Autora: Lenapena
Carolina
era jovem criada para casar.
Era filha única. Nasceu de um parto que durou dois dias, e quase levou sua mãe
para o cemitério.
Dona Genoveva, criou a filha nos moldes das antigas famílias, lá naquele belo
rincão distante de tudo.
Aos 19 anos, Carolina sabia costurar, cozinhar, lavar, mas a tarefa em que mais
se destacava era no bordado, com seus dedos longos e finos, trabalhava com
agilidade e delicadeza os tecidos de linho e algodão. Com esmero, costurou e
bordou seu lindo enxoval.
Lençois alvos, jogos de banho e mesa, tudo recebeu o capricho da jovem, que só
esperava pelo grande dia, em que veria sua vida unida para sempre, ao moço
Jiustino.
O jovem era filho de um fazendeiro muito amigo de seu pai, que viu com bons
olhos o namoro dos dois.
O enlace estava marcado, para o final do mês de maio. E logo no início do
mês, os preparativos na fazenda de seu Euzébio, pai da noiva, já começavam a
acontecer.
Dona Aurora, uma habilidosa costureira, da região, vinha uma vez por semana
provar o lindo vestido de renda francesa. Tecido comprado do Seu Ribas, um
vendedor ambulante, que servia a família do fazendeiro há muitos anos. A última
prova fora feita, e a noiva estava linda, em seu traje rendado e longo véu de
tule.
Iracema, antiga cozinheira da família, encarregou-se de arrumar mais três
ajudantes, e na semana do casorio, a imensa cozinha da fazenda, estava
movimentada, pelo preparo dos quitudes e doces para o esperado
acontecimento.
A casa da fazenda, respirava em clima de festa, afinal a única filha de seu
Euzébio ia se casar.
Chovia e fazia frio, na noite da véspera das bodas, quando Jiustino, teve que
ir atrás de dois bezerros que escaparam do curral. Junto ao capataz da fazenda
o jovem embrenhou-se pelo matagal, na tentativa de encontrar os animais.
Foi de repente que o réptil asqueroso cruzou o caminho dos dois homens. Sem
enxergar, na escuridão da noite, Jiustino, só percebeu quando já era tarde
demais.
Desesperado, o capataz, colocou o patrão sobre seus ombros, e voltou com ele,
para a casa da fazenda.
Ao chegar, o rapaz, já estava inconsciente, o médico amigo foi chamado, mas,
pouco pode fazer. Antes do dia amanhecer o rapaz dava seus últimos suspiros.
Carolina, quando soube da tragédia, recolheu-se em silêncio, e numa tristeza
sem fim.
Os dias passavam sem que ela notasse. A única coisa que tirava a jovem do seu
leito, era o enxoval que ela guardava em um imenso baú aos pés de sua cama.
No começo dona Genoveva, consternada pela dor da filha, permitiu, aquele triste
ritual. Olhava a cena que se repetia dia após dia, sem nada poder fazer.
Carolina passava horas e horas, olhando, afagando e arrumando seu precioso
enxoval.
Com o passar dos meses, porém, os bondosos pais, começaram a se preocupar com
aquele estranho ritual.
E resolveram conversar seriamente com a filha. Argumentaram, que continuar com
aquela atitude não traria o noivo de volta para ela, e que pelo contrário,
poderia até perturbar a alma dele.
Carolina, sempre silenciosa, desde a morte do noivo, nessa hora se manifestou,
e disse: - Não, ele gosta de me ver arrumando nosso enxoval, e me conta
que logo virá me buscar, e vamos poder levar todo nosso enxoval. Por isso, peço
que me enterrem com meu vestido de noiva. Assim, estarei pronta para seguir com
Jiustino.
Dona Genoveva, se benzeu seguidas vezes, como que para afastar o mau agouro.
Seu Euzébio se arrepio de medo, ao ouvir a filha falar em morte.
Os dias passaram, e era comum durante a madrugada, os pais ouvirem a filha
conversando sozinha em seu quarto, das vezes que foram até lá, a encontraram
debruçada sobre o baú, alisando o vestido de noiva e o enxoval.
Nessas ocasiões pediam para que ela fosse dormir, e deixasse aquelas tolices.
Mas, Carolina, sempre repetia a mesma coisa: - Estou mostrando o enxoval para o
Jiustino, ele está me contando que a hora de minha partida está chegando.
Preocupados, os amorosos pais, resolveram chamar o respeitado João Tonico, um
velho descentende de escravos, que vivia na fazenda, pela bondade do seu
Euzébio.
João Tonico, era muito respeitado pelos seus dons e contato com o sobrenatural,
e assim que entrou no quarto da jovem, começou a conversar, com o espírito de
Jiustino.
Ao sair dali, chamou os pais da moça e falou: - O estado da menina Carolina é
muito perigoso, é um caso de fascinação. Ela está ligada ao noivo, e ele não
sai do lado dela. Pedi muito pra ele deixar a noiva em paz. Ela, ainda tem
muito que viver. Mas, ele afirma convicto que dentro de pouco tempo a levará
com ele. Sinto, mais nada posso fazer, pois vossa filha está em plena sintonia
com o espírito do morto, não há como quebrar essa subjugação a que de bom
grado, ela se submeteu. Eu não tenho poder para tanto. Só me resta rezar
muito aos meus guias e pedir proteção para a estimada menina Carolina.
Os pobres pais, se apavoraram, sem saber mais o que fazer, para tirar a filha
daquele estado perigoso. Pensavam: se nem João Tonico conseguiu livrá-la, quem
poderá?
Dúzias de velas foram acesas, missas foram encomendadas, dezenas de terços
foram rezados, banhos de sal grosso foram dados na jovem, na tentativa de
libertar a alma de Jiustino e livrar Carolina dessa fascinação.
Certa manhã, Dona Genoveva, despertou, e percebeu que naquela noite não ouviu
vozes, e nem teve que se levantar para pedir a filha que parasse de conversar
sozinha.
Esperançosa, foi até o quarto de Carolina, abriu devagar a porta, com medo de
acordá-la.
Se assustou ao vê-la vestida de noiva, deitada sobre as cobertas do leito. Ao
chegar mais perto, solta um grito de dor. Sua menina está morta, e tem nos
lábios um doce sorriso.
O mais estranho foi o que ocorreu, quando após o enterro, dona Genoveva, mandou
a empregada abrir o baú e queimar o maldito enxoval que estava guardado dentro
dele.
Espantada a fiel serviçal, correu para contar a triste mãe, que o baú estava vazio,
nele não havia sequer uma peça do belo enxoval.
Sem acreditar, Dona Genoveva vai ver com seus próprios olhos, e ao constatar
que é verdade, solta um grito e desmaia.
Nunca, ninguém, na fazenda achou uma peça do enxoval bordado com tanto carinho
por Carolina.
Porém, muitos foram os trabalhadores da fazenda, que juraram ter visto o jovem
casal em noite enluarada, caminhando de mãos dadas pelos caminhos do lugar.
Carolina sempre era vista com seu lindo vestido de noiva rendado.
Autora: Lenapena - São Paulo/SP
Publicação autorizada pela autora