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domingo, 5 de fevereiro de 2017

O anjo

Apenas mais um dia.
Como tantos outros, voltaria para casa, apenas por voltar, sem qualquer motivo. Ou simplesmente para não dormir nas ruas.
Para que voltar? Por quê?
O que poderia ser, para ele, a casa? O lar?
Julio já não podia distinguir. Não sabia a diferença entre a casa, lar ou local de trabalho. Para ele existia a repartição e o seu dormitório, que infelizmente estavam em locais diferentes e distantes. Uma realidade que exigia dele aquela rotina de ir e vir.
Seu cotidiano era o ônibus, sempre cheio e desconfortável. Os motoristas pareciam estar conduzindo carroças. Totalmente despreparados não fazia diferença o que transportavam. Freavam bruscamente, as curvas eram sempre feitas em velocidade incompatível com o conforto do passageiro. Mulheres, crianças e até idosos viajavam em pé e eram jogados de um lado ao outro pela falta de qualificação do condutor.
Como nada havia para pensar, Júlio se concentrava nesses detalhes. Mas sabia ele que se lá houvesse alguém que o esperasse tudo seria diferente. A viagem de ônibus até a casa seria uma prazerosa aventura. A chegada seria compensada com um abraço amoroso de boas vindas.
O que resta para Júlio?
Depois de tudo, nenhuma esperança ou sonho alimenta. Acostumado com aquela rotina já nem sentia saudade. Tornou-se um ser robótico, sem sentimentos.
Mas sua vida já havia sido diferente.
Teve alguém. Um amor, quem sabe? Mas certamente alguém que lhe fazia companhia no café da manhã, sempre preparado com carinho.
Alguém que sempre o aguardava à porta quando do trabalho voltava. Que gozava a preferência da sua companhia em agradáveis passeios pelas montanhas, onde admiravam a natureza e a exaltavam, comparando aquela harmonia ao seu amor.
As caminhadas pela areia da praia, as ondas atingindo seus pés que permaneciam molhados enquanto percorriam a linha da água, sempre de mãos dadas, com comentários agradáveis que os animavam e os conservavam envoltos naquela felicidade que parecia não ter fim.
Vivia Júlio uma felicidade, para ele, infinita.
Pela intensidade do amor que nutria por Danny, jamais poderia imaginar que um dia houvesse um fim.
Danny, também, pensava assim. Um anjo em sua vida, alguém que sarou seu coração e lhe fez ver as flores ao longo de sua estrada. Um anjo que lhe deu a mão e a ajudou nas subidas. Um anjo que removeu as pedras de seu caminho. Aquele que a protegia de tudo e de todos. Tantos eram seus cuidados que chegavam a incomodar.
Danny, às vezes, preferia correr algum risco a ser objeto de tantos cuidados. Com a preocupação de dar a ela a preferência de tudo, Júlio esqueceu de si. Não imaginava que para prosseguir precisava de uma luz que iluminasse seu caminho. Danny cercada de cuidados e carinho, jamais se preocupou com esse detalhe. Imaginou Júlio um ser superior, capaz de tudo providenciar para seu bem estar. Imaginava ela que jamais precisaria de qualquer cuidado, nem mesmo de uma palavra de conforto ou aprovação. Para quê, se ele era tão completo e que havia entrado em sua vida para proporcionar-lhe o que pudesse haver de melhor.
Por isso Júlio sentia-se frustrado, quando esperava algum retorno ou no mínimo, algumas palavras de incentivo. Palavras que jamais vieram.
A sabedoria do tempo foi implacável. Num certo momento, Júlio pretendeu uma contrapartida que não existiu. Pediu, argumentou e esperou, mas Danny, incapaz de compreender, não deu.
Então resolve partir e deixar tudo que lhe parecia tão importante. Inconformado e carente vai em busca de alguma coisa, que nem imaginava o que pudesse ser.
Julio, desde então, procurou substituir sua carência de um amor por dedicação exagerada ao trabalho.
Quando voltava para casa, nada mais pensava ou esperava. Só a cama o consolava.
Mas naquele dia foi diferente.
Júlio descia do ônibus, no ponto costumeiro.
No trajeto até sua casa, passava pela padaria, onde comprava pão fresco para o lanche noturno.
Tudo estava normal, até que atingiu a portaria do seu prédio.
Lá estava Danny.
Ele custou a acreditar. Uma confusão mental e nada fez com que se lembrasse o que havia acontecido.  Danny, abriu os braços, aguardando sua aproximação. Assim seus corpos se encontraram. Tudo parecia estranho. Por que não tinha acontecido antes?
Promessas e incontroladas juras de amor foram gritadas, naquele momento, Júlio perdido e Danny apaixonada se abraçavam e beijavam jurando amor eterno.
—Um anjo, repetia Danny. Meu anjo.
—Descobri que você é o anjo que me foi enviado. Não para me proteger, mas para me ensinar a amar. Um anjo para me ensinar o significado do amor.
—Você é o meu anjo, o meu amor.
—Jamais se afaste de mim outra vez.

Autor: Nêodo Ambrósio de Castro - Eugenópolis/MG

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Córrego limpo

Autor: Nêodo Ambrósio de Castro

Passaram-se quase 50 anos, mas os vestígios de uma próspera comunidade permanece estampada nas ruínas do prédio da máquina de beneficiar café. Um enorme prédio de tijolos aparentes com uma majestosa chaminé de quase 15 metros de altura.
Estão, ainda bem conservados, o prédio da fazenda São João e a usina elétrica com a grande roda d’água feita de madeira. Faltando alguns pedaços, mas ainda imponente pelo porte gigantesco. A estação da estrada de ferro foi demolida deixando um vazio naquela bucólica paisagem.
Quem passa pela estrada que liga São Manoel a Prados, não pode imaginar o que representam aquelas ruínas. Mas para quem conhece sua história ou viveu em Córrego Limpo, nos seus anos de progresso, sente um aperto no peito ao cruzar aquele trecho.
A história do lugarejo remonta ao fim do século XIX, quando um cavaleiro, conhecido por João Seleiro,  passando por lá, encantou-se com a paisagem, na ocasião somente uma pradaria com muitas árvores e um pequeno rio, com águas claras e belas cascatas. 
João Seleiro gostou tanto do lugar que acabou adquirindo de alguns proprietários um bom pedaço de terra, onde planejava cultivar café, riqueza natural da região, e também formar um rebanho bovino, para aproveitar a enorme pastagem da propriedade.

A história de João Seleiro

João Seleiro, nascido na localidade de Pedra Branca, cidade distante cerca de 100 quilômetros de Córrego Limpo. Era o filho primogênito de Serafim Seleiro e Dona Maria Bianca. Nascido na década de 80 do século XIX, João, cujo nome verdadeiro era João Evangelista da Cruz, ganhou o apelido de João Seleiro graças à profissão do seu pai, artesão que confeccionava selas ou arreios para montarias e transporte de cargas em lombo de burro. 
Desde cedo João revelou sua aptidão para os negócios, repudiando, assim a profissão de seleiro. Desde garoto gostava de uma “barganha”. Trocava tudo que podia e possuía, sempre auferindo algum lucro com a essa atividade. Era tão bom no ofício de negociante que através dessa atividade obteve sucesso e o ganho de um bom dinheiro e aos 19 anos já era um proprietário de terras. 
Gostava muito de viajar a cavalo, puxando uma mula de carga, no lombo da qual transportava, todo tipo de objeto, para troca, entre os quais: espingardas de caça, garruchas, relógios de bolso e de parede, sanfonas e até violão. Em cada propriedade que parava era muito bem recebido, pois já gozava de boa fama e sempre levava novidades. Nunca saía dos lugares sem auferir algum lucro com suas barganhas.
De troca em troca, seu patrimônio aumentava e progredia a olhos vistos. Já acumulava uma pequena fortuna, quando conheceu Córrego Limpo. Foi simpatia a primeira vista. Resolveu então que ali fincaria os pés e criaria raízes. Tratou de adquirir uns bons alqueires de terra fértil, cortada de ponta a ponta pelo único rio da região.
Trabalhando muito, principalmente na sua atividade de negociante conseguiu erguer um enorme casarão que é até hoje a referência do lugar. Mas ainda estava longe de satisfazer seus anseios, faltava ainda muita coisa para sentir-se realizado.
Seu João, como era conhecido, logo casou-se com Mariquinha, uma moça de família distinta, da região, com a proposta de, com ela, formar uma família numerosa e progredir nos negócios.
Logo após o casamento, já morando no casarão recém construído, com um belo rebanho e extensas plantações de café, viu a necessidade de levar progresso para a sua propriedade que agora era uma pequena, mas próspera comunidade.

O progresso chega à Córrego Limpo

No projeto de João Seleiro estava incluída a construção de uma máquina de beneficiamento de café, pois como bom negociante sabia que podia ganhar mais dinheiro vendendo seu café já beneficiado. Iniciou, então, a construção do prédio onde seria instalada a máquina de café com alvenaria produzida na sua propriedade. 
Começou a fabricar tijolos maciços queimados a forno de lenha ao invés de comprá-los na cidade que ficava bem longe dali. Deu início, então à uma olaria que logo passou a fabricar, também, telha canal. 
Da cidade grande veio o maquinário e também o gerador de energia elétrica que equiparia sua usina a roda d’água que já estava pronta para entrar em operação.
Usina elétrica e máquina de beneficiar café prontas começou, assim, uma nova era de produção de café na região. Seu João não beneficiava somente o café produzido em sua fazenda. Comprava a produção dos seus vizinhos, a qual beneficiava juntamente com a sua transportando o produto para a cidade em carros de bois, onde o vendia com bom lucro. 
A necessidade de mão de obra obrigou-o a construir uma vila de casas para os seus empregados que já eram mais de 20, entre lavradores boiadeiros e trabalhadores na máquina de beneficiar café. Cada um com sua família, foi morar na vila que ficava nas proximidades da  beneficiadora de café.
Com o passar dos anos, novas casas mais empregados, comerciantes e uma série de prestadores de serviços foram se instalando no vilarejo, com a permissão do proprietário. Córrego Limpo, chegou a ter cerca de 40 casas de alvenaria, quase todas de propriedade de João Seleiro que as alugava aos comerciantes, barbeiro, sapateiro e até uma forja que trabalhava quase exclusivamente para ele na confecção de ferramentas para o uso na lavoura e aros para as rodas dos carros de bois.  Também uma bomba de gasolina foi instalada na vila, para abastecer os raros automóveis que por ali circulavam.
Córrego Limpo alcançou destaque após a construção da estrada de ferro que prevendo o desenvolvimento do lugarejo construiu ali uma parada de trens. 
Começava uma era de progresso. João Seleiro quase não se esforçou para isso, a não ser pela construção da vila, da usina elétrica e da máquina de beneficiar café. Pois preferiu ter como principal atividade as barganhas que fazia com todos que apareciam em sua fazenda trazendo alguma coisa para negociar. De sacas de café, açúcar mascavo, arroz, gado e montaria a quinquilharias, ele negociava tudo. O porão de sua fazenda era um verdadeiro entreposto com mercadorias de toda natureza. 
A estrada de ferro além de adquirir uma faixa de terra, em sua propriedade, para estender os trilhos entre as cidades de São Manoel e Prados, adquiriu de Seu João alguns lotes de terreno onde edificou casas para os trabalhadores da manutenção da linha. Isso significou aumento da população e a necessidade de melhores condições de vida para os moradores. Assim Seu João mandou edificar uma igreja em homenagem a São João, seu padroeiro e uma escola primária que funcionava na parte da tarde.
A estrada de ferro trouxe consigo uma agência de correios e o telégrafo. Com tanta melhoria, a vila de Córrego Limpo ficou com cara de cidade.
Esse progresso não durou muito. Cerca de cinqüenta e poucos anos e acabou-se a estrada de ferro. Com o seu fim, veio o desânimo. Os funcionários da ferrovia mudaram-se para outras cidades, a maioria dos comerciantes também e quase nada restou. Os carros de bois já não existiam mais. Com a falta de transporte, a máquina de café encerrou suas atividades, pois já não dava mais lucros. O prédio ficou abandonado e o maquinário foi vendido para um concorrente da cidade de São Manoel, para onde João Seleiro e os outros produtores da região mandavam o café produzido em suas propriedades, cujo transporte passou a ser feito em caminhões do comprador de São Manoel.
Acabaram-se os correios e a escola, restando apenas a Igreja e as festas de São João.
Com a família criada, os filhos estudando na cidade, João Seleiro já não se interessava mais pelos negócios do café nem do gado. Mantinha a casa da fazenda onde restaram a mulher e uma filha que lhe faziam companhia além de alguns empregados que cuidavam do gado e as respectivas esposas que trabalhavam no casarão.
O tempo passou. Morreu Seu João e pouco tempo depois a sua esposa Dona Mariquinha, os últimos moradores do casarão. 
Seus filhos, agora casados e morando nas cidades próximas não se interessaram mais pelas propriedades que foram sendo vendidas após a partilha.
Morria definitivamente o progresso da região. Alguns colonos, agora trabalhando para novos proprietários permaneceram nas casas que não foram demolidas.
Quando eu passo por Córrego Limpo, costumo parar um pouco, em um ponto da estrada, fechar os olhos e lembrar-me dos meus tempos de menino naquela localidade que conheceu o progresso, o qual foi embora da mesma forma e com a mesma rapidez que veio, como um meteoro que passa deixando somente seu rastro na memória daqueles que o viram.


Autor: Nêodo Ambrósio de Castro - Eugenópolis/MG

Publicação autorizada pelo autor


quarta-feira, 15 de maio de 2013

Pureza ou imaturidade


Autor: Nêodo Ambrosio de Castro

Seria imaturidade uma pessoa ser tão possessivamente perseguidora da felicidade através do amor, do enlace entre os sexos? 
Poderia ser considerado certo estado de pureza, viver no mundo de hoje, onde os jovens na era da evolução tecnológica tão acelerada, onde procuram se divertir, muito além do razoável, desprezando alguns valores, considerados importantes para os mais velhos, pensando e entendendo que estão fazendo tudo da forma errada, desprezando os prazeres do relacionamento íntimo longe da influência dos eletrônicos?
Na atualidade, o sexo levado a termo, principalmente pelos jovens, tem uma duração muito menor, se o compararmos com o que fazíamos a alguns anos passados. A pressa tomou o lugar do prazer, da satisfação, que é a responsável pela felicidade. Não existem mais prelúdio ou poslúdio, o sexo ficou sem graça.
A felicidade, por sua vez, foi substituída pelo prazer de ter ou adquirir um aparelho eletrônico mais sofisticado e de última geração. Isso afasta a necessidade do romantismo. Tudo é feito da maneira mais prática e rápida. A publicidade, que sempre trabalha explorando a preferência ou tentando lançar estilo de vida, tendenciosas ou naturais que insistem em considerar o homem de sucesso aquele que tem um celular mais veloz que o outro ou uma banda larga de internet mais rápida que a do concorrente.  Essas publicidades são influências tendenciosas, estimulam o consumidor a adquirir sempre o mais veloz e o mais moderno.
Esses estímulos, acabam determinando a velocidade de viver a vida. Uma pessoa normal, sem perceber, está usando menos tempo para almoçar, para lhe sobrar uns minutos para manusear seu celular. Um casal termina o jantar após um dia de trabalho e o ritual de lavar e enxugar a louça, coisa que era quase um prelúdio sexual antigo, deixou de existir. Colocam as louças na máquina de lavar e correm para o computador, para os sites de relacionamentos.
Com o passar dos dias, eles próprios descobrem que estão vivendo uma vida sem sentido. Não precisam nem querem o romantismo, pois os sites o substituem. As emoções dos passeios, de um cinema à noite é igualmente trocada pelo mesmo motivo assim, começa o fim de um casamento.


Autor: Nêodo Ambrósio de Castro - Eugenópolis/MG

Publicação autorizada pelo autor


domingo, 21 de abril de 2013

Por acaso


Autor: Nêodo Ambrósio de Castro
 
Noite de inverno. Estava tão frio que a névoa cobria quase que totalmente a visão daqueles que se aventuravam andar pelas ruas da cidade.
Com a gola do paletó levantada, para aliviar o frio que teimava em penetrar em seu corpo, caminhava, Josemar, pela calçada quando quase tropeçou em um morador de rua que encolhido se cobria, sem muito sucesso, com folhas de jornais velhos. Se ele não tivesse quase pisado no indigente, nem o teria notado pois este se encolhera de tal forma que mais parecia um embrulho.
Não deu muita importância a essa ocorrência, continuando a sua caminhada. Mas ao atingir o cruzamento da rua, enquanto aguardava o sinal de trânsito abrir, pensou: Se ele que estava somente transitando por ali estava sentindo que o frio o incomodava tanto, imaginou como aquele morador de rua devia estar sentindo. Parou, agora com certa curiosidade, resolveu voltar para ver o que poderia fazer para amenizar o sofrimento daquele ser. Aproximou-se e tocou-lhe o corpo, para lhe chamar a atenção. Ficou surpreso, pois este estava tremendo e ao mesmo tempo seu corpo se apresentava tão quente que chegava a aquecer as mãos que o tocavam. Perguntou ao homem como estava se sentindo e o mesmo ao responder quase não se fez entender pois balbuciava qualquer coisa com a voz trêmula tamanho o frio que devia estar sentindo.
Josemar, ficou assustado e imaginou: Não posso deixar esse homem aqui, ele certamente morrerá, pois esse calor que emana de seu corpo só pode ser febre alta e ele não conseguirá sobreviver a essa temperatura durante a noite.
Tentou levantar o pobre homem, mas este de tanto frio parece que não reagia e tornando-se mais pesado. Tentou novamente, mas parecia que o morador de rua já havia perdido a esperança de sobreviver e se entregara e estava sofrendo tanto que preferia ficar ali até que sua vida abandonasse aquele corpo em brasas.
Josemar voltou até à esquina e parece que por um milagre, encontrou um policial que cumpria a sua ronda noturna. Pediu-lhe ajuda, explicando que logo ali adiante encontrava-se um indigente com febre alta e precisando de socorro médico. Logo o policial concordou em acompanhá-lo para comprovar seu relato. Chegando até o homem doente, o guarda constatou que este precisava ser removido, com urgência para um pronto socorro. Através de seu rádio, solicitou uma ambulância que socorreu o morador de rua, encaminhando-o para o pronto atendimento que indicou internamento imediato para tratar de uma pneumonia.
Após cumprir sua missão, Josemar, agora não mais sentindo tanto frio, pois ao imaginar-se na pele daquele indigente, tinha a sensação de estar, confortavelmente, agasalhado, dirigiu-se para a sua casa.
Anos se passaram desde aquela experiência e Josemar continuava sua rotina: Bem cedo se dirigia para o trabalho è pé, pois residia nas proximidades e já à noite retornava ao lar, sempre fazendo o mesmo trajeto.
Certo dia, ao retornar para casa, uma surpresa o aguardava. Um desses indivíduos que rondam as noites em busca de uma vítima para praticar assaltos o abordou. Não acreditando no que estava acontecendo, Josemar, movido por um reflexo, fez um gesto que o bandido entendeu como reação e acabou baleado. Sangrando, caiu, enquanto o agressor evadia-se do local. Um automóvel que se encontrava parado no sinal, presenciou a cena e seu ocupante correu em seu socorro. Encostou o carro e com muito esforço conseguiu colocar Josemar dentro do carro, dirigindo-se para o pronto socorro.
Ao chegar, pediu ajuda e foi atendido pelos enfermeiros do plantão que colocaram a vítima em uma maca o levaram para o centro cirúrgico, após um exame para localização do projétil que havia se alojado em seu abdome. O homem que o havia socorrido permaneceu na sala de espera, e sempre preocupado buscava notícias. Após o ato cirúrgico Josemar foi encaminhado para a enfermaria, mas o bom samaritano havia providenciado um quarto particular para o paciente e este foi devidamente alojado em um bom quarto de hospital, para recuperar-se. Acordando da anestesia, Josemar viu aquele homem em pé ao lado do seu leito e perguntou-lhe:
- Quem é você e onde eu estou?
- Calma. Você foi ferido em um assalto e eu o trouxe para esse hospital. Você foi operado, a bala removida e está fora de perigo.
Pergunta, de novo Josemar:
- Quantas horas são? Parece tarde, minha esposa e filhos devem estar preocupados com o meu atraso. Será que podia pedir a alguém que os avisasse?
- Claro! Basta me passar o número do telefone que ligo imediatamente.
O paciente, agora já quase recuperado, ditou o numero para o estranho e este fez a ligação e avisou a família que não demorou a aparecer no hospital.
Josemar contou para sua esposa o que havia acontecido e esta foi ao encontro do desconhecido para agradecer.
- Muito obrigado, senhor, por ter salvo meu marido. Não sei como posso agradecer, pois sua atitude o salvou de uma morte certa. O médico me disse que se demorasse mais algum tempo ele poderia ter morrido por causa da hemorragia. Mas felizmente o senhor o salvou removendo-o para o hospital.
O estranho respondeu:
- Eu que tenho que agradecer, pois a alguns anos atrás, seu marido salvou a minha vida, quando acometido de uma pneumonia e sem um local apropriado para passar a noite, ardia de febre, deitado em uma calçada. Ele providenciou socorro para mim e assim pude me recuperar e hoje, graças a ele, a minha vida mudou e mesmo não sabendo que se tratava dele, naquele mesmo local em que ele havia me encontrado, o encontrei sendo assaltado e ferido por um bandido de rua. Dessa forma pude retribuir, embora nunca o desejasse. Seu marido é um bom homem e certamente voltará para sua família dentro de alguns dias.
A esposa de Josemar ficou espantada com o relato e voltou-se para o marido para lhe contar. Este, então, queria agradecer pessoalmente ao estranho e pediu a esposa que o conduzisse até o quarto, mas quando ela o procurou no corredor, já não o viu mais. Dirigiu-se, então até à recepção para pedir informação, quando a recepcionista a informou que o estranho havia pago todas as despesas pedindo para não ser identificado e não havia deixado nome nem endereço.
Retornando ao quarto, relatou o acontecido ao marido que com uma lágrima rolando pela face lhe disse:
- Foi Deus quem colocou esse senhor no meu caminho. Eu tive a oportunidade de ajudá-lo, para que hoje ele pudesse retribuir. Isso significa que Deus coloca as pessoas certas em nosso caminho. Cabe a nós, no entanto, decidir de que maneira elas participarão de nossa vida.
 
Autor: Nêodo Ambrósio de Castro - Eugenópolis/MG

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Publicação autorizada pelo autor

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Casamento. Uma armadilha?

Dizem que casamento é uma armadilha e traz surpresas não muito agradáveis.
Talvez seja. Mas obriga os cônjuges ao envolvimento com pequenos detalhes. Aqueles, que não haviam sido bem discutidos antes. Não estavam implícitos ou acordados.
O namoro vai bem, obrigado. Temos vontade de casar, quero dizer morar juntos, entende?
Perfeitamente normal e previamente entendido e acordado que casar é morar junto.
Não precisa cartório, testemunhas e escrivão. Certidão? Só papel e formalidade desnecessária. Igreja, então, é “pagar mico”, “caretice”. Isso é coisa de antigamente.
Hoje, juntamos nossos livros, CDs, DVDs, roupas e as escovas de dente. Se ficar faltando algo se compra depois.
Muito pratico, não acham?   Nos dias de hoje, a vida tem que ser prática. Casamos, se não acertarmos dentro de certo período, cada um procura seu canto e novamente.  Novo namoro,  um pouco de intimidade até resultar em outro “morar juntos”. Quem sabe desta vez tudo dá certo?
Vida a dois, requer ajustes e adaptações que vão desde divisão de responsabilidades, de espaço e tarefas, ausentes na vida de solteiro, ao compartilhamento na vida cotidiana. Deixar copos sujos sobre a pia, deixar o banheiro molhado após o banho, roupas sujas espalhadas pelo chão, toalha molhada sobre a cama, sapatos e outros objetos espalhados pela casa, esquecer de dar descarga ou deixar a tampa do vaso sanitário levantada. Urinar no chão, pia suja de pasta de dente, cabelos agarrados no sifão e outros pequenos detalhes que não são observados antes do casamento, principalmente se moram sós ou em casa dos pais, tornam-se importantes na vida conjugal.
Assim começam as queixas e cobranças. Descobrem os cônjuges, que nem tudo são flores, existem detalhes que vão se apresentando no dia a dia e que são verdadeiras armadilhas e surpresas que não podiam imaginar antes do casamento. As tarefas são dividas, assim como a responsabilidade da casa, pagamento de contas, serviços domésticos em geral. Tudo é normalmente partilhado. Aprender a dividir espaços e esquecer as manias de solteiro, como deixar o guarda roupas e gavetas desarrumadas.
Por que não descobrem isso antes? A namorada, hoje, freqüenta a casa do namorado e vice-versa. Ela, certamente se sente importante arrumando o guarda roupa do namorado, mas só para implicar ou se firmar diante da sogra, o que após o casamento já não tem o mesmo significado. 
As pequenas “rusgas” entre o casal, acaba esfriando o lado íntimo e amoroso. O romantismo desce ladeira e desaparece. Acabam-se os gestos de carinho, de compreensão e solidariedade. Cada qual quer que o outro cumpra sua parte nas tarefas e esquecem que estão juntos para construir uma vida a dois com base no amor e compreensão, necessitando portando de um diálogo maduro e tranquilo.
Se essa fase for suportada por ambos, é quase certo que não haverá nenhum tipo de divergência no futuro e que dali surgirá uma família que trará novos problemas e desafios que deixarão esquecida a primeira fase do relacionamento. Quando aparece o primeiro filho, normalmente as coisas engrenam.
A fase do recém-nascido muda o panorama do lar. São mamadeiras de madrugada, a troca de fraldas, banhos e corridas ao pediatra, etc.
A realidade falará alto.
Uma vez casados, juntados morando junto, é diferente da vida na casa dos pais. Vão descobrindo isso com muita lentidão e certa sensação de perda, pois o que nos proporcionava essa condição foi perdido. Ficou para trás.
- Levanta, meu bem, o júnior está chorando.
- Troca a fralda e dê-lhe a mamadeira.




Autor: Nêodo Ambrósio de Castro - Eugenópolis/MG

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Publicação autorizada pelo autor




sábado, 28 de abril de 2012

Que maldade - Autor: Nêodo Ambrósio de Castro

Derrubaram a casa do joão-de-barro, coitadinho, que maldade o que fizeram com a família do joão-de-barro.
O papai joão-de-barro tentou buscar o ninho dos seus filhotes, não deixaram o pobre do pássaro entrar na casa semi-destruída.
Mamãe joão-de-barro chorando escondia os filhotes sob as asas, tentando protege-los da descabida violência. De longe assistiam a peleja. Atearam fogo em sua casa. Quem foi?
Não sei, respondeu o bem-te-vi, eu estava de costas, não pude ver o rosto do invasor. O pardalzinho, coitado, só viu a roupa, estavam com os rostos cobertos com uma coisa que parecia uma máscara, igual essas que os motoqueiros usam.
E agora para onde irá o joão-de-barro e sua família?
Estão andando pela cidade, não encontram comida nem local para dormir. Estão todos ocupados. Vamos dormir sob a marquise, sugere a mamãe joão-de-barro, pensando na proteção dos filhotes. Mas papai joão-de-barro retruca:
- E se nos pegam dormindo? Se atearem fogo em nós? E se nos expulsarem ou nos chutarem e espancarem? Não. Sob a marquise não é um lugar seguro.
- Para onde vamos então? Insiste a mamãe joão-de-barro.
- Vamos tentar a beira da estrada, talvez nenhum bicho do mato nos ataque durante a noite. Talvez encontremos um ninho fofinho para os filhotes.
- E a comida, onde a conseguiremos? 
- Ora, alguém há de nos dar, se pedirmos. Se ninguém se compadecer de nós, então só nos resta morrer de fome.
Mamãe joão-de-barro se põe a chorar. Que maldade, porque fizeram isso com a nossa casa que levamos tanto tempo para construir?
Responde o pai joão-de-barro:
- É assim mesmo, neste mundo há muita maldade. Só tem vez aqueles que vivem nas gaiolas, embora sem liberdade, têm água comida, segurança e ainda têm veterinário particular. Para nós que edificamos nossas casas em árvores sem dono, nada nos resta, seremos sempre expulsos de um lugar para o outro.
Enquanto isso os filhotinhos, correm para os semáforos, nos cruzamentos e começaram  a pedir moedinhas para ajudar na alimentação da família.
Que desastre, que fim para uma família decente de joão-de-barro que não fez mal a ninguém, viverem assim, como moradores de rua, sem  perspectiva de ver a família crescer na segurança de um lar, mesmo que seja uma casa de barro.
Contudo o Sr. gavião, muito poderoso, parece ter tido compaixão da família do joão-de-barro e prometeu-lhes ajudar a encontrar uma outra árvore onde ele possa edificar sua casa de barro e lá criar os filhotes e até ver a família crescer.
Não esqueçam. Promessas de gavião...

Autor: Nêodo Ambrósio de Castro - Eugenópolis/MG
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Publicação autorizada através de e-mail de 27/04/2012

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Pedinte cara de pau - Autor: Nêodo Ambrósio de Castro

Por não existir outro trajeto, de volta para casa, sempre cruzo o mesmo sinal há anos. Sempre estiveram ali pedindo uma moeda garotos mal vestidos e sujos, mau alimentados, sem higiene, mas garotos. Aqueles pequenos seres que deixam suas casas por motivos diversos. Basta parar o carro no sinal e lá estão eles com a mão estendida. Nada falam, pois já têm a certeza de que entendemos seu gesto. Também não há necessidade. Para que falar? Sei que nem sempre dirão a verdade. Portanto não importa sua versão, para mim basta ver seu estado e imaginar o que aquela criança já passou. Maus pedaços, imagino: família desajustada, pais alcoólatras, maus tratos, fome, abandono, etc. Dormindo sob as marquises, sendo espancados pelos mais velhos ou adultos, fugindo da polícia e sofrendo todo tipo de violência. Se usam drogas, pouco importa. Será que um de nós, vivendo aquela vida, não usaria?

Bem tudo isso parece muito sério e até constrangedor, para nós que nos encontramos dentro de nosso carro, com todo conforto, nem o calor nos afeta, pois o ar condicionado cuida de baixar a temperatura.

Mas certo dia notei mais alguém no mesmo cruzamento, “pilotando” uma cadeira de rodas, a pedir moedinhas. Aquele sim, todos ajudavam, tinha aparência de um deficiente que não podia trabalhar e estava sempre maltrapilho, assim como seus colegas mirins. Disputavam as moedas dos passantes de igual para igual.

Minha mulher sempre me dizia para manter no console algumas moedas para satisfazer a carência daqueles pobres pedintes.

Muitas vezes eu deixei a minha moedinha nas mãos daquele “paraplégico” da cadeira de rodas. Preferia dar a ele que aos garotos, sempre pensando que usariam o dinheiro para comprar drogas. Algum tempo depois, assistindo o jornal local, pela TV, fiquei surpreso ao ver que era sobre aquele “cadeirante”.

Não sabia que próximo ao sinal de trânsito existia uma câmera, dessas que fiscalizam tudo, utilizadas para prevenir crimes.

Pois essa câmara flagrou o pseudo deficiente, levantar-se da sua cadeira de rodas, com toda desenvoltura e correr atrás de um dos garotos pedintes.

Foi aí que a policia o autuou e levou para o distrito, onde confessou que por estar desempregado, resolveu faturar uns trocados e gostou da idéia, pois a prática de esmolar lhe rendia mais que o emprego que havia perdido.

Vivendo e aprendendo...

Autor: Nêodo Ambrósio de Castro - Eugenópolis/MG

Publicação autorizada pelo autor através de e-mail de 25/10/2011

sábado, 18 de fevereiro de 2012

Um amor violento - Autor: Nêodo Ambrósio de Castro

Eu me lembro bem do Valdevino. Eu o conheci, quando morei em Maravilha do Sul. Sujeito que falava grosso, era também um pouco grosso no trato com as pessoas. Tinha uma próspera propriedade rural, que herdou do pai, mas morava na cidade. Era mais cômodo, pois sua esposa, Dona Martinha era professora no Grupo Escolar.

Sempre nos encontrávamos no clube, nos dias de domingo, e ele sempre bebendo a sua cerveja em companhia dos seus amigos.

Vez ou outra levava suas filhas, três meninas que ele adorava, fazia todos os gostos das pequeninas.

Discutia muito política e futebol. Gostava do Vasco da gama, era o seu time do coração, herança de seu falecido pai, se quisesse uma briga com ele era só falar mal do Vasco. Brigava por qualquer motivo, bastava um pequeno desentendimento, um bate-boca e logo partia para a agressão. Diziam que tinha o pavio curto. Coisas lá do Sul.

Com a esposa, dona Martinha, estava sempre em litígio. Qualquer coisa era motivo para uma discussão que algumas vezes acabava em agressão e até em separação.

Dona Martinha não dava muita sorte, seus pais também eram assim, falavam as más línguas que era culpa da mãe dona Santinha que estava sempre aprontando com o senhor Josué, seu marido. Também brigavam muito e às vezes, ela, nem podia sair de casa por causa dos olhos roxos de porrada. Cabra macho esse tal de Josué. Bastava dona Santinha dar uma furtiva olhada para o lado e começava os beliscões e quando chegavam em casa, não tinha jeito, dava logo discussão.

Brigaram tanto que acabaram morrendo juntos e brigando. Por causa de uma besteira a toa, Josué, vinha da cidade vizinha, com dona Santinha e começou a discussão, dentro do carro mesmo, os palavrões os empurrões até que desgovernado o seu carro caiu ribanceira abaixo e não sobrou nada. Morreram os dois, brigando, para não desagradar as más línguas que diziam que nasceram e morreram brigando.

Com Valdevino foi um pouco diferente. Diziam que ele também, era igual o sogro. Ciumento não gostava de ver a mulher conversar com outro homem. Quando isso acontecia, ficava uma fera, chegava em casa já bêbado e começava a quebrar tudo, até que quebrava a cara da própria mulher. Depois disso, já satisfeito voltava para o botequim e bebia até cair. Isso quando não arranjava uma briga, sempre com dois ou três, para mostrar que era cabra macho. Depois de muito machucado era comum passar a noite na cadeia, único lugar que conseguiam levá-lo, mas só depois de beber até ficar pra lá de bêbado. Ninguém era besta de querer arrastá-lo naqueles momentos, para a carceragem, a menos que já estivesse derrubado.

No dia seguinte, morto de vergonha das arruaças que aprontara na noite anterior, metia a cara para a sua roça e lá ficava alguns dias curtindo a dor de cotovelo e a saudade da mulher Martinha. As vezes isso durava dias.

Dona Martinha, gente boa que não guarda rancor, pouco ligava para onde seu marido andava. Sabia que ele curtia a vergonha e se esburrando de cachaça, na fazenda, e dormindo pelo chão. Depois de semanas, quando não agüentava mais, voltava para a cidade, com a desculpa de ver as filhas, das quais sentia muita saudade. Ia chegando, devagar, como quem não quer nada. Parava na venda do Beto e lá comprava aquelas bugingangas que criança adora e muito doce (balas, pirulitos e chicletes). Detestava ver as filhas mascando chicletes, estragavam os dentes, mas naquela hora tinha que fazer vista grossa, senão as coisas ficavam mais difíceis para ele.

Com essa desculpa ia chegando. Abraçava as crianças, distribuía os presentes e quando dona Martinha estava, ia logo perguntando se estava precisando de alguma coisa. Como havia passado aqueles dias e ia falando, justificando, fornecendo detalhes da fazenda. A vaca branca deu cria. Precisa ver que bezerrinho bonito, todo branquinho que nem a mãe. Está dando muito leite. Vamos aumentar a cota. O girardo, (um dos cães da fazenda) coitado, está com bicheira no rabo. Vive se coçando na cerca da horta. Não sei que fim ele terá, pois não deixa ninguém chegar perto para tratar.

Ah! Encontrei com o seu Nenzinho e a mulher, mandaram lembranças.

Assim começava o diálogo entre eles. Dona Martinha, santa mulher, um pouco nervosa – puxou a mãe –,mas não guardava rancor. Sempre acolhia o Valdevino e assim ficavam algumas semanas, às vezes meses sem briga.

Era bom, segundo dona Martinha. - Quando não bebe, é o melhor homem do mundo. Me dá muito carinho, até ajuda no serviço de casa. Mas depois da bebedeira é um inferno. Tenho que agüentar a mesma ladainha. Palavrões e até pancadas. Mas é só uns dias na fazenda e volta que nem gatinho manso.

A vida de Valdevino e dona Martinha era mesmo assim não havia jeito de mudar. Fizeram promessas, novenas, até levaram os dois para o famoso Encontro de Casais com Cristo. Mas igual a tudo que faziam, durou pouco. Alguns encontros algumas reuniões, rezas leitura da Bíblia, conselhos, depoimentos até que um dia o mais animado do grupo, o famoso Amaro inventou uma confraternização no domingo. Churrasco com asinha de frango, lombo e picanha na brasa e cerveja à vontade. Até o padre foi convidado. Antes da festa houve corrente de oração e muita conversa saudável, até que à medida que o estoque de cerveja ia baixando, o clima ia se tornando mais tenso. Dona Martinha não podia levantar-se da mesa nem para ir ao banheiro que o Valdevino torcia a cara. E quanto mais contrariado, mais cerveja tomava. Com a cara cheia de cerveja e mal agüentando-se nas próprias pernas, entendeu que sua mulher estava de prosa com um integrante da turma. Foi alimentando aquele ciúme infundado, até que, num gesto brusco, que lhe era bem natural, sem mais nem menos, agarrou dona Martinha pelo braço, chamou as crianças e gritou vamos embora. Não houve um até logo, até outro dia, tchau. Se mandou arrastando a mulher e as filhas.

Ninguém entendeu, nem o Padre que sempre compreendia as atitudes impensadas dos seus fiéis. Por que eles se foram? Estava tão bom. Será que se aborreceu com alguma coisa? Não, disse o Padre. Ele só teve uma pequena crise de ciúme amanhã estará tudo bem e ele até irá pedir desculpas pela saída inesperada.

Mas isso não aconteceria.

Valdevino, à medida que caminhava para casa, empurrava dona Martinha e gritava com as filhas. Anda moleza parecem lesmas.

Foi só fechar a porta da casa e começou, de novo o tal inferno, tão temido e esperado por dona Martinha. Palavrões, socos nas paredes, quebra-quebra, até que veio aquele punho em direção ao seu rosto e ela sentindo um impacto violento, como uma batida contra uma parede de pedra, desabou e lá ficou estendida no chão da copa e as filhas gritando por socorro. Apavorado, Valdevino se mandou.

Na fazenda fez o que lhe era costumeiro. O garrafão de cachaça, os palavrões que falava com ele próprio e foi bebendo e a cabeça rodando até que caiu desmaiado no meio da cozinha da casa.

De manhã a mulher do caseiro o encontrou e logo foi chamar o marido, o Murilinho, a quem pediu ajuda. Colocado na cama só levantou lá pelo meio dia. Estava muito envergonhado e desconsolado o Valdevino. Foi para a varanda do casarão e lá passou a tarde toda, não quis conversa com ninguém nem saiu para o pasto ou para a roça.

Ficava de olho fixo naquele pé de goiaba que havia na frente da casa. Quem o visse, naquele estado, diria, logo, que havia parado de pensar.

Mas lá ficou até o anoitecer. Quieto, sem falar nada. Só pensando.

No outro dia, bem cedo, foi até o porão da casa, onde guardava os arreios dos cavalos e outras tralhas. Escolheu uma corda, dessas usadas para amarrar cavalo brabo e encaminhou-se até a frente da casa. Subiu no tal pé de goiaba. Bem lá em cima. Amarrou, com bastante cuidado, a corda, experimentou a sua resistência e a do galho, certificou-se que agüentava o seu peso e depois de tudo pronto, fez um laço na outra ponta, engatou no próprio pescoço e se atirou. Esperneou um pouco, mas logo ficou imóvel. Ali ficou não se sabe por quanto tempo, mas quando o acharam já estava frio.

Chamaram todos os vizinhos, Murilinho, o caseiro e o seu Nenzinho o vizinho mais próximo, conseguiram cortar a corda e o corpo despencou lá de cima. Levaram para a copa da fazenda onde havia uma mesa enorme feita de taboas grossas e lá o deitaram. Nem precisa de médico, para ver que está mortinho, disse o seu Nenzinho.
Dirigiu-se ao caseiro e disse: - Vá até a cidade e comunica os parentes para ver o que vão fazer com o corpo.

E lá foi o Murilinho de olhos arregalados, ainda não acreditando no que tinha acontecido, foi logo à casa da viúva e, sem rodeios, contou como achou o corpo do Valdevino.

Deu-se, então, o enterro, a choradeira, que foi mais dos estranhos do que da família, cessou rapidamente quando o corpo desceu à sepultura que foi tampada com a terra. Dali, cada qual para a sua casa, uns um pouco assustados outros aliviados, com uma certeza, não haveria mais quebradeira, palavrões e manchas roxas nos olhos da dona Martinha.

Autor: Nêodo Ambrósio de Castro - Eugenópolis/MG

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Publicação autorizada através de e-mail de 06/11/2011