segunda-feira, 24 de outubro de 2016

O papagaio rezador

Meu querido compadre era conhecido como Zé do Meio. Carreiro dos bons veio morar de agregado, na fazenda de meu pai, lá pelo século passado por volta do ano de 1955.
Papai era apaixonado pelos animais pintados em branco e preto, cuja cor era conhecida como baietona. Zé, amansou várias juntas de bois, com as quais desempenhava com grande capacidade o papel de carreiro.
Substituiu outro carreiro, que após prestar serviços por muitos anos mudou-se para Goiás, o saudoso Vicente Roque, que me carregou no colo muitas vezes, agradando–me com as mais deliciosas balas doces, que chupei em toda a minha vida. Dois grandes amigos. Vicente me viu nascer, Zé do meio me viu crescer. Mais tarde tornamos amigos e compadres, íntimos, e confidentes. Ensinou-me muitos trabalhos braçais. Construiu minha primeira casa residencial, ele como pedreiro, e eu como servente. Além de carreiro, exercia a profissão de pedreiro. Contador de anedotas das mais cabeludas. Contava sempre as aventuras de um papagaio, danado de sabido, de propriedade de um fazendeiro onde, ele, Zé Meio fora criado. O papagaio muito sabido, em um dia de festa na fazenda, entrou para o banheiro, ventava muito e a porta se fechou. Um caboclo meio grogue querendo usar o banheiro batia na porta o cravo dizia: - tem gente! Daí a pouco o caboclo voltava, o mesmo ritual era repetido pelo cravo. Já de saco cheio o caboclo perdeu a paciência, meteu o peito na porta e entrou. O papagaio deu um berro de toda altura: – que bonito em seu tonto... E se eu estivesse cagando? – O cara pê da vida, pegou o papagaio torceu ele bem torcido e enfiou dentro da descarga de um caminhão estacionado no curral da fazenda. Algum tempo após, o papagaio voltou em si, começou a movimentar, muito tonto foi saindo aos poucos. Um grupo de jovens conversava por ali, quando um deles exclamou: - veja que troço engraçado saído deste cano de descarga! – Troço não... Cara... Eu sou mecânico dessa bosta, aqui... Veja como fala comigo chiem!
Tempos depois o patrão mudou-se para cidade. O papagaio tornando-se cada vez mais eficiente em seu aprendizado. Aprendeu a rezar e cantar os cânticos das procissões.
Descuidaram dele, suas asas cresceram, um belo dia ele fugiu. Passado um ano, mais ou menos, uma grande surpresa tomou de assalto à cidade, em coro sobrevoado, um bando de papagaios cantava o pai nosso na frente outro bando, um pouco atrás respondia exatamente como de costume nas procissões das grandes festas realizadas na cidade.
Segundo meu compadre o papagaio fujão evangelizou milhares de outros, que veio homenagear a padroeira da cidade.

Autor: Geraldinho do Engenho - Bom Despacho/MG

domingo, 16 de outubro de 2016

¨Escrever talvez seja tornar tangíveis os entrelaçados fios do pensamento. Daí, surge a necessidade de criar histórias e sentimentos em forma de letras. Contá-las é um modo de entreter e viver outras vidas, por meio de cada personagem. Há semelhanças em se tratando de escrita, mas a maneira de apresentar cada fato, muda de uma narrativa para outra, fazendo a diferença entre ser ou não ser lido. Com certeza, a literatura ainda é essencial para muitos, ou seja, um prazer sem explicações. É um universo onde se pode colocar vida e expressar opiniões¨.

Blog Gandavos
Recife PE

Autor: João Batista Stabile

Eu sou casado e tenho um filho de doze anos, nasci em 28 de abril de 1961, em Presidente Alves interior de São Paulo, numa fazenda de café onde morei e trabalhei na lavoura até 1982 quando mudei para cidade e fui trabalhar em outra fazenda de café, onde fui escriturário e depois administrador. Parei de estudar em 1979 quando concluí o ensino médio como é chamado hoje.
Em 1989 mudei para Marília também interior de São Paulo onde moro e trabalho como Funcionário Público Estadual, em 1999 depois de vinte anos longe das salas de aula, ingressei no curso de Ciências Sociais pela UNESP – Universidade Estadual Paulista, concluindo em 2003, bacharelado e licenciatura.

Pergunta 1 - Quando e como surgiu seu interesse pela leitura e escrita?
Resposta - Enquanto eu trabalhava na zona rural não tinha tempo e nem interesse em ler, só depois de alguns anos trabalhando no estado já com mais de trinta anos, passei a interessar-me pela leitura. Quanto a escrever foi em 2010, já com quarenta e nove anos com um filho com seis anos, pensei em escrever como era nossa vida na fazenda, como as crianças e jovens viviam naquela época, as diversões, as dificuldades, enfim o cotidiano da vida rural nos anos sessenta e setenta, para que meu filho depois de grande lesse e tivesse uma ideia de como era nossa vida sem a televisão, computador, internet, celular e brinquedos eletrônicos.
Escrevi alguns textos e parei por um tempo, em 2012 por acaso encontrei o site Recanto das Letras e decidi publicar um texto, vendo os comentários das pessoas que leram, principalmente dos colegas do Recanto fiquei animado e escrevi outros. Quero registrar aqui que no Recanto das Letras a primeira pessoa que leu meu texto e fez um comentário carinhoso foi a amiga Maria Mineira, depois vieram outros que ela leu e sempre tinha uma palavra de incentivo, o que ajudou-me a continuar escrevendo.
Pergunta 2 - Quais foram seus livros preferidos quando era criança e os livros favoritos atualmente?
Resposta – Quando eu era criança não lia, na juventude só li os livros de leitura obrigatória para fazer trabalho valendo nota. Destes eu gostei muito de “A Ilha Perdida” de Maria José Dupré e “O Cortiço” de Aluísio Azevedo, depois de adulto os li novamente agora por prazer.
Quando comecei o gosto pela leitura eu li vários livros de José Mauro de Vasconcelos, José de Alencar, Francisco Marins, depois com o tempo muitos outros autores brasileiros como, Machado de Assis, José Lins do Rego, Erico Veríssimo, Jorge Amado, Aluísio Azevedo, Graciliano Ramos, alguns de Rubens Alves e somente “Grande Sertão Veredas e Sagarana” de Guimarães Rosa. Dos estrangeiros eu li Eça de Queirós, Dostoiévski, Tolstói, Charles Dickens, Zola e outros. Atualmente eu gosto de romances e contos nacionais ou estrangeiros.
Pergunta 3 - Quais escritores são suas fontes de inspiração?
Resposta – Quando comecei a pensar em escrever a leitura desses autores que citei e outros, ajudaram a amadurecer a ideia mas o que me inspira são as lembranças do passado, o cotidiano de uma vida simples, principalmente a rural que se perdeu com o avanço da tecnologia e a globalização.
Pergunta 4 - De que forma o conhecimento adquirido, seja pelo senso comum, ou pelo meio acadêmico, ajuda na hora de escrever?
Resposta – Eu penso que o conhecimento acadêmico pode dar a base e até moldar a forma de escrever, mas o conhecimento adquirido pelo senso comum é a bagagem necessária ao escritor, sem esta não é possível escrever.
Pergunta 5 - Segundo o escritor Rubem Fonseca, “a leitura, a palavra oral é extremamente polissêmica. Cada leitor lê de uma maneira diferente. Então cada um de nós recria o que está lendo, esta é a vantagem da leitura". É isso mesmo? Concorda com essa proposição?
Resposta – Concordo. O interessante da leitura é isso a possibilidade de viajar na imaginação, dar características aos personagens e cenários conforme os nossos conhecimentos e ler nas entrelinhas o que o autor deixou implícito no texto.
Pergunta 6 - Ainda segundo o Escritor Rubem Fonseca: “um escritor tem de ser louco, alfabetizado, imaginativo, motivado e paciente.” É o suficiente para ser um bom escritor?
Resposta – O escritor tem que ser alfabetizado, claro não tem como escrever se não for alfabetizado, motivado também, pois a motivação leva a imaginação necessária para escrever e paciente porque nem sempre as coisas saem como imaginamos.
Pergunta 7 - Para qual público se destina sua criação?
Resposta – Escrevo para pessoas comuns que tenha a capacidade de se encantar com as coisas simples da vida.
Pergunta 8 - Como funciona o seu processo de criação? Quais sãos suas manias (ritual da escrita)?
Resposta – Não sigo um ritual fixo para todos os textos, as vezes passa tempo sem ter uma inspiração, de repente uma cena, uma conversa, uma lembrança de um caso acontecido ou contado por alguém, surge uma ideia, aí sento e escrevo ou acontece também de ter uma ideia, aí fico pensando formando mais ou menos o texto na cabeça só depois sento para escrever. Mas nos dois casos eu escrevo tudo de só uma vez, conforme vem à cabeça, depois no mesmo dia ou no outro vou relendo, acrescentando alguma coisa, tirando outra, trocando palavras até ficar do meu gosto.
Pergunta 9 - Em geral, os seus personagens são baseados em pessoas que você conhece, ou são ficcionais?
Resposta – Os personagens dos contos que escrevi são baseados em pessoas que conheci, nos causos são ficcionais mas alguns destes tem características de pessoas conhecidas.
Pergunta 10 - Você tem outra atividade, além de escrever?
Resposta – Sou Funcionário Público Estadual e junto com minha esposa e meu filho fazemos alguns trabalhos voluntários na paróquia que frequentamos aqui em Marília, leio bastante e o pouco que escrevo é somente por prazer.
Pergunta 11 - Você faz parte das Coletâneas Gandavos. Qual a sensação de participar ao lado de escritores de várias regiões do país?
Resposta – Não. Mas gostaria muito de um dia fazer parte das Coletâneas Gandavos, tenho certeza que será uma experiência muito gratificante estar ao lado desses escritores, entre eles tem vários que conheço e admiro muito.
Pergunta 12 - O financiamento coletivo e a publicação independente têm se mostrado a opção das publicações Gandavos.  Quais são os pontos positivos e negativos desse tipo de publicação?
Resposta – Mesmo não tendo participado creio que não existe pontos negativos, o financiamento coletivo é uma forma de divulgar o trabalho do autores desconhecidos por um baixo custo, o que é interessante para todos.
Pergunta 13 – Você já fez publicação de livros sozinho, seja impresso ou virtual? Quais e como o leitor pode adquiri-los?
Resposta – Não.
Pergunta 14 - Qual mensagem você deixaria para autores iniciantes, com base em suas próprias experiências?
Resposta - Se você gosta de escrever, escreva se receber uma crítica aprenda com ela, se receber um elogio, procure melhorar ainda mais e lembre-se pode ter muita gente que não goste do que você escreveu, mas sempre tem alguém que vai gostar.

O puxador de terços

Meu pai muito católico mariano, desde jovem era rezador de terços (como diziam puxar o terço) nas fazendas onde morou. Ele contava algumas histórias acontecidas em tempos idos.
Contou-nos que uma vez foi chamado para rezar um terço numa fazenda vizinha, chegando viu a casa estava cheia de convidados, famílias vizinhas e muitas moças solteiras e ficou com vergonha, então chamou o dono da casa de um lado sozinho e disse, : “a casa está cheia de moças, estou um pouco  envergonhado, o senhor não  tem ai uma pinguinha para eu tomar um trago pra dar coragem?”. E o homem respondeu:  “sim tenho, vamos lá no quarto”. Foram os dois discretamente, ele tomou uma boa dose de cachaça, esperou um pouco e veio para sala começar o terço.
Dizia ele que o terço foi uma beleza, puxava muito animado e o povo respondia, inclusive as moças participavam bastante, vendo o seu desembaraço foram também contagiadas e todos deixaram de lado a timidez, rezando e cantando.
Essa aconteceu já na fazenda que fomos criados, mas quando era solteiro, depois que sua mãe morreu ele ficou morando sozinho, tinha como companhia um cachorro chamado piloto que não o deixava por nada. Uma noite sendo chamado para rezar em outra colônia que ficava bem afastada, chamada de porteira azul, devido a cor de uma porteira de madeira que tinha à sua entrada.
Quando saía para cidade ou ia para longe o cachorro ficava apenas olhando deitado no quintal da casa. Mas aquela noite o piloto quis acompanha-lo, não houve meio de evitar que fosse, então deixou-o mas ficou preocupado pois naquela colônia havia muitos cachorros e certamente haveria brigas.
Chegando à porteira meu pai teve uma ideia, havia do lado do mourão um pequeno arbusto, então pegando seu chapéu colocou em cima, mostrou ao cachorro e disse, piloto deita aí, o cachorro obedeceu ficou ali esperando.  
Rezou o terço, conversou com os amigos depois foi embora, chegando ao local, estava lá deitado o cachorro esperando-o, pegou o chapéu, agradou o piloto que o seguiu alegremente para casa.
Meu pai conheceu minha mãe também moradora da fazenda, casaram-se e viveram lá por trinta anos, todo esse tempo continuou sendo ele o rezador de terços.
Lembro-me quando era criança que muitas vezes ele saía à noite, dizendo que ia rezar um terço na casa de fulano, quando era longe porque a fazenda era grande ele ia a cavalo.
Naquela época tinha muitos terços durante o ano, fora aqueles em dias de festa, muitos a minha mãe e nós também íamos, depois de uma idade íamos mesmo que ela não fosse.
Chegando lá sempre já tinha alguns vizinhos que ficavam conversando com os donos da casa e nós brincando com as crianças até chegar todos os convidados ou pelo menos, dava o tempo para que todos chegassem.
No horário marcado chamavam as crianças para dentro reuniam todos na sala, meu pai colocava um óculos pegava um livrinho velho e lia com alguma dificuldade porque a luz era fraca e ele não tinha pratica de leitura.
Quando era segunda ou quinta feira rezavam-se os mistérios gozosos, terça ou sexta feira mistérios dolorosos, quarta, sábado ou domingo mistérios gloriosos.
Ele puxava o terço e o povo respondia, cantava um hino e todos cantavam juntos, no final era a ladainha eram tantos rogai por nós, que nós crianças achávamos que não acabaria nunca.
Terminado o terço era sempre servido um café ou chocolate, vinha uma pessoa da casa carregando uma bandeja com um bule e algumas xícaras, vez ou outra até serviam um pedaço de bolo.   
Tinha uma época que o povo fazia novenas, eram terços todas as noites, por noves dias, e nós crianças durante o dia ficávamos comentando sobre isso e discutíamos o que seria servido.
Antigamente parece que as pessoas eram mais religiosas e o catolicismo prevalecia, dificilmente encontrava-se uma família protestante.   
Onde morávamos havia apenas uma, nós crianças não entendíamos aquela diferença e víamos algo de misterioso naquela família, tanto é que quando íamos nas casas das colônias a mando das mães para convidar para o terço, passávamos distante e bem rápido em frente à casa deles, quase com medo que nos visse.
Esta passagem não tem nada a ver com terços, mas meu pai contou-nos que ainda no seu tempo de solteiro, aos sábados à noite quando não tinha terço nem baile, iam à cidade passear encontrar com os amigos e aos domingos alguns iam a missa. Numa dessas idas a cidade, na volta aconteceu um fato, no mínimo curioso.
Tinha três caminhos para a cidade, a estrada que saía da sede da fazenda, um trilho no meio do pasto que chegava a duas colônias e uma outra estrada que saía por uma colônia, chamada colônia nova e ia direto até a cidade.
Vindo da cidade para a fazenda, antes de chegar a tal colônia nova, havia um pau d’alho que todos diziam que era mal assombrado e em seguida uma pesada porteira de madeira.
Foi por essa estrada que ele voltava da cidade numa noite de sábado já de madrugada. Noite enluarada sem nenhum vento, ar parado, não se via mover nenhuma folha das árvores ou moitas de capim nas margens da estrada. Quando ele passava em frente ao pau d’alho a porteira abriu lentamente, ele arrepiado, tremendo passou e ela fechou da mesma forma sem bater, encostou suavemente ao mourão.
Mas meu pai não era só rezador, também tinha outras funções que ele executava eventualmente como voluntário, tosava e cortava cascos de cavalos e ainda uma que é inimaginável nos dias de hoje, aplicava injeções.
Geralmente o pessoal quando precisava iam à farmácia, dificilmente procuravam o médico só quando não tinha mesmo jeito. Havia na pequena cidade um farmacêutico que muitos costumavam dizer, (sabe mais que alguns médicos), assim recorriam a ele, dependendo do caso vinham com injeções.
Quem precisasse ia em casa à noite, se o doente não pudesse andar ou fosse pessoa muito idosa, meu pai ia até sua casa.
Lembro-me ainda pequeno de ver muitas vezes ele preparando injeções, pegava um estojo inox que tinha dentro umas duas seringas e algumas agulhas, pegava as que ia usar, virava a tampa do estojo e enchia com álcool, em cima colocava um suprtezinho de aproximadamente dois centímetros de altura e nele o estojo com água, seringa e agulha dentro, colocava fogo no álcool que até queimar todo fervia água para esterilizar o material.   
Nunca aconteceu nenhum caso de alguém passar mal por causa da injeção, reação ou alergia, apenas passavam medo vendo sua mão grande, grossa e pesada pelo trabalho na roça.
Este texto eu contei um pouco da vida do meu pai, um homem simples que nunca foi um dia numa escola, o que aprendeu foi com o seu pai que tinha algum estudo na Itália, quando veio para o Brasil aprendeu nossa língua e dava aulas para as crianças nas fazendas onde morou, à noite com a luz de lampião. 
Ele aprendeu a ler, escrever e fazer as quatro operações, o suficiente para se virar numa época em que o povo das fazendas eram na sua maioria analfabetos.

Autor: João Batista Stabile - Marília/SP

A casa velha

Morava na fazenda Gervazio, um caboclo solteiro de uns vinte e cinco anos, trabalhava na lavoura de café junto com sua família. Num dia de festa na vila dia do padroeiro depois da missa, numa grande barraca cercada de bambu rachado e coberta de lona, ao lado da igreja havia quermesse com muita comida, leitoas frangos assados, pastéis e outras iguarias e também diversas qualidades de bebidas.
Tinha também uma barraca de música onde um rapaz sentado atrás de uma mezinha controlava o som. Uma vitrola e diversos discos de cantores e estilos variados, a pessoa pagava um pequeno valor para escolher uma música e oferecer a alguém que ele anunciava no sistema de alto falante.
Gervazio estava do lado de fora da barraca, quando recebeu da mão de uma criança um correio elegante dizendo que alguém gostaria de conhecê-lo, ele rapidamente procurou uma das meninas que vendia os tais correios elegantes e comprou um. Pegando emprestada uma caneta, rabiscou uma resposta com alguma dificuldade pela falta de hábito de escrever, marcando um encontro, o local seria ao lado esquerdo da barraca do som junto a um poste da iluminação.
Feito isso entregou para criança o bilhete e foi para o local esperar, passado uns dez minutos ele teve até um frio na barriga, aproxima-se dele uma linda mulata de porte esguio, cabelos cacheados pelos ombros e um lindo sorriso com dentes muito brancos, Gervazio nem acreditava era Sofia que ele já conhecia de vista e morava na fazenda vizinha.
Ficaram passeando na pracinha em frente à igreja conversando, quando já estava na hora de irem embora ele a pediu em namoro, ela disse que aceitava mas que ele tinha que ir no próximo sábado na sua casa pedir para seu pai, e assim ficou combinado.
Depois de aproximadamente um ano de namoro Gervazio e Sofia decidiram casar, por tratar-se de famílias já conhecidas os pais não fizeram nenhuma objeção. O casamento foi marcado para o início de setembro assim que terminasse a colheita do café que era um período mais tranqüilo na roça.
Foi uma festança da boa, churrasco, leitoa assada, muitos frangos, macarrão, comida a vontade tinha também diversas espécies de doces, de abobora, batata, goiaba e o tradicional bolo.
Para beber numa festa dessas não podia faltar a cachaça, tinha cerveja e também refrigerantes. Vale lembrar que naquele tempo não tinha o conforto que temos hoje, com os vasilhames descartáveis, conforto este que está custando caro ao meio ambiente.
Os vasilhames eram todos de vidro e retornáveis, também naquela época nas fazendas ninguém tinha geladeira, então a cerveja e o refrigerante eram colocados num tambor daqueles de duzentos litros com gelo e palha de arroz para conservar mais tempo o gelo.
Assim que passou o casamento, o patrão de Gervazio fez-lhe uma proposta para que ele fosse tomar conta de uma fazendinha pequena se comparada com a que ele morava bem distante dali, ele aceitou e assim foram morar longe das famílias.
No início foi um pouco difícil acostumarem-se, era uma propriedade de uns oitenta alqueires onde cultivavam café, tinha um gadinho e uma tropa de serviço.   
O lugar era aconchegante, uma boa casa de tijolos bem arejada com uma varanda que pegava a frente e um lado, toda rodeada por árvores.
Saindo pela cozinha tinha o tanque com torneira para lavar roupa, água boa encanada de uma mina, logo para baixo do tanque tinha dois pés de jabuticabas, um pé de jaca, um de tamarindo, do lado da casa tinha um pomar com várias espécies de frutas e toda manhã eram despertados por uma algazarra de pássaros saudando a aurora.
Um pouco afastado tinha uma pequena colônia com seis casas para os empregados, na frente um terreirão para secar café e uma tulha, uma mangueira para o gado e outra dos animais de trabalho.
Sofia estava grávida quando se aproximava o tempo de nascer a criança, tudo mais ou menos calculado porque ninguém ia ao médico, Gervazio buscou numa fazenda vizinha uma parteira que era afamada na região, a trouxe para casa para acompanhar o final da gravidez.
Combinaram entre o casal que Gervazio buscaria uma irmã mais nova para passar um tempo com eles e ajudar a cunhada a cuidar da casa após o nascimento da criança.
Assim o rapaz deixou a esposa aos cuidados da parteira, recolheu a tropa no curral e escolheu dois animais para a viagem, para ele uma mula ruana forte e ligeira que ele gostava de usar para o trabalho de correr os serviços, e também um cavalinho baio marchador que era para trazer a irmã. 
Tudo arrumado para a viagem ele resolveu sair à noite, seria menos cansativo para os animais já que era uma longa distância, sendo mês de outubro fazia calor e o sol era muito quente.
Passado um pouco da meia noite, Gervazio calçou as botas colocou a guaiaca, do lado esquerdo uma faca do direito um revolver 32 e algumas balas, amarrou a capa de boiadeiro atrás do arreio, despediu da esposa e partiu.
Depois de aproximadamente uma hora e meia de estrada, ele notou uns relâmpagos longe, passado mais um tempo começou um vento e o temporal chegava rápido prometendo ser uma chuva forte, ele pensou vai ser difícil para os animais andar nesta chuva, já pensava em parar mas viu logo adiante numa curva da estrada parecia uma casa apertou o passo e chegou.
Era uma casa velha pelo seu aspecto notava-se que há muito tempo estava desabitada, a porta da frente estava aberta e uma janela do quarto pendurada só em uma dobradiça, ele pensou dá para proteger da chuva, parou amarrou os animais numa árvore ao lado da casa, cobriu o arreio com a capa e dirigiu-se a casa.
Quando Gervazio chegou à porta já chovia, ele pisou na soleira nisso deu um relâmpago forte e ele avistou num canto da sala dois vultos parecendo duas pessoas, pensou que também eles estavam se protegendo da chuva, disse boa noite, não teve resposta, agachou no outro canto e ficou quieto.
A chuva foi pesada e demorada, com os relâmpagos ele percebeu que era um casal de velhos cabelos brancos e roupas pretas.
Parada a chuva o tempo limpou de repente e apareceu a lua, nisso aquelas duas pessoas saíram pela porta da frente e pegaram a estrada, ele saiu em seguida olhou atentamente o chão não viu sinal de pegadas na areia em frente à casa, foi até a estrada não mais os avistou e nem marcas de seus passos.
Gervazio pegou os animais e seguiu caminho, logo após a curva tinha um trecho de mata fechada com grandes árvores que sombreava a estrada deixando-a bem escura, ele foi pensando no que acabara de acontecer sem encontrar uma resposta satisfatória para o ocorrido.
Durante o percurso no mato ele percebeu que o ritmo da marcha diminuíra, o cavalo que ele puxava parecia cansado com um peso excessivo mas tocou em frente, ao sair do mato novamente no claro da lua ele olha para traz e vê montado no cavalo o casal de velhos, instintivamente e fez o sinal da cruz e gritou “valei-me nosso sinhô Jesus Cristo”, ouviu um baque no chão e não viu mais ninguém.
Chegou clareando o dia na casa do pai, deu uma boa porção de milho para os animais e os soltou no pasto para descansar. Passou o dia todo com a família, a tarde sua irmã disse, “ vamo viaja a noite Gervazio é mio pus cavalos”, ele disse “não, não,  vamo descansa a noite, vamo de dia memo”.
Saíram no outro dia bem cedinho, durante o dia a viagem foi mais demorada devido ao sol, pararam num riacho para as montarias beber água e descansar um pouco e seguiram.
Na volta ao passar pela mata, o rapaz vinha pensando no que acontecera a noite, mas não disse nada a irmã para não assustá-la. Passando em frente à casa velha, Gervazio olhou não viu nada mas teve a sensação de que alguém lá de dentro os espiavam, ele disfarçadamente fez o sinal da cruz, riscou a espora de leve na mula para apressar o passo e começou a cantar uma velha melodia para afugentar as ideias.

Autor: João Batista Stabile - Marília/SP

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

O vigilante

Autor: Geraldinho do Engenho

Arnaldo era vigilante noturno de uma grande empresa.  Responsável pela sua guarda das dezoito, às seis horas da manhã. Quando chegava a sua casa não encontrava a esposa. Ela já havia saído voltando La pelas oito ou nove horas, conseguia sempre lhe apresentar uma boa justificativa. Muitas das quais era o pernoite com o seu consentimento, numa maternidade como voluntária, onde afirmava estar ajudando as mães carentes que ali eram atendidas. Noutras dizia ter ido à padaria ou a farmácia. Mal sabia ele que a maternidade era apenas uma desculpa para suas escapadinhas extraconjugais. Casado com Marisa há quase uma década, ela nunca engravidou. Ele a cobrava constantemente um filho ou filha. Não importa qual fosse o sexo, o importante era o carinho que ele sempre guardava para o fruto deste seu amor. Mas ela atribuía o fato como uma anomalia familiar afirmando ser um problema hereditário uma vez que a mãe só lhe gerou após um longo tratamento, sendo ela filha única. Ele tentava convencê-la a se submeter a um tratamento, ela nunca concordou.

Seu patrão era um empresário bem sucedido, seu amigo de infância o considerava como irmão. Logo percebeu que algo não estava muito bem, Arnaldo andava cabisbaixo e tristonho seu sorriso já não tinha mais o brilho de antes. Preocupado ofereceu a ele tirar umas férias e fazer uma viagem, talvez a uma estância qualquer, mas ele recusou alegando que jamais deixaria de trabalhar para curtir férias, uma vez que seu trabalho não exigia esforço físico e não seria necessário tal descanso.

Alguns dias após, Joel o patrão o procurou pela manhã, dizendo que na maternidade havia ocorrido um acidente naquela madrugada, uma máquina te torcer roupas arrancou a mão de uma voluntária, sendo que a mesma necessitava de sangue universal, talvez ele pudesse doar uma vez que era seu tipo sanguíneo.


Arnaldo gelou ao receber a noticia, ao sair de casa na tarde do dia anterior despediu de Mariza, ela afirmando que iria dar plantão na maternidade naquela noite. Sem nada comentar ele apanhou seu carro e foi direto ao seu encontro, durante o trajeto mil coisas passou em sua cabeça, mas uma única esperança o confortava seu tipo sanguíneo não era universal como afirmou seu patrão. Deveria ser de fato outra voluntaria. O que o tranquilizou ao constatar que realmente se tratava de outra pessoa. Fez seu gesto humanitário doado seu a sangue à desconhecida, e após procurou por Mariza para levá-la com ele para casa, ninguém deu noticias. Ele estranhou a maternidade não era assim tão grande ao ponto de não se conhecerem uns aos outros.

Chegando a casa a mulher estava com o café à mesa e seu banho já preparado, e o recebeu com um lindo sorriso, de forma tão carinhosa, fazia tempos que isto não ocorria. Ele ficou intrigado com aquela cordialidade.  E para complicar ainda mais a situação ela disse:

- Amor você não imagina como na lá maternidade hoje a coisa está complicada, são poucas as voluntárias, se você não se importar vou ter de ajudar todas as noites, pelo menos por algum tempo, aquelas pobres mulheres precisam demais de apoio, falta quase tudo, temos que nos desdobrar nas lavagens das roupas que são muitas, e as doadoras de mão de obra em sua maioria se afastaram!

–Tudo bem querida faz como melhor te convier-, ah deixe te perguntar está tudo bem por lá não houve nada de anormal?

– Tudo bem sim, só faltam mesmo doadores, carência sempre teve é comum para aquela pobre gente!

–Ah então já que não temos filhos ajude mesmo aqueles bebês tão inocentes isso me conforta enquanto nossos filhos não vêm. Saiba que fico feliz com sua atitude, é muito gratificante ter uma esposa assim tão caridosa! Arnaldo apesar de arrasado não deixou se abater nem transparecer sua decepção, há tempos que seu casamento já estava abalado e ele aguentando sem se pronunciar a respeito.

Semanas depois ele encontrou por acaso uma conhecida dona de uma boate que sempre lhe arrumou companhia no seu tempo de solteiro. Conversaram amistosamente sobre os bons tempos passados, e trocaram confidencias de amigos. Ele soube que ela continuava atuando no mesmo ramo, porem atendendo de forma mais discreta, confidencial e sigilosa.


Voltando ao trabalho seu patrão e amigo Joel notou sua tristeza tentou de todas as formas que ele se abrisse dizendo o motivo que o deprimia, não conseguiu. Afirmando estar tudo bem ele o agradeceu. E continuou sua rotina como se nada acontecia.

Mais algumas semanas se passaram, a esposa e ele na mesma rotina, ela se fingindo de voluntaria passando as noites fora de casa, ele no seu trabalho como vigilante. Até que ele decidiu procurar sua amiga Rosa dona da boate. Quando ela lhe apresentou o álbum de fotos das mulheres seminuas, todas casadas, que trabalhavam com ela, para uma possível escolha. Ele sofreu uma pane, ao deparar com determinada foto, seu coração quase saiu pela boca, gelou e empalideceu. Notando seu descontrole Rosa o socorreu com um pouco de água e perguntou: - o que foi Arnaldo? 


- Nada de mal, apenas uma pequena vertigem, mas esta tudo bem já passou!

– Você conhece a dama desta foto meu amigo?

– Não, mas é ela que eu quero escolher, vou programar minha folga para daqui dois dias e venho me encontrar com ela, deixe tudo preparado.

Dois dias após armado com seu revolver trinta e oito, ele dirigiu à boate, entrou para a suíte e aguardou meia hora, uma hora, ninguém apareceu. Nervoso ele pediu uma explicação a Rosa. Ela pediu mil desculpas afirmando –, que coisa mais estranha Marisa sempre foi pontual o que terá ocorrido meu Deus! Só pode ser um acidente neste transito maluco!

Voltando para sua casa disposto a apanhar seus pertences e se mudar para uma pensão qualquer, entrou no seu quarto. Imóvel estendido sobre a cama estava o corpo de Mariza, com uma agulha penetrada na artéria da curvatura do antebraço, ligada a uma mangueirinha por onde seu sangue fluiu até se esgotar completamente, numa bacia usada como recipiente à beira do seu leito. Assim findou seu amor!

Autor: Geraldinho do Engenho
Bom Despacho/MG