Acenderam os lampiões e fomos cautelosos verificar o que estava acontecendo. Chegando, com toda a cautela, vimos que lá estava o Cara-preta deitado em meio do cômodo.
Foi um verdadeiro alvoroço, e ninguém mais dormiu.  Nós crianças, desatamos na choradeira. Eram cinco horas da manhã, do dia seguinte,quando Papai me acordou, e disse:
– Filho, compreenda, eu também sinto pelo seu Touro; mas não podemos ficar com ele, nem com as outras crias que já estão grandes, porque os pastos não comportam.
Pegue uma faca, corte essa corda que o imobiliza parcialmente, e conduza-o para fora da casa.
Assim fiz, e não tomei meu desjejum. Embrenhei-me na caatinga, fui me acalentar com meus amigos bichinhos, meus pássaros, companheiros diários, dos quais tanto gostava.
À tardinha, acabrunhado, fiquei sentado em baixo da pinheira.
Um pássaro, nunca visto por mim, movimentou-se calmamente de um galho para o outro.
Como posso descrevê-lo? Creio não saber dizer, tanto quanto vi.
Eu conhecia todas as espécies de pássaros que povoavam nossa região. Pássaros, e aves! Imitava quase todos eles, com perfeição; a tal ponto que os trazia para perto de mim, quase podendo tocá-los. Mas, aquela coisa divina, que estava à minha frente, manso, induzindo a que eu o tocasse, eu nunca tinha visto. Não havia nada semelhante!
Da cauda, pendiam penas longas, que se assemelhavam a um ramo, coberto com arminho, cor azul-profundo; no corpo, a plumagem era matizada, de extremo fulgor.
Fiquei embevecido! Imaginei que era encantado, mandingueiro, como aqueles que povoavam as estórias contadas por minha Avó.
Pensei que ele estava ali para me libertar de todos os males, e que então eu deveria segui-lo, por onde quer que fosse.
Naquele momento me senti o Rei dos meninos. O Poderoso!  Tornaria-me invisível no momento que quisesse. Poderia voar como ele. Mas, para tanto – pensava eu-, era preciso tocá-lo. Ele Parecia me convidar a que fizesse isso. Continuava, saltando, de um galho para o outro, no mesmo arbusto.
Concentrei o pensamento, chamei as forças invisíveis, e levei a mão. Ele, como que sorrindo para mim, iniciou uma brincadeira, que durou todo o restante do dia:
- Deixava quase tocá-lo, e pulava para o próximo galho. Foi assim por toda à tarde.
Os tempos se passaram, e ainda me recordo com tanta clareza esse episódio da minha infância.
Com a vivência, faço um pouco de associação, entre o Pássaro, e meu boi Cara-preta:
- É que, naquele único dia, única vez, que eu vi aquele Pássaro e amei tanto, naquele mesmo dia, uma terça-feira, meu Cara-preta foi abatido e nunca mais haveria de vê-lo, e com ele brincar de amizade.

Autor: Dilemar Costa Santos (Vô Dila) - Ipirá/BA

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Publicação autorizada pelo autor