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domingo, 7 de abril de 2019

Falando de amor - Autora: Maria Olimpia

Falar de amor é chover no molhado. Pois se fala de amor desde tempos que não podem ser relembrados.  Como não falar desse sentimento que transforma as pessoas em seus opostos? Tudo já se falou sobre o amor. Mas nada ainda foi suficiente para explicá-lo. Fala-se e cala-se. Porque muitas vezes é o silêncio que mais fala sobre o amor.

Por amor tudo se faz. Por amor tudo se justifica. Por amor se vive e por amor se morre.  E também se mata. Sem amor ninguém vive. Mas só de amor, também não.

São muitas as formas para se falar de amor. Falam de amor os artistas em todas as suas manifestações. As manifestações da arte e as manifestações do amor. E o tema nunca se esgota. Fala de amor o homem do povo e o homem da elite. As linguagens podem ser diferentes, o sentimento não. Cientistas, filósofos, o milionário e o sem nada nos bolsos. O crente e o descrente. Não há quem não fale, fala até o envergonhado, o sem jeito, o destrambelhado. Eu falo de amor e você também. Nós todos falamos, de um jeito ou de outro.

Se temos asas, é o amor que nos dá. E é com essas asas que voamos para o mundo da fantasia.. Para o amor tudo é possível.Mas, o amor ao mesmo tempo que liberta,  escraviza. Nos faz servos e senhores. Os ouvidos são surdos quando se fala  o que parece ser contra o amor. Mas isso não pode ser esquecido: há o amor que eleva e o amor que reduz o ser amante a menos que nada. É preciso escolher, escolher sempre entre essas formas de amor. Quem escolhe a forma rastejante está perdido, sempre estará á sombra, nunca será sol. Quem escolhe a forma que eleva está salvo. Livre para voar, livre para criar. Livre para amar.Mas como escolher se o amor sempre pega de jeito de um jeito que deixa tudo de pernas para o ar?

Amam os que são iguais e os que são diferentes. O côncavo e o convexo. Ama o feio e o belo, o novo e o velho. Não existem regras para os sentimentos embora possa haver para os envolvimentos.

Todos os amores são bem vindos. Mas o maior de todos os amores deve ser o amor a si próprio porque é esse amor que propicia o amor sadio ao  outro. Quem não se ama não se respeita. Quem não se respeita também não sabe respeitar o outro. Quem não sabe respeitar não sabe amar. Utiliza em suas relações um arremedo do amor. Um amor cambeta. Um amor que não vale a pena ter. Nem falar sobre ele.
Autora: Maria Olimpia Alves de Melo - Lavras/MG

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Publicação autorizada pela autora através de e-mail de 10/10/2011

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Livro: Dedos de prosa - Uma homenagem de: Maria Olimpia


Tenho feito bons amigos na internet e as amizades acontecem de formas diferentes. Um dia recebi um e-mail pedindo permissão para publicar um texto meu no blog Gândavos – Os Contadores de Histórias. Foi assim que conheci Carlos Lopes. O pedido se repetiu e outra autorização para ser publicado foi dada. Depois ele me disse que estava publicando um livro e queria permissão para publicar no livro comentários meus aos seus textos. Permissão concedida. Semana passada o livro chegou como um presente e eu fiquei encantada com a qualidade: edição e texto.


Dedos de Prosa é o nome do livro. De conto em conto Carlos Alberto dos Santos Lopes desfia seus contos, como se os contasse nos dedos, das mãos e dos pés. Ou só das mãos, indo e vindo. São histórias que viveu e que refletem sua formação moral e cultural. E que mostram, em cada página, a pessoa que é: Um amigo generoso capaz de repartir o que tem de bom com todos.

O livro ficou bonito.Seus amigos compartilhando. Ali está a orelha escrita pelo carioca Gilberto Dantas. O fluminense Nêodo Ambrósio de Castro, escreve a contra capa. Na introdução, Carlos afirma ser um sujeito de sorte por ter recebido colaborações de amigos das mais diferentes partes do país. E relaciona todos.

Edmar Sales é o responsável pelas ilustrações, muito bonitas por sinal. Cada conto é precedido de uma ilustração, emoldurada em preto. Nas costas de cada ilustração, nossos comentários, em branco sobre preto. E aí vem os contos, todos ilustrados com a mesma figura colorida da capa, agora em preto e branco. Eu digo – surpreendeu-me pela beleza.

Gosto de ler contos e crônicas porque posso ler um, parar e deixar o resto para depois – mas contei todos os dedos dessa prosa saborosa em uma única noite.

Um dos comentários que fiz foi sobre o conto A esposa virgem. Escrevi:”Comecei a ler o conto, bem escrito, de fácil leitura e fui pensando – simplesinho, onde estará o choque? Porque conto tem que ter esse elemento, o que nos surpreende e muda todo o roteiro para onde estávamos sendo conduzido. E ele veio antes do que eu esperava. A reviravolta, onde tudo o que parecia ser deixou de ser. Era outra coisa, muito diferente e surpreendente.A simplicidade com que a história está sendo contada é mais um elemento perturbador. O próprio Maquiavel não faria melhor. Uma história boa de ler do princípio ao fim. Traz a marca da boa literatura”.

Presto aqui minha homenagem a esse escritor e homem de cultura pernambucano que espero breve conhecer pessoalmente. É que Recife é um dos meus destinos favoritos. Parabéns Carlos e obrigada por sua amizade e confiança.


Autora: Maria Olimpia Alves de Melo - Lavras/MG

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Publicação autorizada pela autora


domingo, 18 de maio de 2014

A mulher magra - Autora: Maria Olimpia Alves de Melo

                 Estávamos em grupo e quando isso me acontece acabo sozinha. Não porque não me dêem atenção, mas porque me vendo sem a obrigação de dar atenção a alguém eu me ensimesmo. E assim, naquele sobe e desce de Olinda, estávamos nós, o casal hospedeiro, o casal filho do casal hospedeiro e sua menininha, e os hospedados, o cientista francês e eu. Ajudava o fato de estarem falando em inglês e eu, embora compreenda alguma coisa, como dei a perceber algumas vezes por comentários em português, me mantinha calada a maior parte do tempo. Eu não falo inglês.

                  Eu a vi a primeira vez quando estávamos junto a um pátio onde comíamos tapiocas, eu a minha moda, com bastante coco ralado e leite condensado. O pátio era ladeado por pequenas lojas de artesanato e penso que me disseram que ali fora um dia o local onde se vendiam os escravos. Mas essa informação passou raspando por mim porque eu tinha acabado de vê-la. A mulher magra.

                   A mulher era tão magra que parecia um picolé redondo. Um picolé de caramelo porque tinha na pele o queimado do sol. Usava uma saia quase batendo no tornozelo, estampada em tons da própria cor de sua pele. E a blusa, uma blusinha seca, cava seca, decote seco, tinha a mesma cor. E o cabelo também. Muito curto. Ela estava por ali conversando com outros folgados na vida em voz bem alta, mas não consegui apreender o que ela falava. O grupo de meus amigos começou a dispersão e eu os segui, mas não sem antes pegar outra tapioca que eu já tinha engolido bem antes de chegar à esquina. Virando continuamente minha cabeça para continuar a ver a mulher magra até que ela simplesmente desapareceu do meu foco visual.

                    A partir daí ela surgia em todos os lugares aonde íamos. Na sorveteria, onde ela pegou em meu braço, causando um susto tão grande quando a vi, cara a cara, que meu sorvete caiu no chão. O dono da sorveteria com um rápido vai andando a expulsou do estabelecimento e eu comprei outro sorvete. Ela se dirigiu para a pracinha em frente e eu fui me afastando aos poucos, olhando para ela. E ela para mim. Aonde íamos, ela aparecia do nada. E quando aparecia eu ficava tão angustiada que buscava correndo algo para comer. Mal eu a via a fome surgia. Uma estranha fome. Minha boca secava, meu estômago apertava e eu corria em busca de alimento o que começou a causar espanto em meus companheiros. Comi panquecas. Novas tapiocas. Doces que ia encontrando em barraquinhas. Era uma coisa de louco. A certa altura, lá no alto da cidade, eu de repente dei um grito que espantou a todos. Eu tive uma visão que logo desapareceu, mas eu não podia contar aos meus amigos. Falei, ainda trêmula, que me assustara com uma ave, um urubu talvez. Mas não foi isso. Eu a vi ao longe, pairando no ar, tão magra quanto um mastro de navio. Quem iria acreditar se nem eu mesmo acreditava. Lembrei de uma visão que tive quando era menina, quanto caminhando pela linha do trem que margeava um campo de futebol, vi, caminhando do outro lado, uma girafa. E o mais espantoso é que quanto mais a girafa andava mais o seu pescoço crescia. Magro, magro, como a mulher magra. É claro, ninguém acreditou em mim quando contei, nem mesmo a minha avó que vivia me contando histórias fantásticas. Bastante encabulada eu aceitei a sugestão de voltar para Recife, afinal já anoitecia. Voltamos os quatro, eu, o cientista francês e meus amigos. O filho de meus amigos, sua mulher e a filhinha deles ficaram. No carro eu fui atrás com minha amiga, ela me contanto histórias e na frente os cientistas, o francês e o pernambucano. Eu me esforçava para prestar atenção na conversa dos dois, em inglês, e entabulava também uma conversa com minha amiga. Eu não queria deixar a minha mente vagar, mas não conseguia tirar da minha cabeça a imagem daquele varapau. Ora eu olhava para os lados e lá estava ela, correndo junto com o carro. Ora era parava em frente do carro e eu tinha que segurar meu grito de susto. Em certo momento percebi que o cientista francês nos convidava para encerrar a noite em um bar perto de seu Hotel e também da casa de meus amigos. Todos concordamos, eu em português é claro e me distraí de tal forma que aquela imagem saiu logo de minha cabeça. Já no bar, a coisa mudou de figura porque ela ficou do lado de fora da varanda em que estávamos olhando para mim com uma cara de fome tão grande que me levou a começar a comer de uma forma avassaladora. Escondidinho de carne seca. Caldo de aipim. Bolinho de bacalhau. E eu não parava mais. Comia e bebia caipirinha acompanhando o cientista francês. Só na bebida é claro porque eles já haviam parado de beber fazia tempo. Mas bastava eu olhar para fora e ver a mulher magra que eu pedia mais alguma coisa. Até que ela olhou para mim, deu uma banana e se virando caminhou em direção ao mar. E enquanto caminhava ela ia crescendo cada vez mais até virar uma sombra. Foi aí que eu, geralmente calada, comecei a falar feito uma maritaca. Em inglês. E eu nem percebi. De repente, após um tempo bem razoável, minha amiga rindo, me perguntou: Pia, porque você ficou a semana inteira calada e agora fala inglês como se soubesse. E bem? Eu não soube responder porque não entendi a pergunta. Pedi a ela que a refizesse, em inglês. Foi aí que ela se assustou e resolveu me levar para casa. Fomos caminhando pela orla e, por Deus, eu não conseguia nem ao menos pensar em português. E quando acordei no outro dia, o sol batendo em minha cara, acordei  pensando em inglês. Só depois que tomei um bom banho as coisas voltaram ao normal. Graças a Deus.
Autor: Maria Olimpia Alves Alves de Melo – Lavras/MG
Publicação autorizada através de e-mail de 24/10/2011

quinta-feira, 29 de agosto de 2013

A vida a sete chaves


Autora: Maria Olimpia Alves de Melo

Escrevo semanalmente para o blog Vida a sete chaves (http://vidasetechaves.wordpress.com/) criado e coordenado por Henrique Fendrich, que conheci no Recanto das Letras. Somos sete cronistas, um para cada dia da semana. O meu dia é a segunda feira. O de Henrique é a sexta feira. A última crônica dele que li foi Clarice ao rés-do-chão. Esse rés-do-chão se refere à Clarice cronista, já que a crônica é o gênero literário mais ao rés-do-chão que pode existir, ou seja, como gênero literário a crônica é praticamente nada. Henrique é um excelente cronista e ama e estuda esse gênero tão desprezado literariamente falando, como se nós escritores basicamente de crônicas fossemos escritores menores. Eu não me importo com o que as pessoas dizem a respeito da qualidade do que escrevo, mas sei que é isso mesmo que os críticos dizem e nem vem muito ao caso nesta minha crônica. Os endeusadores de Clarice parecem que negam ter sido ela também uma cronista como se um escritor genial de forma nenhuma pudesse descer ao rés-do-chão.  Como se isso o fizesse menos genial. O gancho para minha crônica peguei mesmo foi no trecho em que Fendrich afirma que é impossível fazer crônicas sem ser pessoal. Sei que muitos cronistas/leitores aqui do Recanto não concordam com essa afirmativa, pois alguns até fazem questão de pedir que não façamos confusão entre o escrito e o escritor. Eu não consigo escrever crônicas sem que sejam absolutamente pessoais. Mesmo outros gêneros que dispensam essa intervenção do próprio Eu, como contos e poemas, no meu caso, o fato pode não ser pessoal, mas a observação e o sentimento são. Não dou conta de escrever sem estar de acordo com meus sentimentos, que são reflexos de minha mente e do meu Espírito.  Muitas vezes tenho dificuldade para classificar textos que escrevo, mas o que acho mais fácil de classificar é a crônica – esta fala do dia a dia, do cotidiano em nossas vidas e embora aparentemente trate apenas de coisas superficiais, pode conter aspectos profundos da vida humana vistos por uma ótica específica que é a do autor. Crônica é História e é história. Ou estória. Livros de memórias são feitos de crônicas. Esse gênero pode ainda fazer parceria com um mais sofisticado, que é o Ensaio. Ou menos, que são os livros de autoajuda. Crônicas podem ser tão líricas que podemos chamá-las de Prosas Poéticas e assim buscando podemos afirmar assertivamente que um bom cronista pode ser realmente um Grande Escritor e passear por qualquer gênero com segurança. Afinal a crônica é uma das chaves com que podemos abrir nosso mundo interior e apresentá-lo ao mundo exterior.

Maria Olimpia Alves de Melo - Lavras/MG


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Publicação autorizada por escrito pelo autor da obra

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Olhe para frente, Margarida - Autora: Maria Olimpia

Não, eu não sou desiludida. Sou realista. A vida quis assim e assim tenho que viver.Não sei se é carma, se é destino. Só sei que é, e não vejo como mudar. Tive meu período bom de vida, uma infância e uma adolescência feliz, pais amorosos. Depois, veio a guinada na vida. Mal eu iniciara o meu primeiro emprego como professora de um jardim de infância e começara meu curso superior de Pedagogia, meu pai perdeu o emprego. Em conseqüência da depressão, começou a beber. Um dia, voltando bêbado para casa, altas horas, foi atropelado. Morrer não morreu, mas também vivo não ficou. Um ser vegetal de quem tínhamos que tomar conta dia e noite. Revezávamos-nos, eu e ela. Conclui a duras penas o meu curso superior e logo que formei passei a fazer jornada dupla de trabalho.Minha mãe também fazia isso, tínhamos que nos desdobrar, as despesas eram muitas e nós o amávamos. Queríamos lhe dar o melhor. Logo que ela se aposentou, ele morreu. Não sofri, já tinha sofrido tudo o que tinha direito. Pensei: agora podemos viver nossas vidas, minha mãe e eu.Ainda sou jovem e ela também. Sem tantos gastos poderemos passear e quem sabe?, talvez até eu encontre alguém para amar. Mas não deu tempo nem para começar. Estávamos planejando nossas primeiras férias quando percebi que ela estava ficando esquisita. Esquecida. Nem era tão velha e estava agindo como. Um dia, na véspera de nossa tão sonhada viagem, saiu de casa para ir buscar as passagens na Agência de Viagem e não voltou. Nem foi lá. Desapareceu. A polícia a encontrou, três dias depois, assentada quietinha em um banco de uma praça distante. Não sabia quem era, nem onde morava.Mal de Alzheimer. Velhice precoce. Caduquice, sei lá. Dê se o nome que se queira dar, só sei que nunca mais foi a mesma. Éramos três, ficamos duas. E de repente só eu, cuidando de uma morta viva, morrendo em vida também.Até que ela também se foi e eu fiquei, completamente sozinha, sem nem mesmo um trabalho. Aposentadoria proporcional para ficar mais com ela. E agora estou eu aqui, tentando recompor os cacos de minha vida, sentada nesse divã, como se alguma coisa pudesse ser mudada, a esta altura dos acontecimentos..

Olhe para a frente Margarida. Olhe para o alto, para cima, para os lados, para qualquer lugar. Procure a vida Margarida. Não fique ensimesmada neste tempo que já passou. Procure alguma coisa, faça alguma coisa. Vá viajar, ver gente, lugares novos. Como se fosse fácil mudar a vida assim de repente. Olhar para os lados eu olho mas o que vejo se não as mesmas caras de sempre, as mesmas pessoas que já se acostumaram em não me ver.Eu olho e não há retorno, cada qual ensimesmado em sua vida. Buscar eu busco mas é tão sem saída porque não vejo a saída. Adeus, psicóloga, se é para gastar meu dinheiro assim, ouvindo o tempo todo, olhe para si mesma Margarida, o que vou fazer é parar de ir aí e realmente seguir o conselho, vou viajar, vou ser outra, encontrar uma vida nova, um mundo novo em qualquer lugar.

Para qualquer lugar, não faz a mínima diferença. Qualquer lugar não existe,senhora, tem que ser um lugar. Tudo bem, me dê uma passagem para um lugar, onde haja sol e haja praia e eu possa caminhar a beira mar com a cabeça levantada e os olhos abertos, mas que seja bem longe daqui, onde ninguém me conheça , onde nem eu mesma saiba quem eu sou e onde eu possa olhar para os lados, para frente e para cima, nunca para baixo. A senhora pode fazer isso aqui mesmo senhora, em todos os lugares isso pode ser feito, mas vou lhe dar uma passagem para um lugar maravilhoso onde todos os seus sonhos podem ser realizados. Como é que você sabe que todos os meus sonhos podem ser realizados se não sabe quais são os meus sonhos se nem eu mesmo sei.? Bem, a senhora tem que tentar...eis aqui a passagem.

E não é que deu certo? Em minha primeira caminhada pela praia eu o vi, um homem simpático, deve ter a minha idade, um pouco mais um pouco menos, e um jeito desacostumado de sorrir assim como eu, e ele caminhava também, ora atrás de mim, ora a frente, e quando estávamos no mesmo plano, ele sorria, esse sorriso torto assim como eu, e abaixava a cabeça e quando parei na barraquinha ele parou também e eu tomei uma água de coco e ele também e ele falou do dia como estava bonito, da cor do céu e do mar, tão iguais que se fundiam no horizonte, assim como os seus olhos, senhorita, senhorita...e eu respondi Eva e então ele riu e apertou a minha mão e ficamos ali sem jeito, ele falou, sou Adão e eu ri por dentro mas por fora fiz apenas um esgar, soltei lhe a mão e virei as costas, o primeiro que me surgiu, tão simpático e já de mentiras comigo, Adão, ora, imagine, ele é tão Adão quanto eu sou Eva.

E lá estava ele. O Adão de novo, no mesmo hotel que eu, sentado a mesa, já servido do jantar, vou passar reto, procurar uma mesa bem longe, mas todas estão ocupadas, meu Deus, agora vou ter que voltar, vou fingir que examino os meus sapatos enquanto ando de volta, ah,..o que? Não quer me dar o prazer de jantar comigo, estou sozinho e estou vendo que a senhorita não encontrou mesa vaga, se não for impertinência...Se não for incomodar-lhe Senhor Adão...só me incomodará se continuar a me chamar de Adão, Eva., e eu custei a perceber que ele falava comigo, e então ouvi a voz, olhe para a frente Margarida, e eu vi os olhos, os olhos brilhantes como mel, um mel escuro e então querendo não ser eu, querendo ser Eva eu me sentei e pedi uma cerveja e ele também e bebemos tantas que quando saímos já tínhamos rido e falado de tudo e de todos menos de nós, e ele me beijou quando chegamos a porta e nem tentou entrar, e eu agradeci a Deus por isso mas fiquei triste porque pensei, ele não gostou de meu beijo, beijo de lábios que nunca beijaram.E a noite toda eu não consegui dormir, repetindo todos os momentos que tinha vivido, querendo mais, muito mais...

E na manhã seguinte eu esperei ansiosa, fiquei a manhã toda esperando que ele aparecesse para o café, queria caminhar pela praia outra vez, mas não podia perdê-lo de vista, mas ele não veio, e eu tomei tanto café que não precisaria mais comer o resto do dia, experimentei todos os pães e bolos, comi as frutas exóticas, bebi todos os sucos e nem consegui sair sem voltar ao quarto, tinha que ir ao banheiro, e tenho que ir a cidade comprar batom, quem sabe um vestido novo, quem sabe? Burra, ele é casado, tem família e já se foi, pra que tantos sonhos, um homem desta idade não está mais sozinho, só você está sozinha, só você nunca amou ninguém na vida . Foi apenas um flerte e ele já se foi, nem disse seu nome verdadeiro, então duas batidas na porta e quando abri ele estava lá com um buquê de margaridas na mão, todo sem jeito, achei que essas flores pareciam com você ele disse, desde que a vi me lembrei das margaridas do jardim de minha mãe, e eu não soube o que falar, e ele entrou no quarto e ligou para a recepção pedindo uma jarra para colocar as flores, e enquanto esperávamos o jarro ele me beijou novamente e eu senti vontade de dizer que meu nome era Margarida mas não tive coragem, porque a Margarida só sabia olhar para o chão e eu não queria mais olhar para o chão.

E então nós passamos uma semana maravilhosa,eu Eva e ele Adão, e eu lhe dei a maçã tentadora e ele comeu a fruta do pecado então ele se foi, disse que era chegada a hora, gostaria de viver comigo o resto da vida, mas tinha um compromisso, um compromisso que absorvia todo o seu tempo, que não podia de modo nenhum ter outro compromisso na vida, obrigar alguém a dividir o seu fardo com ele, tinha sido só uma semana, uma semana de fuga, de busca de felicidade, e me beijou de novo e partiu sem que eu soubesse o seu nome, sem que ele soubesse o meu. Joguei no lixo as margaridas apodrecidas e voltei para casa no outro dia, mas jurei que nunca mais andaria pelas ruas olhando meus pés, estaria sempre atenta, olhando para todos os lados, porque eu tinha que encontrá-lo de novo, fosse como fosse, fosse qual fosse o seu fardo, eu o acharia, mesmo que não se chamasse Adão.

E eu voltei para casa, entristecida, mas de cabeça erguida, olhos dançando para todos os lados, foi então, que ao abrir a porta de meu prédio, senti que de dentro alguém também a puxava e a força que fizemos juntos, porque a porta era emperrada, quase me derrubou e eu olhei para ele, o homem que puxou a porta e ele olhou pra mim e ao mesmo tempo exclamamos nossos nomes: Eva!!! Adão!!!

Bem, hoje ele já sabe que eu não sou Eva, sou Margarida, mas ele é mesmo Adão, professor aposentado, solteirão, mas por pouco tempo, agora que achou quem dividisse com ele os cuidados com o pai, doente há tantos anos que ele já perdeu a conta. Mal de Alzheimer.

E agora quando saímos juntos ele me diz, olha para a frente Margarida, vai acabar tropeçando, mas é tão difícil porque eu quase não consigo tirar os meus olhos dele, e então ele ri e segura com força o meu braço para que eu não caia quando tropeçar.



Autora: Maria Olimpia Alves de Melo - Lavras/MG

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terça-feira, 29 de maio de 2012

A outra - Autora: Maria Olimpia

Quando eu era bem jovem era também muito fantasiosa. Eu não gostava nem um pouquinho de mim e por isso inventei outra para ser eu. A outra era tudo que uma adolescente podia sonhar: perfeita. Era linda, branquinha e cheia de sardas charmosas, com os cabelos avermelhados e olhos azuis como os de Elizabeth Taylor. Tinha nome e sobrenome, aliás um nome bem cafona para os meus padrões atuais. Criei para ela uma vida completa, tinha até uma casa maravilhosa, um carro esporte sem capota e uma grande paixão. Não era uma menina boboca como eu. Viajava pelo mundo inteiro, conhecia pessoas interessantes que faziam questão de sua amizade. Era só a vida ficar chata que ela aparecia, sem pedir licença, até que certa altura da vida ela se tornou tão presente que tive medo que me ofuscasse. Não que eu agisse como ela, minhas atitudes continuavam a ser as de uma roceirona caipira. No entanto dominava de tal forma os meus pensamentos que tive medo que ocupasse por inteiro o meu corpo e aí eu nem seria eu nem ela.E olha que naquele tempo eu nem sabia que pensamentos têm vida própria, como sei agora,e por isso cuido deles com cuidado.

Foi por isso que tive de matá-la. Não foi suicídio, mas assassinato mesmo. Como foi legítima defesa, nunca senti culpa, nem ninguém me condenou, pois se nem sabiam que ela existia como iriam saber que tinha morrido assassinada por mim? Mesmo assim o seu fantasma veio assombrar-me. Vi o filme As Barreiras do Amor, onde Michelle Pfeiffer, como a texana Lurene, vivia uma fantasia semelhante – ela fantasiava ser Jacqueline Kennedy e só parou com essa idéia obssecante quando sua própria vida se transformou em uma aventura. Eu não cheguei a tanto, nunca quis ser outra pessoa de verdade, inventei para mim uma pessoa perfeita, mas acabei dando cabo dela. Tive que fazer uma escolha entre ser eu ou ser outra e ser eu venceu. Como não estava satisfeita comigo tratei foi de transformar-me em uma eu melhorzinha. Não pela aparência, afinal nada como a juventude e seu viço. Mas pela alegria de viver e a certeza do poeta das múltiplas faces: tudo vale a pena quando a alma não é pequena.

Autora: Maria Olimpia Alves de Melo - Lavras/MG

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domingo, 18 de março de 2012

Catando coquinhos - Autora: Maria Olimpia

Na  verdade os coquinhos não passam de nozes de macadamia, originárias da Austrália, mas quando os encontrei sendo vendidos na rua achei-os tão bonitinhos que decidi comprar. Antes, experimentei um e gostei. De macadâmia eu só conhecia sorvetes e bombons sempre deliciosos.

Os tais coquinhos são vendidos tendo por medida o litro, no caso uma lata vazia de óleo de cozinha, como eram vendidas as jabuticabas antigamente. Acho até que foi por isso que os comprei – pela nostálgica lembrança.

Os vendedores carregam as nozes em um carrinho de mão e junto uma pedra bem sólida onde as colocam para firmar. Depois pegam um martelo e dão uma martelada bem forte em cada noz e as distribuem as pessoas na rua, até aos desdentados, o que é uma crueldade.

Perguntei-lhe como eu iria fazer em casa para abrir a noz e ele respondeu: Pegue uma bacia um martelo e sente-se na calçada com seu marido e peça a ele para ir quebrando para você. Não tendo marido nem braço forte e nem pedra solida, nem calçada  sentável, seria uma temeridade comprar, mas arrisquei. Se não conseguir, deixo-as enfeitando uma fruteira qualquer, pensei.

Colocados dentro de um saco plástico fui fazer o que tinha que fazer, carregando-os. E volta e meia um e outros despencavam pela borda do saco indo ao chão: e lá ia eu catar coquinhos, equilibrando minha bolsa, minha pasta executiva e o resto dos coquinhos.

Acho que fiz uma boa compra porque segundo informações seríssimas da Folha de São Paulo, elas retardam o envelhecimento, protegem o sistema cardiovascular além de reduzir os níveis de colesterol no sangue. Já é produzida no Brasil, sétimo produtor mundial desde a Bahia e estende seus galhos até o Uruguai. Chegou por aqui vinda da Califórnia. Não dá muito trabalho para colher porque os frutos caem sozinhos da árvore, o que torna uma chuva de macadâmia muito perigosa. Apesar de que a árvore é linda e enfeita com classe e elegância qualquer bom quintal – O grande problema é que demora demais para produzir, mas depois que começa não para mais. São conhecidos espécimes com mais de um século de idade e ainda em alta produtividade.

Mas catar coquinhos mesmo acabei catando foi em casa: peguei o martelo, uma mão cheia de coquinhos e fui para o quintal. Resolvi firmá-los na escada de cimento que liga as duas partes do quintal e não deu outra: a cada martelada um coquinho voava longe. Depois de catá-los todos, resolvi devolver para a fruteira e esperar um braço forte aparecer para eu tomar a minha poção mágica contra o envelhecimento.



Autora: Maria Olimpia Alves de Melo - Lavras/MG

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Publicação autorizada pela autora através de e-mail de 12/03/2012