domingo, 24 de julho de 2016

Amor Para Sempre

Autora: Marina Alves

Altivo Firmino não era altivo só no nome: dono do empório de secos e molhados em Vila de Santa Maria, era homem arrogante, movido a orgulho e extrema soberba. Tinha vista alta, não queria saber da filha única misturada, como bem dizia, com gente miúda. E sempre alardeava a quem interessar pudesse: Rosália não era para o bico de qualquer joão-ninguém! Era moça de fino trato, e namoro, quando fosse tempo, só com a fiança de quem dava as ordens na casa: ele!
Rosália, até os quinze anos, se ocupara das rezas da igreja. Tinha prestígio com as beatas, habitués da sacristia de Padre Marinho. A razão se explicava: era dona de grande beleza, e tinha também uma voz incomum, o que sempre lhe rendia interpretar o Canto da Verônica na encenação da Paixão de Cristo, nas festas da Semana Santa, piamente celebradas ali no povoado. E naquelas ocasiões, à sua aparição no tablado, trajando o elegante figurino encomendado ao mascate Noca, os cabelos escorridos e luzidios sob o negro véu, um frêmito de íntima comoção percorria os contritos fiéis aglomerados à volta do palanque armado na pracinha da igreja.
Pois bem, Altivo Firmino não tinha do que se queixar no que dizia respeito à conduta da filha. Mas, o que ele não sabia é que a menina já se vinha adiantando nas artes do amor: andava de namoro escondido com Tonico Ferreira, rapaz de modos rudes, que servia como ajudante nas obras da Ferrovia. E foi justamente nas festas da Semana Santa que a coisa tomou corpo: entre os roxos da Paixão de Cristo, incorporando os encantos da Verônica, Rosália deu com os olhos do rapaz a mirá-la, numa intensidade que a fez estremecer sob a túnica de bordados.
Sim, tinha sido ali, diante da visão celestial de Rosália, que Tonico Ferreira se descobrira tomado de amor. Jurou que haveria de tê-la para si. Ela, postada ao lado da cruz, parecendo absorver o silencioso juramento, ao desdobrar o Véu da Verônica, aguçou ainda mais seu trêmulo e retumbante timbre em notas tristes que comoveram a assembleia. E naquele instante, mais que veneração ao Cristo morto, seu canto era só, e todo, para encantar Tonico Ferreira que em terno branco e chapéu se encobria nas ramagens de um jasmineiro, ao pé de um lampião. Ah, que paixão! Não teriam mais sossego! O amor traçava ali seus rastros do para sempre, amém!
O bilhete tinha sido passado às mãos dela, à descida do palanque: à meia noite, atrás da roseira branca ao pé da janela. À hora marcada, sorrateira, ela esgueirou-se para a escuridão, caindo nos braços quentes e bem fornidos que a apararam nas sombras. Muitos beijos! Todos os beijos! Os mais doces já vistos nesse mundo. Amor era aquilo! O aconchego, a vontade de nunca mais largar do outro, o último prolongar do encontro, até o cantar do galo lá pros lados do grotão, quando os rajados da aurora no céu laranja-chumbo vinham avisar que era hora de voltar à segurança do quartinho, antes que a casa acordasse.
No dia em que o namoro foi descoberto, o povoado de Santa Maria veio abaixo. O disse me disse se espalhou, a boataria efervesceu de boca em boca.  Rosália nunca soube quem contou ao pai.  Corrente na janela, ferrolho na porta pelo lado de fora, o quarto virado em cadeia. E Tonico? Tião Raposa, homem de confiança de Altivo, foi quem levou o recado: o infeliz tinha até o romper do dia para sumir das cercanias. Ali amanhecendo, se desse por morto. Tonico tomou rumo ignorado, na calada da noite. Quem conhecia a fama dos Firminos sabia que um aviso daquela natureza não vinha duas vezes.
Sem os encontros tardios ao pé da roseira branca, Rosália emagrecia a olhos vistos. Palidez de morte, faces encovadas, definhava dia a dia a saudade do amor partido. O coração perdeu a vontade de viver, a alma se fechou em viuvez de luto adiantado. Aonde andaria Tonico? Deus fosse louvado, um dia ainda haveriam de se topar. Ia viver por esperar! Amor daquele jeito não nascia pra morrer, não se acabava assim num à toa qualquer.
O tempo passou. Altivo Firmino contratou casamento para a filha com o novo chefe da Estação, rapaz de juízo, e de guardar cobres para o dia de amanhã. Rosália confinou-se a lamentar a própria sina: longe do seu único e grande amor — nas mãos de quem não tinha vontade nem de olhar — o que seria de si? A moça se debateu, rastejou, implorou, pediu a Deus, mas de nada adiantou. As bodas foram marcadas para as festas de Reis, no janeiro que se avizinhava.
Foi na volta da prova do vestido de noiva que a coisa se deu: aquele que vinha pelo beco, lá das bandas da igreja, não era Tonico? Não era? Não era? De repente, os dez longos anos passados desde a furtiva debandada naquela fatídica noite sumiram que nem fumaça. Como quem vê miragem correram um para o outro. O abraço foi de unhas se cravando, choro se misturando e corpos rolando na poeira, no desafogo da saudade. Dele, ela só ouviu: vim lhe buscar. O cavalo amarrado ao mourão à beira do capim alto, em ponto de galope, esperava.  Sem uma palavra, ela pulou na garupa.
Depois disso, a julgar pelo que Noca, caixeiro-viajante que rodava pelos mais distantes rincões, segredou aos ouvidos de Altivo Firmino em seu leito de morte, os amantes fugitivos iam muito bem obrigado.  De pés juntos, o mascate jurou ter visto os dois, já entrando nas calmas da velhice, cabelos algodoados e mãos dadas: escutavam o lamento da Verônica, em festa do Cristo morto, numa cidadezinha do interior de Goiás. No entanto, ninguém jamais soube se o dito era deveras ou se não passava de mais uma patacoada do Noca, pois que o caixeiro sempre vinha cheio de invencionices, na volta de suas andanças por esse mundão de meu Deus...

Autora: Marina Alves - Lagoa da Prata/MG

quinta-feira, 7 de julho de 2016

Paixão adolescente

Autor: Oliveiros Martins de Oliveira

A primeira vez que a viu foi assim rápido, mas, mesmo assim, em seu íntimo ficou a impressão de ter visto a mulher dos seus sonhos. Será que pelo menos a veria de novo? Por que seu coração estava tão inquieto só de ver um rosto. Bem, pensou. É melhor tratar de esquecer, afinal, o mais provável é que nunca mais a verei. Como estava enganado.
Era sempre um dos primeiros a chegar na sala de aula, porém, naquele dia alguém chegara primeiro, e para sua surpresa, era ela. Meus Deus, como ela era linda! Ficou alguns minutos ali parado, diante daquela visão maravilhosa, não conseguia mover um músculo se quer, seu sistema nervoso entrou em colapso. Só após alguns segundos que lhe parecera uma eternidade, conseguiu balbuciar um olá.
Olá! Respondeu ela, abrindo um sorriso que a tornava ainda mais bela, se é que isso fosse possível, e ele, tentando entabular uma conversa mas não saia nada, e ela percebendo sua patética reação, apenas continuou sorrindo, o que o deixou ainda mais encolhido em sua timidez. Foi salvo pela chegada dos outros alunos.
A partir daquele dia, sentia que tudo em sua vida havia mudado. Dentro dele nascia uma mistura de medo e felicidade toda vez que a via, na sala não conseguia mais se concentrar nas aulas, todos os pensamentos eram direcionados para ela, passou a se comportar de forma estranha, querendo sempre agradá-la, chegando às vezes a ser inconveniente.
Quantas e quantas noites sem dormir pensando em uma maneira de abordá-la e dizer o quanto a amava, quantos versos escrevera declarando seu amor, mas que na hora rasgava e não entregava, com medo de ser mal compreendido. Quantas vezes ficou ensaiando palavras bonita para lhe dizer do seu amor, mas, quando a encontrava, sua mente deletava tudo e não conseguia dizer nada, apenas ficava corado de vergonha, o que o deixava ainda mais exposto diante de sua amada, que na crueldade natural da adolescência, percebendo sua timidez, parece que fazia de tudo para deixa-lo ainda mais encabulado.
O tempo passava, sua angústia continuava, mas, continuava fazendo de tudo, apenas para ficar perto dela. Ele bem que queria odiá-la, mas não conseguia, toda vez que ela lhe dirigia um sorriso, quebrava toda sua resistência, quando seus olhos se cruzavam, por mais rápido que fosse, tudo desabava ao seu redor, bastava um oi para ele renovar a esperança de um dia conseguir declarar o seu amor.
Ele sabia, que para ganhar seu amor, era necessário antes de tudo, vencer seus próprios medos, e aí é que encontrava a maior dificuldade. Por ser de família humilde, sempre aprendeu que deveria existir uma distância considerável entre pessoas de classes sociais diferentes, e partindo desse princípio, ela se tornava quase intocável. Mas, se o amor é impossível, só lhe restaria  tê-la por perto e desfrutar da sua companhia, mesmo que continuasse a sofrer.
Como não há mal que dure para sempre e nem paixão que resista ao tempo, a sua durou até o dia em que ela resolveu entregar seu coração a outro. Como doía seu peito ao vê-la com outro. E não adiantava chorar, pois seu tempo tinha acabado, sua vez tinha passado, pois ela nunca soube dos seus reais sentimento e o único culpado era ele e sua maldita timidez. Só restava agora buscar um novo amor, essa ferida certamente iria demorar a cicatrizar, mas, a vida tinha que continuar e ele era jovem, e foi pensando assim, que ele finalmente conseguiu, tardiamente declarar o seu amor.
No outro dia ela recebeu uns versos, certamente plagiado de algum poeta que dizia o seguinte “Queria te falar tantas coisas. Queria te falar do meu amor que muito tempo não é correspondido, queria te falar das minhas noites de insônia, de minhas lágrimas, do meu sofrimento, da minha dor e da minha paixão. Mas tudo foi em vão, você não liga, não dá a mínima, mas eu queria te fazer feliz”.

Autor: Oliveiros Martins de Oliveira - Diamante do Norte/PR

domingo, 3 de julho de 2016

Correspondência

Autora: Viviane Rodarte

Era uma manhã de outono, o que seria apenas mais uma conversa casual, tornou-se uma oportunidade do destino nos proporcionar  o encontro do verdadeiro amor. Nossos olhos se cruzaram e no mesmo instante o silêncio ocupou-se de falar por nós.
Foram meses de convivência de um amor inibido. Tentávamos lutar contra esse envolvimento, pois nossos caminhos, estilos de vida e realidades eram diferentes, mas o acaso nos uniu por um mesmo sentimento: o Amor.
Um amor vencedor de barreiras, cheio de momentos únicos, interrompidos apenas pela distância. O surgimento de uma oportunidade de emprego fez com ele se distanciasse fisicamente, mas nossos laços sentimentais nos mantinham unidos. Os planos feitos por nós dois eram perfeitos, mas nesse mundo o perfeito não tem chance. começaram pequenas discussões, intrigas, choros e pedidos de perdão e nossos sonhos acabaram adiados se perdendo no caminho.
Mas o amor é verdadeiro não se deixa abalar. Lutamos para amenizar as barreiras e tudo que parecia ser contra, cartas e mais cartas foram enviadas como se um pedacinho nosso estivesse indo junto para matar a saudade. Não nos víamos com frequência, mas cada novo encontro era como se fosse o primeiro.
Ainda tenho guardadas, as inúmeras  cartas  recebidas. Entre elas uma que foi o marco de uma nova etapa em nossas vidas. Precisava dizer o quanto o amava e era especial, porque dizer só "Eu te Amo" não expressava todo meu amor... Então tomei papel e caneta e deixei o coração falar por mim. Ela dizia algo assim:
“...Quando digo que te amo, não estou apenas te contando o que você já sabe, mas traduzindo em palavras o que envolve meu coração e minha alma. Estou dizendo que a seu lado quero viver, dividir nossos dias... A noite somar nossos sonhos e juntos multiplicar nosso amor, nossa cumplicidade aumentando assim nosso desejo de felicidade.
Quando digo que te amo, quero que tenha a certeza que estarei sempre a seu lado. Poderá contar comigo em todos os momentos, sejam eles felizes ou não! Juntos nos tornamos o pulsar de um só coração, obrigada por existir, por completar minha vida...
Quando digo que te amo, estou dizendo realmente que Te Amo, porque na verdade Eu te Amo simples assim, mesmo tudo sendo complicado demais...”
Meu Deus! Como pode um coração se desesperar pelo silêncio recebido. Uma carta aguardada que nunca chegou.  Apenas um bilhete com poucas palavras e um perfume meu conhecido, dizendo:    
“...Meu Anjo, foram as mais belas palavras que um dia eu poderia receber. Sei o quanto são verdadeiras, demonstrou a veracidades delas em seu atos. Saiba que Eu também Te Amo! Mesmo tudo sendo complicado demais. Beijos, saudade eternas...”
E o tempo passou devagar, a realidade mudou nossos caminhos, a ausência aumentando a distância... Entre e nós restou a saudade apertando o peito. Um dia um susto! Em um pequeno pedaço de papel e poucas palavras ele resolveu se despedir.  Foi um grande desespero! Tentei entender, encontrar uma explicação, mas não chegava a lugar nenhum. Somente fiz daquele papel migalhas, como ficou meu coração, ainda lembro de algumas palavras que nele escritas:      
" Meu anjo, sinto muito, mas desejo que seja feliz. Você merece toda felicidade do mundo, porém peço que esqueça todos meus contatos e não me procure mais, para onde vou você não pode ir...”
Como chorei e sofri! Inúmeras vezes me perguntei o motivo. Tentei ir atrás, procurei por um tempo, mas foram tentativas em vão.  Só indiferença encontrei.  Então resolve tocar minha vida e olhar só pra frente, mesmo com o coração carregando todo aquele amor.  A eterna sensação de abandono foi minha companheira.
Senti que mais uma vez o destino brincava comigo. Chegou em minhas mãos um envelope em branco, sem remetente somente meu nome. Meu coração parecia saber o que tinha, pois batia acelerado. Ao abrir encontrei a carta enviada ao meu grande amor. Aquela em que traduzia todo meu amor. Os pensamentos se confundiam. Eram mais de mil coisas que se passavam em minha mente, o por quê da devolução? Será que estava com outra não fazia mais sentido guardar aquela carta? Perguntas e mais perguntas foram imaginadas, porém quando consegui voltar a realidade, percebi um bilhete no fundo do envelope. Deu medo abrir aquele pedacinho de papel, mas respirei fundo e comecei a ler:
“...Meu Anjo, precisei partir, não por minha vontade, mas pela vontade de Deus, se me afastei de você foi para que você não sofresse todo dor que sofri. Nesses últimos meses minha caminhada não foi fácil... Horas e horas de tratamento no hospital, mal estar em casa, não quis te preocupar. Não me julgue, nem me condene covarde. Não pense que eu não te amei. Foi por te amar tanto que desejei que me esquecesse, assim poderia ser feliz e sorrir, não suportaria vê-la sofrer.
Se atenderam meu pedido, hoje já não mais estou neste mundo, por isso não pôde vir comigo, mas estarei sempre com você! Te levarei sempre no coração, estarei te esperando no momento certo de Deus, nosso reencontro, pois acredito que nosso amor vai além dessa vida. Não vou deixar um adeus, mas sim um até nosso inesperado encontro. Beijos...”
Ao terminar de ler estava em êxtase... Perdi a noção do tempo, da vida. Toda nossa historia passou-se em minha mente. Um aperto no peito causava dor insuportável. Estava em choque... Como me senti culpada pelas vezes que imaginei ter sido abandonada e na verdade foi mais uma prova de amor!
Ele se foi. Levou consigo todo meu amor, deixando-me sozinha, contando o tempo e hoje estou aqui catando lágrimas com as mãos... 

Autora: Viviane Rodarte - Piumhi/MG