domingo, 30 de setembro de 2012

Memorial de Tiziu - Autor: Rangel Alves da Costa

 
Graças a Deus esses homens que contam, recontam e inventam histórias esqueceram de mim. Graças ao meu bom anjo sertanejo que em nenhuma dessas páginas de livros que tratam sobre o cangaço e o Capitão Lampião fala em meu nome, diz que eu estava lá na beira do rio naquela triste manhã da carnificina.
Mas eu estava lá sim, estava na Gruta do Angico sim senhor, e tanto estava que ainda na noite anterior do acontecido, no dia 27 de julho, lembro muito bem, noite de lua bonita, bem vistosa no negrume sertanejo, passei a ter maus pressentimentos, como se uma coisa me dissesse que estavam aprontando alguma coisa contra a gente do outro lado do rio.
Hoje sei que não estava errado não, pois realmente os homens da volante alagoana já estavam planejando o que fazer ainda no dia anterior. Eu já vinha ouvindo umas conversas que os macacos podiam mesmo estar por ali, por perto, no encalço do bando do Capitão. O problema é que se Lampião, ainda que com tanto disse-me-disse, com informações dos coiteiros, insistia em continuar no lugar, então não havia o que se fazer.
Achei muito estranho quando já noitinha fechada Lampião pegou Maria Bonita pelo braço e foram sentar em cima de um lajedo grande, uma pedra imensa que dava certinho em direção ao rio São Francisco mais adiante. Não olhava diretamente não, mas pelo canto do olho percebia que conversavam entristecidamente, como se os namorados do sertão sangrento estivessem temendo ser separados pela força do inimigo.
Depois andaram dizendo que Maria até chorou nesse momento, implorando para que se arribassem dali naquele mesmo instante, pois temia que não tivessem mais a noite seguinte para admirar a lua por cima das catingueiras. Coisa de destino marcado, mas quem ouvia sua companheira em tudo, daquela vez relutou, disse que estavam seguros ali e que brevemente procurariam um lugar para descansar em paz e deixar aquela vida de correria de um lado pra outro e de tanto sofrimento.
Vi quando voltaram da pedra e foram em direção à gruta, uma abertura na pedra que mal dava para os dois estirados. Fiquei por ali ao redor, um pouco mais adiante sentado numa pedrinha pequena. Ninguém podia acender fogueira pra não dar sinal da presença do bando ali, cantoria só se fosse muito baixa, sanfona quase silenciosa. Diferentemente de outras noites de tanta animação e conversas, aquela noite se mostrava muito diferente das demais. Noite noite mesmo, noite fechada, triste, angustiosa, desesperadamente amedrontadora. Era a noite da despedida, a noite antecedendo a morte, a noite sem dia seguinte.
Cangaceiro animado chegou perto de mim e disse que estava angustiado demais, que não via a hora dessa noite passar voando; cangaceiro otimista sentou ali pertinho e disse que não via a hora de deixar aquela vida desassossegada, recomeçar a vida, voltar pra família; cangaceiro realista sentou mais adiante e disse que do jeito que estavam de corpo aberto, quase num descampado de beira de rio, na hora que a polícia quisesse acabava com tudo. Eu disse ao amigo que não dissesse isso não, que tivesse fé em Deus. Mas eu sabia que ele tinha razão. E como teve.
Naquela noite, afastei uns gravetos do chão espinhento, estirei o meu corpo no chão, fiz de uma pedra um travesseiro, mas não consegui fechar o olho um instante sequer. De cinco em cinco minutos eu me erguia um pouco e olhava para as águas do rio, para o meio do rio e mais adiante, na escuridão do outro lado, que era para ver se enxergava alguma coisa que pudesse atacar o bando.
Numa dessas vezes vi uma luzinha fraquinha ao longe, coisa que me deixou cismado, mas fiz de conta que estava vendo demais. Só fiz deitar a cabeça na pedra e me ergui novamente, passando a mão pelos olhos, tentando enxergar melhor. Duas luzinhas agora, contei, e mais pra cá da margem do outro lado do rio, já dentro das águas, já seguindo em nossa direção. Levantei devagarzinho e fui me arrastando até atrás de uma pedra já descambando para a descida do rio. Estava tudo escuro demais, com lua escondida e apenas um pássaro agourento piando seus sinistros sinais. Mas não consegui avistar mais nada.
Não consegui avistar mais nada porque a volante alagoana já havia desembarcado, já estava subindo as barrancas pelos lados laterais da gruta e cercando tudo. Se ficaram alguns homens num ponto de desembarque mais próximo onde a gente estava, também não vi nem sinal. Com as embarcações escondidas pela noite, bastava que a polícia tomasse suas posições e esperasse a madrugada abrir, o tempo clarear mais, os cangaceiros aparecerem, para começarem a atirar.
Mas ainda abaixado por trás da pedra, não demorou muito e percebi algo que não pude acreditar. Vi vultos subindo esgueirados, sombras se escondendo por trás das moitas e então não tive dúvida que o bando já estava cercado. Venerando sempre a figura de Lampião e sua bem amada, só pensei neles quando confirmei tanto aperreio ao redor. De onde estava sai me arrastando feito lagartixa, me lanhando todo de espinho e pedra, procurando um jeito de chegar até a gruta e avisar aos dois. Nem pensei em gritar, em fazer barulho, em alertar os amigos. E talvez tivesse sido o meu erro, agora confesso.
Estirado no chão e me arrastando, quando já estava perto de chegar onde eles estavam, assustado levantei a cabeça e vi Maria Bonita passando adiante, com um vasilhame na mão, em direção ao rio. Falei baixinho Maria, Maria, mas ela não ouviu e seguiu em frente. Foi nesse momento que gritei, porém o grito não foi ouvido porque a saraivada de balas urrou mais alto.
No atropelo que sucedeu, Lampião quase passa por cima de mim em direção ao corpo de sua amada morta. E outros tiros, estrondosos disparos, gritos, alucinações, um mundo se transformando em terror e sangue. Cangaceiros retrucavam, atiravam para todos os lados, procuravam se proteger, eram atingidos pelas balas cortantes, caíam feridos de morte. Lampião jazia com a arma na mão, a mesma mão que se estendia por cima do corpo de sua Maria.
Não sei como sobrevivi para relatar isso agora. Depois soube que além do casal, mais nove cangaceiros morreram ali no Angico, naquela gruta que enterrava de vez o verdadeiro cangaço. Sorte minha e de muitos outros por ter conseguido voar no bico do gavião e sair daquele lugar. Cortando no peito tudo que havia pela frente, deixando no corpo as marcas da desesperada fuga, ainda assim muitos conseguiram sobreviver. Mas a vida não tinha sentido. Somente viver sob as ordens do capitão fazia sentido.
Na fuga não sei onde fui parar. Até hoje, tantos anos depois nem sei bem onde estou. Também ninguém deve saber tudo soube o meu passando. Só lembro de uma coisa e disso não esqueço não, que é o meu nome no bando de Lampião. O meu verdadeiro nome já esqueci, mas Tiziu não esqueço não.

Autor: Rangel Alves da Costa - Aracaju/SE
Poeta e cronista

Publicação autorizada através de e-mail de 30/06/2012

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Amor ímpar - Autora: Celêdian Assis


Amo-te, não sei quanto
 Sei que é tanto
 Que o meu acalanto
 É amar-te enquanto
 Durar eterno encanto
 Do meu amor

Amo-te, na alegria
 No sorriso de tanto encanto
 Na beleza de uma alma e tanto
 E cantar-te ia um canto
 Na poesia de amar-te enquanto
 Tu és o dono do meu amor

Amo-te na dor, no pranto
 E com um véu, ou manto
 Cobrir-te ia como a um santo
 Para embalar-te, no afã e tanto
 De proteger-te enquanto
 Amar-te é o meu mais puro amor

(original escrito em 1998, para meu filho amado)


Autora: Celêdian Assis - Belo Horizonte/MG

http://sutilezasdaalmaemente.blogspot.com/
Publicação autorizada pela autora

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O susto - Autor: José Claudio Cacá


Bom Conselho é uma cidade do estado de Pernambuco, a mais de 2.000 km de distância da cidade onde o Osório fora trabalhar, Mariana. A obra ficava afastada da cidade. Uma fazenda onde se descobriu minério, fora desapropriada e estava se instalando ali uma empresa mineradora. Mais de três mil peões vindos de todos os cantos de Minas e do Brasil. Osório era um carpinteiro. Um artista com armações, formas e ferramentas nas mãos. Requisitado nessas firmas que correm o país construindo obras. A rotatividade de mão de obra nelas é imensa, mas há os casos dos peões seletos, que acompanham a firma onde quer que haja um serviço de importância. Há casos em que elas costumam pagar o trabalhador para ficar em casa, aguardando obra nova. Fazem isso para não perderem os mais qualificados e dedicados operários. Como o Brasil nunca viveu grandes períodos sem crises, deu-se do Osório ficar desempregado. Saíra de casa lá de Bom Conselho, dando a benção aos três filhos e um beijo na mulher dizendo que avisava onde estaria, que mandaria dinheiro para as necessidades tão logo arranjasse colocação. Havia três meses que Osório trabalhava duro de sete da manhã às sete da noite, de segunda a sábado. Tinham pressa os engenheiros comandantes do projeto. Prometeram entregar a infra-estrutura em um ano para que fosse instalada a usina que iria beneficiar o minério retirado da mina.

Numa segunda feira, no horário de almoço, o chefe do escritório mandou lhe chamar. Os comentários no meio dos colegas são imediatos: ou é demissão ou é aumento. Não fica se chamando peão no escritório da chefia por qualquer coisa. A tranqüilidade era geral no seu caso, funcionário exemplar, possivelmente ia ser promovido a mestre de carpintaria. Saiu com um papel nas mãos e um semblante preocupado. Entrou de imediato numa sala ao lado que era a do engenheiro responsável pela obra toda. O homem que fazia chover e trazia o sol, segundo jargão corrente. Em menos de cinco minutos deu-se um ruído de vozes alteradas no escritório e, no minuto seguinte, barulho de coisas sendo arremessadas por todos os lados, desenhos, pranchetas, material de escritório, cadeiras. A segurança fora acionada e foram contidos os ânimos. O engenheiro saiu lá de dentro correndo assustado, e o Osório foi levado para fora do canteiro de obras no carro da segurança e nunca mais foi visto. Todos se enganaram quanto a promoção ou o aumento de salário O papel que ele levava era uma carta. A sua mulher descobrira, depois de muito pesquisar nas empresas onde ele costumava pegar essas empreitadas o seu paradeiro lá nessa localidade. A carta dava-lhe 48 horas para voltar para casa sob pena de colocar outro homem no seu lugar, segundo disseram os homens do escritório que conversaram com ele. A bagunça toda foi por causa do seu pedido imediato de demissão recusado pelo engenheiro. Alegava ser bom empregado, não haver motivos para tal ato. Ao que o Osório resolveu fornecer, quebrando todo o escritório. Não ia deixar que ocupassem sua cama lá no Bom Conselho. Não se chegasse a tempo!

Autor: José Cláudio - Cacá - Belo Horizonte/MG
Publicação autorizada pelo autor

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Declaração do fim do Inverno - Autora: Bárbara A. Sanco


Ontem eu era poeira do tempo
A esperar que o vento me guiasse
Viajei sobre florestas e desertos
Fui tijolo e sinal de desleixo
Fui pedra, cristal, praia e pó
Foi quando acostumei-me a vida da ampulheta
A mesma rotina a deixar que os grãos contassem os segundos
Nessa época não havia mais esperança ou beleza
E o amor era apenas um sonho esquecido
Em alguma cama de almofadas vermelhas
Então você apareceu e nada mais fez sentido
As certezas fugiram de mim
Um coração adormecido voltou a pulsar sem controle
Denunciando a existência de vazios antes preenchidos por solidão
E surge a dor da espera e o medo da incerteza
E de mãos dadas com elas o desejo
Não há paraíso, não há proteção
Eu que era um ser de razão, forjado pela dor, aguardo nova identidade
Perdi a batalha de tentar acreditar em minhas verdades inventadas
Inicio nova jornada
Estão sendo jogadas tintas de aquarela
Em realidades de lógicas escritas com negro crayon
O amor muda tudo
E se ele existe então sua história aguarda por ser escrita
Por duas almas aproximadas por laços brancos de amizade primeira e pura
E agora lançadas a enfrentar a construção de seu próprio destino
Completamente incerto
E definitivamente irresistível
Mas talvez seja apenas a natureza a dizer
Maktub
E que venha então a Primavera


Bárbara A. Sanco - Porto Alegre/RS

http://barbarasanco.blogspot.com.br/
Publicação autorada pela autora


quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Meu niver - Autora: Fernada Marinho

Pergunto-me:
Fernanda você quer mesmo escrever sobre isto?
Fecho os olhos e por alguns segundos,
meus dedos procuram as teclas do preguicinha (meu computador).
 
É amanhã meu dia de apagar as velinhas.
Um sentimento de amadurecimento ganha cor nesse momento meu.
Primeiro agradeço a Deus por mais esse presente.
Obrigada!
 
No dia primeiro de setembro nasceu essa pessoinha aqui,
e como todas as crianças do mundo, sem noção de como seria caminhar na
selva de pedra.
Mas que ficava atônita ao ver uma flor no jardim.
Um pássaro cantando.
Uma borboleta voando...
 
Todas estas belezas sempre mexiam fundo por dentro,
e eu entendia que cada dia era como uma estréia na minha vida.
Tenho muitas lembranças & muitas delas já narrei.
Outras ficaram na caixa da memória como relíquia num cofre de banco (mente).
 
Gosto de pipoca,
Do barulho da brisa,
Do banho de chuva,
De sorvete com bolacha.
 
É preciso mesmo saber viver,
sempre engatinhei para isso.
É muito difícil para alguns algumas vezes,
enfim nas dificuldades também se encontra alegria,
e alegrias eu encontrei muitas.
Elas estão espalhadas em cada afago e carinho.
 
O incrível é que gosto muito de escrever,
mas hoje eu fiquei entalada com as palavras,
meus dedos não sabiam dançar com suavidade,
estavam tímidos para falar a fundo de mim.
 
Sabe?
Eu queria fazer um pedido.
Mas estou comovida de ver aquela caixinha de bolo ali em cima da mesa,
e a vontade que esse parabéns para mim, não passe em branco de novo.
Hoje por tudo que a vida me ensinou,
e ainda me ensina, eu agradeço.
 
Por ter ao meu lado pessoas que me fazem sorrir e me afagam com seus
carinhos. Pela plenitude que é poder agradecer e sentir essa coisa
bonita no meu coração,
que parece mais um abraço de Deus em todo o meu ser.
Não importa o que já aconteceu,
não importam as lágrimas que chorei e ainda choro,
não importam coisas pequenas dentro da gente.
 
O que importa realmente é saber que o amor existe,
que se conhece tão a fundo e que se eu não tivesse sido tão protegida,
eu não estaria aqui hoje.
Por isso agradeço de novo, Deus.
 
No livro Olga, que li inteirinho, uma emocionante história de vida,
havia esta frase que grifei para não esquecer:
”Eu não sei o que quero ser, mas sei o que eu não quero me tornar”.
 
Não quero me tornar hipócrita,
nem insensível, egoísta ou arrogante.
Não quero me tornar alguém que não consiga absorver a beleza dentro de
cada olhar que me fite. Não quero ser alguém que não tenha emoção que
transborde, não quero ser alguém que não saiba o valor do perdão,
não quero ser perfeita jamais.
 
O que quero é fazer uma oração em homenagem a meu niver e vou fazer.
Senhor, podes me escutar?
Quanta tristeza há no mundo Senhor.
Quanta dor.
 
Senhor, podes me escutar?
Deixa fluir no coração da humanidade o amor.
Eu sei que há muitas lágrimas,
eu sei que há muito egoísmo, mas também sei que há crianças no mundo e
outras nascendo,
então por elas Senhor ajuda a humanidade a saber partilhar,
amar,
compreender e conhecer o valor de perdoar.
 
Senhor, podes me escutar?
Há dor nos olhos dos injustiçados,
há pranto nos menos favorecidos,
há fome Senhor.
 
Poderia pedir amor incondicionalmente?
Preciso que o mundo se torne uma avalanche de amor,
preciso das mãos unidas das pessoas,
preciso de um sorriso franco sincero,
e de bocas que digam: PAZ NA TERRA.
Preciso desse coro,
união em prol daqueles que merecem um mundo melhor.
 
Senhor, podes me escutar?
Tenho uma tristeza que não sei mais expressá-la,
mas queria tanto que a simplicidade agigantasse todas as coisas.
Queria olhos expressando sua intensidade no olhar do outro.
Senhor não deixa que os corações endureçam,
dai-lhes a oportunidade de te conhecer,
de te amar.
 
Senhor podes me escutar?
O amor, Senhor.
Deixa o sentimento tomar conta da terra neste tempos confusos,
e que todos os dias sejam plenso de solidariedade,
que as famílias te deixem entrar não só em suas casas,
mas em seus corações como convidado de honra.
Deixa as pessoas provarem dessa maravilhosa dádiva Pai.
 
Acredito que neste mundo há bons em maioria.
Só precisam se descobrir,
se encontrar.
 
Senhor, podes me escutar?
Tende misericórdia de todo o mundo.
Nascemos imperfeitos e com muita vontade de aprender.
Não nos deixe à mercê do mal,
cuida do nosso sentimento,
entendimento,
põe no nosso dia-a-dia o coração que quer aprender e deixa a vontade
ser maior do que qualquer obstáculo,
livrai-nos do mal Senhor.
 
Senhor, podes me escutar?
Sei que sim,
sinto que cada frase tem o teu conhecimento.
A Bíblia nos ensina muitas coisas,
lá diz que até os ruins querem o bem do seus filhos, quem dirá o Pai
que está nos céus.
 
Então Senhor o mundo não está de todo perdido,
há amor até naqueles que nem sequer imaginam que o tem.
Senhor expande esse sentir, por favor.
Fazei com que essa fagulha se transforme em labaredas,
que estas pessoas tenham a chance de saber como é bonito falar de amor,
sentir amor, te amar.
 
Que elas possam dizer eu te amo Senhor!
Não sou mais egoísta,
não sou mais mesquinho,
mentiroso, avarento.
Que não sejam alguns escolhidos,
mas TODOS PAI.
 
Senhor, podes por favor me escutar?
Eu humildemente te peço em nome do AMOR,
perdoai os nossos pecados,
nossas falhas conscientes e inconscientes, não nos deixe à mercê do inimigo.
Dai clareza para aqueles que te pedem e necessidade de te ter para
aqueles que nem lembram o teu nome. Ensina-os a ter um coração puro,
bom, reto.
A quem mais poderia pedir AMOR, se não a Ti?
 
Senhor, podes por favor me escutar?
O que escrevo aqui é somente o que desejo de coração.
Que os povos não mais escolham o errado,
mas o caminho de luz,
que mesmo diante de todas as dificuldades eles tenham uma palavra de
carinho para dar a seu próximo.
Que mesmo tendo apenas um par de sandálias,
ele doe um para mostrar que a igualdade é ter Deus presente.

Que cada alimento que um cristão agradecer por ter na sua mesa, mate
imediatamente a fome daqueles que a sente,
seja em qualquer lugar que a fome estiver presente.
Que as lágrimas dos injustiçados transformem-se num lindo jardim,
onde nunca mais seja preciso regar,
porque aquelas flores serão eternas em beleza e em honra a Deus.
 
Senhor, podes por favor me escutar?
Que nós nos tornemos uma grande e numerosa família,
porque Tu criastes Adão e Eva como tua imagem e semelhança,
e nos deste o poder do livre arbítrio depois.
 
Senhor, não sabemos escolher o melhor se tu não estás ao nosso lado.
Seremos cegos sem a tua luz.
Não nos deixe cair em tentação.
Queremos tua presença viva em cada um de nós,
e eu peço não só pelos que te amam e te desejam, mas também por
aqueles que não tem noção nenhuma do teu esplendor.
Dai a estes também a luz que não se apaga.
 
Senhor, podes por favor me escutar?
Amai-vos uns aos outros.
Que beleza seria se em cada um de nós houvesse esta preocupação com o outro!
Peço que o bem seja sempre o desejo de todos,
que nenhum, mais nenhum humano na face da terra deseje coisas ruins a
si e a outrem.
 
Que cada sorriso seja franco,
que cada criança tenha alimento,
amor,
e conhecimento da fé em Cristo.
Que os adultos estejam sempre com um olhar sereno e a mente voltada para Deus.
 
Senhor, podes por favor me ouvir?
Eu acredito em Ti,
eu acredito em milagres,
eu acredito no amor.
Meus olhos enchem de lágrimas porque cada vez que penso em Ti sinto
uma vontade de modificar a dor do mundo,
de merecer todos os teus sofrimentos por mim.
 
Senhor, podes por favor me ouvir?
Cuida de nós pai,
aparta a maldade de cada coração.
Mesmo se errarmos,
não endureça os nossos corações,
em nome de Jesus.
 
Amém!


Autora: Fernanda Marinho - Rio de Janeiro/RJ

Blog da autora: ALEATORIAMENTE

 
http://palavrasseencaixam.blogspot.com.br/

Publicação autorizada pela autora

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O maldito camundongo - Autora: Ana Soares


Quem nunca teve um camundongo desfilando pela sua própria casa, que atire a primeira pedra!
Não, ele não foi convidado, muito menos aceito. A sua estadia permaneceu por apenas três longos dias, não pelo meu consentimento, é claro! Foi por pura ousadia do tal camundongo... Na verdade, ele acomodou-se, tornou-se conhecedor de todos os cantos da casa. O maldito malfeitor parecia conhecer muito bem a mim e outras duas mulheres da casa, medrosas por natureza... Já ele, sentia-se o verdadeiro dono, da minha casa!
No início de tudo, mostrou-se timidamente, era praticamente um vão cinzento, que confundíamos, com uma grande barata, mas aos poucos, o desaforado começou a exibir-se por inteiro.
Foi pura provocação do início ao fim... À noite, enquanto assistíamos a TV, ele não andava simplesmente pela casa, tinha toda pompa, o pobre infeliz, ele desfilava: sem medo, vergonha, livre, leve e solto... Nós é que parecíamos estar no cárcere, parecia brincadeira, mas não era!
No terceiro dia, tínhamos a sensação, que o tal do camundongo era nosso bichinho de estimação. Já conhecíamos sua preferência pelos cantos da casa e os horários em que os visitava, o que facilitou o seu extermínio... Pobre camundongo!
10 x 0 pro meu pai! Não fosse ele e sua coragem, o maldito camundongo, ainda estaria lá!

Ana Soares - Ribeirão Pires/SP

http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=86576

www.anasoares.prosaeverso.net

Publicação autorizada pela autora
 

sábado, 15 de setembro de 2012

Uma lenda da Serra da Canastra - Autora: Maria Mineira



Diz a lenda que em noites de lua cheia, São Francisco de Assis desce pessoalmente do céu e passeia pela imensa paisagem da Serra da Canastra.

Na sua longa caminhada, ele conta um a um os seus animais de estimação: o lobo-guará, o tamanduá-bandeira, a onça, a ema, o veado campeiro, o pato mergulhão, o gavião, os passarinhos... Recolhe os que se perderam. Cura os feridos com os ramos de arnica e carqueja, que são remédios naturais ali do Chapadão.
Quando a manhã não tarda e a aurora anuncia os primeiros raios do sol, o protetor peregrino, exausto, bebe água da nascente e lava ali o seu rosto. Colhe um ramo de lírios orvalhados para Maria, mãe de Deus.

Ascende aos céus abençoando o Rio e seu povo. Pedindo que não destruam a Natureza.

Autora: Maria Mineira - São Roque de Minas/MG

Página da autora:

http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=86838

Publicação autorizada pela autora em 12/09/2012

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Fobias - Autora: Ana Bailune


Todos temos fobias. Eu, por exemplo, tenho fobia de aranhas e de altura. Lembro-me uma vezes em Brasília, quando, em visita ao Monumento JK, resolvi tirar uma foto de pé sobre a mureta que cercava a entrada - uma escadaria que conduz ao subsolo. Enquanto caminhava sobre a mureta, comecei a sentir-me tonta e enjoada ao olhar os degraus lá embaixo ,e os joelhos começaram a tremer. Meu marido teve que ir em meu resgate, ou eu acabaria caindo lá de cima. Eu nem sabia, antes daquele episódio, que eu tinha medo de altura!
Estou usando um artigo sobre estranhas fobias em minhas aulas desta semana, e surpreendi-me ao ler sobre pessoas famosas e suas fobias; a atriz Megan Fox, por exemplo, tem fobias de pessoas respirando perto dela. Será que ela preferiria que as pessoas não respirassem? Talvez assim ela pudesse sentir-se mais confortável, suponho... a moça também confessa ter pavor de tocar em papel seco, e precisa molhar os dedos a fim de virar as páginas de seus scripts. Nossa!
Também há pessoas que tem medo de frutas, botões, antiguidades (o ator Billy Bob Thornton não entra em lugares onde haja mobília pertencente a épocas anteriores aos anos 50) e outros medos absurdos. Por incrível que pareça, há, nos Estados Unidos, mais de 250,000 pessoas sofrendo desta estranha fobia de antiguidades... incrível como somos loucos!
Algumas pessoas desenvolvem fobia de multidões. Bem, eu também não me sinto lá muito confortável quando estou no meio de um monte de pessoas, e evito este tipo de situação sempre que posso; mas não chego a ter pânico.
Conheço uma pessoa que tem muito medo de insetos. Qualquer um deles. E uma outra (homem) que tem pavor de mariposas, e sai correndo, dando o maior 'piti' se alguma delas entrar pela janela.
Dizem que a melhor maneira de perder o medo de alguma coisa, é enfrentando-o. Às vezes, dá certo. Por exemplo, eu costumava ter muito medo de usar escadas rolantes quando era jovem. Um dia, meu namorado (atual marido) descobriu meu medo, e obrigou-me a passar um tempo subindo e descendo de uma escada rolante várias vezes, até que eu consegui perder o medo.
Há um programa em um canal de TV a cabo onde as pessoas vão a fim de perderem seus medos... os métodos são bem radicais, ou seja, eles são forçados a confrontar seus medos. Um dia, uma mulher que tinha pavor de aranhas (como eu) teve uma caranguejeira viva colocada em seu braço.
Nem pensem em fazer isso comigo! Prefiro morrer com medo.


Autora: Anabailune - Petrópolis/RJ

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segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O menino e a prosa - Autora: Regina Helena - Vosmecê

Na sua vida no Piauí valia ver as estrelas correndo pela noite, prosear um pouco com as borboletas e lagartos; a primeira vez, o menino se espantou com seu dom. O menino se espantou depois se aquietou, depois sorriu e, nas tardes quentes, quando o sol cismava de fazer ginástica até mais tarde, ia para lá, bem no fundão da caatinga, pra prosear com o lagarto, flores secas, borboletas, e até com uma cobra neurastênica que encontrou embaixo de um toco seco: - Cuidado criatura, cuidado! Não estou de bom humor hoje, estou só aguardando o diretor do documentário para ir embora daqui; vou para Hollywood,entendeu, entendeu e foi embora sem despedidas, serpenteando pela estrada.  Mas o menino não entendeu o porquê de tanta raiva e continuou a conversar com as borboletas que passavam, com a graúna sempre perseguida, a águia Teresa, um tantico soberba, o carcará Eusébio meio sonso, o lagarto Arquimedes sempre com frio.  Tornaram-se amigos e confidentes até do sol, que iniciara uma série de abdominais pela manhã, to muito gordo sabe menino, preciso de exercício e o menino aproveitava e, agarrando-se nos raios, voava pela catinga empobrecida e ganhava um torrão de sol com sabor de açaí; e quando a noite caia a lua pousava seus braços frios sobre seu peito e também lhe oferecia um torrão de lua com sabor de baba de moça.  Conversava então com os vaga-lumes meio mulherengos, as corujas circunspectas, as onças desconfiadas, você criatura, é uma exceção, o bicho-homem é mau e interesseiro. Mas o menino ria e acariciava o pelo macio.  Assim era sua vida e ele era feliz com ela, até que um num dia acabrunhado e encolhido descobriram seu dom, enquanto convencia um graveto partido a não chorar por estar longe da mãe.  Foi levado para a capital, depois para o sul, e lá, entre o pranto da mãe que o apertava contra o peito e o pai, que coçava o queixo acabrunhado, foi deixado numa instituição para gente problemática disseram, mas ele não entendeu bem e sorriu tristemente pela janela de um quarto pequeno e branco onde enfermeiras-marionetes o vestiam e despiam com rudeza.  Tornou-se uma criatura calada e tristonha e da janela do quartinho, sabiás e rolinhas cochichavam e o olhavam consternados.  Foi numa dessas noites, quando o luar escorregava pelo parque que o menino viu águia Teresa que lhe pediu silencio. Nesse instante, as andorinhas abriram sua janela e saltou nas costas da amiga águia.  Foi uma viagem longa, onde estrelas e vaga-lumes iluminaram o caminho e, ao raiar do sol que o esperava com um sorriso de pai, chegou ao Piauí, horas depois, na caatinga que floresceu suspeitosamente para esperá-lo.  Nunca mais foi visto.  Alguns dizem que, á tardinha aparece no lombo da onça para prosear com os amigos que vão beber água à beira do rio.  Outros que e visto a voar agarrado aos raios de sol e rindo, rindo....outros ainda, que pula nos prados da lua e que São Jorge o leva para cavalgar. Crianças o vêem com mais clareza.  Adultos têm mais dificuldade- tão somente os que olham a vida com o coração vêem o menino e ouvem sua prosa. O menino nada sabia sobre essa terra e nem se interessou; cresceu,  casou, teve filhos, que, por leis hereditárias brincam de esconde-esconde com as estrelas e proseiam com animais. Questão de sorte. Ou de olhos bem abertos.

Autora: Regina Helena - Vosmecê - São Paulo/SP

Página da autora:
http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=116197
Publicação autorizada através de e-mail de 09/09/2012

sábado, 8 de setembro de 2012

As vozes - Autora: Bárbara A. Sanco

Paulo nunca bateu bem da cabeça.
Pelo menos era isso que todos pensavam dele e não era por nada demais apesar
de ser um consenso.
A cada atitude um pouco fora de esquadro as pessoas comentavam: - Ele é meio
abilolado! e deixavam pra lá.
Paulo era mesmo um tanto esquisito. Ele separava o lixo orgânico do seco,
não traia a mulher, tratava bem a sogra, gostava de trabalhar, acompanhava
futebol sem entusiasmo e não gostava de cerveja, entre outras esquisitices.
A mais curiosa porém era falar sozinho.
Paulo era quem costumamos chamar de resmungão.
Não dava para entender nada do que ele dizia, mas ele vivia falando o que
pareciam ser pequenas frases, nessa língua do murmúrio.
Tirando isso era um cara normal. Adorava sextas e detestava segundas, dormia
só de cueca, deixava a toalha molhada sobre a cama, arrotava depois da
Coca-Cola e não gostava de fazer supermercado, enfim um homem comum.
Mas a partir daquela quinta-feira as coisas mudaram.
Ele saiu de casa no horário de sempre e chegou atrasado ao trabalho.
Inquirido do motivo pelo chefe contou perturbado que quase havia morrido
quando um caminhão de cebola por pouco não o havia atropelado.
Apesar das esquisitices de Paulo, o chefe e os colegas olharam a roupa
amarrotada, o suor nada habitual e lembrando-se da costumeira pontualidade
do abilolado acreditaram na história e deixaram pra lá.
Mas Paulo estava diferente, seus murmúrios agora eram frases audíveis em
dois tons de voz.
No começo ninguém, nem no trabalho, nem na família ou no grupo de amigos deu
muita importância para essa mudança de comportamento. Uns acharam que era
apenas mais uma das suas esquisitices, outros que era resultado passageiro
do trauma causado pelo quase atropelamento.
Infelizmente, com o tempo ninguém mais pode negar que aquela mania estava
incomodando.
Quando Paulo olhava futebol, cada voz torcia por um time e ninguém conseguia
prestar a atenção no jogo.
Quando a filha adolescente pedia para sair à noite uma voz respondia que
tudo bem e a outra mandava a filha perguntar para a mãe.
Era um horror!
No escritório da fábrica o problema não era tão sério porque Paulo
trabalhava há mais de vinte e cinco anos sozinho, revisando, organizando e
arquivando pilhas e pilhas de papéis, mas a família começou a temer que ele
perdesse o emprego quando as vozes começaram a tomar atitudes.
Uma voz sempre separava o lixo. A outra, só às vezes.
Uma voz era carinhosa com a esposa, a outra queria sexo hardcore.
Então a família levou Paulo, que aceitava e recusava, a médicos.
O primeiro diagnosticou esquizofrenia e a muito custo a mulher conseguiu
faze-lo aceitar o tratamento, mas sem nenhum sucesso.
Paulo acabou sendo afastado do trabalho, do que reclamou e deu graças a
Deus.
A família continuou o calvário na busca de um fim para as vozes e o levou a
inúmeros médicos, igrejas, templos, terreiras, casas espíritas e centros
holísticos. Apelaram para tudo até chegarem à falência, mas nada fazia as
vozes sumirem.
Aos poucos as pessoas foram se afastando. Primeiro os colegas de trabalho,
depois os poucos amigos e por fim a família.
A sogra achou por bem morar num asilo.
O irmão mais moço pegou todos seus pertences, uma mochila de roupas, uma
prancha de surf e vinte anos de mesada que Paulo lhe dava e foi tentar a
vida na Austrália.
A filha engravidou e foi morar com o namorado.
Restou a mulher que já muito cansada não notou que Paulo falava cada dia
menos.
Uma manhã Paulo encontrou um bilhete no lugar da mulher. Nele apenas uma
palavra: CHEGA, em letras grandes.
Ele achou bom e ruim.
Ficou mais meia hora na cama, depois se vestiu e foi caminhar, como de
costume.
E começou...
E se não fosse um caminhão de cebolas, fossem bananas ou frangos?
E se não fosse um caminhão?
E se eu não estivesse lá?
E se o meu nome não fosse Paulo, fosse João será que a história seria
diferente?
E caiu no riso.
Nem notou que as vozes agora não passavam de pensamentos e que nem eram tão
dissonantes assim.
 
Bárbara A. Sanco - Porto Alegre/RS

http://barbarasanco.blogspot.com.br/
Publicação autorizada através de e-mail de 07/09/2012

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

A Rua Velha que conheci - Autor: Carlos Lopes

Está escrito no texto de Augusto Sampaio Angelim - que gentilmente autorizou sua publicação no meu blog, o seguinte: ¨A rua, propriamente dita, inicia-se ao final da chamada Ponte Velha.¨ Mais adiante o autor particulariza: ¨Eu fiquei hospedado, durante mais de um ano, no casarão de número 409, na esquina do Pátio da Igreja de Santa Cruz.¨ E foi pesquisando sobre a Rua velha que encontrei o texto ¨A Guerra da Rua Velha.¨
(Material retirado para publicação em livro)
 
 
Autor: Carlos Lopes - Olinda/PE

Dia da Árvore - 21 de setembro - Autora: Vanice Ferreira


 

Á rvores que com a beleza de suas folhas e flores inspiram artistas, poetas, pintores...

R epresentam segurança e longevidade!

V
ejo-as ganharem vida, força e personalidade na obra do escritor J.R.R. Tolkien.

O
nde houver esperança, nascerá uma árvore,

R
eduto e morada dos pássaros e seus ninhos...

E screver em seu tronco, nomes desenhados em uma coração, idealiza o sonho do amor eterno...




Autora: Vanice Ferreira - Curitiba/PR

terça-feira, 4 de setembro de 2012

O início - Dias Índios XV (A morte visita a aldeia – última parte) - Autor: Wanderley Dantas

O Feiticeiro chegou às 22:17 e na sua chegada, dentro da casa, as vozes aumentaram angustiadamente. Houve o início de uma discussão na língua deles, uma discussão que foi se misturando ao choro de luto dentro da casa do velório, que ficava bem ao lado da nossa casa. Eles levantaram as vozes e soubemos que estavam nervosos com a presença do Feiticeiro. A discussão alongou-se por algum tempo até que alguém gritou na língua: "Vá embora"! Imediatamente, a casa fez silêncio.
No dia seguinte, entretanto, ele ainda estava lá. Percebi o olhar de soslaio e assustado de um indígena que escondido mirava o Feiticeiro.
-É ele o Feiticeiro, não? Perguntei ao indígena.
-Ele não é bom...
-Eu sei, já me falaram sobre ele. Os índios dizem que ele anda sobre as águas...
-Ele matou meu avô! Disse-me, abaixando os olhos. Meu avô disse ao meu pai antes de morrer que foi esse Feiticeiro quem o envenenou...
-Ontem eu ouvi eles gritando. Você sabe o que foi?
-O Feiticeiro está com raiva, dizendo que já pagaram até $4.000, 00 reais lá na outra aldeia para quem conseguisse matá-lo... As pessoas aqui estão dizendo que foi ele quem matou com feitiço a criança que enterramos ontem.
-Mas ela não foi morta pelo espírito da onça?
-Mas quem mandou o espírito foram três feiticeiros. Os pajés ouviram os espíritos falarem. Os pajés têm medo dos feiticeiros, medo de vingança, então eles não dizem os nomes dos feiticeiros para não acabarem morrendo também.
Naquele momento, vi 4 rapazes saírem de dentro da Casa dos Homens com espingardas nas mãos. A criança estava enterrada logo ali na frente dessa Casa.
-O que eles estão fazendo?
-A criança foi morta por um feiticeiro, então o feiticeiro irá aparecer no meio da noite em cima do túmulo da criança para roubar o espírito dela para si, assim os jovens passarão algumas noites escondidos, fazendo tocaia. Se o feiticeiro aparecer, eles o matarão.
De todo esse ritual do enterro, todos os participantes serão pagos pela família da criança. O pai da criança pagará com colares, comida e outras coisas aos que cavaram o buraco, pagará ao índio que lavou a criança, pagará ao que a pintou, aos que irão pescar para a comunidade, etc. Tudo pago. Durante um ano, a família também deverá alimentar com peixes, bijous e pequis a aldeia, sempre que esta for requisitada para alguma das festas relacionadas com o velório da criança. Assim, morrer aqui é tão caro para a família do falecido quanto é em nossa cultura.
Alguns índios seguem o pajé em fila, indo do túmulo para a casa e da casa para o túmulo. O pajé segura nas mãos galhos de uma planta especial para aquele ritual. "É para mandar o espírito da criança embora daqui da aldeia", explicou-me o pajé. "Ela precisa ir embora agora. Então estamos pedindo que ela vá de vez, do contrário, ela poderá ficar querendo se despedir aos pouquinhos e aparecer nas nossas casas. Se ela não for embora, quem encontrar com ela será sinal de que alguma coisa muito ruim vai acontecer com essa pessoa".
Enfim, queimam as roupas e alguns outros pertences da criança no centro da aldeia. Os jovens pegarão madeiras e com elas a aldeia preparará uma espécie de cercado para o túmulo da criança (veja a foto). O pai raspa o cabelo totalmente. Ele só voltará a cortá-lo no próximo ano na Grande Festa.
Todas as festas da aldeia irão girar em torno desse velório até o seu encerramento daqui um ano. Assim, tudo o que escrevi é apenas o início de um longo e revelador rito, no qual, segundo alguns antropólogos cristãos, talvez possa existir uma semente plantada por Deus sobre uma possível crença deles na ressurreição. E realmente há a crença na ressurreição, mas esta é uma história que contarei depois.
***
"Foi aqui que o neto dela morreu, Professor. Acharam o corpo do menino ali, já no meio do rio", explicou-me o barqueiro... Quase me esquecera da tristeza fúnebre daqueles últimos dias, mas, ao chegarmos às margens do Posto Indígena (última parada antes de sairmos da Região dos Povos), aquela senhora indígena começou o seu doloroso lamento sob a forma de um canto repetitivo, um transe soturno. Aquela ladainha me trouxe à mente tudo o que passamos na aldeia dessa vez, mas que agora estávamos deixando para trás. Eu e minha família voltávamos à cidade, entretanto o povo permaneceria ali com toda a sua dor... e medo.




Prof. Wanderley Dantas


Publicação autorizada pelo autor



Leia as outras 3 partes desta história:
1) http://www.gandavos.blogspot.com.br/2012/09/o-fim-dias-indios-xii-morte-visita.html
2) http://www.gandavos.blogspot.com.br/2012/09/a-duvida-era-se-deixariamos-nossas.html
3) http://www.gandavos.blogspot.com.br/2012/09/professor-voce-viu-por-que-crianca.html