Autor: Geraldinho do Engenho
Miriam
conseguiu seu primeiro emprego, trabalhando no caixa de um supermercado. Foi a
realização do sonho alimentado desde criança, quando ela se encantou com a
gentileza da funcionária que lhe atendia numa lanchonete. Isso aconteceu no dia
em que, acompanhada pela mãe, elas pagavam ali, seus salgadinhos e guloseimas
com aquele sabor de infância.
Tão
doces como aqueles caramelos, esta lembrança aprimorava cada vez mais sua
capacidade no relacionamento com a clientela. Causando admiração e cativando
patrões e colegas de trabalho com a sua doçura.
Dentre
aquela legião de pessoas que todos os dias passavam pelo seu caixa, estava
aquele senhor já idoso e simpático, com a aparência de militar aposentado.
A
cada dois dias, lá estava ele de sextinha na mão, com seu agradável semblante,
sem dizer uma única palavra. Pagava com seu cartão de crédito os enlatados,
lanches, e o pacote de ração para seu cão, que educadamente o aguardava na rua.
Em frente ao caixa, de onde Miriam tinha uma perfeita visão ao longo da movimentada
avenida. Por ela, seguia o cliente, acompanhado por seu melhor
amigo. Talvez esse senhor fosse o mais fiel cliente daquele estabelecimento
comercial desde sua abertura. Seu trajeto era periciado pelo olhar de Miriam
até desaparecer no final da avenida, no meio dos inúmeros transeuntes.
Embora
sem saber a cor das palavras daquele simpático senhor, ela sentia que algo a
deixava confortável em sua presença. Tomada por uma grande afeição,
o tratava com todo carinho. Não sabia por que, mas alguma coisa naquele homem a
atraia. Seria aquele olhar de ternura que a encantava tanto?
Às
vezes, chegava a invejar seu animal que o aguardava paciente evitando não
perturbar nem mesmo aqueles que por ali transitavam. Como se fosse também um
ser humano, parecia reconhecer seu lugar e jamais adentrava o estabelecimento.
Afastada
do trabalho, gozando férias, levou consigo a imagem daquele cliente. E, onde
quer que ela estivesse, não conseguia tirá-lo do pensamento. Seu carisma...seu
olhar terno... Comentou com a mãe a respeito daquela estranha atração. Passou a
ela as características do homem, mas a mãe desconversou. Ela insistiu no
assunto, mas foi repreendida. A mãe lhe dizia ser impossível ela com aquela
idade se apaixonar por um velho que além de tudo deveria ser mudo.
A
moça justificou dizendo que aquele sentimento era na verdade um estranho
sentimento de respeito, não de um amor sensual.
Ao
retomar sua função no trabalho, aguardou com ansiedade a presença do seu ídolo,
mas ele não apareceu. Perguntou ao colega, que a havia substituído, todavia ele
disse que poucas vezes o atendeu. Com certeza, deveria ter sido atendido por
outro funcionário. Alguns dias se passaram e do cliente nem sinal.
Já decorrida uma semana, Miriam notou a presença do cachorro à frente da loja,
no lugar do costume. Imaginou ter o cliente entrado sem que ela percebesse, por
isso aguardou sua passagem pelo caixa, Mas tal não
ocorreu até o momento de encerrar o expediente. No dia seguinte, o cão apareceu
novamente. A mesma rotina. No terceiro dia ao encerrar a atividade, o cão
estava lá no lugar de sempre e acompanhava com o olhar sua movimentação. Ela
comentou com seu colega de trabalho a respeito do procedimento do cachorro,
dizendo-se preocupada.
Convidada
pelo colega, que se dispôs a acompanhá-la, os dois o seguiram. Ao perceber que
conversavam sobre o assunto, o cachorro se manifestou festejando, dando sinal
de que entendera a mensagem. O cão os levou a um bairro nobre. Num luxuoso
condomínio, encontraram o pobre homem acamado e febril. Acionaram, de imediato,
uma viatura que o conduziu ao hospital onde ele já chegou sem vida.
Na
autópsia constatou-se morte por falência múltipla de um indivíduo, cuja língua
fora mutilada talvez por um inexplicável acidente com um produto químico.
Foram
examinar seus documentos. Constataram ser ele um ex-pracinha de guerra. Ele
deixava, em testamento, todos os seus bens para sua desconhecida filha cuja mãe
o havia abandonado ao tomar conhecimento de sua deficiência pós-guerra e jamais
dera noticia da filha, que nascera após sua partida. Sabia apenas, por uma
velha carta amarelada pelo tempo, recebida no campo de batalha, que a filha
havia nascido e recebera na pia batismal o nome de Miriam.
Junto,
uma carta escrita de seu próprio punho, solicitando às autoridades procurar
pela filha entregando-lhe seus bens e recomendando-lhe a guarda de seu cachorro
sem nome.
Geraldinho do Engenho - Bom Despacho/MG
Publicação autorizada pelo autor
Um comentário:
Boa tarde, Carlos. mais um ótimo conto publicado aqui!
Só podia ser Geraldinho do Engenho...
Vim para deixar meus mais sinceros votos de um Feliz Natal a você e a todos por aqui...
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