segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

A esperança - Autor: Carlos Costa

(Lembrança de uma cidadezinha de Minas Gerais)

              Depois daquele morro que se avista à frente, cercado de verde por todos os lados, e que ao fundo possui um lago tranqüilo, existe uma cidadezinha, construída há muitos anos, que insiste em permanecer no mapa. Dela, hoje, poucos se recordam com precisão e são raros os que dela sabem o nome – Esperança. Esse nome tem uma origem curiosa e ninguém afirma ao certo se o nome nasceu com a cidade ou se passou a existir desde que descobriram uma antiga moradora, talvez a última que insistia em permanecer lá.
              Durante muitos anos aquela cidade viveu da esperança de um trem maria-fumaça que teimosamente passava por lá. Trazia notícias da cidade grande, gente curiosa também. Levava além do barulho ensurdecedor da fricção das rodas do trem com os trilhos e do apito estridente, lágrimas teimosas dos que ficavam. Também levava acenos de braços cansados, de mãos que abanavam, chapéus e de braços longos que seguravam lenços brancos.

               Tudo era motivo de tristeza: a chegada de alguém e a partida de outrem. A chegada era triste. A partida era triste para os que ficavam. Os que chegavam da cidade grande se deparavam com uma cidade calma, pequena, onde o tempo não passava e onde as coisas pareciam querer se repetir.
               Com a desativação da linha de trem, a cidade foi perdendo a razão de existir e as pessoas começaram a ir embora. A rua principal estava deserta, o cemitério estava abandonado e a igreja não abria mais. Era uma cidade quase deserta, não fosse a existência de uma única moradora que restavam em Esperança – se é que esse é o verdadeiro nome da cidade.
               Na antiga estação, uma senhora de grande idade olhava todos os dias o relógio que marcava a chegada do trem. Curiosamente o relógio estava marcando onze horas, exatamente o horário da chegada e, talvez, a hora que marcou a sua última viagem.
               - A senhora mora sozinha aqui? – perguntei, sem esperar uma resposta convincente.
               - Não, eu não moro – respondi.
               - Você também veio esperar o trem?
               - Que trem?
               - O trem que todos os dias vêm aqui me trazer notícias da cidade!
               - Não há mais trem aqui. Ele deixou de vir aqui há muito tempo.
               - Como não há mais trem aqui? Todos os dias eu o vejo chegar. Ele traz pessoas e leva pessoas daqui.
               - A senhora espera alguém em especial?
               - Sim. Eu espero a Esperança!
               - Quem é Esperança?
               - Esperança? Você não conhece a Esperança? De onde você veio que não conhece a Esperança?
                - Desculpe-me, senhora, mas eu não sei quem é Esperança!
                - Todos aqui conhecem a Esperança. É ela quem nos mantém vivos.
                - Ela é médica do lugar?
                - Ela é mais que a médica do lugar. Ela é a vida desse lugar. Se não fosse a Esperança nós não poderíamos viver!
                - Afinal, senhora, quem é a Esperança?
               - Ela é quem nos guia, mas faz acreditar no futuro, nos faz pensar em coisas melhores...
                - Continuo não entendendo quem essa pessoa que a senhora espera tanto.
                - Desculpe moço, mas agora tenho que ir...
                - O que foi? O trem já chegou?
                - Você não o viu? Ele passou e nem parou...
                - Não parou por quê?
               - Ora, moço, como você é estúpido. O trem não parou porque eu estava falando com você e, por alguns momentos, você me fez esquecer a Esperança...e é sempre assim. Se a gente esquece a Esperanças, as coisas passam  em nossa vida e nós nem as sentimos.
                A senhora virou-se costas, caminhou rápido e desapareceu naquela cidade que parecia fantasma.
                E eu fiquei sem conhecer a Esperança, ou melhor, eu também perdi a Esperança!


Autor: Carlos Costa - Manaus/AM

Publicação autorizada pelo autor através de e-mail.

7 comentários:

Carlos A. Lopes disse...

Amigo Carlos Costa, agradeço pela gentileza de postar Esperança. Como havia dito, havia lido várias vezes em espaço de tempo diferente. Ao posta, aproveitei pra ler novamente. É o tipo de leitura agradável e que nos leva a meditação. O amigo merece todo o meu respeito pelo ser humano que é, pelo seu trabalho social e jornalístico e também pela gentileza em ceder suas preciosidades a este modsesto blog.

Anônimo disse...

Belíssima! Parabéns Sr. Carlos Costa conseguiu me comover e olha que não é tarefa fácil. É um texto inteligente e cada palavra no seu exato lugar.
Patrícia Celeste
Recife PE

Anônimo disse...

Peço desculpas por comentar como anônimo mas deixo o meu nome. Não conseguir deixar comentário com a minha conta. Estranho. Gostei muito. É triste mas ao mesmo tempo muito suave e reflexiva. Parabéns ao autor Carlos Costa.
Meu nome é Kerller Oliveira

Jorge Luiz da Silva Alves disse...

Precisamos cultivar diariamente a esperança nos campos vazios de nossa existência. Um abraço do Jorge, felicidades!

Carlos Costa disse...

A todos que comentaram meu texto, saibam que vivo cada segundo como se fosse uma década e cada dia como se fossem anos. Sou muito emotivo! Um abraço a todos que le lêem.

Carlos Costa disse...

Inverti tudo: vivo cada segundo como se fosse um ano e cada dia como se fossem décadas. Já fiz 11 operações no cérebro: duas para tratar de um empiema cerebral e 9 para retirada de pús devido a duas infecções hospitalares que peguei...Um abraço sincero a todos e meu e-mail pessoal é carlos_bezerra47@hotmail.com
Se alguns dos comentaristas desejar entrar em contato comigo, terei o máximo prazer em responder a todos.

Anônimo disse...

Nossa Carlos Costa o seu conto me emocionou. Maravilhoso! Muito bem escrito e muito real também. A esperança é que sempre nos move, nos dá vida. Sem ela não somos nada realmente. A esperança pra mim é a presença de Deus em nós.
Um abraço,
Estou gostando muito dos seus textos.
Parabéns!
Anajara.