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terça-feira, 1 de abril de 2014

Consultório de um cardiologista

Autor: Ciro Fonseca

Quatro homens sentados numa antessala de um consultório de um cardiologista. O que aparentava ser mais velho olhou para o do lado e perguntou:
-Você já teve um...
-Já, afirmou o homem com certo orgulho. O outro que estava em frente, afirmou rispidamente:
-Pois eu já tive dois, e dos grandes, quase que bati a caçoleta.
Pra quem não sabe, no linguajar característico dos cardiopatas, este um, significa enfarto do miocárdio.
O papo continua, pois o cardiologista ainda não havia chegado e, a conversa mudou de repente para o resultado dos hemogramas.
- O meu bom está alto e o meu ruim está baixo.
- Parabéns!
Os parabéns pode esconder a inveja. Exames de sangue são como exames de escola. Há os que passam e há os que não passam. E não adianta tentar colar do hemograma do vizinho.
O papo continua desanimado até que o primeiro perguntou
- Você faz caminhada regularmente?
- Não, cadê o tempo?
- Faz como eu, compra uma bicicleta ergométrica. Nem precisa sair de casa, pode-se usar com qualquer clima.
- Você faz bicicleta ergométrica quantas vezes por semana?
- Nenhuma, cadê tempo?
Mas é no papo dos safenados que o espírito de competição aparece com muito mais força entre os cardíacos. A hora de cada um dizer quantas pontes fez, é um pouco como a hora de mostrar o jogo no pôquer
- Tenho duas safenas e uma mamária.
- Ganhei! Tenho três safenas e duas mamárias
(Três safenas e duas mamárias equivaleriam a um full hand no pôquer. Pode ser batido, mas não facilmente).
Para os sãos e os leigos não se sentirem diminuídos, é bom explicar, que pontes de safena, são feitas com as veias safenas que nós temos nas pernas. Como elas não fazem muita falta nas pernas, pode-se especular que foram postas ali já prevendo a sua eventual utilização, como sobressalentes, por alguma força superior com um senso de humor discutível. As mamárias são veias que já estão no tórax e são apenas desviadas para outros fins, do mesmo jeito que faz o governo com as verbas da educação e saúde. As mamárias são mais confiáveis do que as safenas, isto talvez se deva ao fato de as safenas emigrarem da perna para o peito, onde precisam se ambientar, conhecer os novos vizinhos. Enquanto as mamárias já são da área.
Eu ainda não posso nem de longe fazer parte deste seleto grupo, pois tenho ido ao cardiologista por conta de uma ardência no peito, que aparece após algum tipo de esforço físico mais vigoroso. Uma simples angina.
Conheci um cara que tinha três safenas e uma mamária, algo como uma trinca de azes. Este sim, não faria feio numa roda de safenados, e certamente teria humilhado a muitos. Mas sempre vai aparecer alguém para dizer. Eu tenho um marca-passo, e estou na fila do transplante. Isto equivaleria a um Royal Street Flash.
Sempre tem um mais exibido.

Autor: Ciro Fonseca - Rio de Janeiro/RJ

As Cuecas e o amor

Autor: Ciro Fonseca

Eu não sou absolutamente um retrógado. Apesar de ter nascido no final da segunda grande guerra mundial, acompanhei todos os avanços tecnológicos e todos os avanços científicos do mundo de hoje. Andei de bonde, lotação, charrete e bicicleta, hoje tenho o meu carro com ar condicionado, freios ABS, trava e vidros elétricos. Tenho os meus cartões de crédito, celular, tablet, computador devidamente turbinado pelo meu filho, que é um expert no assunto. Mas se tem uma coisa que eu tenho resistido através de todos estes anos, é o uso dessas cuecas tipo Zorba, que o pessoal chama de sunga. Sabe, eu sou daqueles que gosta de criar o bicho solto, a vontade. Eu gosto mesmo é da minha velha cueca samba canção, coisa que deixava a Arlete minha mulher, bem à vontade, segura, com relação a outras mulheres. Pensava ela: - “homem que usa cueca samba canção, não trai. Você pode desconfiar de alguma coisa de um homem assim? Vou dizer uma coisa, cueca é caráter”. E esta segurança durou até que a cueca samba canção virou moda de novo. A princípio eu resisti às cuecas de seda, estampadas, mas finalmente, me rendi aos ditames da moda, e hoje já uso cuecas samba canção de todas as cores. Mas a partir daí, percebi claramente uma mudança no comportamento de minha mulher, ela passou a ficar desconfiada, ciumenta, e dizia para as amiga: - “Ele não vai ter mais vergonha de tirar as calças na frente de outra. Pode até dizer que ele não tem culpa. Não foi ele que mudou, foi a moda. Continua o mesmo homem sério e conservador. Não foi ele que resolveu sair para a vida, a vida é que veio atrás dele. Vou ter que ficar de olho. Agora sim. Olho vivo!” Eu continuo a viver a minha vida, completamente integrado aos dias de hoje, mas fazendo e vestindo o que gosto e acho mais confortável. Mas dou a razão as desconfianças e cuidados da minha mulher, pois afinal, quem vê cueca não vê coração.

Autor: Ciro Fonseca - Rio de Janeiro/RJ

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Amigos insanos

Autor: Ciro Fonseca
 
Como eu já disse em algumas crônicas passadas, eu sempre gostei de jogar futebol. Nunca cheguei a ser um craque, mas cheguei a jogar em times da terceira divisão, aqui pelas bandas do Rio de Janeiro. Bem mais tarde, já na meia idade, continuei jogando em campeonatos de veteranos, e no Guanabara F.C. Clube sediado na cidade de Santa Cruz, situada na zona oeste do Rio de Janeiro, disputei o “campeonato dos cansados”, até a idade de mais ou menos 55 anos.

Era um campeonato organizado, com regulamento, juízes federados, súmulas, que eram analisadas por uma comissão disciplinar. Participavam 10 times, todos patrocinados por comerciantes locais, que davam as camisas com o logotipo de suas lojas ou indústrias. Um desses times em que eu jogava era denominado “Toca Móveis”, cujo proprietário chamava-se Edson.

O Edson era um dos caras mais gozadores que conheci, vivia de brincadeira, e o time perdendo ou ganhando. Pra ele era motivo de muita gozação depois dos jogos.

Certo dia resolvi passar na loja no Edson, para comprar uma bi-cama para o quarto dos filhos, pensando em ganhar um bom desconto, pois afinal era titular da lateral direita do time dele. Chegando à loja, estacionei o carro em frente, e fui perguntando a um empregado. O Edson está? Está almoçando, disse o rapaz sorridente. Mas a casa dele fica nos fundos da loja, dá um pulo até lá, tem um portãozinho bem aqui do lado, disse ele apontando.

Eu não me fiz de rogado, afinal o Edson era um cara sem frescura nenhuma, dirigi-me ao portãozinho que estava apenas com um trinco, empurrei e fui entrando num quintal bem tratado e bastante arborizado, já estava chegando perto da varanda da casa, quando reparei numa placa que dizia: “Cuidado com o papagaio”. Dei uma boa risada, pois devia ser mais uma gozação do Edson. De repente, lá da varanda, ouvi uma vozinha que gritava bem alto: Pega rex, pega rex ! O latido que veio dos fundos da casa devia ser de um cachorro enorme, pois nem parei para olhar para trás, quando pulei o portão de volta para a rua. Era o maldito papagaio que instigava o cachorro. Dentro da casa, o Edson se mijava de tanto rir.



Autor: Ciro Fonseca - Rio de Janeiro/RJ

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Criador X Criatura - Autor: Ciro Fonseca

No momento estou lendo um livro de Stephen King, chamado “LOVE”, este livro tem nada mais nada menos que 542 páginas. E eu fico a pensar de onde o autor consegue tirar tanta inspiração. Quanto tempo, quanto suor imaginativo, o escritor deve ter despendido até considerar a sua obra criativa como terminada.

Tem gente que ainda acha que escrever é coisa de preguiçoso, de quem não tem nada mais produtivo para fazer. É claro que eu estou falando de escritores consagrados, aqueles que debruçam em cima de um texto e só sossegam depois que eles criem corpo e alma. A minha pequena experiência a respeito do exaustivo desafio de escrever, é que a relação entre o sujeito e o texto, nem sempre é amistosa, muito pelo contrário, aqueles que pensam que escrever é um ato rotineiro, e não implica num enorme esforço para encontrar a inspiração.

É um verdadeiro trabalho braçal para desenvolver as ideias e aprimorar o texto. É preciso ir fundo em si mesmo, encontrando meio e modos de colocar no papel, desculpem no computador, as suas verdades e observações próprias. Escrever é uma forma de meditar, de exercitar o pensamento, deixar que ele flua livremente pelos recônditos mais íntimos de sua mente. Quem deseja escrever não deve pensar no sucesso e sim nas pessoas com quem seu texto vai se identificar, muitos ou poucos, não importa.

Existem algumas situações em que o texto em construção fica sob absoluto controle, como se a gente dissesse, olhe aqui, quem manda em você sou eu! Você vai fazer aquilo que eu te ordenar, mas nem sempre isso acontece, às vezes, o texto fica insubordinado, assume ares de pura arrogância e ganha alma própria, e se nega a entregar-se ao seu controle. Vez ou outra eu tenho vivido com esse constrangimento aqui em casa. O meu computador é testemunha muda desta humilhante situação, e para provar o que eu digo, existem nele vários textos rebeldes, incompletos, que fincaram pé e se negaram a serem concluídos e ficaram no meio do caminho, numa pasta de minha máquina, que eu chamo de incubadora.

Apesar dos pesares, escrever é um ato de entrega, é a arte de dar forma ao que se agita no limbo de sua mente criativa, é o fluir boêmio de pensamentos e ideias.

“E como já dizia o nosso Arthur da Távola: “Escrever bem, não é repetir o que já foi escrito: é servir-se do que já foi dito para dizer pela primeira vez. É surpreender o lugar comum como a um inimigo e libertar a verdade que lá jazia, prisioneira da repetição. É ser novo e inaugural no que é velho e comum ao ser”.

Fico satisfeito quando alguém se atreve a ler as bobagens que eu costumo escrever (e talvez por pura educação), as elogia. Muitas vezes eu acerto, e o texto sai completo e toma vida própria, como um filho. Mas, paciência, por que...

Um dia é do escritor e outro é do texto.


Autor: Ciro Fonseca - Rio de Janeiro/RJ

Blog do autor: http://cirofons.blogspot.com/
http://www.recantodasletras.com.br/autor.php?id=98617
Publicação autorizada pelo autor através de e-mail em 28/11/2011

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Será que as coisas mudaram tanto? - Autor: Ciro Fonseca

Quero que fique bem claro que já tenho 68 anos bem vividos, já vi e também já fiz muita coisa que às vezes não tinha muito sentido na vida. Fui da geração do Rock’N Roll, e em 1955 quando eu tinha apenas doze anos, Bill Halley gravou “Rock around the clock”, logo depois Elvis Presley gravou “The sum sessions” e depois vieram Little Richard, Chuck Barry. E outros.

Os Beatles só apareceram em 1962 com “please, please me”. Mesmo ano em que apareceram Bob Dylan e os Beach Boys. Vivenciei o movimento “Paz e amor” dos Hippies, como uma grande maioria dos que escrevem por aqui. Eles defendiam um mundo de paz, sem armas nucleares, defendiam a natureza, o nudismo e a emancipação sexual.

Às vezes fico a imaginar uma comunidade como a nossa, reunida naquele tempo. Vejo o amigo Luiz (Yamânu) de cabelos longos e barba comprida (não mudou nada), junto com o Gilberto Dantas de rabo de cavalo preso por um tira de couro, o Paulo Rego com o seu violão com uma cruz de madeira no pescoço, O Seminale, enrolado numa bandeira do flamengo, cantando mantras em louvor a Shiva e, juntos, ao redor de uma fogueira, Tomando um inocente chá de cogumelos (Do sol).

Não tomo nenhum tipo de medicamento, pois não sou portador de nenhuma doença crônica, atualmente não pratico nenhum esporte, mas joguei futebol até os meus cinquenta anos de idade. Gosto muito de estar atualizado com o que acontecendo na minha cidade e no mundo. Mas, quero dizer que tem algumas coisas no mundo de hoje, que eu tenho uma tremenda dificuldade em compreender.

Querem um exemplo? Caso você estiver andando num Shopping e se deparar com um tênis sujo e surrado na vitrine, não se assuste. O tênis sujo velho e surrado trata-se do mais novo lançamento da Nike. Isso mesmo, Lançamento! A Nike recuperou o modelo do clássica Nike Air Tailwind 79, o primeiro tênis da marca que recebeu a tecnologia de amortecimento a ar, e o reproduziu com a aparência de velho, isto é desbotado e sujo.

Já é bastante comum encontrar nos shoppings e lojas para jovens, jeans novos com aparência de velho e devidamente rasgados em vários lugares. Isto mesmo rasgados!

No meu tempo a coisa era diferente, mas confesso, já passei muita agua sanitária nas calças Lee para que elas ficassem mais claras na bunda e na parte das coxas, Já as ralei com aquelas pedras de fogo para que ficassem mais macias e com a aparência de velhas.

É, pensando bem a coisa não mudou muito não, eu é que estou ficando velho, e acabo me esquecendo das muitas merdas que eu aprontava junto com o meu Fusquinha o “ Geribaldo”. Vestindo a minha desbotada calça Lee, camiseta branca, blusão de couro, com um cigarro Minister no canto da boca, fazendo pose de James Dean suburbano.

É, acho que as coisas não mudaram tanto assim.

Bons tempos aqueles...

Autor: Ciro Fonseca - Rio de Janeiro/RJ




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Publicação autorizada através de e-mail de 07/05/2012


domingo, 1 de abril de 2012

A melhor idade - Autor: Ciro Fonseca

A coisa geralmente começa por volta dos cinquenta e tantos anos (mais cedo do que alguns comentam), vai despontando como uma dorzinha chata na base da coluna lombar, que nos impede de vestir as cuecas como um verdadeiro varão; De pé, uma perna de cada vez, se equilibrando num pé só. Pouco tempo depois já nos impede de dar o laço no cadarço dos sapatos, o que nos obriga a usar somente calçados esporte, sem cordão, ou ter que sentar, cruzar uma perna de cada vez para amarrar os danadinhos.
Depois vem o óculo tipo meia taça para a miopia, os medicamentos para pressão, as visitas periódicas ao cardiologista, ao oftalmologista, ao ortopedista e ao urologista. Há, o urologista, este é um capitulo a parte que merece ser contado com a devida calma. Em virtude disto tudo começam as caminhadas obrigatórias, o que nos torna atletas barrigudos e sonolentos a caminhar pelos calçadões da vida, doidos para parar, recuperar o fôlego e tomar uma cerveja geladinha.
E o ridículo da hidroginástica que coloca uma cambada de velhotes e velhotas com uns macarrões coloridos nas mãos, dando saltinhos suspeitos numa piscina pré-aquecida, comandados por uma boazuda, que pela opinião dos velhinhos deveria dar a aula dentro da piscina também, e aí ela ia ver pra que serve o macarrão.
Tá pensando que o negocio para por aqui? Não, isso é só o começo, depois você começa a ser surpreendido por algumas palavrinhas que desaparecem como por encanto de sua memória bem no meio de uma conversa, você de repente esquece de datas importantes, como o aniversário de casamento, aniversário dos filhos e até o da sua mulher.
Mas não se desespere, nós temos muitos quilômetros rodados, nós sabemos de tudo, e o que não sabemos a gente inventa, existem outras mil coisas que você pode fazer, após atingir o que convencionaram chamar de terceira idade. O baile, por exemplo, você vai se divertir a valer tirando uma velhota gorda para dançar uma valsa, ser pisado por ela, o que pode até provocar um ataque de risos na coitada e você ainda acabar com a dentadura dela dentro do bolso de fora do seu paletó, aquele que antigamente colocavam um lencinho branco. Você também pode jogar damas na praça, dominó, sueca, e jogar também aquele joguinho de cartas com dois baralhos, com morto. Aquele jogo... aquele jogo..., poxa, não consigo me lembrar o nome daquele bendito jogo.

Autor: Ciro Fonseca - Rio de Janeiro/RJ
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Publicação autorizada através de e-mail de 07/02/2012

sábado, 25 de fevereiro de 2012

O paletó - Autor: Ciro Fonseca

Lourival era um típico funcionário público dos anos sessenta. Era arquivista do Ministério da Industria e do Comercio, que ficava situado no antigo prédio do Edifício da “Noite” na Praça Mauá; Pegava no trabalho invariavelmente às 11:30 h, e o expediente se estendia até as 17:30 h quando o grosso livro de ponto era trazido por um contínuo meio sonolento, que também era encarregado de fazer todos os dias o jogo do bicho do pessoal, num bicheiro que havia numa escadinha atrás do Edifício do Ministério. Lourival gabava-se ser um funcionário pontual, chegava sempre antes do horário de entrada, mas era só isso, porque o resto do dia, o que valia mesmo era a presença do velho e desbotado paletó posicionado na cadeira, e o nosso herói passava o dia inteiro ou no salão de sinuca ou tomando um chopinho no bar do Zica, que ficava bem no andar térreo do respectivo Ministério, ou também disputando os inúmeros cafezinhos num joguinho tipicamente carioca chamado purrinha. E assim os dias iam passando, os meses, os anos, e o paletó sempre dando cobertura às artimanhas administrativas de Lourival.

Numa sexta-feira, o nosso amigo saiu às 12:30h para almoçar como era de costume, numa pensão na Rua Sacadura Cabral, que servia uma feijoada de dar água na boca de nordestino do polígono da seca; e entre uma caipirinha ou outra, depois de devorar toda a feijoada e mais duas laranjas, Lourival começou a ficar vermelho que nem pimenta dedo de moça, logo logo passou a ficar amarelo, e pronto, bateu com as dez, isto é, definitivamente caiu mortinho da silva. O dono do Estabelecimento um espanhol malandro, querendo se livrar do “presunto” colocou-o rapidamente num táxi e o levou para o Souza Aguiar e o largou na porta da emergência. Acontece que o Lourival havia deixado como sempre fazia, todos os seus documentos do bolso interno do famoso paletó e acabou sendo levado para o necrotério como “um homem desconhecido”, e como não tinha esposa, pois era um solteirão convicto, e nem família no Rio de Janeiro, e por causa da presença invariável do paletó, ninguém reparou no seu desaparecimento, e o pobrezinho foi enterrado como indigente.

Dias se passaram, e quando alguém por acaso perguntava por ele, a resposta era sempre a habitual, ele está por aí, olha o paletó dele na cadeira. Semanas se passaram, até que um colega que também encarava a famosa feijoada das sextas-feiras, acabou descobrindo que o Lourival passara desta para melhor. Voltou cabisbaixo para repartição (era assim que chamavam na época), e logo ao entrar, foi dando a infausta notícia; Vocês não sabem da maior, Lourival fechou o paletó. Que fechou que nada, despejou um gordinho que se sentava na mesa ao lado, Lourival está por ai, olha só o paletó.

Autor: Ciro Fonseca - Rio de Janeiro/RJ

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pelo autor através de e-mail de 08/02/2012

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

O mendigo - Autor: Ciro Fonseca

          Positivamente o dia não começou bem. Levantei atrasado e fui direto para o banheiro para o banho matinal, o maldito chuveiro elétrico estava muito quente o que me fez lembrar que eu tinha que pagar a conta de luz que já havia vencido. Aprontei-me correndo e mal tive tempo de tomar o cafezinho e fui logo aquecendo o carro para sair, quando observei que o ponteiro de combustível estava perigosamente perto do reserva, sai em alta velocidade para tentar compensar um pouco do tempo perdido mas confesso que os quebras-mola que tanto me irritavam hoje parece que estavam maiores e mais próximos do que os de costume. Parei no posto de gasolina para abastecer, paguei com o cartão de crédito o que me fez lembrar que a fatura do mesmo já havia chegado e precisava ser paga, rumei em direção da Avenida Brasil com os pensamentos voltados para os compromissos do dia, para a conta de luz, de água, telefone, cartão de crédito, etc. que por pouco não avancei um sinal que já estava no amarelo. Impaciente, com o carro já engrenado em primeira marcha, foi quando deparei com uma cena que mudou o meu dia e talvez o resto da minha vida.

         Ele era um mendigo ainda jovem, descalço, com as calças sujas e rasgadas, no ombro desnudo carregava um velho cobertor que o tempo já tinha descolorido e que parecia ser a sua única e derradeira posse. O seu tesouro, mas o que mais chamava a atenção era o seu olhar despreocupado, a cara de felicidade e o sorriso estampado na boca que faltava um dente; Atravessou a rua bem em frente ao meu carro parado, com a cara feliz e quando chegou do outro lado, abaixou-se e apanhou no chão uma guimba de cigarro acesa que rapidamente levou a boca e sorveu a fumaça com avidez enquanto resmungava umas palavras ininteligíveis, agora com o sorriso mais largo e com os olhos úmidos de prazer e felicidade. O sinal abriu e eu arranquei com o carro levando comigo os meus problemas, minhas preocupações, minhas contas a pagar, mas aquela cena simples de rua, com aquele mendigo que nada tinha, mas parecia ter tudo, mudou o meu dia para melhor e talvez tenha mudado a minha ótica de vida toda.

Autor: Ciro Fonseca - Rio de Janeiro/RJ
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Publicação autorizada pelo autor através de e-mail de 10/10/2011

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Farra de cupins - Autor: Ciro Fonseca

Já estou a mais de meia-hora olhando para o teclado do computador e, nada. A tela do editor de textos continua em branco, com aquele tracinho preto na vertical piscando pra mim. A causa dessa alienação momentânea não se deve a nada físico nem espiritual, é que tem um miserável d’um cara, mexendo no telhado da minha residência. Por quê? Perguntariam vocês. Imaginem? Não é que deu cupim na madeira da minha querida casinha, e quando eu dei pela coisa, o estrago já estava feito. Os cupins fizeram a festa!
Pensei em chamar a polícia, os Bombeiros, a Defesa civil; afinal alguém tem que se responsabilizar por essa invasão domiciliar sem precedentes? E o meu prejuízo quem vai pagar? E a minha tranquilidade?
O miserável do cara está bem em cima da minha cabeça, com madeira, martelo e pregos, num tum, tum, tum, sem parar. Quando eu tento pensar em algum assunto para uma crônica divertida, lá vem o cara outra vez, tum,tum,tum. E o pior, e ainda vai me cobrar os olhos da cara por isto.
Tento me concentrar de novo na tela do computador e, tum,tum,tum, recomeça o maldito, agora com mais força! Minha cabeça parece que vai estourar.

Inevitavelmente meus pensamentos me levaram para algum tempo atrás, quando avistei nos fundos da minha casa, uma pequena trilha, que mais parecia um tunelzinho de formigas lava pé, que subiam desde o alicerce até a laje da casa. Desmanchei um pedaço da trilha, e nada vi, nem formigas nem nada. Aí eu pergunto, vocês já viram cupins? Nem eu tampouco. Mas foi justamente por causa da minha miopia, ou burrice que eu me ferrei todo, provavelmente eram eles, os cupins.
Tum,Tum,Tum, lá vem o cara de novo! Desta vez, tentei organizar meus pensamentos, mais foi pior, até porque eu comecei a enxergar em pensamentos, milhares de cupins com cara de Valérios, Delubios Soares, Malufs,(e outros que todos conhecem muito bem) com seus dentinhos vorazes arrasando tudo que viam pela frente.
Tum, tum, tum, tum, tum, Xi, o cara agora engrenou de vez. É melhor desligar o computador, porque já vi que hoje não vai sair nada que preste. Tum,tum,tum,tum,Tum.
Autor: Ciro Fonseca - Rio de Janeiro/RJ

Publicação autorizada através do e-mail de 28/11/2011

domingo, 27 de novembro de 2011

A inspiração - Autor: Ciro Fonseca

          Cá estou eu diante de uma tela em branco tentando arranjar assunto para uma crônica que fosse interessante, diferente, engraçada, bem no estilo do Jabour, que eu já disse mais de uma vez que sou fã de carteirinha e taxa de manutenção em dia. Mas, o danado do prato principal que é o assunto, o objeto da crônica, não consigo vislumbrar no mais escondido recanto da minha mente.

          Eu tenho uma técnica, que geralmente não falha, recorro ao velho e bom Dicionário, e folheando-o escolho uma palavrinha para dar o ponta pé inicial ao que eu gostaria de dizer, e a palavrinha que eu escolhi, foi casa. Vocês vão me perguntar? Casa, porque casa? E eu respondo, também não sei, bolas, mas foi a palavra que eu escolhi, assim meio como um acaso, e lá vai o que diz o Aurélio sobre essa palavra: Casa: “Qualquer construção, da mais humilde à mais suntuosa, destinada a habitação humana.” Isto é apenas um dos significados que encontrei, quando procurei a palavra no dicionário. Os verbetes são longos e tem um que diz assim: “Período de tempo, geralmente limitado a dezenas de anos; faixa: Ele já está na casa dos sessenta anos”. Pô, cara como é que ele adivinhou?

          Mas eu digo bem do alto da minha vasta experiência, que casa é o lugar onde a gente se encontra, onde a gente encontra tudo que quer e precisa, a tesoura, o orégano, o livro, os ingredientes para fazer um sanduíche bem maluco. A casa é onde a gente pode andar de olhos fechados, de luz apagada. A casa é a cama sempre pronta para descansar as costelas, casa é o repouso, o silêncio. Na falta da casa que é essa, podemos brincar de casinha no meio do mundo. Desde que haja silêncio. O silêncio é uma casa sem paredes. Alguém já disse isto, eu acho que sem pensar muito bem.

          Mas quem te falou que uma casa é silenciosa sempre? Tem dias que a cama range, o colchão resfolega, o chuveiro grita friamente por um novo, a roupa suja reclama no cesto o esquecimento, o texto não escrito, o macarrão não cozinhado, até o sono atrasado vira pesadelo.

          Tem certos dias, que a gente sente vontade de virar bicho do mato, porque diante de tanta coisa, tanto barulho, ser bicho do mato é ser mais do que meia velha esquecida dentro do sapato.

          E é justamente neste ponto da crônica, que se tenta achar uma frase de efeito, inteligente e engraçada para dar o toque final; Aquele toque, que deixa a pessoa que tem a paciência de ler, satisfeita por ter perdido o seu tempo.

          Já perceberam que estou enrolando, porque ainda não saiu nada que preste dentro dessa cachola, e ai, eu uso o recurso mais sacana da língua portuguesa, termino com uma frase que não é minha, e também não faço a menor ideia de quem seja e diz mais ou menos assim: Eu falo a língua de quem se desespera e depois amansa, sem desacreditar que a vida é poliglota, e que nos entende e atende mesmo quando a estranhamos.

           Bacana não. Tem bastante estilo, e pelo menos deu pra terminar.

Autor: Ciro Fonseca - Rio de Janeiro/RJ
Publicação autorizada através do e-mail de 10/10/2011