sábado, 31 de março de 2012

Ironia - Autor: José Cláudio Cacá

Assisti a um bate papo com o genial escritor Moacir Scliar na bienal do livro aqui em BH, cujo tema era a Ironia na Literatura. Entre tanta coisa boa que ele disse, uma delas foi sobre a ousadia do ser humano, respondendo a um porque da mediadora, sobre a recorrência de temas bíblicos em suas obras.  Falou da fantástica habilidade dos escritores da bíblia, de sua capacidade de síntese, das parábolas e metáfora e outras tantas preciosidades inspiradoras contidas no livro sagrado e o mais lido pela humanidade. Depois citou um exemplo que me deixou pensativo: o cientista americano Craig Venter havia acabado de criar uma célula sintética, referindo-se à ousadia humana. É diferente da clonagem, onde se tira um pedaço de tecido vivo e se faz cópia desse ser. A célula é o princípio de toda a vida no planeta. Então podemos deduzir que o homem agora já pode se colocar no lugar de Deus, segundo a crença religiosa sobre a criação. Apesar de não ter assumido essa capacidade, ele disse, por enquanto, que vai haver a possibilidade de resolver problemas ambientais e energéticos, entre outras aplicações. Mas é uma célula, minha gente. A dedução de que vai se querer criar um ser vivo fica por conta de minha imaginação. Ironia ou não, é uma ousadia que vai dar pano pra manga.
Eu já andava meio desconfiado. Tenho observado que uns alimentos naturais até algum tempo atrás eram mais perecíveis. Não sei também qual a matéria prima ou remédio que usam nas pesquisas científicas, mas tem muita coisa que está com uma durabilidade excessiva. Tenho umas laranjas e um melão aqui na minha casa que já fazem mais de cinco meses que não apodrecem. Estão tão vistosos que quem chega pergunta se é daquelas antigas frutas de plástico que se usava para enfeitar fruteiras. Só não tive a coragem ainda de comer. Por vias das dúvidas, melhor continuarem enfeitando. Isso é genética aplicada à agricultura, suponho. O mundo é mesmo dos ousados, tem razão quem disse isso. Enquanto há uma luta ferrenha para se retornar às coisas naturais, a uma alimentação mais saudável, orgânica, livre de venenos, há um desenvolvimento acelerado de pesquisas para desnaturalizar alimentos para aumentar a produção e durabilidade em menos espaço geográfico por causa da destruição de áreas férteis disponíveis. Ou para aumentar a lucratividade dos produtores? Não sei, mas desconfio de muita coisa. E tenho uma certeza: as cobaias acabamos sendo nós mesmos, depois dos ratos de laboratório, claro. Sem entrar no mérito da causa se o homem está arrogando a se igualar a Deus ou provar que ele não existe, criando vida por conta própria, a ousadia é uma ironia.

O restante da conversa foi sobre os limites da transgressão e a diferença entre a ironia e o humor na literatura. O humor é aceito com certa universalidade. Já a ironia tem um duplo, triplo, ou vários sentidos que , por falta de compreensão do interlocutor ou firme propósito do autor, pode ser apenas deboche ou soar como provocação, acinte ou outra coisa que provoque inquietação. Estou apenas pensando na frase que eu falei que o mundo é dos ousados. Ou então a minha ironia aqui é que passa a ser uma ousadia. E de pensar que o meu maior atrevimento foi ter dado um livro meu de presente para o autor, coisa que nunca achei que fosse possível. E ele aceitou com muita educação. Para mim foi o máximo da ousadia.

Autor: José Cláudio - Cacá - Belo Horizonte/MG
Publicação autorizada através de e-mail de 07/02/2012

domingo, 18 de março de 2012

O papa-defuntos - Autor: Roberto Rêgo

Vinha eu do Mercado Central, onde fui comprar um legítimo queijo do Serro na cachaçaria do “Ronaldo dos Queijos”, quando, sentado nos bancos da turma da “melhor idade”, não pude deixar de ouvir o animado bate-papo entre o motorista e o trocador do coletivo “Sion-Cidade Nova”.

O motorista, claro dos olhos azuis, dos seus 35 anos, falava ao celular com moça conhecida, enquanto aguardava abrir o sinal de trânsito na Rua Espírito Santo com Avenida Afonso Pena:-

“- Sabe, filha, não dá pra falar muito agora, estou no trânsito. O sinal vai abrir já. Dá pra você me ligar dentro duma meia-hora? Aí, no final da linha, falaremos mais à vontade.”

“- Eita, “Doidão”, tá de conversa mole com a tal gatinha, né? Vê se te manca, cara! Tú tá dirigindo, meu irmão!...”

“- Fica na sua, cobrador! A menina tá me dando mole, só tem 26 aninhos, saca? Tou só administrando, por enquanto.”

O sinal abriu, o ônibus arrancou e os dois prosseguiram numa prosa bem animada, falando sobre diversos assuntos, desde mulheres, passando pelo futebol (eles torciam pelo “Galo” e pela queda da “Raposa” para a Segunda Divisão do Brasileiro) até a política e a corrupção desenfreada em Brasília, como de resto em todo o país.

Daí a pouco um motoqueiro fez uma manobra arriscada à frente do “busão”, o motorista meteu o pé no breque, xingou o maluco da motoca e disse ao cobrador:-

“- Cara, quer saber? Tou pensando seriamente em deixar de ser motorista, levantar meu “Fundo de Garantia” e abrir um negócio próprio, tá ligado?”

“- Que tipo de negócio, “Doidão”? Tú tem experiência de alguma coisa, já mexeu com comércio na vida?”

“- Velho, tive analisando, do jeito que esses motoqueiros andam no trânsito, no Brasil inteiro, esse é um negócio muito promissor:- vou montar uma empresa pra vender caixões e coroas de flores, próxima ao Cemitério do Bonfim! Vou ganhar muito dinheiro, prezado! O que tem de nego morrendo todo dia por aí é um caso sério! ...”

“- Tá aí, “Doidão”, um negócio bem bolado. Me leva junto? Vou ser divulgador, relações públicas e vou te ajudar no negócio. Manda fazer uns cartões, vou distribuir nos velórios da “Santa Casa”,  vou arranjar “fregueses” pro teu comércio. Também quero sair dessa bosta de serviço e ganhar dinheiro, me aprumar na vida! ...”

O ônibus rodava pela Cristiano Machado, trânsito intenso àquela hora da manhã, quando deu uma brecada violenta diante do semáforo que fechou de repente. Ouviu-se um estrondo na sua traseira, gritos dos passageiros e dos transeuntes, motorista e cobrador desceram e viram estendido no asfalto, bem atrás do “busão”, um motoqueiro todo quebrado, moto espatifada debaixo do pesado veículo, capacete à distância e o sangue escorrendo da sua cabeça partida, talvez o primeiro “freguês”disposto a inaugurar a funerária do motorista “Doidão”!...

Autor: Roberto Rêgo - Belo Horizonte/MG
Publicação autorizada através de e-mail de 20/01/2012

Catando coquinhos - Autora: Maria Olimpia

Na  verdade os coquinhos não passam de nozes de macadamia, originárias da Austrália, mas quando os encontrei sendo vendidos na rua achei-os tão bonitinhos que decidi comprar. Antes, experimentei um e gostei. De macadâmia eu só conhecia sorvetes e bombons sempre deliciosos.

Os tais coquinhos são vendidos tendo por medida o litro, no caso uma lata vazia de óleo de cozinha, como eram vendidas as jabuticabas antigamente. Acho até que foi por isso que os comprei – pela nostálgica lembrança.

Os vendedores carregam as nozes em um carrinho de mão e junto uma pedra bem sólida onde as colocam para firmar. Depois pegam um martelo e dão uma martelada bem forte em cada noz e as distribuem as pessoas na rua, até aos desdentados, o que é uma crueldade.

Perguntei-lhe como eu iria fazer em casa para abrir a noz e ele respondeu: Pegue uma bacia um martelo e sente-se na calçada com seu marido e peça a ele para ir quebrando para você. Não tendo marido nem braço forte e nem pedra solida, nem calçada  sentável, seria uma temeridade comprar, mas arrisquei. Se não conseguir, deixo-as enfeitando uma fruteira qualquer, pensei.

Colocados dentro de um saco plástico fui fazer o que tinha que fazer, carregando-os. E volta e meia um e outros despencavam pela borda do saco indo ao chão: e lá ia eu catar coquinhos, equilibrando minha bolsa, minha pasta executiva e o resto dos coquinhos.

Acho que fiz uma boa compra porque segundo informações seríssimas da Folha de São Paulo, elas retardam o envelhecimento, protegem o sistema cardiovascular além de reduzir os níveis de colesterol no sangue. Já é produzida no Brasil, sétimo produtor mundial desde a Bahia e estende seus galhos até o Uruguai. Chegou por aqui vinda da Califórnia. Não dá muito trabalho para colher porque os frutos caem sozinhos da árvore, o que torna uma chuva de macadâmia muito perigosa. Apesar de que a árvore é linda e enfeita com classe e elegância qualquer bom quintal – O grande problema é que demora demais para produzir, mas depois que começa não para mais. São conhecidos espécimes com mais de um século de idade e ainda em alta produtividade.

Mas catar coquinhos mesmo acabei catando foi em casa: peguei o martelo, uma mão cheia de coquinhos e fui para o quintal. Resolvi firmá-los na escada de cimento que liga as duas partes do quintal e não deu outra: a cada martelada um coquinho voava longe. Depois de catá-los todos, resolvi devolver para a fruteira e esperar um braço forte aparecer para eu tomar a minha poção mágica contra o envelhecimento.



Autora: Maria Olimpia Alves de Melo - Lavras/MG

http://marilim.net/
http://vidasetechaves.wordpress.com/

Publicação autorizada pela autora através de e-mail de 12/03/2012

sábado, 17 de março de 2012

Carí - Autor: José Soares de Melo

Anteriormente já falei de Carí, de sua participação no Bloco do Cariri. Como disse ali, efetivamente ela chefiava as mulheres de vida fácil no Sepitinga. Eram inúmeras, que viviam basicamente do faturamento que obtinham nos dias de feira, nas festas de São José, ou em incursões por outras cidades.

Mas o tempo foi passando, o crescimento da cidade foi aumentando, as habitações se aproximavam do Sepitinga, que era relativamente afastado do resto da cidade – ficava por trás das Avenidas Manoel Borba, Onze de Setembro, e da Rua Dr. Fraga Rocha. Com o passar do tempo as construções invadiram o que um dia fora a zona, e a profissão mais antiga do mundo teve que se render ao progresso: acabou a zona. As mulheres espalharam-se pela periferia, outras mudaram de cidade, e a chefe tomou uma decisão: abandonou a vida fácil e foi ser fazendeira, num pedaço de terra no sítio Catolé.

Lembro perfeitamente do visual adotado por Carí, quando passou a cuidar de seu rebanho caprino: calça e camisa masculinas – coisa rara naquela época, botas de vaqueiro, chapéu de couro, transformando-se assim numa autêntica sertaneja masculinizada.
Dava duro, plantava sua lavoura, cuidava de seu rebanho, enfim, levava uma vida igual a de milhares de bravos sertanejos.
Não se sabe como, surgiu no seu rebanho de caprinos, uma raça de bode com uma característica absurdamente estranha: os Bodes, apesar de Machos e bons reprodutores, davam leite! Sim, davam leite, sim senhor. É verdade que era pouco leite, mas dava. Isso chamava a atenção de quantos vissem, e não raro, muitos faziam questão de ir conhecer aquela coisa estranha para todos dali.
Recordo que em frente a sua casinha, à beira da Estrada que ia para Maravilha, havia uma cancela, que obrigavam os veículos a parar para poder abrir a cancela e passar. Sempre que passava lá eu ficava imaginando como é que Carí se adaptara a uma vida tão difícil como aquela. Hoje, creio que entendo porque ela se adaptou: é que a “as mulheres de vida fácil” que é como chamavam as profissionais do sexo, na verdade tinham uma vida muito pior que a dura vida do homem do campo.
Não sei o final dessa história. O tempo se encarregou de apagar o roteiro de uma vida que marcou tantas pessoas naquela cidadezinha. Talvez porque essas pessoas não quisessem ser lembradas como alguém que viveu àquela época, como se aquela vida fosse amaldiçoada. Ela foi uma líder coerente com sua condição de prostituta enquanto ralou na chamada “vida fácil”, e foi uma cidadã perfeita quando resolveu deixar aquela vida para trás.

José Soares de Melo - Custódia/PE

Jotamelo@exatta.com
http://www.exatta.com/

Publicação autorizada através de e-mail de 17/03/2012

quarta-feira, 14 de março de 2012

Inha, um doce de papagaio - Autor: Carlos Lopes


¨... Enfim, neste fim de ano de 2011, minha mãe contou a verdade. Ela deixou as asas de Inha crescer e oportunamente a colocou na janela da rua. E assim permitiu que um caminhão barulhento a assustasse. Ela tinha medo de vibrações de veículos pesados. E, um monstro de um caminhão baú não demorou a aparecer!

         E Inha, ágil e graciosa, fez o seu primeiro voo!¨


(O texto foi retirado para composição de um livro)

Carlos Lopes - Olinda/PE

terça-feira, 13 de março de 2012

Monólogo triste - Autora: Celêdian Assis

Poucos dias se passaram desde que eu assistia deslumbrada ao espetáculo amarelo dos ipês, resistindo no cerrado, nas matas, nas estradas por onde passei, num agosto ressequido, poeirento. Olhei para as montanhas ao fundo, esmaeceu-se o verde e deu lugar aos galhos, folhas e gravetos secos, prontos para se tornarem fumaça e transformar as belas paisagens em pastos negros de carvão.

Tudo em volta se ressentiu. O pequeno bando de tucanos com seus bicos de um colorido alaranjado ímpar, que eu via da minha janela, pousados no abacateiro, nas manhãs e nos finais de tarde, parece, não estão mais tão felizes por aqui, andam afoitos, assim como aquele enorme bando de maritacas barulhentas, de um verde que antes se confundiam com as folhas das árvores, as vejo nitidamente, pois somente o verde delas agora sobressai, enquanto não chega a primavera.

E eu cismava inquieta, sentindo a dor da natureza. Os pássaros perdendo seus ninhos nas matas, quiça o seu alimento, e para onde migrarão? Tenho visto alguns migrando para as cidades, quem sabe tentando conviver harmonicamente com o bicho homem na sua selva de pedra, mas tenho minhas dúvidas se sobreviverão. Quem será que terá o prazer de vê-los ainda em feliz revoada? Os filhos de meus filhos conhecerão de perto um tucano, uma maritaca? A alcatifa agora cinzenta, queimaram-na, renascerá das cinzas e sabe-se lá o que a sucederá. Talvez pasto para o gado, talvez arada, será terra de cultivo, ou quem sabe só lhe queimaram para impedir o mato de crescer. Quem sabe a dor que o mato sente, quando as labaredas lambem-no fogosas?

Vi também o riachinho de água transparente escorrendo sobre as pedras lodosas. Terá sido antes uma cachoeira, foi minguando de dor e secando as lágrimas por tanto desamor?

Lembrei-me de Juca Mulato, de Menotti del Picchia, ele ouvia a voz das coisas, numa conexão mágica com o céu e a terra:
“Era um brado: “Queres tu nos deixar, filho desnaturado?"  E um cedro o escarneceu: “Tu não sabes, perverso, que foi de um galho meu que fizeram teu berço?” E a torrente que ia rolar no abismo: "Juca, fui eu quem deu a água para o teu batismo". Uma estrela a fulgir, disse da etérea altura: "Fui eu que iluminei a tua choça escura no dia em que nasceste.” (A voz das coisas, in Juca Mulato, M. del Picchia).

Cismava em diálogo com o telúrico universo, “Nuvens voam pelo ar como bandos de garças...” (Germinal, M. del Picchia). “Tudo ama! As estrelas no azul, os insetos na lama, a luz, a treva, o céu, a terra, tudo, num tumultuoso amor, num amor quieto e mudo, tudo ama! Tudo ama!” (Fascinação, M. del Picchia).

Ouço como o Juca, a voz da natureza. Acrescento, tudo ama, os bichos, as coisas... e o homem tem amado a si mesmo, com igual fascinação, o suficiente para preservar a sua vida?

Este texto retrata a minha tristeza ao visitar a minha terra natal e constatar o poder de devastação pelas ignorantes queimadas.

Celêdian Assis – Belo Horizonte/MG

Publicação autorizada pela autora através de e-mail de 13/03/2012

sábado, 10 de março de 2012

Dormindo profundamente - Autor: Augusto N Sampaio Angelim

A recompensa dos mortos é não morrer nunca mais, como afirmou Nietzsche, mas há uma outra frase, da qual gosto muito e sempre penso nela no dia de finados: Deve-se consideração aos vivos; aos mortos apenas se deve a verdade, que foi dita por Voltaire.

Hoje, ao amanhecer do dia voltei meus pensamentos para os meus mortos, revendo-os. Minha avó, meu pai, meus tios, primos, meu irmão que eu nem sequer lembro, alguns amigos, uma criança abandonada por entre os escombros do terremoto que devastou o Haiti e muitos outros. Um primo que faleceu recentemente. Para todos eles, um instante de reflexão. Depois, me veio a vontade de ir a uma igreja, mas, aqui perto, na zona rural de Riacho das Almas, a única igrejinha estava fechada e não pude, de maneira mais formal, rezar por eles. Ao meio-dia tive que ir à cidade e encontrei uma verdadeira multidão na entrada e ao redor do Parque dos Arcos, o moderno cemitério de Caruaru. Na volta, perto das 17:00 horas, poucas pessoas ainda continuavam no local, mas estas traziam os semblantes entristecidos e denotavam o medo de perder a hora de prestar homenagem aos entes queridos. Longe do lugar aonde estão enterrados meus ancestrais, tive vontade de parar e entrar e rezar por todos os mortos do mundo, inclusive por alguns conhecidos que sei que ali repousam, entre eles, Isabela, uma linda menina que se foi precocemente. Subi a Serra Verde, aqui para Riacho das Almas, pensando em Isabela e na dor de sua morte. Logo depois, a lembrança de Isabela e dos meus outros mortos se dissiparam e aproveitei para apreciar meus filhos pequenos brincando e me alegrei com a chegada dos mais velhos, inclusive de Luiza, minha neta, filha de Tiago, que era casado com Isabela. Clarice, minha filha mais velha, chegou com o namorado depois que Tiago e família foi embora. Enquanto isto, os meninos pequenos brincavam com a participação de um menino aqui do sítio, órfão de pai e mãe, que vive sob os cuidados de um casal do qual não é parente. É Pedro, um galego de apenas 09 anos de idade, mas que sabe montar e cuidar de cavalos. Meu filho caçula, Heitor, lhe chama de Predo. Predo!

Agora, aproveito a solidão para escrever, da varanda, contemplando as luzes distantes de Caruaru, enquanto meus pensamentos se voltam para os meus mortos, novamente. Sei que eles nunca mais morrerão. Isso é fato, diria uma jovem amiga. Mas, a eles, também, confesso apenas as verdades das minhas dores, sofrimentos, alegrias e esperanças.

A é noite fria e o silêncio é acompanhado pela harmonia dos grilos, outros isentos e aves noturnas. Sopra um vento gostoso que deve vir do mar distante e assim, aproveito para pedir que ele leve meus pensamentos aos meus mortos, sem contudo, lhes despertar, vez que, agora, eles estão dormindo profundamente, mas tenho a impressão de minha avó sorriu.

Autor: Augusto N Sampaio Angelim - São Bento do Una/PE

Publicação autorizada através de e-mail de 04/03/2012

quarta-feira, 7 de março de 2012

A janela ... - Autor: Carlos Costa


A janela aberta via o tempo passar, estava mudo;
A janela que estava muda, também via o tempo passar rápido demais;
A janela não vê mais o tempo passar rápido e ou lento demais;
A janela se fechou para o tempo e morreu para o mundo!
Hoje, a janela também ficou muda, cega e morta para o tempo, o mundo e nada mais registram os olhos do menino que também via o mundo passar, no alpendre de sua janela!
Autor: Carlos Costa - Manaus/AM
Publicação autorizada através de e-mail de 18/04/2012

¨Pedrinha¨ - Autor: Carlos Lopes


(... Numa certa vez, lá na lagoa, minha irmã encontra um ninho de passarinho à altura de sua mão e se encanta com um filhote adormecido. Ela passou toda a manhã a acariciá-lo, sentadinha à sombra de um arvoredo, enquanto eu e meu irmão brincávamos nas tantas pequenas ilhas espalhadas nos afloramentos de rochas).

(texto retirado para composição de livro)
Autor: Carlos Lopes - Olinda/PE

segunda-feira, 5 de março de 2012

Pode me chamar de medroso. Mas que elas são perigosas, isso elas são - Autor: Marcio Jr


Não negue. Você tem medo de algo. Pode ser de assalto, de altura, do boi da cara-preta, de gato preto, ariranha, pinguim azul, borboleta de quatro olhos... sei lá. Sempre tem alguma coisinha, lá no fundo, que deixa a pessoa, no mínimo, receosa.

Um fato estranho aconteceu no dia de ontem (30 de janeiro de 2012), e que por pouco não me leva para a delegacia. Dos males, o menor. Apenas quebrei um dente. Resultado de tudo, e para variar, paguei o maior mico.

Faz algum tempo, brinquei com uma pessoa de minha estima que morro de medo de... velhinhas. É. Senhoras inocentes, daquelas que passeiam por aí com seus amados guarda-chuvas pretos e longos, que estão sempre prontos pra acertar nossas cabeças caso elas pensem que estão sendo assediadas (não existe somente assédio sexual, seu mente poluída).

Desde minha infância, convivi com senhoras idosas que, de boas almas e caridosas, não tinham nada. Educação mais austera, tias muito mais velhas do que minha mãe, e a maioria delas adoravam dar uns beliscões nos sobrinhos quando eles aprontavam. E eu aprontava muito. Com o passar do tempo, uma professora de matemática invocou comigo e com todo o restante da turma. Era uma ranheta, que usava um cabelo grisalho e vivia dando cascudos em nós. A matéria? Matemática. Ela falava que era para tirar a “serragem” da cabeça dos alunos. Doía demais.

Mais um pouco de tempo e noivei (oh! trem; não noivei com a professora de matemática não). Nessa época, conheci uma senhora muito pequenina e de cabelos alvos, que morava próxima à casa de minha noiva. Risonha, a diversão dela era matar gatos e jogar nas pessoas. Santa velhinha. Certa vez, eu passando perto da casa dela, cai em minha cabeça um gato morto. Eu, ainda sonolento, quase morri do coração, e desci o verbo. Além de ter que aguentar a cena do gato, ainda tive que escutar outro tanto de um cidadão desavisado, que achou estar eu ofendendo aquela “bondosa” senhora. Na semana seguinte era ele xingando a dita.

Passou mais um pouco, me separei, abri uma empresa e, ao lado da minha loja, uma linda e miudinha senhora de seus 70 anos (elas sempre são miudinhas, não é?). Adorava conversar com ela. Ria descabidamente, e o namorado dela, um senhor de seus sessenta e tantos anos, parecia andar nas nuvens. Certo dia, tristeza. O coitado do namorado morrera naquela manhã. No caixão, ele mostrava um sorriso enorme. Alguns dias depois, fiquei sabendo que aquele não era o primeiro distinto defunto daquele doce senhora. Era o quinto que morria, e nas mesmas condições. Uma semana depois, quando me dou conta, era o avô de um amigo que “conversava” alegremente com esta senhora. O velório dele foi no mês passado.

Sei que, no fim das contas, meu pior pesadelo é com a vovó do Piu-piu. Aquela mesma que vive “guardachuvando” a cabeça do Frajola. Já caí da cama ao sonhar com ela, e o pior, ela sempre me persegue. Se eu corro, ela vem de patins, se eu pego uma bicicleta, ela vem de moto. Um inferno, ou melhor, um pesadelo atrás do outro.

Resumindo, e respondendo a pergunta de todos. O que meu medo de velhinhas tem com meu dente quebrado e o fato de eu quase parar numa delegacia?

Como todo mundo, preciso ir ao banco para pagar minhas contas. Aquelas portas giratórias sempre, mas sempre mesmo, se invocam comigo e travam. Mas passei. Fui até minha gerente e estava eu lá, conversando, até que olho para a porta giratória e vejo o vigilante “liberar” a porta para uma inocente senhorinha de cabelos grisalhos (pequenina, para variar) e seu enorme e assustador guarda-chuvas. Do nada, dispara um desgraçado dum alarme...

...o reboliço foi geral. Minha gerente conseguiu, em dois segundos, se enfiar debaixo da mesa, e ligou para a polícia (nem precisava, pois o alarme dispara diretamente na delegacia). A balburdia continuava, e ninguém se entendia. A única pessoa a ficar em pé foi a velhinha, que carregava o guarda-chuva como se fosse uma espingarda.

Não me aguentei e pensei: “ela tá assaltando, e tá de costas; vou passar uma rasteira nela”. Mas não deu tempo. O alarme parou de soar, e dos males o menor, era só uma falha no sistema. Foi só o susto.

Só não deu tempo para refrear minha boca. Quando desligaram o alarme, estava eu lá, acusando aquela senhora de tentar assaltar o banco. Eu estava cego de “sei lá o quê”, e falando pelos cotovelos. Saí completamente do meu estado normal de lucidez. Piorou ainda mais quando o vigia tentou me conter.

--Essa mulher é um perigo. --falei, assustado.

Nem bem terminei de falar e a senhora, quase surda ao que tudo indicava, pois não entendeu patavinas do que eu falei, se virou para o lado, e a ponta do guarda-chuva pegou diretamente em minha boca. Detalhe, a boca estava aberta, e o dente quebrado voou para dentro... do meu estômago.

Resultado de tudo. Perdi um dente, queriam me acusar de agressão verbal a um idoso, e minha dentista, tirando o maior sarro da minha cara, ainda fala a seguinte pérola:

--Me traz o dente que eu colo ele.

Engraçadinha ela, não é?


Autor: Marcio JR - Curitiba/PR

Publicação autorizada através do e-mail de 22/02/2012

É claro que tudo o que foi descrito acima não passa de brincadeira, com exceção de eu ter quebrado, realmente, um dente. E tudo se deu num descuido caseiro, num instante de pura desatenção e uma porta de geladeira esquecida aberta. Até acho que a geladeira me agrediu, a bem da verdade. Mas nem tente imaginar a cena comigo batendo contra a geladeira e caindo de boca aberta sobre as costas de uma cadeira. Foi hilária para quem assistiu e muito, mas muito dolorida para mim.

Que me desculpem a enormidade de senhoras idosas que conheço, e são muitas, muitas mesmo. Adoro todas, se bem que, depois dessa crônica, elas vão me odiar. Mas tudo bem, desde que a dona Maria, aquela viúva por seis vezes não venha me perseguir... eu eu não conseguiria passar esse episódio do dente quebrado sem alguma risada. Perdão a todas.

Abraço a todos.

PS.: meu livro já está a venda, mas somente na livraria virtual.
livro ABISMO DAS VAIDADES - Coletânea de Crônicas

domingo, 4 de março de 2012

Um selo de arte para você!

Ganhamos este lindo selo da nossa amiga Tati (do Blog Papo de Tati). Ela disse que o selo foi criado pela Luciana Severo, então fui lá na casa dela conhecer a autora. Gente, fiquei encantado com o Blog da Luciana! Ela é uma menina muito criativa e cheia de trabalhos lindos: uma verdadeira artista. Vai lá para conferir: Ateliê de Artes Plásticas by Luciana Severo. Estou oferecendo este selo a outros blogs relacionados com ARTES. Antes, seguindo as regrinhas que a Tati nos passou, vou dizer o que é ARTE para nós...

Profissão de fé do artista em luta

Artes é o trabalho incansável do ourives:
olhar atento na pedra de sua predileção,
forja no fogo a palavra antes de ouvires,
só publica aquela que se permitiu à mão
do poeta ser talhada, destilada, queimada.

Destarte, é labor, ardor e inspiração a arte!
É sofrer a revolta da palavra, ouvir seu não!
É esforçar-se por arrancar do vocábulo o sim!
É sanha ensandecida do poeta com a palavra:
ele lavra em terra amaldiçoada na esperança
de que, por Graça, seja concedido à perseverança
do poeta um verso, um poema, esta preciosa gema!


                                                                                     Fábio Ribas                               


Texto cedido pelo blog: Casal20 - Araguaia/MT
http://casal20ribas.blogspot.com/

Blog de Luciana Severo:
http://atelielucianasevero.blogspot.com.br/

quinta-feira, 1 de março de 2012

¨Eu tô no inferno!¨ - Autor: Carlos Lopes


Naquele janeiro de 1941, entrei pela primeira vez na capital do meu Estado. Umas ¨sopas¨ nos conduziu até o Quartel do Derby. Ao cruzar o portão, um soldado gritou: ¨Entraram no inferno!¨ Fui levado diretamente ao alojamento e me abismei com aquele monte de camas em fila, todas bem forradas. Pensei comigo: ¨Aqui vai ser bom demais, tem até cama para cada um. Logo eu, acostumado a redes!¨

Material retirado para composição de livro,