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quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Alma de bailaria

Autora: Mônica Caetano Gonçalves

Há sempre uma bailarina
Na alma feminina.
Desde bem pequenina
Sonha a menina,
Muito antes de entender
O que é ser Mulher

Muita força é exigida
Para na ponta dos pés deslizar
Pelos palcos da vida...
Sem perder a beleza
De sua delicadeza...
Sem se desequilibrar
E no ritmo dançar.

Seja um ‘Pas de deux’ ou ‘Solo’
Para seu consolo
Vence as dores
Dos esforços e desamores
Sempre a sorrir,
Ao interpretar a dança
Da esperança
No porvir!!!!

Autora – Mônica Caetano Gonçalves – Belo Horizonte/MG

Publicações da autora: (http://monicaemversos.blogspot.com.br/) e também semanalmente no Jornal "O Pioneiro" (Linhares- ES) e na Revista CAPITA Global News (Colatina - ES), além de poemas no site Poetas Trabajando e crônicas eventuais no site Debates Culturais.

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Embornal

Autora: Mônica Caetano Gonçalves

Estava decidida! Por mais que os amigos próximos tentassem, o máximo que conseguiram foi dissuadir-me de seguir a viagem de ônibus e sozinha. Se os houvesse ainda, teria embarcado nos paus de arara, sabidos de Câmara Cascudo, em sua volta sofrida do exílio nas terras paulistas, que antes simbolizaram as verdes esperanças de condições mais humanas de vida.
Marquei a data do voo para Recife. Entre as passagens de ida e volta, uns poucos dias antes dos quinze que faltavam para próxima temporada da peça. Teria tempo para acertar os últimos detalhes, a montagem do cenário, os últimos ensaios e controlar a ansiedade que sempre antecede a estreia. Os planos de viagem eram poucos, mas suficientes para alcançar os objetivos bem definidos. Fazia tempo que alimentava a vontade de buscar o perfil do nordestino do século XXI para compor personagens mais densos e atualizados, que trouxessem bem mais do que o sotaque típico e as vestes do Chicó, de Ariano Suassuna. Maior do que a ousadia era o desafio que me motivava.
Na bagagem somente o necessário. Indispensáveis eram a câmera fotográfica, companheira de outras tantas viagens; o tablet que me serviria também como filmadora; o netbook e um GPS confiável, já que iria alugar um carro e me embrenhar pelo sertão. E mais: papel, caneta e meus lápis; porque se necessário, se tudo o mais falhasse, poderia escrever e desenhar meus croquis como sempre fiz desde o início da carreira.
Desembarquei no Aeroporto Gilberto Freyre, no fim de uma tarde quente como sempre foram minhas tardes em Recife e segui para o hotel onde costumava me hospedar. Da conversa no balcão veio a certeza do carro alugado, pequeno e econômico como convinha e um mapa rodoviário como cortesia.
Acomodei-me no quarto rapidamente, com a urgência de um banho que lavasse as resmas do cansaço da viagem. Depois, um jantar leve, apreciando da varanda o movimento noturno das ruas próximas à orla. Era o que me bastava, sairia cedo aproveitando as horas mais frescas da manhã.
O mapa jogado sobre a cama foi o ponto alto da noite. Atirei-me sobre ele como bússola buscando o norte, passeando os dedos sobre os nomes das pequenas cidades. Sim! Verdejantes me pareceu pitoresco para um lugarejo no sertão do agreste. Seguiria pela BR 232.
As chaves, documentos e o termo de responsabilidade chegaram à mesa junto com o café fumegando cheiros de manhã. Ao fundo da sala ampla e toalhas claras, depois da mesa grande com pães e frutas, uma jovem distraída preparava tapiocas servidas quentes com recheios doces ou salgados, à gosto do freguês. Por mim, um naco de queijo coalho levemente derretido na chapa e um fio de manteiga de garrafa, estava de bom tamanho.
Depois de checar rapidamente os sinais vitais do carro e a parafernália no pequeno embornal que levava, segui o trajeto indicado pela voz irritante do GPS e logo estava com os pés na estrada.
Depois de algum tempo, a paisagem tornou-se monótona e o calor sufocante. Sentia-me em um deserto buscando um oásis. Enfim, avistei construções esparsas e pequenas em meio à vegetação adiante, na beira da estrada. Parei e checando o mapa, descobri que estava no meio de lugar nenhum. À minha volta, ruínas e um homem agachado embaixo de uma árvore velha, cabisbaixo e alheio à minha presença. Sob o chapéu, as rugas marcadas em seu rosto denunciavam ser tão velho quanto a baraúna que o abrigava.
- Com licença, Senhor? Boa tarde!
- Boa tarde, Moça!
- Como se chama este lugar?
- Nem adianta procurar no mapa, Dona. Era Caroá, antes de tudo se acabar.
Vendo a curiosidade estampada em meu rosto, levantou-se devagar, batendo a poeira das calças:
- Olha Moça, não tem nada por perto. Se quiser se refrescar, tem água de mina em casa.
Virou-se e seguiu sem esperar por mim. À porta, apresentou-se como João simplesmente e convidou-me a entrar.
- Repara não, Dona. Desde que minha Rosa se foi, é casa de homem, sem perfume de flor.
Uma brisa soprou pela janela um toque de flores silvestres, alvoroçando a desbotada cortina de chita colorida. Tudo na mais perfeita ordem, como se Rosa somente as colhesse no canteiro minguado ao pé da porta. Sentei-me no banco de madeira tosca, enquanto João me trazia a água quase gelada da moringa de barro.
- Isto aqui já foi animado, nos tempos do caroá, antes que a febre do sisal tomasse conta de tudo. As riquezas desse lugar foram o caroá e o rio que corre manso quando a chuva deixa.
- Era Mãe Preta que ensinava e tecia os cestos de caroá onde guardava os vidros do Doutor de botica, que chegavam de vez em quando em lombo de burro. Uma negra de ancas largas que cuidava de toda a gente com seus chás e unguentos aprendidos das folhas e raízes, quando os remédios de Arcoverde não curavam.
Enquanto picava o fumo lenta e cuidadosamente, a voz mansa de João cortava o silêncio da tarde com suas histórias.
- Tinha festa e cantoria de ladainha no dia de missa da padroeira. Antes do domingo marcado para a chegada do Padre Antero, era uma semana inteira de preparo. A capela ficava aberta o dia inteiro para arejar o cheiro do tempo, enfeitada com flores por dentro e bandeirinhas de papel colorido por fora. Foi assim por muito tempo, até que em um ano de uma seca brava o Padre não veio mais.
- Na inauguração do posto de gasolina veio até banda de música de Pajeú, que o Coronel mandou tratar. Veio gente importante e graúda - de terno e gravata – e até o fotógrafo do jornal da capital.
Os personagens se seguiam um a um diante de mim, desfilando suas formas e cores, pintadas com os tons que o velho caboclo lhes dava. Só percebi que a tarde anunciava a noite, quando o fósforo acendeu o querosene do lampião e depois com o pedaço de jornal velho ateou chamas à lenha do fogão.
- Depois, sabe como é: sina de quem vive na beira da estrada é seguir por ela até onde a perna aguentar. Primeiro, os mais jovens, que iam para estudar ou atrás de melhor de sustento. Os mais velhos os seguiam, quando lhes acenavam. Outros desapareçam no tempo, até que restamos minha Rosa e eu, acomodados em nosso canto.
Os pratos de ágata vieram à mesa sem perguntas, trazendo o caldo da macaxeira cozida nos pedaços de carne seca.
- Não teve jeito, os filhos não vieram, por mais que se tentasse.
Foi a única vez que vi o esboço de um sorriso tímido se desenhando naquele rosto agreste.
- Quando cismava, Rosa dava nomes a cada um deles, nomes que chamava em seus delírios de morte com a aquela doença sem nome. 
O lampião guiou-me, sem palavras ao cômodo que se avizinhava à cozinha, uma despensa organizada e limpa, com uma cama pequena em um de seus lados. Agradeci sinceramente pela hospitalidade, enquanto João meneava a cabeça afirmativamente. A chama quente do lampião próxima a seu rosto crepitou mostrando o caminho das lágrimas entre suas rugas. Virou-se silenciosamente e seguiu até que a luminosidade apagasse seu vulto.
Antes de adormecer profundamente ouvi nitidamente os chinelos que se arrastavam fazendo ranger as tábuas do assoalho e vozes infantis brincando pelos cantos da casa. Exausta, acomodei-me como pude e fechando os olhos, murmurei um boa noite. Não, não era sonho, sabia-os todos lá.
Despertei com os primeiros raios de sol e levantei-me rapidamente, sentindo-me mais disposta do que de costume. Não havia sinais de que João estivesse em casa, apesar do bule de café fumegando no canto do fogão, o copo e rapadura sobre a mesa, convidando-me a me servir. Pela janela avistei o mesmo homem agachado sob a mesma velha árvore, como se ele também tivesse naquele lugar suas raízes.
Fui ao seu encontro para agradecer e me despedir. Emocionada, senti profundamente toda a solidão daquele olhar e percebi um brilho outro, a esperança de um sorriso.
- É assim mesmo, Moça! Todos tem que partir um dia...
Voltei com o embornal cheio de imagens estáticas e das ainda vivas daquele homem, quase espectro entre seus espectros; imagens com o som dos dias e das noites entrecortadas pelo vento e pelo crepitar da chama do lampião, que insistia em dar contorno àquela voz em meio ao silêncio. As ideias povoadas de personagens, como hologramas, a reviverem suas histórias. Havia à frente, a certeza do tempo a decantar aquela experiência tão intensa, antes de trazer à vida os fantasmas do agreste, com os tons e a voz do abandono que em mim ecoaram.


Autora – Mônica Caetano Gonçalves – Belo Horizonte/MG

Publicações da autora: (http://monicaemversos.blogspot.com.br/) e também semanalmente no Jornal "O Pioneiro" (Linhares- ES) e na Revista CAPITA Global News (Colatina - ES), além de poemas no site Poetas Trabajando e crônicas eventuais no site Debates Culturais.

domingo, 11 de agosto de 2013

Tricotando

Autora: Mônica Caetano Gonçalves

Há um consenso, quase um mito, de que nós mulheres conversamos muito. Conversa de lavadeiras ou comadres e mais recentemente tricotando, são expressões que ainda se ouvem e alimentam o entendimento equivocado de que tratamos a maior parte do tempo de frivolidades femininas, o que naturalmente enseja a curiosidade masculina.
Não há mistérios. Cada um de nós, independente do sexo, partilhará com maior ou menor intimidade com seus pares, as experiências vividas dentro do contexto sócio-cultural em que está inserido. As diferenças, na maior parte das vezes se encontram nas formas de expressar, estas sim características de cada gênero. Trocávamos receitas e eventualmente ainda trocamos, falamos sobre a educação dos filhos como sempre, mas hoje, em pleno século XXI, um sorriso cúmplice entre amigas pode perfeitamente se referir ao sucesso de um bom investimento e não ao mais recente namorado.
Da mesma forma, ainda é comum se imaginar que um homem e uma mulher almoçando juntos, por exemplo, é um casal e não colegas de trabalho. Evoluímos sim, mas nosso comportamento social continua retrógrado e relacionado à função primordial de preservação da espécie, em que naturalmente não se encaixam sequer as opções de orientação sexual.
Em algum momento, o empoderamento feminino significou a invasão de um universo até então absolutamente masculino, criando um distanciamento maior, como fossemos espécies diferentes ou originários de planetas distintos, o que já serviu até para título de livro. Até na linguagem empregada, especialmente nos discursos políticos, fica evidente esta visão ultrapassada, já que se desconsidera que a palavra companheiros é plural em que cabemos todos, independente de sexo, raça ou religião.
Passa da hora de nos acertarmos com o tempo em que vivemos e buscarmos nossa complementaridade enquanto seres humanos, em prol da sociedade, para além dos papéis individuais e das funções sexuais da espécie. E guardarmos dos mistérios, como na dança dos véus, a magia da descoberta do outro.

Autora – Mônica Caetano Gonçalves – Belo Horizonte/MG


Publicações da autora: (http://monicaemversos.blogspot.com.br/) e também semanalmente no Jornal "O Pioneiro" (Linhares- ES) e na Revista CAPITA Global News (Colatina - ES), além de poemas no site Poetas Trabajando e crônicas eventuais no site Debates Culturais.