terça-feira, 26 de novembro de 2013

O sapo e o leiteiro

Autor: Geraldinho do Engenho

Um sitiante muito trabalhador cultivava legumes, frutas,  criava animais de pequeno porte e possuía algumas vaquinhas de leite. Sua produção era vendida na cidade, que se  situava bem próxima do seu sitio.
Embora muito trabalhador, o homem era teimoso como uma mula mal domada. Quando cismava que pau era pedra, não mudava de opinião nem que o diabo berrasse no seu ouvido. Entrava ano saia ano, o homenzinho, naquela rotina constante. Ordenhava suas vaquinhas, colhia seus legumes, frutas e ovos. Colocava-os na sua carroça e tomava o rumo da cidade para vendê-los. Criava sua numerosa família com seu trabalho desta forma honesta. Teimoso como era, quando discordava de alguma, coisa preferia morrer, mas não mudava de opinião.
No seu trajeto do sítio para a cidade, havia um grande latifúndio pertencente a um magnata. Um pequeno igarapé margeava a estrada em quase todo o seu percurso, ou melhor, a estrada o margeava. Entre ambos, seguia também uma trilha tortuosa como se fossem três rabiscos desenhados por algum mestre, delineando a bela paisagem. No decorrer do tempo, o colono notou a presença de um sapo, que seguia trilha afora numa velocidade incrível. Fazia uma pequena parada, o sapo também parava. De início ele não deu muita importância ao fato, mas no decorrer do tempo começou a se intrigar, e até a se aborrecer. Afinal por que aquele bicho asqueroso o seguia diariamente pra lá e pra cá?
Como todos nós temos um dia na vida em que a paciência se esgota, o leiteiro, de saco cheio,  desceu de sua carroça e resolveu encarar o bicho. Olhou bem nos seus olhos e perguntou;
– Ó seu sapão nojento, o que eu tenho com sua vida, pra tu ficar me seguindo sem parar desta forma, diariamente?
– Acontece que eu sou seu avô!
– Credo em cruz, nunca vi sapo falante!
– Eu também, não! — resmungou seu cavalo.
– Meu Deus, estou perdido! Um sapo e um cavalo falando comigo, estou louco ou sonhando?
 – Nada disso, meu neto! Deixa que eu te conte minha história e você vai entender tudo, não tem nada de anormal... O que aconteceu, é que eu era mais teimoso que você e nunca acatei opinião de ninguém.  Há muitos anos, eu era como você, um leiteiro teimoso, que um dia encontrou aqui um beato. Ele me disse carinhosamente
- lá vai vender seu leitinho, filho!
– Sim, vou vender!
–Se Deus quiser, não é filho?
- Se ele quiser vou, se não quiser, vou assim mesmo!
Aí ele me transformou em sapo. Sofri pra diabo , muito tempo se passou, Ele voltou me transformando no velho leiteiro e perguntou de novo:
 -Se Deus quiser, não é mesmo, filho?
–Se quiser eu vou se não quiser, o lago está perto... De novo ele me transformou em sapo... O que os teus te contaram sobre o teu avô?
– Disseram que ele desapareceu misteriosamente. Minha avó chora por ele até hoje!
-Pois é, filho, essa é minha história. Agora, preciso morrer. Chegou o meu tempo, mas para isso preciso que você faça um grande sacrifício por mim: deixe de ser teimoso. Só assim irei conseguir paz, no dia em que isso acontecer. Vais ter uma surpresa, quando menos esperar a roda de sua carroça vai passar sobre mim e então eu quero que me enterre lá na porteira do sitio, mas isso é segredo. Você não deve contar a ninguém. Este segredo ficará entre mim e você !
-KKKKKKK. Quer dizer que eu vou ser o assassino. Vou contar pra tudo que é cavalos e éguas que tem nestas redondezas, esqueceram que eu ouvi tudinho né, seus dois trouxas?  - assim expressou o cavalo do leiteiro.


Geraldinho do Engenho - Bom Despacho/MG

 


 

Publicação autorizada pelo autor

sábado, 23 de novembro de 2013

Pais e filhos

Autora: Ana Soares

Por que o mundo de hoje é tão diferente do "meu mundo" de antigamente?
Eu sei que as coisas mudam, ok! Faz parte do pacote da nossa evolução, mas não seria mais interessante que todas as mudanças fossem de fato para nos trazer dias melhores?
De que nos adianta toda esta evolução tecnológica, se humanamente estamos retrocedendo a cada dia?
Lembro-me das brincadeiras de crianças: esconde-esconde,  amarelinha e ainda sinto o gosto de amora colhidas no pé - que comíamos naturalmente sem lavar e nada nos acontecia, onde o fato mais preocupante que nos acontecia era uma simples queda, andando de bicicleta ou de patins...
Ah! Quanta doçura guardo das tardes da minha infância e adolescência, mesmo como uma certa escassez de recursos e da presença da minha mãezinha que sempre trabalhou duro para ajudar no sustento da casa... Quanta falta ela me fez! Quantas reuniões escolares e festas eu desejei tê-la por perto e não tive. Quantas viagens desejei fazer ao lado dela e não fiz... É que ter a presença e a compreensão plena dos pais não era uma coisa muito fácil naquela época.
Ah! Mas não precisava de nada, além de um olhar dentro do meu, para que eu sufocasse o choro, a manha, ou seja lá, o que  tudo aquilo fosse... Passava!
Antigamente o respeito dos pais e estar com eles era tudo...
Hoje, estar com os pais é como tomar remédio em conta-gotas, é só em último caso, é só em última instância, é como ir à igreja somente aos domingos e pensar que se garante assim, um pedacinho do céu...
Filhos, entendam de uma vez por todas:
- Não são os seus pais que precisam de vocês, são vocês que precisam de seus pais!
A maior frustração dos pais de hoje, discorre no momento crucial em que inadvertidamente, percebem que no presente, de tanto desejarem ser "presentes", não haja quem os recebam ou os percebam...
Hei, filhos, vocês percebem?



Publicação autorizada pela autora

sábado, 16 de novembro de 2013

Meus amigos de infância

Autor: Geraldinho do Engenho

Às vezes caminhando por trilhas onde meus amigos e eu, corremos em nossa infância, em devaneio mergulho-me nos sonhos que ficaram acorrentados por minha lembrança.
Os delírios da saudade e a fotografia de meus colegas arquivada no álbum de minha memória me transportam ao passado, a contemplar os horizontes galgados por minha existência.
Vou buscar nas fantasias que se perderam na magia da ilusão, o objetivo de sonhar novamente. Navegando nas águas ora calmas ora turbulentas pelo mar da imaginação. Embora seja uma miragem espelhada pelo retrovisor do tempo, alimento sempre a mesma expectativa esperando que eu possa reencontrá-los na longínqua curva deste oceano de recordações. Engolidos pelo tombo de suas ondas. Para que juntos possamos correr de novo pelas mesmas trilhas e estradas de então, descortinando com sutileza a paisagem de nossa história.               
Descompromissados como sempre fomos, e com a mesma alegria ingênua, deliciarmos naquelas tardes, quando éramos parte do elenco ecológico de um belo espetáculo. O sol se punha e o crepúsculo puxava o manto da noite. Vinha a lua toda risonha esparramando seus encantos sobre aquele cenário dominado pela soberania da natureza.
O acortinado de estrelas cobria o universo e o nosso mundo criança. Ilustrado pelas lacraias no seu constante piscar de luzes, escoltadas pelos vaga-lumes, que em atalaia riscavam os espaços manchados pelas sombras dos arvoredos provocadas pelo luar. Com seus estridentes gritos os urutaus de bicos escancarados ao longe no cerradão quebravam o monótono silencio da noite após engolirem os mosquitos atraídos pelo mau odor do seu hálito... Foi, foi,foi,foi,foi.!
Não menos selvagens nós moleques de pés descalços e cabelos desalinhados, éramos também parte da natureza, misturando-nos aos murmúrios e encantos projetados em sua biodiversidade. Enquanto a noite não silenciava e o sereno não vinha para orvalhar os campos e os prados, a lua era soberana a passear sobre os telhados que ocultavam a humildade das lamparinas. Altaneiro e vigilante são Jorge exibia seu potencial encantador, enquanto nós, meninos caipiras ... Apenas sonhávamos e o aplaudia! 


Geraldinho do Engenho - Bom Despacho/MG

 


 

Publicação autorizada pelo autor

domingo, 3 de novembro de 2013

Orquestra dos desesperados periquitos verdes

Autor: Carlos Costa

Durmo, acordo, tomo remédios e caminho no Condomínio Mundi com fones aos ouvidos escutando músicas de Rádio juntamente com a orquestra desesperada dos periquitos verdes,  desalojados de seu habitat natural. Eles fossem pretos, os observaria com desejo contido; mas olharia. Verdes, olho para cima e sinto pena quando os vejo voando de uma arvore para outra, como um balé cadenciado ou uma dança coreografada pelo barulho dos tostões entrando na caixa registradora da coisa que se chama progresso! Horrível, mas real!
De vez em quando, no início da tarde, outro passarinho, talvez amigo dos periquitos verdes da orquestra desesperada comandada por um maestro invisível, provavelmente a mando dele a quem não consigo vê-lo, - mas sei que está regendo essa orquestra - bate com seu bico em minha janela do quarto como que me pedindo para entrar no banheiro e escutar pela janela entreaberta, mais uma vez, a orquestra dos periquitos verdes desesperados que, em meus ouvidos, soa como música de protesto contra a destruição das árvores que existiam e onde todos habitavam, silenciosa e pacificamente.
Nessa hora, sinto saudades de Geraldo Vandré, cantando a música de protesto e gritando: “Gente! Gente! A vida não se resume a festivais” e, depois, aos acordes de violão, cantar: “vem vamos embora/que esperar não é saber/quem sabe faz a hora/não espera acontecer...”  que só foi entendida “Para não dizer que não falei de Flores”, anos mais tarde. Mesmo proibida pela Censura Militar, se tornou hino de protesto em todas as manifestações de protesto da época!
Ou talvez o passarinho que bate em minha janela seja para me agradecer pelas poucas árvores que restam na divisa dos Condomínios Mundi e Florença Residencial Park. Mas não sei. Ó, como sofro! Por que o Senhor não me fez como São Francisco de Assis, que conversava e entendia a linguagem dos pássaros? Também não sei!
Morador do Condomínio Florença, com floresta beijando a janela, filmava preguiça, macado da noite, araras, periquitos e me deliciava ao vê-los depois na imagem de minha TV. Ao ver o desmatamento  sem qualquer placa de licença municipal para fazê-lo, comuniquei à Secretaria do Meio Ambiente e denunciei. A obra foi embargada, o desmatamento interrompido e, depois que deixei o local, outros moradores do Condomínio prosseguiram com ações na Justiça, obrigando o projeto imobiliário a ser todo refeito, atrasando em mais de dois anos a entrega das 11 torres de concreto. Mas não sei se o passarinho que bica de manhã e à tarde consegue me ver por detrás do vidro com película escura de 50%. Será que eu não poderia ser oftalmologista de passarinho para saber se eles conseguem me ver?
O passarinho que bica desesperadamente talvez não me veja (?).  Mas percebo seu desespero em me fazer levantar, abrir a cortina e vê-lo voando alegre. Será que ele me viu levantando da cama? Depois, entro no banheiro e escuto a orquestra dos periquitos verdes todos voando de um lado para o outro, como se fosse uma revoada combinada antes entre todos, pela janela aberta para deixar escapar o vapor do banho e não embaçar o espelho como se fosse uma revoada combinada antes entre todos. Como é perfeito esse movimento de vai-e-vem. Em seguida, todos retornaram mais triste para reiniciar seu canto fúnebre na mesma árvore que ainda os acolhe com alegria, seu canto quase fúnebre!  O espelho é só para saber e ter certeza que onde ainda estou vivo e me vejo.
Meu coração, que admira esse espetáculo triste, se enche de alegria porque lhes permiti nesse mundo de ganância, um último refúgio para o canto, mesmo triste, dos periquitos verdes desesperados. Ouço agora apenas o canto como um sinal de alerta para o futuro que desejamos deixar para as próximas gerações! Os pássaros de minha imaginação precisam cantar livres, mesmo que não sejam mais tão livres e cantem tristes! Mas o importante é que ainda continuem cantando para dizer aos seres humanos que precisam ter seus espaços em meio aos caos urbano!

Autor: Carlos Costa - Manaus/AM
Publicação autorizada pelo autor

Ao advogado e ex-deputado Miquéias Fernandes e ao  deputado e advogado Luiz Castro