sábado, 29 de outubro de 2011

O côncavo e o convexo - Autor:José Cláudio Cacá

“Se queres escrever para o mundo, então canta a tua aldeia.” ”Se queres ser universal, então começa por pintar a tua aldeia.” Estas e mais algumas versões livres foram adaptações de um pensamento de Tolstoi, um escritor muito além de seu tempo. A pessoa começa a se tornar imortal por esse caminho. Não estou dizendo somente se tornar imortal falando de sua aldeia, mas de ser à frente do seu tempo também. Muitas elaborações mentais levam seus produtores a serem chamados de visionários. São na verdade, pessoas que olham com olhos de lince o que as pessoas à sua volta costumam olhar com viseira. Como desvirtuam do senso comum, acabam sendo proscritos, marginalizados pelo ridículo da ousadia ou, dependendo da cultura onde vivem, sendo ungidos pelos óleos da reverência subserviente ou da bajulação. No entanto não deixam de ser especiais, senão creio que a humanidade não caminhava. Não haveria contraponto de idéias, um pensamento único se estabeleceria e seríamos uma civilização de um só rei. Ainda bem que divergimos em muitas coisas e com isso conseguimos ter vários reis. A democracia possibilitou-nos até escolher a qual ou a quais queremos nos submeter. E assim vamos lutando para justificar nossas vidas com bastante autonomia nas nossas desculpas esfarrapadas.

Como não escapo duma idolatria, pelo menos vou escolhendo o melhor possível os meus gurus. Os da insistência comercial da mídia não me atraem nem um pouquinho. Prefiro aqueles dos contra-sensos e por isso, obrigado, Tostoi, pois eu tenho aqueles momentos de querer ficar metido a escrever umas coisas mais complexas, “me achando”, pensando que tudo aquilo que é trivial e corriqueiro já foi dito e acabo quebrando é a cara.

Se eu quiser falar de Deus, oh, meu Deus, quanta incompreensão intolerante tem sido dito em sua pretensa defesa! Falar de amor? Complexo demais, e já aprendi com o Drummond que “amar o perdido, deixa confundido este coração e que as coisas findas, muito mais que lindas essas é que ficarão”. Falar do nosso lugar no universo, já se fala especulativamente por demais, criam-se hipóteses e teses e, a despeito de toda a caminhada a passos largos da ciência, com todo respeito, fico com a definição dos poetas: Evo!

Primeiramente porque eu não tô com essa bola toda de querer complexificar a vida e em segundo lugar, é do comezinho, é do cotidiano, da observação apurada e da vivência trágica ou serena que brotam os mais interessantes conhecimentos e prazeres.

Falar das coisas simples, eis a grande sacada. Então  junto o convexo  com o côncavo no sentido de concha e me conforto na literatura mais simples que eu conseguir.

Autor: José Cláudio - Cacá - Belo Horizonte/MG

Publicação autorizada pelo autor através de e-mail de 10/10/2011 

O amor traçando destinos - Autor: Carlos Lopes

Todo dia e sempre no cair da tarde, lá estava aquele senhor sentado numa velha e surrada cadeira no terraço. Todos que passavam na calçada o cumprimentavam. Era, em pessoa, o antigo senhor da rapadura, do alfenim e de outras massas de açúcar secas. No entanto, lá estava a se balançar em sua cadeira de balanço. Sempre de olhar perdido no nada, no máximo distribuía simpatias a quem chegava. Enquanto isso, a esposa cuidava dos afazeres lá nos fundos da casa.

Material retirado para compor livro

Dia Nacional do Livro

Encontro em suas páginas:

L iberdade,
I maginação,
V iagens...
R eflexão, renascimento.
O utros livros, espelhos e outras vidas...

"Dia Nacional do Livro", 29 de outubro, em homenagem à fundação da Biblioteca Nacional, que ocorreu em 1810. O primeiro livro publicado no Brasil foi "Marília de Dirceu", de Tomás Antônio Gonzaga, em 1812.


Autora: Vanice Ferreira - Curitiba/PR

Festival de piadas - Autor: Roberto Rêgo

Da última visita que fiz à minha terra natal, o Cedro, parei como sempre no Bar do Jair Breiada, na praça principal, onde se reúnem os velhos amigos da cidadezinha, a começar  pelos  mais antigos, se bem que alguns já viajaram para  os campos superiores.

É lá que a confraria se abraça, ri e chora, saboreia as tradicionais postas de curimatã ensopada com batatas, toma seus goles, fala de futebol, música, mulheres, conta “causos” e as melhores piadas do seu vasto repertório.

Lá por volta do meio dia, a maioria já calibrada, alguém sugeriu uma espécie de torneio de contação de anedotas. Num círculo, o primeiro da turma (o mais velho), Joãozinho Eugênio, contava uma de padre, o sujeito à sua esquerda contava outra, no mesmo tema e assim por diante, no sentido dos ponteiros do relógio, até chegar ao primeiro contador. Caso o cidadão não se lembrasse de alguma piada sobre o tema proposto, seria automaticamente eliminado e saia da roda de amigos. E assim prosseguiram até ficarem sómente três piadistas, o próprio Jair Breiada, o Zé Catarino e este modesto escriba. Lembro-me que para nós três últimos sugeriram piadas sobre o incorrigível “Joãozinho”, sempre lembrado pelas anedotas picantes nas quais ele é o personagem central.

Aí, o Breiada contou a primeira:- “O “Joãozinho”  chegou pra sua mãe e perguntou:- “Manhêee, bunda amarrota? ...” E sua mãe, curiosa:- “Por que você pergunta, “Joãozinho?” E êle, rapidinho:- “Eu ia passando na cozinha e vi o pai falando pra Joana:- “Eita, crioula, qualquer hora dessas eu passo o ferro na sua bunda!” .

Veio o Zé Catarino e emendou outra anedota:- “Joãozinho” foi confessar e disse ao padre que comeu batatinha. Aí, o vigário mandou-lhe rezar três padre-nossos; veio o Zequinha e falou que ... comeu batatinha. O padre, intrigado, deu-lhe penitência branda. E assim todos os meninos da longa fila da confissão disseram ter comido batatinha, até que o último, um mulato gordinho, todo espevitado, ajoelhou-se e antes de falar qualquer coisa o padre lhe disse:- “Não vai me dizer que você também comeu batatinha, né?...”  E  o  moleque  rebateu  de  pronto:- “Não,  seu  padre, eu  sou o “Batatinha”! ...”

Aí chegou a minha vez e lembrei-me daquela em que o “Joãozinho” fazia aniversário e pediu ao pai uma bicicleta, logo no café da manhã. O velho fixou-lhe os olhos, seríssimo e respondeu:- “Prometo a bicicleta, mas só se você ficar de agora até à noitinha sem falar um palavrão sequer, combinado?” – e o pivete concordou.

O dia passou devagar, “Joãozinho” foi à escola, não quis papo com ninguém, evitou as brincadeiras, sempre pelos cantos, mudo, capiongo e macambúzio. Voltou pra casa depois das aulas, enfurnou-se no seu quarto e nem pro jogo da pelada vespertina ele quis sair. Quando seu pai chegou à noitinha, sua mãe colocou os pratos e talheres à mesa do jantar e a prole se aboletou. Dona Rita abriu a tampa de um panelão enorme e o cheiro duma saborosa sopa de macarrão com legumes, a preferida deles, exalou pelos ares, mexendo com as narinas e os paladares de todos. O pai começou a saborear a sopa, a mulher e os filhos o acompanharam e o “Joãozinho”, sempre cuidadoso, curvou-se para a primeira colherada quando veio um casal de moscas voando agarradinhas, em direção ao seu prato e ... tibum, caiu na sua sopa! Aí o moleque jogou a colher pra cima e vociferou, fulo da vida:- “Puta que os pariu, perco bicicleta, perco tudo na vida, mas fuder dentro do meu prato eu não admito! ...”  

Precisa dizer quem foi o campeão desse torneio???...

Autor: Roberto Rêgo - Belo Horizonte/MG

Publicação autorizada pelo autor através de e-mail de 26/10/2011

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Palavras que encantam o mundo... - Autora: Vanice Ferreira


O mundo flutua no Universo, em companhia do Tempo e do Destino. Para não perder o equilíbrio e a esperança de entendê-lo, contamos com as palavras do poeta; “Teus ombros suportam o mundo...”

O artista da palavra encanta e sustenta o mundo, com a força da imaginação, de seus versos e da sabedoria... Com esta emocionante, porém difícil Arte de escrever sobre sentimentos como amor, alegria, saudade e decepção... Ele consegue transmitir a beleza, a dor e a magia que vê refletida em uma lágrima, uma gota de chuva, um raio de sol, um sorriso ou um sonho!

Os ombros que sustentam o mundo são largos, sensíveis e críticos, formados por poetas de diversas nacionalidades, reconhecidos e admirados. Os poetas sentem o peso do mundo, travam duelos com as palavras, com as páginas em branco. Muitas vezes torturando-se com a força e a realidade destas.

Por possuírem e aperfeiçoarem a sensibilidade de observar as pessoas, de conversar com a natureza escrevem versos dando vida, emoção e cor as palavras!

- Homenagem a Carlos Drummond de Andrade (31/10/1902-1987), e  a todos os poetas conhecidos, ou não, que encantam o mundo com suas palavras e ideais.

Autora: Vanice Elizabeth Ferreira - Curitiba/PR

Poema de minha descoberta recente - Autora: Flávia Marques

Agora sei
que não nos pertenceremos jamais.
Que sua boca nunca será minha,
que minha cabeça
nunca descansará sobre teu peito
que suas mãos não me consolarão,
que meus cabelos nunca
deslizarão entre seus dedos.
Agora sei que não te abraçarei
quando te aborreceres,
que não enxugarei suas lágrimas,
que não riremos juntos de nossa escandalosa felicidade.
Agora sei
que meus cabelos não
embranquecerão ao teu lado,
e que não serás testemunha
de minhas caduquices.
Agora sei,
que não teremos netos,
e que nem seremos infelizes juntos.
Não terei de ti o que quero,
não terás de mim o que tenho a oferecer,
e saber disso me enche
de uma saudade
de tudo o que
agora sei
que não viveremos jamais.



Autora: Flávia Marques - Campos dos Goytacazes/RJ
Blog da autora: www.luanaetrintaalmas.blogspot.com/
Publicação autorizada pela autora através de e-mail de 13/10/2011

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Cinéfilo - Autor: Ricardo Garopaba Blauth

Sou um leitor voraz, um otimista incorrigível, adoro documentários da TV paga, teatro de boa qualidade, música , mas acredito que num filme tudo isto, com uma boa história, um roteiro bem feito. um diretor competente e um editor sensível tem-se o prazer completo.

Vou a cinema desde o tempo dos filmes preto e branco, assistindo ainda adolescente extasiado a chegada dos filmes coloridos. Guri , nas matinês de domingo assistíamos dois filmes por tarde , sendo um seriado que continuava por três domingos. Claro que a cena final de um episódio era sempre aquela em que o “mocinho(a)” estava em total perigo de vida.

Chegávamos cedo ao cinema com os braços carregados de gibis, revistas de histórias em quadrinhos, que vendíamos ou trocávamos por outros que não tínhamos lido. Entre um filme e outro continuávamos a comercialização e a troca de gibis até que o segundo filme começasse.

Os filmes chegavam a nossa pequena cidade industrial , anos depois de lançados. Poucos eram os filmes europeus. Novo Hamburgo-RS tinha quatro cinemas , sendo um deles construído especialmente e com capacidade para mais de 1.500 pessoas. Claro que hoje é uma Igreja Universal........rsrsrsrsrssrr

Onde Novo Hamburgo “nasceu”, Hamburgo Velho, uma cinéfila que ganhou uma loteria sozinha construiu um prédio especialmente projetado para ali instalar um cinema ao lado da sua casa. O prédio existe até hoje e é um dos patrimônios da cidade.

Nunca me preocupei em calcular quantos filmes já vi até hoje. Devem ser milhares. Apesar de termos vários cinemas na cidade só havia uma sessão por dia em cada um, as 20 hrs e o filme era o mesmo durante a semana inteira. O novo filme chegava aos sábados e nos domingos alem das matinês com dois filmes e a noite duas sessões ,as 19 e 21 horas.

O cinema era uma opção cultural real e diariamente disponível. Hoje, septuagenário, continuo acreditando que o cinema reúne tudo para quem gosta de histórias, criatividade e de “viajar”. Mesmo com bons filmes cada vez mais raros são uma excelente fonte de cultura , prazer e entretimento.

Tenho em minha memória de cinéfilo cenas memoráveis, diálogos preciosos, musicas maravilhosas e imagens inesquecíveis. Gostaria de um dia poder reunir em DVD as cenas que mais me impressionaram. Claro que é mais um dos inúmeros sonhos que tenho e que talvez nunca se efetivem, pois para isto teria que transformá-las num projeto o que envolveria tempo, grana e o que fazer com o resultado depois,

Assim sonho, e é um sonho maravilhoso que agora estou repartindo com vocês, que se estão lendo até aqui, são cinéfilos como eu.

Então , abraços e bons filmes a todos.

Autor: Ricardo Garopaba Blauth - Garopaba/SC
http://cronicasetextosrblauth.blogspot.com/
Publicação autorizada pelo autor através do e-mail de 20/10/2011.

Chegou a primavera - Autor: Geraldinho do Engenho

Hoje 21 de setembro dia da ÁRVORE, uma data  significativa edificada por um ideal simbólico muito especial homenageando o que há de mais sagrado em nosso planeta. ”A MÃE NATUREZA” De onde desabrocha todo o sistema de vida do universo. A primavera ponto venal das flores, tão bem representada por uma Árvore-, pautada na harmoniosa convivência do homem do campo com o  essencial provedor do ar que respiramos "o meio ambiente". Da respeitosa parceria destas raízes, com seu esforço e dedicação provem os alimentos, sustentando o mecanismo social, que gera riquezas e desenvolvimento na comunidade universal.

Foi com este pensamento e inspirado nesta maravilha que tivemos a felicidade de criar o símbolo da Associação Comunitária do Engenho do Ribeiro (A.C.E.R.) no longínquo ano de 1986 no século XX.

Uma bela Árvore ostentada em nossa bandeira simbolizando a comunidade universal, onde podemos visualizar suas raízes representando o homem do campo, que lavrando a terra vai captando o sustento para todos os demais seguimentos, cujo tronco representa o poder econômico dando suporte a sua galhada e simbolizando o setor empregatício composta pelo grande numero de operários concentrados na área urbana, que são as folhas purificando e colocando no ar o oxigênio que nos proporciona  a  vida.

Um conjunto de seguimentos, que se isolado individualmente se torna incapaz de sobreviver por si próprio. Sem suas humildes raízes e a singela folha uma arvore jamais sobreviverá, no entanto são os seguimentos que maior desprezo recebe das partes mais fortes onde se concentra o maior poder, político econômico.

Parabéns a toda a comunidade universal, em especial aqueles que já tiveram a felicidade de plantar uma arvore, ou que a partir desta data tomará esta iniciativa!


Publicação autorizada pelo autor através de e-mail de 10/10/2011
Autor: Geraldinho do Engenho - Bom Despacho/MG

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Poema para um amigo distante ... - Autor: Carlos Costa

Silêncio,
preciso escrever um poema!
É para um amigo distante.

Silêncio,
não sei o que escrever
para um amigo distante
mas preciso escrevê-lo.

Silêncio,
peço mais uma vez
porque meu amigo distante
nunca ficou distante de mim
e eu preciso escrever um poema
mas não sei o que dizer ou escrever!

Que saber?
Não vou dizer nada porque, para o amigo
distante qualquer palavra que eu escreva
será muito pouco para medir a felicidade que
tenho por me saber amigo d´ele.

Isso já me basta, amigo Jorge Tufic!
Autor: Carlos Costa - Manaus/AM

http://carloscostajornalismo.blogspot.com/
Publicação autorizada pelo autor através de e-mail de 20/10/2011 

A Líbia em 1389 ou 1980 - Autor: Jorge Tufic

Moammar El Kadhadafi – LE LIVRE VERT
Neste livro, espécie de calendário alusivo ao ano de 1980,
Kadhafi  proclama:

O Povo Árabe recupera seus direitos pela revolução.
O nome oficial da Líbia será República Líbia Popular Socialista.
O Corão é a lei da sociedade na República Árabe Líbia Popular Socialista.
O poder popular direto é a base do regime político na República Árabe Líbia Popular Socialista.

Havia um Conselho para decidir os atos do governo. Baseado, como se vê,
na palavra maior do Profeta. O sagrado e o profano nas instituições oficiais,
e a palavra final sob as ordens ditatoriais do jovem Coronel que acabava de
ascender ao ¨trono¨da Líbia.

Como conciliar o céu e a terra nas mãos ainda tintas de sangue dos insurretos
contra o terror que acabava de tombar pelas armas do povo?

É a hora da mudança, mas também da reflexão.

Publicação autorizada através de e-mail de 20/10/2011

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Procurando a alma gêmea - Eurico de Andrade


Aristeu estava separado da esposa. Desquite já em fase final. Casara jovem e não pôde tirar muito proveito da vida de solteiro. Agora, já quarentão, começava a curtir novamente a solteirice, ao mesmo tempo em que pensava em recompor a vida ao lado de outra companheira. Por isso, trajava-se e comportava-se como um rapazinho evitando, contudo, o espelho, para ignorar sua feiúra. E sentia-se bonitão.

- Vou procurar minha alma gêmea, a minha outra metade!

Não perdia bailes, festas, aniversários, casamentos... Nesses ambientes jogava todo seu charme. Só que não fazia efeito. Mulher nenhuma correspondia aos seus desejos. Desanimado com a falta de resultados, deixou a badalação e enclausurou-se num desconfortado quarto de sua casa. Lá foi curtir a solidão. Seu único companheiro era um rádio Semp, movido a pilhas, com quatro faixas de ondas. Numa noite estafante, sintoniza uma rádio daqui, outra dali, até que acha uma da capital. O programa do horário era “Namoro pelo Rádio”.

Aristeu mudou o estado d’alma. Ficou de ouvidos em pé. Pegou caneta e papel. Tomou nota do nome de uma solteirona de 42 anos, morena, olhos castanhos e cabelos pretos. Profissão: doméstica. Sua preferência era por um homem do interior.

O candidato Aristeu, com nome e endereço da coroa, ia agora tentar a sorte: escrever. Na carta não foi sincero. Descreveu uma falsa imagem. A carta chegou ao destino. Marli, - era o nome dela -, topa a parada. Pede uma foto. O mancebo ficou apertado. Escreveu carta afirmando com convicção que, desde criança, tinha aversão por fotografias e que delas só tinha más recordações. Principalmente das últimas que havia tirado ainda jovem: quando do casamento fracassado e a outra quando posara ao lado do pai, que veio a falecer poucos dias depois. Dizia ainda que havia destruído as poucas fotografias que possuía e as únicas que ainda tinha estavam pregadas em seus documentos.

A moça Marli leu a carta e acreditou no moço. Respondeu que uma simples fotografia não impediria o namoro. Estava ansiosa para conhecê-lo e queria saber do dia que poderia dar uma esticada até Tabuí para vê-lo pessoalmente.

O quarentão marcou o encontro para um dia de sábado do frio mês de junho. A moça confirmou sua viagem na data marcada. Sairia da capital por volta de meia noite e chegaria a Tabuí às cinco e meia da madrugada. Aristeu a esperaria no bar que também servia de rodoviária.

Eufórico, ele comentava com todo mundo o dia e a hora da chegada da futura namorada que viria da capital.

Chegou o dia tão esperado. Às quatro da madruga Aristeu já estava de pé. Vestiu o terno, barbeou-se, usou o melhor perfume, penteou-se e se mandou pra rodoviária. Pelas ruas foi convidando quem encontrava para assistir ao encontro.

O ônibus chegou com quase uma hora de atraso, deixando o Aristeu preocupado. O motorista abre a porta e os passageiros descem. De repente uma morena esbelta, de cabelos pretos e curtos aparece na porta do ônibus. Era ela, a Marli. Desceu e foi em direção a um grupo de mais ou menos dez pessoas e perguntou:

- Qual de vocês é o Aristeu Benedito da Costa?

O quarentão estufou os peitos, meteu as mãos na cintura, olhou a reação dos companheiros e falou todo orgulhoso:

- Sou eu, uai!

A quarentona fez um instante de silêncio, mirou-o da cabeça aos pés, torceu o nariz e perguntou meio assustada:

- A que horas sai o próximo ônibus para Bel’Zonte?


Autor: Eurico de Andrade - Brasília/DF

Publicação autorizada pelo autor através de e-mail de 15/10/2011

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Olá amigos ...


Amigos(as): a pedido da colega recantista Luiza Moreira, eu os estou repassando o convite. Como não me farei presente porque meus médicos ainda não me liberaram para viagens longas, me sentiria feliz se algumas das pessoas pudessem se fazer presentes ao evento. Um beijo no coração e meu eterno carinho.

Carlos Costa

domingo, 16 de outubro de 2011

Minha amante - Autor: Carlos Costa

O nosso reencontro foi tenso, muito tenso, cheio de desejos e ansiedades. Ela ali, parada em um canto. Eu aqui, vendo-a sem ter coragem de tocá-la. Não sabia o que fazer. Rodei pela sala, procurei um livro. Terminei na geladeira. Eu tomei uma cerveja e ela ficou no canto, como que me olhando, rindo de meu nervosismo.

Tomei coragem. Fui até ela, decidido. De um gesto só, tirei-lhe a roupa. Foi um susto. Ela estava do mesmo modo. Não reagiu, não sorriu, não protestou, não faz nada, nadinha mesmo. Toquei em seu corpo, acariciei sua face e nada. Ela não reagiu. Ficou muda, como a deixei.

Eu e ela, no passado, fomos amantes, companheiros, confidentes. Noites e noites conversávamos a sós. Ela ajudou-me a afogar mágoas. Tantas vezes serviu-me de porta-voz, sem nada dizer, sem protestar. Tomou conhecimento dos meus amores, ajudou-me a conquistar outros e curtiu fossas comigo.

Não era ciumenta a minha amante, não dizia nada. A sua submissão era total, completa e, mesmo assim, a abandonei. Nos afastamos sem despedidas. Ela estava em casa, sozinha, e se foi sem me dizer adeus. Acho que estava zangada. Não a encontrei mais e já tinha perdido a esperança de reecontrá-la um dia. Se tivesse magoada, até compreenderia. Não lhe dei a devida atenção, não lhe cuidava bem. Acho que até gostou do que aconteceu.

Agora ela estava ali, muda, em um canto. Não me pediu desculpas e nem deu explicações. Eu aqui, sem saber o que dizer depois de tê-la deixado completamente nua. Era ela, a mesma, a mesma que se foi um dia. Estava do mesmo modo como eu a tinha visto no último dia.

Tomei outra cerveja, sozinha. Ela não bebe. Criei coragem novamente. Rumei para seu lado. Sentei-me na banqueta e a puxei para bem perto de mim. Precisava acariciá-la mais, sentir cada uma das partes de seu corpo. Sim. Precisava ser mais carinhoso, afinal, tantas vezes ela foi carinhosa para comigo, me permitiu extravasar todo meu sentimento, foi confidente de meus desejos e minhas angústias. Era o mínimo que poderia exigir.

Novamente usei de violência, como tantas vezes fizera no passado. Imediatamente a sala encheu-se de barulho. Era o mesmo barulho de alguns anos. Eu introduzi os dedos em suas partes e as teclas foram se movimentando como da última vez em que estivemos juntos.

No papel preso ao cilindro, alguma coisa começava a tomar forma. Como no passado, estávamos nos tornando amantes outra vez, eu e minha máquina Olivetti, línea 98.

Graças ao tempo, suas partes estavam intactas. Felizmente o ladrão que a roubou não tinha por ela o mesmo sentimento de cumplicidade que eu tenho. Por isso, eu e minha Olivetti voltamos a ser os mesmos amantes de antes!

(Crônica premiada)

Autor: Carlos Costa – Manaus/AM
Publicação autorizada pelo autor

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O teclado - Autor: José Carlos Cacá

- Não me venha com saudosismos de novo! Não é possível, você e essa sua mania de ficar comparando o passado!.

- E nem é com o presente, minha querida, é com o futuro. O presente creio que nem existe, de tão depressa que as coisas estão andando. O presente foi ontem.

- Mas querer escrever de caneta não dá mais. Isso é só na escola, os meninos ali, nas primeiras letras. E olhe lá! Daqui a pouco eles também já estarão sendo alfabetizados em “carteclas”.

- Que isso, mulher?

- Carteclas são as letrinhas das teclas do computador. Cartilha feita de teclas. O único problema que falta pra resolver é alguém colocá-las numa seqüência alfabética. Isso iria atrapalhar aos que já estão acostumados com a disposição das letras no teclado. Aliás, quem inventou o teclado? Que maluco! Botou as letras todas misturadas, sem lógica nenhuma.

- É mesmo, nunca havia pensado nisso. Qual seria a intenção do cara que o inventou começando com o “Q” e terminando com o “M”?

- Dizem que foi um tal de Chistopher  Latham Sholes. No mínimo estava tentando datilografar o próprio nome, daí essa mistura toda.  É uma longa história que começa lá com a máquina de escrever.  Mas, você já está tão acostumado, por que lembrar da caneta? Aliás, está tão acostumado que agora só escreve em letra de forma, não mais em letra cursiva. Outro dia até o cheque você assinou com letra de forma!

- Confesso que a única vantagem no teclado é que a duas mãos doem por igual. Com a caneta é só uns dedos que ficam doendo. Minha raiva mesmo é com o circunflexo. Toda vez que vou colocar esse acento, ou sai só ele, ou sai o til no lugar. Isso, sem falar no quarteto traidor. Ficaram ali pertinho o S, o C, o X e o Z. Quantas vezes eu acabo trocando uma com outra! E o pior é quando elas têm o mesmo som na palavra! Quem vai acreditar, por exemplo, que o escelente que você escreveu não foi uma esbarrada no lugar errado? O texto poderia ter ficado excelente. Teve um dia que escrevi exxência, pode uma coisa dessas? Perdeu toda a essência.

-Inaceitável foi aquela troca de “és minha mulher” para “minha ex-mulher”. Vai me dizer que foi erro de digitação!?!?

- Ih, pintou xujeira! Quer dizer, sujeira!

Autor: José Cláudio Adão - Cacá - Belo Horizonte/MG

Publicação autorizada por e-mail em 26/09/2011

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A concupiscência da liberdade e a cultura consumista - Autor: Casal 20

“Vocês gostariam de participar de um sorteio?”, abordou-nos o rapazinho. Todavia, como viríamos a descobrir, não havia sorteio algum e aquilo era apenas uma isca falsa, um peixinho de plástico preso à linha de uma vara que fora lançada e esperava por um estulto. Portanto, a porta de entrada já fora uma mentira. Daí em diante, o rapazinho nos levaria às mãos da vendedora e assistiríamos a uma avalanche de informações e imagens cujo objetivo era tão somente a supervalorização do nosso poder de decisão.


“Vocês trabalham o ano inteiro, então merecem dar para sua família as melhores férias possíveis”, insistia a vendedora. “Vocês já imaginaram as suas filhas chegarem no 1º dia de aula e não terem nada para contar na redação que a professora delas vai pedir sobre as férias?!”, dizia-me com uma expressão de profundo terror, tentando incutir em nós, cruéis pais, toda a responsabilidade pelos traumas que nossas filhas iriam carregar pelo resto da vida delas. A lógica é simples: sem Disney hoje, amanhã elas se tornarão delinquentes do Comando Vermelho e diante do juiz elas poderão se declarar vítimas de uma educação castradora, opressora e puritana.

“Vocês podem proporcionar as melhores férias, nos melhores resorts, então, por que não?”, espantava-se a ansiosa vendedora. Incansável, levou-nos a uma pequena sala e ali assistimos a um vídeo com cenas paradisíacas e efeitos oníricos. Tudo muito clean naquele universo de infinitas possibilidades esperando apenas por nossa “livre” adesão. Enquanto as cenas desfilavam diante dos nossos olhos casais apaixonados e filhos realizados, uma voz repetia o mantra: “Eu posso, eu sonho, eu realizo, eu mereço, eu quero, eu faço”!

Ao acender das luzes, comecei a ficar preocupado se não teriam colocado alguma droga na água que nos ofereceram. Não, não recorreram a esse artifício, mas, ainda assim, o palco havia sido armado para nos atordoar a razão. A sala da entrevista era tão ruidosa por causa dos outros casais (estes também se encontravam com seus respectivos vendedores) que, com trinta minutos de conversa, eu já não conseguia absorver mais nada do que aquela moça estava me explicando. Passei a concordar com a cabeça e percebi que começava a deixá-la pensar por mim. Vez em quando, alguém erguia a voz noutra mesa e chamava a atenção de todos, enquanto anunciava: “Um minuto, por favor, estão diante de mim o senhor fulano e sua esposa beltrana e eles acabam de se tornar os mais novos proprietários de férias na nossa empresa. Vamos todos dar uma salva de palmas para eles”. Assustadoramente, todos ali batiam as solicitadas palmas!...

Todo aquele cenário ia ao encontro de uma cultura de livre-arbítrio, uma aposta na soberania do “eu”, que escolhe, que determina, que manda, que merece e crê que todo o universo vai conspirar a seu favor. “A proposta é boa para vocês, está dentro do orçamento da família, então é um direito de vocês essa escolha”! Era o ultimato da nossa vendedora, cujas mãos começavam a tremer e a voz embargar diante da nossa impassibilidade. “Por que não?”, era a pergunta que saía repetidas vezes da boca daquela turismóloga. “Verdade, eu posso, não há nada de errado, não há imoralidade alguma aqui envolvida... mas ainda assim nem tudo convém”! Poderia convir ao outro, mas não para mim.

Paradoxalmente, aqui apresentava-se o ponto: convém ao “outro” e não a mim! Embora todo espetáculo de propaganda e marketing – com seus símbolos de soberania, autonomia, independência e liberdade - seja estrategicamente montado para colocar a minha decisão na ribalta, tudo na verdade era tão somente uma chamada ao “outro”. É a proposta para ser o que eu não sou: uma outra vida, um outro lugar, outros valores, outra biografia. Tudo aquilo quer arrancar de mim o outro ou transubstanciar-me em outro. Não sou eu.

A proposta da serpente no Éden era muito boa não para Eva, mas para a “outra”. Não para a identidade real essencial criada por Deus, mas para uma “outra” Eva e um “outro” Adão que tomaram forma no imaginário daquele primeiro casal. O consumismo quer nos arrancar da nossa identidade real - redimida e redefinida por Deus - e lançar-nos no mundo imaginário do “outro”, que é aquele que não sou eu. Assim, subvertendo Sartre para que ele concorde comigo: o inferno é o “outro”!

Fomos embora, desvencilhados pelo Espírito dessa teia de consumismo lançada sobre nossa cultura que endeusa o poder de escolha de pessoas que se julgam livres. Contra o consumismo que arremessa sobre nós sua rede de engodo, só há uma saída: discernirmos se é da vontade do Pai e não apenas um simples capricho da nossa cultura de livre-arbítrio. A concupiscência da liberdade é a maior neurose coletiva dos nossos tempos. Tal neurose – que atinge ricos e pobres - é o sintoma de um fetichismo que apenas desvela a natureza demoníaca da sanguessuga e suas filhas Dá, Dá (Pv 30:15). Estas pretendem esmaecer a proposta evangélica de uma vida regida pela piedade com contentamento oferecida graciosamente por Deus a todos os seus filhos por meio de Jesus Cristo.

Autor: Casal 20 - Região do Araguaia/MT

http://casal20ribas.blogspot.com/
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Publicação autorizada por e-mail em 12/10/2011

Reflexões de uma insone - Autora: Flávia Marques

Noite alta, um bêbado passa trôpego e cai. Desde que descobri esse carocinho em meu corpo, tão presente e indesejado, passo as noites acordada, vendo o mundo noturno de minha rua pela janela. É impossível resistir ao desejo de ser eterna, mas é preciso aceitar a própria impotência diante de uma realidade como essa: não podemos impedir que a fatalidade nos alcance.
Obviamente, estou numa fase muito reflexiva e, a primeira pergunta que me fiz quando minha finitude desfilou diante de meus olhos, esvoaçante e enérgica, foi se valeu à pena. Valeu? Valeu?! Seja como for, nunca estaremos satisfeitos. EU nunca estarei satisfeita. Poderia ter feito teatro, ter ido à Paris, viajado o mundo de mochila nas costas, aprendido mandarim. Mas não! Pensei na estabilidade, no amor, em não sair de perto dos meus pais,... em Carlos. E quando ele me garantiu que seríamos felizes e inseparáveis, não tive dúvidas ou reservas, entreguei-me desarmada, como se não pudesse existir verdade além de nós dois. É claro que ele não pareceu mais tão certo de nosso futuro depois que descobrimos que não estaríamos sozinhos.
Quando Marisa nasceu, morávamos na casa de meus pais. Foi uma fase difícil, mas olhando para trás constato como éramos felizes. Aquele quartinho apertado, esbarrar no berço cada vez que nos levantávamos da cama, a otite de Marisa... nada disso foi pesado porque estávamos juntos. Então compramos nosso apartamento e tivemos que enfrentar outros tipos de desafios. Foi uma barra conciliar nossos empregos, a creche de Marisinha, a doença do meu sogro, o nascimento de Artur, os malabarismos financeiros e todas aquelas ausências de Carlos. Optei por não parar de trabalhar e agora me arrependo um pouco disso. Sei que estaria arrependida se tivesse abandonado a carreira também. A gente sempre considera um pouco a opção que não adotou. Chega um ponto da vida que a gente pensa como seria se tivesse feito outras escolhas. Acredite!
Bem, depois da morte do meu sogro, Carlos e eu tivemos uma crise terrível em nosso casamento. Descobri o motivo de suas ausências e não foi fácil superar essa fase. Felizmente, soubemos separar o efêmero do duradouro em nossas vidas e, um bom tempo depois, voltamos a ser felizes. Digo um bom tempo porque não é rápido que se levanta depois de um golpe desses. Não é o sexo. Ok, não é somente o sexo. Pelo menos no meu caso, o que me enlouqueceu foi o medo de ficar sozinha, de ser preterida, de não ser a escolha de alguém. Também odiei saber que ele mentiu para mim, obrigando-me a desconfiar de cada palavra dali em diante. Odiei cada fio de cabelo de Carlos por ter me feito de idiota, por tê-la apresentado a amigos, por me humilhar publicamente. E isso não é coisa que se perdoe com um simples pedido de desculpas.  Levamos dois anos para voltar a dormir no mesmo quarto, três para ele sair novamente com os amigos e cinco para eu não quebrar a casa quando ele chegava tarde, mas superamos. Foi quando o Arturzinho precisou operar o apêndice. A dor tem esse poder de unir as pessoas. Nosso filho ali, internado com infecção generalizada, e a gente jurou nunca mais dar importância a bobagens. Saímos daquela situação mais fortes e mais unidos.
As crianças cresceram, compramos uma bela casa, meu irmão se separou, Carlos foi promovido. Ah, a estabilidade! Pudemos respirar mais aliviados, mesmo com a escola das crianças pela hora da morte, os cursos paralelos, a festa de debutante de Marisinha e a compra do carro novo. Foi por essa época que Carlos passou a ter dores constantes no abdômen. “Gastrite”, ele dizia, e tome antiácidos para suportar o incômodo. Sem perceber, os anos correram adiante e a vida seguiu. Casamos Marisa, depois o Artur, minha sogra também se foi, depois minha mãe, tio Mário e papai; nosso primeiro neto nasceu quase ao mesmo tempo em que descobrimos o tumor no pâncreas do Carlos. Foi rápido, e estive ao lado dele a todo instante, minha obrigação e meu desejo.
Sozinha, depois de trinta e oito anos de casada, vendi a casa e comprei esse apartamento. Não tinha sentido morar só numa casa de cinco quartos e piscina. A solidão acabaria vencendo, teria mais espaço para se abancar.
Há quinze dias encontrei esse carocinho inconveniente no seio esquerdo e não consigo aceitar que ele não esteja aqui para me tranquilizar, como fiz tantas vezes por ele. Depois de tantos anos, de tantas coisas que passamos juntos, de ter escolhido ele quando poderia ter feito outras escolhas... e me pergunto: valeu a pena? Ora, não seja idiota! É claro que valeu!
Autora: Flávia Marques - Campos dos Goytacazes/RJ
Blog da autora: www.luanaetrintaalmas.blogspot.com/
Publicação autorizada por e-mail em 04/10/2011

sábado, 8 de outubro de 2011

Você sabe por que existe? - Autora: Zélia Maria Freire

Ontem quando fui dormir não fechei as janelas nem cerrei a cortinas. Hoje fui acordada pela claridade que invadiu o quarto. Diante de mim, postado na parede estava ele com o seu tic-tac, então eu disse: viu, não foi o seu tic-tac que me acordou, e ele impassivo continuou tic-tac, tic-tac, então eu perguntei: você sabe por que existe? Sem obter resposta retruquei: porque antes de você, existiu o relojoeiro, mas expliquei: esta expressão não é minha é de Voltaire, sintetizando o pensamento do Cristianismo quando afirma que não existe a criatura sem o seu Criador (estou pensando seriamente sobre isto, minha amiga querida Hull de La Fuente).

Continuo deitada, o telefone toca, ouço mais do que falo, respondo coisas não perguntadas, quando não respondo nada... Levanto, a janela me atrai, as pessoas lá em baixo passam sem fazer ruído, parecem que andam pé ante pé, nem a chuva que cai tem o seu barulho característico, cai suave. O silêncio é perturbador e eu me dou conta de ausências que me deixam tristes, de palavras que não mais ouço e das quais sinto falta...

É... Confesso que neste momento me veio o desejo de falar alto e ouvir o som das minhas próprias palavras. Fechei a janela e voltei pra cama. Fui terminar a leitura de “A Emoção Solidária” de João Wilson Mendes Melo, que me levou a escrever esta crônica.

Autora: Zélia Maria Freire - Natal/RN
Postagem autorizada por e-mail no dia 04/10/2011

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Um homem de sorte - Autor: Augusto N Sampaio Angelim

Noite de muitos mosquitos e besouros, que chegaram com as primeiras chuvas do ano no sertão. As poucas ruas do lugarejo estão enlameadas. Numa bodega, três homens conversam. Um pequeno lampião a gás ilumina, parcamente, o local. Na mesinha de quatro tamboretes, três homens. Um deles tem um cigarro de palha aceso no canto da boca. Outro usa chapéu e também fuma. O terceiro tem óculos. Três copos, todos com aguardente. Entre uma bicada e outra as conversas se arrastam vagarosamente. A bodega tem três portas. Duas na parte da frente e a outra, fica na esquina. Prateleiras do começo ao fim da parede. De tudo um pouco. Pregos. Doces. Carne seca. Charque. Sal.Fósforos. Giletes. Fumo. Papel de enrolar fumo. Bebidas. Geladeira de querosene. A energia vem  de um motor a diesel, que fica no final da rua e é desligado as dez da noite. Nas festas, as lâmpadas das ruas ficavam acesas a meia-noite ou até quando o prefeito tivesse vontade. Entre o balcão e a geladeira, um cachorro dormindo.

- Esse minino de Dona Júlia vai mermo prá Sum Paulo, cumpadre Nanô?

Mais uma bicada sorvida vagarosamente. Põe o copo na mesa. Pega papel, enrola o fumo. Vai, responde o compadre. O cachorro levantou uma orelha, como se quisesse saber da resposta.

O homem de óculos fala. Tai, se fosse da idade dele e não tivesse essa ruma de fios, eu tunbém ia.


A brasa do cigarro brilha e, por pouco tempo, clareia o local. A densa fumaça, logo, cobre-lhes os rostos.

- D. Júlia ainda não tirou o luto. Recomeça a conversa, o homem de chapéu, o mais velho deles, pegando a faca que tira da cinta para limpar a sujeira das unhas.

- Faz dois anos do passamento do farmacêutico, diz Nanô.

- Tão dizendo que a viagem do minino prá Sum Paulo é arrumação. Pro mode seu Chico da Loja.

- Nada disso, a viúva é direita.

- Eita, que seu Chico da Loja tem uma sorte disgramada, termina a conversa o homem que tinha puxado o assunto.

Ficam em silêncio. O cachorro abaixa a orelha. Somente se ouve o barulho da geladeira. Uma chuvinha fina começa a cair. Os besouros que estavam na rua, voam para dentro da bodega.

Autor: Augusto N Sampaio Angelim - São Bento do Una/PE
Publicação autorizada por escrito pelo autor da obra

domingo, 2 de outubro de 2011

Outrora e hoje - Autora: Celêdian Assis

Estive revendo uns livros guardados, alguns jamais havia visto, faziam parte do acervo dos meus pais. Um especialmente chamou-me a atenção, bem velhinho, amarelecido pelo tempo, roído por traças, de capa dura, formato pequeno, quase um livro de bolso. O dito cujo " Sol Posto" em versos, é datado de 1923. O escritor, Faria Neves Sobrinho, um brasileiro, mais precisamente pernambucano, que eu não conhecia.
Fiquei surpresa ao constatar que a 87 anos o autor já constatava que, se via nos jovens daquela época, uma tendência apática aos males da alma, que eu já com um pouco mais de meio século de vida, continuo assistindo, tão atual, quanto real.  “A mocidade de hoje não tem a alma que os de outrora mostravam.”     As nossas indagações continuam as mesmas, quanto aos jovens de hoje. Eles não tem gestos graves e medidos, nem sequer a aparência de velhos dos jovens de outrora, descrito pelo poeta, mas guardam na irreverência, o mesmo vazio de alma.
Então, questiono: seremos nós que mudamos e tornamos nosso olhar intransigente, ou serão mesmo os jovens de hoje, envolvidos que estão, neste turbilhão de modernidades, desprovidos de real alegria?
Transcrevo na íntegra, inclusive com a grafia e normas gramaticais próprias da referida data, que confesso chegaram a incomodar-me, senti falta de mais agudos e graves.

OUTRORA E HOJE
(Dedicado ao filho do autor)
E eu lhes dizia (e todos escutavam a minha voz pausadamente calma):
"A mocidade de hoje não tem a alma que os de outrora mostravam:
Nos meus tempos que o Tempo, de apressado,
já sepultou nos longes do passado,
tínhamos nós, rapazes,
na alegria feliz da mocidade,
os timidos, a audacia da bondade,
e o temor dos maus actos, os audazes.
Tédios da vida? Para longe os tédios.
Males da vida? Para que remedios...?
Tínhamos algo? Espírito contente,
davamos tudo, prodigos; se nada,
na ebriez da existencia descuidada,
davamos igualmente...
E eramos francos, eramos sinceros.
Para nós, sempre amiga e dadivosa,
não tinha a natureza tons austeros;
tudo nos parecia côr de rosa.
Hoje, onde mais a flor dos tempos idos?
Imberbes rapazelhos
têm, pelos gestos graves e medidos,
a aparência de velhos.
A expansiva alegria de ser moço,
de ser bom, generoso, ufano, ousado,
resoluto, direito,
hoje é tão só sorriso contrafeito,
enexpressivo, insôsso...
Tudo, de todo, agora está mudado?"
Calei-me. Houve um silêncio de respeito
aos meus cabellos brancos. Entretanto,
alguem, moço de certo, de um recanto falou:
E estas palavras me chegaram:
"Os olhos e a alma delle é que mudaram..¨

Celêdian Assis – Belo Horizonte/MG



Comentário da autora:
Obrigada, meu amigo Carlos, ter meus textos publicados em seu espaço tão cativante, muito me honram. Contribuir para acrescentar às histórias de gente e lugares, é acima de tudo contribuir com a nossa própria história, a que constrói a verdadeira identidade de um povo. Parabéns pela sua iniciativa de reunir aqui, contadores de histórias dos mais gabaritados, gente que como nós, valoriza as nossas origens. 
Um grande abraço,
Celêdian 



Publicação autorizada por escrito pela autora da obra