Autor: Professor Wanderley Dantas
-Como você sabe?
Perguntei ao filho do cacique.
-Bem, aqui na aldeia, o
meu tio (que também é cacique) quase morreu... bem... morreu! É como que
tivesse morto... É, morreu mesmo! Ele esteve muito doente, mas muito mal mesmo
e morreu e viu a escada. A escada que liga ao céu! E depois voltou e contou para
gente!
-Mas o que é o céu?
Perguntei intrigado.
-É que o índio daqui tem
história sobre o céu. Senta aqui que eu vou te contar.
-Posso gravar? …Você vai
contar e eu sei que a história é grande, tem muito detalhe... Posso gravar?
-Claro que pode! Disse ele
entusiasmado. Mas, na verdade, naquele momento, eu é que estava me controlando
para não sair quicando feito uma pilha tão excitado que estava com a
oportunidade de mergulhar numa camada mais profunda da cultura deles. Então, o
filho do cacique começou a contar essa história e seu pai na minha frente o
ajudava, mas quem interferiu o tempo todo foi a mãe do filho do cacique. Ela
parecia ser a verdadeira detentora dos detalhes da história e ia sempre dizendo
coisas que o faziam ajeitar a história para mim. Aliás, “amá” (mãe), como agora
eu a chamo, é também a que é a responsável por ensinar as índias jovens as
músicas das festas.
-Tinha dois amigos –
começou o filho do cacique – na história que o meu povo tem. Um desses amigos
morreu e o amigo que ficou na aldeia convivendo com a comunidade sofreu
bastante pela saudade. Sofreeeeu muiiiito pela saudade: andava chorando, ia
para roça, tomar banho, qualquer lugar chorando, lembrando do amigo. Teve uma
grande saudade do amigo. Aí, do céu, o amigo dele (na história diz que quem
morre, do céu, fica olhando todo mundo que tá vivo) ficou olhando e disse: “Ah!
Meu amigo está sofrendo”, falava. Aí, resolveu voltar para terra e veio e
conseguiu se encontrar com ele num lugar. Não sei dizer onde, Professor. Se foi
na roça ou num lugar bem distante da aldeia. E apareceu como se fosse vivo
ainda. Aí o amigo levou susto, né? “Ah, como que você aparece assim, mas você
está morto”! Aí, conseguiu conversar com ele: “Eu voltei porque você está
sofrendo muito de saudade”. E conversaram bastante e contou as coisas para o
amigo, as coisas que existiam no caminho para o céu. Falou da escada...
-Assim que você morre –
perguntei ao meu contador de histórias - a 1ª coisa que tem é a escada que leva
a um caminho e depois vem os 4 desafios?
-É. O primeiro desafio é
a folha do jatobá. Aí vem a ponte, depois o broto de sapê e, quase chegando no
céu, vem o sapo.
-Então, se você passar
nesses 4 desafios, você vai para a aldeia dos mortos, mas se você não
conseguir, se você não passar num desses 4 desafios, fica a alma perdida para
sempre?
-Fica a alma perdida para
sempre.
-Mas ela fica perdida em
algum lugar? Ela não vai para a aldeia dos mortos?
-Não, ela não vai para a
aldeia dos mortos. Ela fica vagando por algum lugar, perdida.
-Esse lugar é aqui entre
nós?
-Não, não, ela fica lá. Mas, aí,
Professor, a história continua. O amigo morto resolve chamar o vivo para ir com
ele conhecer o céu. Aí, o amigo levou susto, mas como estava sofrendo muito
resolveu ir junto. “Então”, disse o amigo morto, “você tem que levar flecha,
arco e fazer borduna e levar muitas e muitas esteiras para você trazer nelas as
penas quando a gente conseguir matar os pássaros. Então, amigo, no 1º eclipse
que acontecer, eu venho te buscar para você ver o que a gente tem que enfrentar
depois de morrer”. Aí, o amigo ficou esperando o eclipse, pode ser do sol ou da
lua. O amigo vivo saiu de casa para longe da aldeia e foi levado pelo amigo
morto. Subiram a escada e foram passando os desafios. Mas ele, como estava
vivo, não tinha dificuldade de passar pelos desafios. Os desafios são difíceis
para os mortos. Então, o amigo vivo foi ajudando o seu amigo morto. O 1º
desafio é o da folha do jatobá, que é escorregadia. Se você cair, sua alma está
perdida. O 2º desafio é a ponte, que é estreita. O 3º é o broto do sapê, que é
pontudo e vai machucando o pé. Por fim, vem o sapo enorme que quer te comer. Se
você conseguir passar por esses quatro desafios, então vai chegar na entrada do
céu, que é a aldeia dos mortos... (continua).
Autor: Professor Wanderley
Dantas
http://o-seringueiro.blogspot.com.br/
Publicação autorizada
pelo autor
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