sábado, 27 de fevereiro de 2016

Gilberto Dantas...

Gilberto Dantas

Escrever para não sofrer… Com esta crônica, deixou o mundo um grande amigo e um dos melhores cronistas do blog e família Gandavos. A dor da perda é imensa, o adeus não tem retorno, faltam as palavras. Nosso querido GDantas se foi deste plano da existência; deixou saudades eternas e uma tristeza que se reflete em luto no coração de todos nós, seus amigos, mas creio piamente nos dizeres da grande escritora goiana, Cora Coralina: "Não morre aquele que deixou na terra a melodia de seu cântico na música de seus versos." Assim sendo, o que conforta a todos nós, é saber que nada foi em vão, as palavras se alongam como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.

Gilberto plantou sementes, deixou marcas, lembranças e muitas saudades. A morte leva o ser, mas a palavra o imortaliza. O corpo se vai, mas as pegadas ficam em cada palavra escrita. 
Os Contadores de Histórias (Os Gandavos)

Escrever para não morrer

Autor: Gilberto Dantas
Já tentei falar sobre as inúmeras motivações que temos para escrever.
Cheguei à conclusão, “no frigir dos ovos”, que o simples prazer prevalecia para que eu escrevesse. Interessante, não sei se já apontei essa fato, mas também é verdade que certos escritores sofrem ao escrever. Neste caso, se encontrava a nossa grande escritora, da Academia Brasileira de Letras, Raquel de Queiroz, autora do “Quinze”, o primeiro e mais famoso romance, com tradução francesa. Vi e ouvi a própria falando do seu sofrimento, na TV. Uns escrevem para lembrar; outros ,por incrível que pareça, para esquecer. Existem aqueles que escrevem para obter autoconhecimento, não sei se conseguem, tenho minhas dúvidas. E minha dúvida aumentou muito mais, quando um biólogo inglês, considerado o maior do mundo na biologia, disse enfaticamente: “A biologia ainda desconhece o homem, por isso ainda é cedo para dar um parecer sobre o ser humano! Meu Deus! Que coisa, heim? Deixo de lado os psicanalistas, que se deliciam em ver os motivos mais tenebrosos para os escritores. Decididamente, esta turma da psicanálise não consegue ver o lado saudável do homem. Ontem, para minha grata surpresa, pena que só assisti o último minuto de um programa da TV-Sky, apreciei Ligia Lessa Bastos, dizendo textualmente: “me leia, poeta, não me deixe morrer. Escrevemos para não morrer, pois sabemos que a vida é curta, efêmera”. Milton Hatoum, o árabe-amazonense, meu conterrâneo pelo lado amazonense, diz que escreve para salvar suas histórias da corrosão do tempo, o que já lembrei na minha crônica anterior sobre o mesmo tema. Há, em muitas motivações, um desejo oculto de salvação, pelo menos para os mais religiosos. Mas na verdade, queremos, com a escrita, justificar e manter nossa presença no mundo. Foi para mim uma revelação a frase de Ligia Lessa Bastos. É isso, agora sei! Na verdade, já sabia, falo com sinceridade, nada de inconsciente, era bem consciente, tinha era vergonha de revelar. Estou escrevendo para não ser esquecido e, como disse a Ligia, para não morrer! Quero prosseguir um pouco mais além do transitório. É isso, não tenho mais dúvida. E quero escrever com “estilete”, deixando a minha marca, meu estilo, para aqueles que me são caros, para os que me conhecem. E assim viverei um pouco mais, deixando o meu retrato psicológico para os meus descendentes, minhas duas filhas. O escrever, quando não é patológico, pois tudo na vida pode derivar para a anormalidade, ainda nos traz benéficos efeitos colaterais, pois também escrevemos para deixar uma lembrança para alguém; para consolar um amigo ou amiga; para desabafar, para dar ânimo a uma irmã ou uma filha; para dizer que estamos apaixonados; para ficarmos mais próximos daqueles que são importantes para nós; para instruir, para parabenizar, para alegrar e até para pedir. Dizem os meus amigos que quanto mais se escreve, mais se quer escrever. A experiência de escrever é nova para mim, o que é velho é o hábito da leitura, pois comecei aos quatro anos e nunca mais consegui parar de ler. Evidentemente, só escreve quem lê. É o maior dos prazeres!


Autor: Gilberto Dantas - Miracema/RJ
Publicação autorizada pelo autor



COMENTÁRIOS:


LENAPENA:

Gilberto, boa noite. Creio que o ato de escrever, reuna as mais variadas motivações: Lembrar, aprender, autoconhecimento, até quem sabe esquecer. A escrita sem dúvida promove uma verdadeira catarse em nossos sentimentos. Abre janelas em nossa alma, e expõe o que muitas vezes estava aprisionado nas dobras mais secretas de nossa essência. Adorável leitura, fiz em seu texto. Parabéns, meu amigo.

Maria Mineira:

Excelente crônica! Sem sombra de dúvida a leitura é um dos principais meios para que a pessoa construa o seu conhecimento e aprenda a exercer sua cidadania. Também leva quem lê a construir um mundo imaginário, de sonho e fantasia onde tem a chance de exercer sua reflexão crítica e promover o debate de idéias. Levando o indivíduo à leitura da vida, do contexto cultural do lugar onde vive e assim desenvolva seu senso crítico. Parabéns e um abraço aqui da Canastra.

Loucuras e incertezas

Autor: Gilberto Dantas

            Encontro-me com meu amigo Roque, por puro acaso,  e o convido para jogar uma partida de xadrez em minha casa. O jogo já levava três horas e nenhum de nós dois conseguia dar o mate desejado. Foi nessa hora que o Roque começou a filosofar e ali, diante da mesa do jogo, entramos a fabular sobre a vida. 

            - Sabe, Gil, não acredito mais em nada, muito mal que estou vivo  e falando com você.  Bastante surpreso, indaguei do amigo se estava desgostoso da vida, logo ele um comerciante próspero na cidade, o maior mecânico de carros da região do Noroeste Fluminense. 

            - Não, amigo!  É que fui educado com muito realismo. Saiba você que na idade de 06 anos eu já não acreditava em Papai Noel!   É mesmo, disse eu?  - Imagine você que estando eu numa roda de amiguinhos lá no Rio de Janeiro, na rua Santo Amaro, onde morava, todos falavam que Papai Noel existia e tentavam provar a existência dele, com os brinquedos que ganhavam no Natal. Até os cariocas, bons malandros, acreditavam... Pois bem, ao chegar em casa, perguntei ao meu pai se existia mesmo o bom velhinho. E ele me respondeu de chofre, sem dar tempo para eu cultivar minhas ilusões: - Não existe! O Papai Noel sou eu , seu pai!

            Ponderei ao amigo que isso era triste, pois ouvia dizer que devemos ter ilusões, utopias. Seriam os bons temperos da vida, serviriam como pimentas para dar um gostinho no nosso viver.  – Qual nada, ele me respondia! – Pois saiba que me senti superior aos amiguinhos no episódio do papai Noel. Sentia-me mais firme, pisando o chão das dúvidas. E além do mais, passei a perceber que ao lado dessas ilusões, vamos dizer, benignas, quase todo mundo vem com defeitos cerebrais que afetam muito o seu comportamento.  Pode acreditar, é o caso da maioria das teses filosóficas, tratados de psiquiatrias,  falsas mensagens   religiosas, que pululam neste mundo de Deus. Aprendi outro dia que a natureza é remendona, por isso há muito imperfeição no mundo. Sem falar nos defeitos físicos: pessoas com cara de cavalo, cara de cachorro. Eu mesmo, vi ontem, na cidade vizinha, um homem que parecia uma codorna.

            Foi nesse momento, que me lembrei do velho Machado de Assis, um crítico mordaz da nossa sociedade, grande observador da psicologia humana.  Não sei se já comentei com o leitor  que continuo fazendo uma profunda pesquisa nos textos do grande escritor.  Agora me lembro, sim, já comentei isso em outras crônicas. Deixa então eu prosseguir.  Logo me veio à mente o personagem famoso do conto “O alienista”, o Dr. Simão Bacamarte. E disse ao meu amigo que realmente o ser humano visto de perto não parece normal. Vou contar uma que o amigo leitor, a amiga leitora não vão  acreditar. Foi um relato do psicólogo Alfred Adler nos dando conta de que uma empregada doméstica do Freud ficava assustada com  número de suicídios dos clientes do Freud. Há quem diga que como psicólogo foi um grande escritor, com uma mente fertilíssima.

            - É verdade, Gil, quanto às anormalidades,  por isso não aceito de jeito nenhum me associar a qualquer movimento, principalmente pertencer e me juntar às massas. Veja que a mídia de hoje adora aplaudir as massas. Lembra-se das massas de Hitler? Das massas de roqueiros? Das massas nas estradas, com engarrafamentos de 200 Kms?  Você acha normal isso?

            Concordei com o Roque, logo eu que fujo das massas. Massa só se for de macarrão! E macarronada italiana. Lembrei então ao amigo que o Dr. Bacamarte, impressionado com os defeitos cerebrais dos humanos,  pretendeu interná-los todos na Casa Verde, na cidade de Itaguaí, cidade onde morava. Mas veja, Roque, comentava eu, o pobre do Bacamarte acabou soltando todos os “doentes” da cidade porque chegou à conclusão que essas “doenças mentais” afinal eram normais, pois pegava toda a população. E ele, o doutor, acabou se internando no hospício, ele todo racional, todo certinho, é que era o anormal.

            E meu amigo Roque, após me alertar que estava me dando xeque no jogo de xadrez, completava feliz: - Gil, além dessas loucuras todas, muito aplaudidas pelas massas, diria muito mais. Veja que tudo agora é considerado normal e ai de você, se  contestar... Logo será xingado de reacionário, alienado, conservador, etc., etc.  Vou contar mais uma pra você, antes que eu lhe dê o xeque-mate. Não acredite também em interpretações dos outros.  E nesse particular confesso a você que só li um conto do seu ídolo, o Machadinho.  Foi o conto “Os óculos do Pedro Antão”. Surpreso com o meu amigo mecânico, pedi a ele que resumisse esse conto, ou pelo menos apontasse para mim o final do conto.

            - Amigo Gil, esse conto de dez folhas decidiu a minha vida para a descrença total. Tentarei resumir em poucas palavras.  Veja você que esse tal de Pedro Antão vivia recluso numa casa sombria e não queria saber de amizades. Até que um dia morreu e deixou o palacete  de herança para seu único sobrinho, o Mendonça. O Mendonça achava a casa mal assombrada e apelou para um amigo para ir ver a mansão. O amigo viu coisas estranhas na casa e resolveu adivinhar ou analisar a personalidade do Pedro Antão, pelos objetos que ia encontrando.

            Segurei a mão do Roque, pensando em sair do xeque no xadrez, e lhe disse: - “Mas, Roque, é possível analisar a personalidade de alguém pelos objetos da casa?” No que meu amigo ponderou assim: -  Claro que não! Espere que vou lhe contar logo o final dessa história, não sem antes criticar essa turma que vai para o estrangeiro, passa uma semana, por exemplo, em Paris e pensa que conheceu o psiquismo do francês e alguns chegam a escrever livros com teses incríveis sobre a França. É desse jeito que aparecem as teses...  Mas deixe-me concluir. O amigo do Mendonça achou que  o Antão ficara recluso porque tinha um grande amor proibido. E vivia se encontrando com a amada às escondidas, um romance tipo Romeu e Julieta. A amada morava em uma casa que se situava atrás da casa do Antão. Havia chegado a essa conclusão luminosa  porque achara uma escada de seda, uns estranhos óculos verdes e outros objetos que se encaixavam neste romance criado pela cabeça fértil do amigo do Mendonça. 

            Consegui sair do xeque e   agora  era eu que dava um xeque com minha torre. E perguntei ao Roque: - E essa interpretação estava correta, descobriu-se mesmo esse romance?

            - Claro que não, Gil. Por sorte, o Pedro Antão havia deixado um documento para o sobrinho alertando para esse fato. No rolo de papel achado pelo próprio sobrinho, o Pedro Antão dizia que deixava aquelas pistas de um suposto romance porque tinha certeza que apareceria um bobo alegre para fazer essa interpretação estapafúrdia  e encerrava com mais essa lição valiosa. Dizia o tio: “Livra-te dessas  filosofias baratas da vida e fuja das interpretações”. Foi o que sempre  fiz, meu amigo Gil.  Aparentemente, parecia que ia ganhar esse jogo de xadrez, mas vejo que não. Aceita o empate?

            E eu, maravilhado com a conversa do Roque, já pensando em outro grande escritor, o Pirandello, repetia mentalmente a sua frase célebre:  “Assim é, se lhe parece”. 

            - Então, Gil, aceita o empate?   -  Sim, parece-me que a partida está empatada! 

              E meu pensamento se voltou para uma frase genial e brincalhona do Machadinho, meu atual ídolo: “ O  xadrez, um jogo delicioso, por Deus! Imaginem da anarquia, onde a rainha come o peão, o peão come o bispo, o bispo come o cavalo, o cavalo come a rainha, e todos comem a todos. Graciosa anarquia...”

                Faltou dizer, meu caro Machado de Assis, somente o Rei não come ninguém...  



Autor: Gilberto Dantas - Miracema/RJ


Publicação autorizada pelo autor

Troca de carros


Autor: Gilberto Dantas

Jersey  e Tobias eram amigos inseparáveis. Os dois eram casados. Nesta época de extravagâncias, preciso explicar.  Casados com suas respectivas esposas. Na década de 50 quase todos os carros eram americanos: Chrysler Imperial, Oldsmobile, Cadillac, Buick, Dodge e tantos outros, além das tradicionais marcas Ford e Chevrolet.
O Jersey era um homem moreno, tipo galã, um Clarck Gable da época. Já o Tobias, por sinal primo do meu pai, não era bonito, mas ficava charmoso dentro de um Buick azul, hidramático (naquele tempo não diziam automático, era hidramático).
Ficava surpreso, ainda menino inocente,  quando os dois trocavam de carro. Quer dizer: o Jersey, com seu Oldsmobile invejava o Buick do Tobias. Eles não hesitavam e trocavam mesmo os seus carros. Era sempre a mesma coisa, entrava ano saía ano. Eles aguentavam apenas seis meses. Aí pintava a inveja ou cobiça de um pelo carro do outro. 
Muito tempo depois, tive  um amigo maluco que havia lido toda a obra de Freud, e vivia analisando todo mundo que ele conhecia.  Era chamado de Freudinho. Um dia, o maluquinho resolveu fazer hipnose comigo. Explico: estava em alta crise com meu primeiro casamento. E o Freudinho me convenceu a me sujeitar à hipnose. Disse-me ele que regredi até os cinco anos. Foi quando dei um basta nas maluquices do meu amigo. Precisava chegar aos meus cinco anos, quando meu problema era aos trinta anos?
Lembrei-me do Freudinho, sabedor dessa história antiga dos amigos, morador  do Leme, no Rio de Janeiro, exatamente porque ele aventou a hipótese...  Aliás, hipótese, não! Ele tinha certeza que o Jersey e o Tobias trocavam de carro todo ano, num ato de sublimação, evitando uma possível troca de suas mulheres. Assim, trocavam de carro para continuarem fiéis às suas esposas.  
O que tenho mais visto nesta época de extravagâncias é a troca de casais, num despudor sem igual. Não respeitam nem mesmo a hierarquia. A última troca que soube,  foi incrível:  o soldado ficou com a mulher do tenente e o tenente com a mulher do soldado.
Tudo bem, não tenho nada com isso, mas para o bem talvez das famílias, não seria o caso de tentar, antes , trocar de carros?  Ou pelo menos de motos?


Autor: Gilberto Dantas - Miracema/RJ
Publicação autorizada pelo autor

O espírito carioca - Autor: Gilberto Dantas

Uma amiga de Minas estranhou o carioca não ficar elogiando o Rio, nem fazer questão de se vangloriar da beleza da cidade.

Disse-me ela que seus conterrâneos adoram elogiar a sua terra, gostam de conservar seus patrimônios históricos. Em suma, demonstram o seu amor pelo seu Estado.

Posso falar da minha longa vivência no Rio e dizer que realmente os cariocas não estão nem aí para esse negócio de cultuar a cidade. Eu mesmo não me recordo de ficar olhando para os belíssimos monumentos da cidade, inclusive os naturais, como Corcovado, Pão de Açúcar, Pedra da Gávea, Lagoa, as belíssimas praias, desde o Flamengo até a Barra da Tijuca.

O carioca acha naturalíssimo isso e até se cansa de olhar para essas belezas. Eles deixam isso para os turistas. E acha até engraçado a alegria da turma de fora, em busca dessas maravilhas.

Fui ao Corcovado umas três vezes na minha vida inteira e com um olhar de desdém. Ao Pão de Açúcar, mais vezes, para mostrar para algumas turistas. Talvez, umas seis vezes.

O que o carioca quer mesmo é frequentar as praias, disso ele não abre mão.

E o que adoramos, na verdade , é descobrir lugares desconhecidos da maioria.

Serve até um boteco lá nos confins do Judas, mas que tenha, por exemplo, um caju-amigo, ou então uma empada de camarão feita de uma maneira diferente.

Quer dizer, o carioca gosta de novidades. Mas essa novidade dura no máximo uns seis meses. Depois disso, começa a ficar chato para nós . Aí é hora de achar outra novidade, que pode ser no Parque Besançon, no Jardim Botânico, ou lá em Padre Miguel.

Celebridade é coisa que o carioca não gosta. Aliás, ele faz questão de nem olhar para a celebridade. Lembro-me bem que o carioca se chateava quando um artista de cinema americano se demorava mais de uma semana na cidade. Diziam: “ mas esse chato ainda está aqui no Rio? “ E temos horror a herói. Herói para o carioca é aceito apenas por um dia, depois achamos o herói um tremendo“muquirana”.

E esse negócio de Autoridade também não é com a gente.

Recordo-me, ainda jovem, que cogitaram de convidar o Papa da época para visitar o Rio de Janeiro.

Às pressas cancelaram o convite, porque a turma do Rio já estava fazendo uma campanha para levar o Papa para dar o kick off, (chute inicial) numa partida que seria jogada no Maracanã entre o Flamengo e o Fluminense.

Também não gostamos de ídolos, achamos de uma caretice sem par. Talvez, nem sei o por quê, o Pelé seja uma exceção, mas assim mesmo tenho minhas dúvidas.

Vem-me à mente a figura do meu pai arrasando com o Pelé. Ele só era benquisto quando fazia uma boa jogada na seleção brasileira. Mas a maior parte do tempo de jogo, gostávamos mesmo era de vaiar o nosso craque. Você entende?

Autor: Gilberto Dantas - Miracema/RJ

Publicação autorizada através de e-mail de 07/02/2012

Café Carlyle em Nova York

Autor: Gilberto Dantas

Pois é, amigos e amigas. Sim, estou no café Carlyle em Nova York ouvindo o clarinete do genial Wood Allen. Ele na condição de músico de jazz acho uma merda. Mas minha opinião não vale nada porque pouco entendo de música. 
Resolvi me mudar para Nova York exatamente para me torturar neste meu último período de vida (penso que atingi a alta velhice). Estou num pequeno apartamento perto do Central Park. Passo as noites lendo meus autores preferidos, não desejando conhecer mais ninguém. Optei por ser solitário e procurar morrer de uma maneira sutil, aos poucos,  mas com a esperança de receber um choque tão grande que acabe morrendo de infarto fulminante.
Minha tática é a seguinte:  o dia todo ouço João Gilberto e Milton Nascimento, músicos que eu simplesmente detesto. Com todo o respeito, para mim são detestáveis e me levam à fossa. Não saio do apartamento nem falo com ninguém.  Uso os serviços de “delivery” da cidade.
Abro exceção às terças-feiras para sair de casa. Vou ao café Carlyle para me torturar mais ainda, ouvindo o nosso Wood Allen.  Como cineasta, gosto muito dele e sempre assisti seus filmes, lá no Rio de Janeiro. Agora, ele tocando clarinete é de doer... Pelo menos para mim.
Nesta minha crônica meus leitores poderão ver o vídeo do Wood Allen. Neste dia, ele estava terrível.  Fui no fundo do poço com a minha fossa.
Toda semana, ao lado da minha mesa senta-se uma americana com seus 40 anos. Idade da Loba.  Não tira os olhos de mim. Qualquer dia desses, fatalmente, vai me dirigir a palavra. Ela se limita a sorrir. Eu sorrio também. E finjo que digo uma palavra em inglês: um tímido “darling”...
Ela não sabe que a minha depressão vem exatamente das mulheres sedutoras que arranjei na vida. E eu não consegui aprender a necessária malandragem para me defender desses ataques de sedução. Além disso, possuo um gene mutante que atinge todos os homens da minha família após os sessenta anos. Este gene nos deixa incrivelmente crédulos durante a maior parte da vida. Na velhice, se transforma num gene terrivelmente cético. Possivelmente, uma defesa orgânica e psicológica que nos impede de sonhar com o amor eterno, evitando um doloroso engano em idade tão vulnerável...
Se é para parar de sonhar, aguardo o dia fatídico. A americana batendo na porta do meu apartamento e me dizendo: - “ Dear, I love you!”  É só o que eu preciso para enfartar de vez.
Deus, que chegue logo esse dia!


Autor: Gilberto Dantas - Miracema/RJ
Publicação autorizada pelo autor








Nota: Continuo Viajando e publiquei este texto em trânsito.


O marido da minha mulher

Autor: Gilberto Dantas

Atualmente, me sinto como um garoto travesso que vai descobrindo brinquedos novos no parque de diversões da cidade.
Ando conversando, na minha imaginação, com escritores do passado, que fizeram, como dizemos hoje, a diferença.
O meu espírito geminiano inquieto, como um personagem de Pirandello, está à procura de seus autores.
Já conversei muito com o Machado de Assis, crítico irônico da sociedade;   e já frequentei o terreno baldio do Nelson Rodrigues,  que    nos afirmava não ser possível amar e ser feliz ao mesmo tempo. Afirmação irônica, tal como a vida como ela é...   
Parece uma declaração cínica, mas como é verdadeira, basta olharmos em torno de nós mesmos. Mas eu queria passar para meus amigos  leitores é que estou me deliciando com o italiano Pirandello, que me parece o pai ou o avô do Machadinho e do Nelson Rodrigues. Que percepção a dele com relação ao ser humano.
Era ele quem dizia que o que falamos,  o outro vai entender como ele sente, o que quase sempre será diferente da minha maneira de sentir.  Agora entendo melhor os comentários dos amigos e amigas. Volta e meia alguém vê um sentido no que escrevo que jamais suspeitei ou imaginei esse sentido visto pelo  outro.
Assim é, se lhe parece, já dizia Pirandello. Observou ele também que nossos pensamentos, que nem sempre temos controle sobre eles (digo eu), muitas vezes são contraditórios e pensamentos estranhos surgem de repente, criando até uma estranheza em nós mesmos.  Isso é o ser humano.  Não foi à toa que Einstein dizia que somos inconsistentes.
Peço aos amigos e amigas que não entendam que cheguei a alguma conclusão. Não, não cheguei!
Já me assustei com essas observações realistas, mas agora vejo diferente: é partindo de como somos que poderemos melhorar, essa a minha esperança.  Aliás, há uma frase genial do personagem mexicano Cantinflas, ao começar um jogo de damas com um amigo. Disse ele: - “ Vamos jogar como cavalheiros ou como somos?”
O título da minha crônica é o nome de um conto de Pirandello. Não consegui ainda ler o conto, mas fiquei sabendo que se trata de um marido, chegando na velhice,  e que começa a suspeitar que sua mulher tem como amante o  melhor amigo seu.  Isso se dá na cabeça do cara, não sei se ocorreu o fato realmente. Preciso urgentemente ler o conto, pra contar depois...  No entanto, até as traições não são mais como antigamente. Os costumes mudam e talvez o impacto da traição seja menor nos nossos dias. A frase do Machadinho sobre o amor ainda causaria alguma comoção hoje?  Perguntado sobre a duração do amor dele com a fulana de tal, respondeu o escritor: - “ O amor dela por  mim durou exatamente um ano e cinco meses e vinte mil reais” (o dinheiro foi atualizado, naturalmente).
Não sei se estou ácido ou bem humorado, mas o fato é que a vida ainda tem muito de imponderável e de acaso, apesar da afirmação contrária dos religiosos.  E é isso que nos desnorteia...


utor: Gilberto Dantas - Miracema/RJ
Publicação autorizada pelo autor

Não Tenha Medo - Autor: Gilberto Dantas

Estou convencido que o principal problema do ser humano é o medo.

Sofremos desse mal congênito: temos medo de tudo. A visão de uma simples barata me faz entrar em pânico. E se for voadora, sou capaz até de desmaiar.

Quando da minha separação, fui morar sozinho na Tijuca, na rua Uruguai. Houve uma noite de intenso calor e eu na sala, sem camisa, só de calção,  lendo angelicalmente um livro. De repente, entra uma barata voadora pela janela e pousa justamente nas minhas costas. Dei um pulo já em pânico e me tranquei no meu quarto. Só de manhã, com muito medo, retornei à sala para ver a barata, que até hoje não achei.

Amigo leitor, amiga leitora, gosto desse momento que me dirijo aos meus amigos. Acho um momento de ternura, de encontro. Pois bem, amigos, talvez faça uma confissão estapafúrdia, inusitada.    Mas nós humanos somos assim mesmo.

Vocês vão tomar um susto, pois quero me referir à minha ligação, com todo o respeito,  com o Papa João Paulo II. E o título da crônica tem tudo a ver com ele.

Quem já me conhece, através de minhas histórias, sabe que sempre fui muito assustado, medroso, mesmo! Quando este Papa morreu,  eu li um livro dele que me impressionou. Neste livro ele mostrava toda a sua grandeza de ser humano. E havia um capítulo com esse título: “ Não tenha medo”. Na época em que li o livro andava com meus medos em alta. E o Papa enumerando todos os tipos de medo. E dizia, não tenha medo disso, não tenha medo daquilo. Só faltou dizer pra não ter medo de baratas. Enfim, nos dava coragem para viver a vida com destemor.  O livro me livrou de muitos medos. Só sobrou um, que relatarei no final da crônica e já conto com a  intercessão do Papa para me tirar esse medo também.

No dia em que deram um tiro no João Paulo II, na Praça São Pedro em Roma, exatamente naquele minuto, eu me encontrava em um Motel no Joá, no Rio, com minha namorada mineira de Ubá. Estávamos eu e a Nara  bem aconchegados na cama, quando resolvo ligar a TV. Foi aquele susto! O Papa sendo conduzido rapidamente para ser socorrido, depois que levou um tiro de um desses malucos que existem no mundo.  Minha namorada, muito católica, teve um choque, mas logo recuperou-se, depois dos meus afagos, que um enamorado cético sabe dar . E tudo entre nós voltou à normalidade. O  bom sexo não ficou prejudicado.

Não sei por que, mas acho que este Santo Papa quis me dar um aviso, me fazendo ligar a TV praticamente no exato momento em que levava um tiro. Nunca esqueci a data, 13 de maio de 1981.

Queria me mostrar o caminho para um segundo casamento e que aquela moça que estava comigo seria a minha esposa ideal. Ela, sem dúvida,  foi uma daquelas que soube me amar. Moça maravilhosa! Convivemos durante 08 anos, mas acabei depois me encantando por uma carioca mais nova e foram mais 08 de anos de um relacionamento bastante tumultuado, um terremoto grau máximo na minha vida.

Fico pensando que naquela tarde do motel, estava de certa forma sendo abençoado pelo Papa,  que tanto admiro,  e deixei escapar a oportunidade.

Fico sonhando em ter uma nova oportunidade de felicidade. Emprestei o livro do Papa e não me devolveram. Vou comprar outro, imediatamente, para reler o capítulo do “não tenha medo”.

Sabe, amigos, é que estou sonhando com uma espetacular fuga para a felicidade e preciso saber se o Papa falou também pra não ter medo de fugas...

Já até escrevi uma crônica sobre essa fuga...  – Hein? Se vou publicar essa crônica? – Claro, esperem mais uns dias, publicarei "a fuga"!

A dúvida é com quem fujo: se com uma carioca, ou se dou uma nova chance a uma mineira,  relativamente  jovem,  para cuidar, com carinho,  dos meus velhos medos. Fugindo ou não, dou-me por satisfeito, nesta crônica, em relembrar a figura impressionante do Papa João Paulo II, um ser humano de extraordinária grandeza.

Explicação
O  autor esclarece que a presente crônica poderá ser entendida como ficção.

Autor: Gilberto Dantas - Miracema/RJ

http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=67890
Publicação autorizada através de e-mail de 06/02/2012

A fortaleza do homem comum - Autor: Gilberto Dantas


Artur da Távola é uma companhia que prezo muito. De certa forma, ele não morreu.  Se ainda posso dialogar com ele é porque ele está vivo, para mim. Sim, se você for muito racional, já estará me contestando: “não pode haver diálogo”. Mas aí, meu amigo, você está se referindo à  vida superficial. Estou falando de vida mais profunda. Estou intuindo espaços que normalmente não vemos.

Consigo ver seu sorriso maroto e até ouço sua voz.

Hoje, meio chateado com essa vida normal, fui a um dos livros dele.

E passamos a conversar. Não  tem poeta que conversa com passarinho,  com árvore, com os astros?  Qual a surpresa por eu conversar com alguém que gosto muito e  que existiu de carne e osso?

Vamos lá, deixa-me continuar. Ele escreveu sobre fraquezas e fortalezas do ser humano.  É uma página muito linda. Mas não quero repeti-lo. Ele me disse que temos uma fortaleza bem lá no fundo e que ela pode aparecer se chegamos a ter maturidade.

Enquanto a maturidade não chega, a nossa fraqueza é que vai desbravando tudo. Diz ele que ganhamos prêmios, somos aceitos pela nossa fraqueza.

É com essa fraqueza que conquistamos o mundo. Fazemos amigos, temos amores, fazemos crônicas e poesias.  Segundo ele, tudo isso é fraqueza. E é!

Volto a repetir, dá vontade de soltar a página dele, porque ele enumera tantas fraquezas. É uma delícia essa descrição das fraquezas.

Mas quero que a crônica seja minha. Deixa  eu botar minha fraqueza pra fora...

Disse para o Artur: “ vou  misturar fraqueza com fortaleza,  posso?”  - ele sorriu e assentiu com a cabeça.
                              
Amigo  é assim, faz nossas vontades, mesmo sabendo que estamos errados.

Esclareço que o Távola é que está certo. Maturidade é a coragem para você se  aceitar. Lembro-me logo de Paul Tillich com a sua “Coragem de Ser”.

Vou dar meu ponto de vista de homem comum, mas já sabendo que estou errado. É que me deu uma vontade de exaltar o homem simples, o homem da roça, aquele homem que é espetacularmente retratado  nos contos da Maria Mineira.

O homem ignorante, que se sente pequeno diante do universo, mas que mesmo assim constrói a duras penas uma família. Que procura dar o bom exemplo aos filhos, à sua maneira. Que tem crendices, que, de vez em quando faz bobagens. Que luta pela vida, que trabalha de sol a sol. Que não desanima. Que, de vez em quando, erra.  Mas acha que deve acertar. Que tem uma religião, que não entende muito bem. Mas acredita firmemente num Deus, que criou o mundo que ele conhece e que tudo vê.

Esse homem, meu amigos e amigas, que enfrenta essa vida comum, muitas vezes insípida, esse, para mim,  é o verdadeiro herói, é o homem forte.

Isso tudo que o leitor   acabou  de ler, falei em voz tão alta que cheguei a ver o Artur arregalar os olhos!  E  com aquele seu jeitão compassivo, sorriu novamente para mim, com o dedo polegar direito levantado, como quem diz:    “ de certa maneira, você  também está certo”.

Saí da mesa do computador exultante e nem me despedi do amigo. Fui correndo para o boteco da  esquina para exercer uma das minhas fraquezas: “ Hélio, me dá uma garapa com um pastel de carne”.

Gilberto Dantas - Miracema/RJ
Publicação autorizada através de e-mail de 09/10/2011

O jacaré - Autor: Gilberto Dantas

           Naquele início de noite já estava atrasado para assistir a primeira aula no prédio antigo da Faculdade de Direito Cândido Mendes, na Praça XV, no Rio. A aula começava às 19,00h, em ponto. Eram 18,55 quando corri esbaforido rumo à imensa escadaria da Faculdade, pulando de dois em dois degraus. Estava com 19 anos e, portanto, em plena forma física e ainda por cima com meia dúzia de namoradas, todas ao mesmo tempo, naturalmente, e que não me davam trégua. 

           Estava atrasado justamente porque me demorara com uma delas ao sair do trabalho. A minha pressa tinha um outro motivo tão importante quanto assistir a primeira aula. É que o Henrique Jesuíno Guimarães, velho amigo que mantenho até hoje, costumava nos últimos 10 minutos antes de entrarmos em sala contar umas piadas maravilhosas, com uma interpretação que só ele sabia dar. As piadas de português, então, eram notáveis.

           Naquela noite mesmo ele estava acabando de contar a do cientista português, o único a dar um jeito nas asas de um avião supersônico. Em todos os testes feitos com cientistas alemães, americanos, franceses e ingleses , as asas do avião sempre se partiam depois de alcançada uma certa velocidade. Desesperados, os inventores do supersônico tiveram que apelar para o cientista português. O cientista mandou fazer uns pequenos furos bem no meio das asas e elas não mais se partiram. E o Henrique, neto de português, com sotaque lusitano de Traz-os-Montes, imitando o gajo, explicava como foi resolvido o problema: “simples, mó amigo, apliquei a fórmula do papel higiênico, que nunca parte no picotado.”

           Bem, realmente, naquela noite não cheguei a ouvir a piada, nem um outro amigo nosso, o Gilberto Toldo, pois esse sempre chegava atrasado,mesmo! Aconteceu que quando estava subindo a escadaria, um moço, bem magro, que dizia ser o José de Arimatéia, segurou-me pelo braço e disse que havia gostado do meu perfil grego , o que já me deixou arredio, pois nunca tinha ouvido falar até então em perfil grego, estaria recebendo uma cantada? 

           Mas acabei ouvindo o que ele tinha a dizer: - escuta, eu dirijo peças de teatro infantil e estou precisando de alguém que faça o papel do jacaré. – mas eu nunca fiz teatro e acho que não tenho jeito para isso, além do mais sou muito tímido.  – não tem importância, não, tudo na vida é treino. Olha, vou deixar com você esses papéis com a fala do jacaré, você tem uma semana para treinar, certo?                          

           Preciso de um ator com esse seu perfil, por causa do seu nariz, que chamo de grego.
                        
           Tentei sair fora, mas acabei pegando a papelada e ficou combinado que na semana seguinte nos encontraríamos para combinar a sério os ensaios. Mas antes de me despedir, perguntei ao desconhecido como seria a minha entonação. Foi quando o Arimatéia leu o que seria a minha primeira fala, com voz de falsete, meio esganiçada e bem alta: “A gaita, a gaita, eu não posso ouvir essa gaita que tenho vontade de chorar”
                       
            Não preciso nem revelar às minhas amigas e amigos que estão agora me lendo, o meu furtivo pensamento: “levo essa papelada para casa, jogo numa gaveta e na semana seguinte devolvo para esse cara dizendo que não tenho jeito para o negócio”. E foi mesmo o que aconteceu. Devolvi o script e nunca mais vi o Arimatéia.
                         
            É verdade que até participei de uma única peça teatral, mas quando tinha 07 anos, no Colégio Angelorum, na Glória, num papel bem secundário, recitando uma pequena poesia, para a alegria da minha mãe, com minha irmã Naná, no colo, assistindo a peça e, claro, foi a última a parar de bater palmas.Coisas de mãe- coruja.Eis aí um belo exemplo de pleonasmo.

            Apesar da minha pretensão de ser um homem realista, com os pés bem grudados no chão, e não ser dado a arrependimentos, nessas horas de memorialista, me vejo, de repente, sonhando com o que poderia ter me acontecido se naquele dia tivesse aceitado o convite daquele homem do teatro.
                         
            Me pego sonhando com atuações fulgurantes no Teatro de Comédia, ou no Teatro dos Quatro. Dando entrevistas com o pseudônimo de Gil Vicente. E, pasmem! Sonhei outro dia que pegava o jornal de manhã e lá estava o cabeçalho bem grande: “Morre Paulo Autran, o teatro brasileiro fica mais pobre. Em compensação, ainda temos Gil Vicente, o discípulo que mais se aproxima de Autran!”
                         
            Despertei de uma noite agitada e olhando para minha mulher, ainda suspirando,dei graças a Deus por ter tido um sonho mais ou menos humilde, afinal não sonhei que era o Autran, e jurei comigo mesmo não contar nada para ela, que sempre me achou um pouquinho vaidoso.
                         
            É exagero dela, podem acreditar.Não minto. E posso afirmar: meu nariz é grego, não é de Pinóquio.

Autor: GDantas - Miracema/RJ

Publicação autorizada  através do e-mail de 11/10/2011

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Carnavalescas


Autor: José Bueno Lima

*Curitiba. Carnaval de 1958. Eu e o Pedro Martin estávamos na capital paranaense, a fim de prestar o vestibular de medicina. Ficamos por lá durante uns dois meses, desde o início de janeiro daquele ano. Tínhamos aulas de Física com um professor de origem alemã, o Max. Eram dadas na casa de um andreense, o Dr. Menotti Panunzzio, lá radicado há um bom tempo, representante da Rhodia e professor da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Paraná. Desse modo, passamos o carnaval longe de Santo André, nós que éramos ferrenhos simpatizantes do Panelinha, que grandes carnavais realizava, juntamente com o rival Ocara. E, o que aconteceu, muito foi motivado pela nossa ausência, por não podermos estar em nossa cidade, participando, mesmo que apenas no apoio, daqueles maravilhosos momentos. Era o sábado dos festejos de Momo. A aula havia acabado no início da noite. O Pedro, bom de papo, comentava o fato de estarmos ausentes de Santo André, naquele dia, quando se realizaria o desfile. Quanto mais falávamos, mais intenso era o vazio, por não podermos estar lá presentes, depois de tanto envolvimento o ano todo com tudo o que se relacionava com a apresentação do Panelinha. Então, não sei como, até hoje não posso explicar, apareceu o lança-perfume. Sempre gostei de ter uma em mãos, nos bailes, no vaivém da Oliveira Lima. Somente para inocentes divertimentos. Nunca havia “cheirado”, como muitos amigos faziam! Nunca tinha ouvido o “sininho”, como eles definiam a sensação produzida pela aspiração do perfume. Então, como sempre existe a primeira vez, numa almofada do sofá onde estávamos, espirrei o líquido perfumado e aspirei. Foi um rápido devaneio, e ouvi as badaladas.
Depois, nunca mais. Mesmo porque, após uns dois ou três anos, o Jânio proibiu a fabricação e uso do produto.

*São Bernardo do Campo. Carnaval dos anos 40/50. A história foi contada pela Ivani Morais, no encontro mensal de memorialistas da cidade. Seu pai, o Gino, da pizzaria do mesmo nome, gostava de dar umas fugidinhas durante os folguedos de Momo. Na cidade, naquela época, havia poucos salões onde se realizavam os bailes.
O da Sociedade Italiana era um deles. Outro, ficava na indústria de móveis do Pelosini, na rua Marechal Deodoro, a principal da cidade, que o proprietário explorava especialmente para o fim. Certa ocasião, o folião Gino esteve nesse último, onde se divertiu “pra valer”. Rasgou a fantasia. Naqueles anos, era comum as famílias tradicionais frequentarem o cinema nas quintas, sábados e domingos. Dias após o carnaval, a mãe da Ivani foi ao cinema, e num dos documentários que antecediam o filme, passou a reportagem do baile acontecido no salão do Pelosini. E, não é que, para a surpresa dela, apareceu seu marido o Gino, pulando a mais valer. Ao chegar em casa, foi tirar satisfação com ele, que negou tudo, dizendo que não se tratava dele. Mesmo ela voltando ao cinema no sábado, para confirmar, ele continuou negando, dizendo ser alguém parecido. Era um sósia...!

*Santo André. Um carnaval dos anos 70. O Paulo Roberto Oliva, no sábado, saiu de casa dizendo para a esposa que ia buscar uma pizza para o jantar. Passou na pizzaria, provavelmente a Joia, ou a Queiroz, não sei qual delas, mas isso não vem ao caso.
Achando ser um pouco cedo, pensou e foi dar uma espiadinha no desfile de rua, naquele tempo acontecendo na Avenida Dom Pedro II. Parou bem no local da concentração das escolas. No momento estava para iniciar a apresentação a Estação Primeira de Camilópolis, presidida pelo amigo Aladino Pisaneschi, o Nenê. Conhecido de todo mundo, logo o Paulo se ambientou, e naquela altura, para “esquentar” e descontrair, os componentes da escola tomavam uns goles. Corriam solta a cachaça, o uísque, e outros. O Paulo, que não era de ferro, como ninguém é, entrou nos aperitivos, dizendo que era para abrir o apetite, pois, logo, estaria comendo a pizza. Como havia ainda algumas fantasias sem dono, os amigos insistiram com o Paulo, que fizesse parte do desfile, pois, na disputa pelos prêmios, a escola poderia perder pontos, se não houvesse número suficiente de foliões. Não teve jeito. Ele caiu na “gandaia”!
Chegou em casa de madrugada, bêbado, e, dá para imaginar como estava a pizza. 
JOSÉ BUENO LIMA é advogado, escritor, com três livros publicados, UM PASSADO SEMPRE PRESENTE, COMO SE FOSSE HOJE e CRÔNICAS E CONTOS DE UM SAUDOSISTA. Membro da Academia de Letras da Grande São Paulo – ALGRASP. Quer ler crônicas do Lima? Blog:buenolima.prosaeverso.net