quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

A Quinzena do Autor: Geraldinho do Engenho

Autor: Geraldinho do Engenho

PERFIL

Sou um idoso feliz! Casado com uma mulher maravilhosa, tem quatro filhos, sendo dois casais, que já me deram oito netos, adoráveis! Estou aposentado, mas ainda trabalho dez horas por dia. Uma rotina constante desde minha tenra idade.Não sou rico, meu trabalho tem me proporcionado o suficiente para viver com dignidade.

Por falta de recursos na infância, meu grau de escolaridade foi apenas o primário.Sem formação superior. Cursei apenas a escola da vida, da qual, eu  me tornei  um eterno aprendiz. Com minha linguagem cabocla e coloquial, tenho oito  livros publicados, e participação em cinco antologias editadas pelo projeto Gandavos, em Recife capital pernambucana. Todos os meus livros, são focados nas histórias de minha terra e de meus conterrâneos.Adoro a natureza considero-me um fruto dela,pois nasci no mato na mais deliciosa simplicidade e pobreza, faltava quase tudo, mas, amor e dignidade nunca faltou,fui criado cercado pelo carinho de meus pais, carinho esse que supriu a falta dos bens matérias inexistentes.---Sempre encarei a vida com expectativa que,a força das derrotas não seja obstáculo para que eu cultive a minha fé, nem impeça-me de ser feliz. Desde criança aprendi com meus pais e avós, a me colocar no lugar do outro quando for solicitado a lhe disponibilizar ajuda  humanitária. Amo a vida e minha profissão fazem dela uma oração com o sentimento e propósito  de servir. Nasci na roça e nela trabalhei e vivi mais de cinqüenta por cento da minha existência. Sou comerciante atualmente, mas com as raízes fixas na terra, da qual eu vim, e voltarei um dia em forma de pó. Nunca abri mão de uma pequena propriedade rural, fruto do trabalho duro e honrado, conquistado com dignidade por minha esposa e eu, com muita luta, suor e mãos calosas.

--"Jamais eu poderia imaginar  eu, um simples roceiro, lavrador, aliás, com muito orgulho, estar ocupando uma cadeira na" Academia Bondespachense de Letras (A B D L)” como um de seus membros fumadores, cuja posse ocorreu no dia 10/08/2012, numa noite de gala como parte das comemorações do cenário de nosso querido Bom Despacho... Cidade sorriso, a estrela do centro oeste mineiro e alto São Francisco.



Em fim sou eu:


Um pequeno  fragmento.

Neste universo maravilhoso que Deus criou

Sou nada menor que um grão de areia

Uma fagulha da natureza... Nada sou

Eu vim do pó e para o pó eu vou

Tornar-me-ei humo esterco da terra

Alimento das plantas... Quando a vida encerra

Espero estar no perfume das flores ao se desabrochar

Se possível aos pés da mãe de Deus... Enfeitando seu altar

Mas como sou nada... Sonhar...  Foi o que a mim restou!

Porque, eu... Nada sou!



MEU LIVRO N º9

UMA SOMBRA NA POEIRA
GERALDO RODRIGUES DA COSTA

QUE SERÁ EDITADO EM BREVE




A  seguir alguns textos

MINHA SOMBRA NA POEIRA

Às vezes inesperadamente somos surpreendidos pelo acaso, ora nos premiando com sua lógica incompreensível, e inacreditável, ora nos colocando em situações embaraçosas, conduzindo-nos a lugares inimagináveis. Nesta foto eu fui premiado por ele, com o sol da manhã, projetando minha sombra na poeira da estrada. Mexendo com o meu imaginário me transportando de volta ao meu mundo criança, voltei no tempo quando nessa estrada desfilei inúmeras vezes, brincando com os meus colegas, ou dirigindo-me ao trabalho juntamente a inúmeros conterrâneos, que em sua maioria Já virou saudade e partiram indo morar junto de Deus.
Minha intenção seria apenas fotografar a estrada. Sendo ela um pedaço do meu passado, escrito nos históricos anais do Vale do picão. Ou seja, um relicário de minha infância e juventude, onde vivenciei uma das paginas mais importante da vida, ao lado de inesquecíveis amigos. Correndo de pés descalços.
MEU QUERIDO VALE DO PICÃO
Permita Deus que longe de ti eu vá morrer
Oh terra querida... Tu que me visse nascer
É o berço dos sonhos e fantasias que me embalou a vida
Que seja aqui meu último suspiro ao chegar meu fim
Quero o sol das tuas manhãs refulgindo em mim
Dormirei em paz ao esplendor de seus raios dourados
Tornar - miei o mesmo pó de onde vim... Abraçado a ti!
Quero adormecer meu torrão querido... Meu vale adorado!

NO QUINTAL DA MINHA HISTORIA


Ao perceber que a luz de minha longevidade está prestes a se apagar mergulhando no horizonte da inexistência. Eu aproveito os últimos momentos que antecedem o meu ocaso, para uma retrospectiva do meu viver no quintal da minha vida. Por alguns instantes eu volto no tempo, em uma viagem retroativa, a conviver de novo com os murmúrios da natureza, que no passado me inebriaram a alma e o coração de jovem. Minha imaginação põe-se a levitar na brisa levada pelas asas da saudade. Sorvendo o cheiro das flores de laranjeira e da terra molhada ao cair às primeiras chuvas, quando aquecida pelo sol, a terra nua tombada pelo arado de boi, obedecia à automatização da natureza, quebrando a dormência das sementes que se ajoelhavam referenciando a chegada da primavera, e com isso, a magistral, flora silvestre entrando no seu ciclo reprodutivo gestava sua biodiversidade.
 No cio, as aves do céu a construir seus ninhos para dar seqüências à posteridade. E ao longe no profundo silencio do entardecer, na voz da historia, ouço o despencar da água na bica, e as pancadas do monjolo, as cachoeiras, rolando pedras, e o açoite do vento arrogante carregando as folhas secas descartadas pela mata. Enquanto rios e lagos a bocejar cobrindo as veredas com a cortina da branca neblina, vinha do além o sereno orvalhando campos e prados.
 E como se não me bastasse monitorados por minha mente aparecem os respingos de recordações que foram congeladas em minha memória, a lampejar nítidas, imagens sabores e sons, visionados numa tela imaginária. O cheiro de rapaduras na ultima taxada do dia sendo apurada no engenho. Bagaços da cana povoados pelas laboriosas abelhas, exalando seu odor azedo. Acordes e partituras que só a natureza seria capaz de apresentar, nas belas tardes de outono quando no bambuzal silvaram fortes os passarinhos, se discordando entre si, na disputa pelo seu lugar de pernoite.  O cheiro podre do brejo subindo as encostas, empurrado pelo vento vespertino que parecia estar à busca de um crepúsculo, anunciado pela áurea franja do poente, sobreposta ao arvoredo no longínquo horizonte. Bem na divisória entre céu e terra. Resíduos do sol a refletir sorvidos pelas penas do bando de aves que passavam pelas alturas deixando o banhado a buscar nos montes seus dormitórios.
 Ao longe o ladrar de um cão espreitando a lua cheia. Que surgia correndo ligeira pela passarela azul do infinito a brincar com as plumas brancas que vagam sem rumo ao leu. Distante no estradão o gemido do carro de boi adentrando a noite. A bulha na palha seca da roça donde passa ruminando as vacas rumo ao curral.  E ao longo da paisagem às chaminés pincelando o verde das matas, com seus filetes brancos encurvados sobre o ventre da terra sinalizando o fim de mais um dia no cotidiano rural...

UMA PÁGINA DA VIDA

Quando vejo uma garça branca manobrando suas asas voando graciosa pelas alturas, tendo como pano de fundo o azul do infinito, sinto uma saudade enorme... De um sonho interminável.
”Minha saudosa infância”
Mais de meio século já se passou, no entanto parece-me ter sido ontem. Quando eu vivia misturado às maravilhas da natureza, apreciando tudo de belo, nas aves e animais silvestres. Correndo descalço pelas trilhas brancas, sem compromisso. Pelas pastagens verdejantes, e pelos brejais, marcando com o barro branco argiloso minhas canelas. Foi uma das mais importantes páginas de minha vida. Vivenciada no mais belo cenário que meus olhos já vislumbraram em toda a minha existência. Um ambiente ecológico de rara beleza. Somente a mão de Deus para criar coisa tão linda.
O lago azul e encantado conhecido como olho d’água, desaguando no rio Picão, com sua orla coberta por variada espécies de algas, formando um círculo verde manchados de garças brancas, buscando ali seus petiscos, disputando espaço com o Martinho - pescador, biguás, marrecas e paturis.
            Para meu imaginário infantil aquele foi meu pequeno oceano. Com sua grande diversidade de peixes, inúmeros cardumes, com seu malabarismo refletindo as cores do arco Iris, aos raios do sol.
Ao meio dia com o sol a pino, a passarada se reunia aglomerados nas arvores e nas latadas de cipó, formando a bela orquestra ecológica, regido pelo sabiá, tendo como sentinela o vigilante “pássaro preto”, que ao perceber a aproximação de um gavião, soltava seu dilacerante silvo de alerta. Por momentos era um profundo silencio. Aos poucos recomeçavam uns aqui outros ali; coleiras, melros, canários, outros mais, e os bem-te-vis.
            No começo da primavera quando o vento varria a face da terra, eliminando a densa fumaça que entristecia as tardes do final de setembro, chegavam às simpáticas tesourinhas, migrantes de outras paragens que vinham procriar. Esta prenuncia, nos mostrava que a natureza estava peste a entrar no ciclo reprodutivo, com o sabiá rogando a Deus, a chuva. As espécies silvestres entravam no cio, e começavam com grande euforia a construção de seus ninhos. Ao cair às primeiras chuvas o cheiro da terra se espalhava misturado ao perfume das flores da laranjeira, anunciando sua fecundidade. Esperançoso o roceiro começava o preparo das sementes, lançando-as na terra tombada, que logo ia verdejando. E em pouco tempo o mistério da divina criação fazia com que a terra se atapetasse, toda colorida, na mais bela obra de arte.
            Estes são detalhes da vida, que me marcaram profundamente, passando rápido, como um estalar de dedos. Deixando em meu intimo as marcas da saudade!

RUMINANDO LEMBRANÇAS

No passado a natureza quebrava a monotonia da impiedosa seca, com a magnífica beleza da flor do cipó de são João.
            Tivera eu talento para pintar as belas imagens que outrora ilustraram o Vale Picão, com certeza daria um belo quadro na historia universal.
A paisagem harmoniosa criada pela mão de Deus exibida pela natureza foi algo fascinante. Atualmente vou ruminando nas lembranças a saudade das imagens engavetadas na mente que vão sendo remoídas pelo pensamento.
A simplicidade do cipó de são João com toda sua beleza ecológica é um belo poema escrito pelo criador. Um recado de Deus estampado nas densas latadas do cipó que se vergavam ao peso das flores despencando das arvores despidas de suas folhas quando a natureza as colocava em quarentena, no estado de dormência para vegetarem no seu período de descanso preparando-se para ilustrar a primavera.
    Foram com o cipó, que no passado nossos ancestrais sustentaram as estruturas de suas moradias, seus ranchos de madeiras, barreados de chão batidos cobertos de sapê. Recursos oferecidos pela natureza abrigando a dignidade humana dos matutos sertanejos.
            Foi com ele que o homem do mato construiu uma diversidade de utensílio utilizada para sua sobrevivência.
 E na sua demonstração de fé, entrelaçou os mastros das bandeiras enfeitadas de laranjas maduras. Com sua flor ilustrou na sua haste o contraste do amarelo com as demais cores, ao aconchegante calor das fogueiras, na quermesse junina.
Ícone de inspiração sertaneja: na voz de famosas duplas que tão bem, o descrevem, na musica raiz do nosso folclore. ”Lá no meio do cafundó onde pia triste o chororó”
Destituído de suas funções, substituído pelo aço, o cipó cedeu lugar ao arame e os pregos.
Atualmente tanto ele como o chororó, igualmente as demais espécies tentam sobreviver, entre fileiras de eucaliptos, projetados por um sistema globalizado que utilizam maquinas potente na ânsia louca da guerra mercantilizadas pelas multinacionais.
Os homens que antes causavam pequenos arranhões a natureza com suas ferramentas rudimentares, hoje se tornaram espectadores e vitimas desta infernal destruição.
Sem perder a ternura a flor do cipó desabrocha de forma singela. Se rastejando pisoteada pela histórica depedração que vai se eternizando no tempo. Neste seu enigmático desabrochar, ela nos prova, que acima de tudo ainda existe um ser maior, imbatível, criador, que tudo sabe e tudo pode. E vez por outra manda seu alerta, através dos terremotos e maremotos.
”Os tsunamis da história”


A VOZ DE A NATUREZA NO RANGER DAS GALHADAS 


            Certa manhã ensolarada, meu pai muito carinhoso, levou-me na garupa de seu cavalo para um passeio Pelos campos. Onde executava seu trabalho vistoriando o gado. Por instantes ele deteve-se na travessia de um córrego. Enquanto o animal sedento saciava-se com a água cristalina, que rolava entre as pedras. Além do cantar dos pássaros, e o murmúrio nas correntes da água, ouvia-se um barulho diferente. - Perguntei-lhe do que se tratava. Respondeu-me:
- É a voz da natureza!
.
Para uma criança de apenas seis anos nascida no campo aquela foi uma respostas um tanto incompreensível. Mas completando, ele apontou com o indicador.
 – Está vendo aquela arvore gigantesca debruçada sobre o leito do córrego? - É um ingazeiro, é dele e do vento, através de suas pesadas galhadas o som que ouvimos. Faça silencio e ouça como é bela a musicalidade orquestrada pela natureza em coro com o ranger destas galhadas!
-Naquele momento eu senti que de fato era mesmo a voz da natureza inspirando paz e tranqüilidade e perguntei:
 – Como sabe que é dele este barulho?
 –Ora acompanhe com o olhar seu balanço impulsionado pelo vento, seguido do som!
Por momentos, apurei os ouvidos, e empolgado com suas explicações, pareceu-me inebriar flutuando ao relento juntamente com a suavidade da brisa. Encantei-me com a beleza e a sinceridade de sua narrativa.
Se antes meus passeios o acompanhando pelos matos eram prazerosos, agora mais do que nunca eu os perderia. Suas viagens, sempre a cavalo, o tradicional meio de transporte da época.
Logo após voltando à noite da casa de meu avô, um dos passeios mais preferidos. A lua encantadora já vertida para o poente desenhava nossas silhuetas pela marginal da estrada. Além de um grande fascínio uma duvida me questionava. Como poderia nos acompanhar passo a passo daquela forma?
Se ela estava lá na casa de meu avô, como poderia estar também em nossa casa ao mesmo tempo? Só mais tarde comecei encontrar respostas para tantas perguntas fluidas por minha ingenuidade infantil, naquele enigma que o universo escondia-me com sua misteriosa magia.   E a compreender o significado das palavras de meu pai. Naquelas remotas épocas que as crianças, acreditavam em cegonha, papai Noel e outras tantas fábulas que os pais, lhes contavam.
Tornei-me adulto e guardei com carinho aqueles momentos.  Com os ensinamentos e as lendas que papai me passou, aprendi amar, respeitar, e preservar a natureza.
Ao jovem leitor deixo o meu recado: se você tem filho pequeno, leve-o a um parque de preservação ambiental, mostre a ele como é bela a natureza. Não deixe que ele envolva somente com esta avançada tecnologia, que coloca a crianças da atualidade a milhares de quilômetros luz a frente de sua realidade infantil. Com certeza ele jamais esquecerá este momento e você estará guardado em seu coração eternamente.


CAMINHOS POR ONDE EU ANDEI

Conforme citei no texto de apresentação, eu tenho um carinho todo especial pela estrada na ilustração da capa. Nela caminhei pela primeira vez rumo ao trabalho ainda em tenra idade. Ela foi passarela de um cenário inesquecível em minha infância, adolescência e juventude. Onde eu desfilei sonhando mil fantasias. Um caminho que tantas vezes percorri encimado no cabeçalho do carro de boi, ouvido seu canto dolente, transportando as colheitas da fazenda sesmaria, propriedade do meu avô Guilhermino.  Fazenda essa que mais tarde foi repassada aos seus filhos, e atualmente pertence aos netos, incluindo a mim. Embora alguns já tenham repassado suas glebas a terceiros. A parte que me coube herdada de meu saudoso pai permanece ainda em meu poder. Talvez não tenha para meus filhos o mesmo valor sentimental cultuado por mim, e poderá no futuro ter o mesmo destino das demais, cedidas a terceiros.
Na foto de capa a pequena área que me pertence esta situada a sua direita entre a estrada citada e a BR 164 em ambas as margens do rio Picão acima da ponte da BR. Local onde meus colegas se juntavam a mim e vivenciamos nossa deliciosa infância. Desfrutando de uma genial intimidade com a natureza e com o leito do rio picão. O local mais saudoso e que mais me remete lembranças. Situa acima da velha e quase centenária ponte de cima como é chamada, construída de aroeira, madeira que resiste a ação do tempo. Ao seu lado, por muitos anos foi extraída argila para o fabrico de tijolos a princípio por Manoel Antero, mais tarde Chiquinho Estevão, dois oleiros que muito contribuíram coma comunidade do Engenho, na arte de fabricar tijolos.
Ao longo do tempo com a retirada da argila, em ambos os barrancos do rio, abriu-se um espaço, formando um caudaloso manancial, que nós o apelidamos de remanso. Onde passávamos o domingo inteiro mergulhando no seu leito forrado de areia. Areia essa que era extraída e juntamente aos tijolos ali fabricados foi utilizado na construção de várias casas do povoado do Engenho, incluindo o cemitério para o qual com os meus sete anos de idade fui guia de boi do saudoso Vicente Roque no transporte dos materiais citados. Velho carreiro que de inicio trabalhava para meu avô e mais tarde para meu saudoso pai proprietário da olaria.
Vicente Roque mais tarde foi substituído pelo José do Meio, morador encostadinho à BR. Um mestre na arte de carrear, que me ensinou a lidar com os bois. Tornamo-nos amigos íntimos, e compadres, quando me deu seu filho Geraldo como afilhado, consolidando com isso a nossa amizade.
            Assemelhando a uma artéria, essa estrada era a principal via por onde desfilavam os carros de bois orquestrando seus cantos dolentes, transportando a produção da abençoada seara situada nas áreas mais férteis no coração da fazenda, ou seja,a gema cultivada com milharais circulados pelos brejais onde o louro dos arrozais fartamente produtivos predominava, garantindo o sustento de centenas de famílias neste abençoado Vale.
Iniciando na sede da fazenda no Buriti Jorge, essa artéria era também via de acesso ao pacato povoado do Engenho. Uma verdadeira passarela com suas paralelas cobertas por arbustos e arvoredos ora floridos exalando um delicioso perfume silvestre, ora deitando nela seus suculentos frutos a exemplos dos araticuns, cagaitas, marmeladas, e guabirobas. Um cenário donde chilravam os canarinhos da terra, coleiras, curiós e pássaro preto. Encantando centenas de trabalhadores, que desfilavam perfilados em fila indiana se dirigindo para o seu labor diário lavrando a terra, e irrigando-a com o suor do rosto.
A partir de os meus sete anos de idade iniciei minha jornada no trabalho, nesse maravilhoso paraíso do meu passado meu pequeno mundo infantil.  De inicio como candeeiro (guia de boi) mais tarde na adolescência, eu subi de posto, assumi o papel de carreiro. Na lama ou na sua poeira foi uma luta penosa. Na colheita do milho o trabalho era realizado apenas no período diurno, exceto algumas madrugadas para transportar o feijão a ser batido em terreiros improvisados nos currais e rebocados, ou melhor, dizendo, barrelados com água e estrume de gado.
Em dias de intenso frio seus montículos em rama, eram cobertos pela geada. A tarefa de o candeeiro ajudar o carreiro a recolhê-lo roça afora, quase me entanguia de frio. Mas a noite nós crianças fazíamos a festa na queima da palha do feijão cuja cinza tinha seu valor para os barreleiros produzindo a de co da com a qual se fabricava o sabão preto.
Na época da colheita do arroz o carreto estendia até altas horas da noite, às vezes debaixo de chuva.  Assistidos pelo piscar constante das lacraias e pirilampos escoltados por vaga-lumes. E ouvindo uma multidão de sapos, pererecas, saracuras, paturis e uma diversidade de aves noturnas algumas até desconhecida que formava uma algazarra ensurdecedora do tamanho do universo.     Não raras foram as noites que tínhamos de descarregar o carro que atolava até no eixo, uma mão de obra trabalhosa, tendo que carregar a sacaria do produto molhado até atingir terra firme.
Foi assim a minha saudosa infância e adolescência. Percorrendo os caminhos e trilha deste abençoado vale do Picão. Apreciando o voou rasante das parelhas de marrequinhos selvagens que parecia mais veloz que o som. Enquanto a minha vida sem preocupações parecia vagarosa.
  
O RETROVISOR DO TEMPO

Às vezes caminhando por trilhas onde meus amigos e eu, corremos em nossa infância, em devaneio mergulho-me nos sonhos que ficaram acorrentados por minha lembrança.
Os delírios da saudade e a fotografia de meus colegas arquivada no álbum de minha memória me transportam ao passado, a contemplar pelo retrovisor do tempo, os horizontes galgados por minha existência.
 Vou buscar na saudade as fantasias que se perderam na magia da ilusão-, o objetivo de sonhar novamente. Navegando nas águas ora calmas ora turbulentas pelo mar da imaginação. Embora seja uma miragem espelhada por um retrovisor imaginário. Alimento sempre a mesma expectativa esperando que eu possa reencontrá-los na longínqua curva deste oceano de recordações. Engolidos pelo tombo de suas ondas. Para que juntos possamos correr de novo pelas mesmas trilhas e estradas de então, descortinando com sutileza a paisagem de nossa história.               
Descompromissados como sempre fomos, e com a mesma alegria ingênua, deliciarmos naquelas tardes, quando éramos parte do elenco ecológico de um belo espetáculo. O sol se punha e o crepúsculo puxava o manto da noite. Vinha a lua toda risonha esparramando seus encantos sobre aquele cenário dominado pela soberania da natureza.
O acortinado de estrelas cobria o universo e o nosso mundo criança. Ilustrado pelas lacraias no seu constante piscar de luzes, escoltadas por vaga-lumes, que em atalaia riscavam os espaços manchados pelas sombras dos arvoredos provocadas pelo luar. Com seus estridentes gritos os urutaus de bicos escancarados ao longe no cerradão quebravam o monótono silencio da noite após engolirem os mosquitos atraídos pelo mau odor do seu hálito... Foi, foi, foi, foi, foi!
Não menos selvagens nós moleques de pés descalços e cabelos desalinhados, éramos também parte dela, misturando-nos aos murmúrios e encantos projetados em sua biodiversidade. Enquanto a noite não silenciava e o sereno não vinha para orvalhar os campos e os prados, a lua era soberana a passear sobre os telhados que ocultavam a humildade das lamparinas. Altaneiro e vigilante são Jorge exibia seu potencial encantador, enquanto nós meninos... Apenas sonhávamos e o aplaudia! 

TARDES DA MINHA INFÂNCIA


Atualmente eu recordo com saudade os momentos marcantes vivenciados na minha infância. Ao encerrar as chuvas outonais, finalizando as colheitas entrando no período mais frio, as belas tardes juninas ao por do sol com um céu infinitamente muito azul e límpido, o amarelo boreal do ocaso tingia sua franja acima da linha do horizonte com o seu colorido encantador, tornando-o num belo espetáculo da natureza. Com os bandos de pássaros de várias plumagens e cores deixando os banhados em busca de seus dormitórios nas capoeiras que cobriam os montes.
 Os meninos nossos vizinhos, meus primos e eu. Abríamos as duas Porteiras que se confrontavam no curral à frente de nossa casa, improvisando com elas o nosso campo de futebol. Nas noites enluaradas as partidas que não tinham tempo determinado estendiam até esbarrar nos chamados de nossas mães para recolhemos. Bola de meia, velha recheada de panos ou até mesmo as enormes laranjas com que se fabricava doce, que eram amaciadas com nossos pés descalços até se esbagaçarem, sendo usadas várias em cada partida esfolando nossos dedos e pés, quando estavam ainda verdes.
O cheiro do esterco do curral misturado ao sumo das saborosas mexerica muito abundante em nosso quintal, e que ficava impregnado em nosso corpo exigindo uma constante vigilância de minha mãe recomendando-me um banho caprichado com a bucha de palha de milho e o tradicional sabão preto feito de decoada.
Em noites de escuridão muita brincadeira diferente acontecia às vezes até mesmo o futebol aproveitando a claridade na queima da palha de feijão cuja cinza era usada para os barrileiros de onde se extraia a decoada citada acima.
Quantas tardes saudosas povoam minha lembrança. Quando o sol mergulhava no horizonte e o infinito bordava a imensidão cósmica por milhões de estrelas, caia o silencio da noite. Ao cessar, o vento cedia seu espaço para a brisa, que sutilmente começava a carregar os murmúrios do cotidiano rural, como a bulha das vacas nas canas de milho da distante palhada além do rio Picão, e o perfume das flores silvestres, que a natureza adormecida em sua tranqüilidade nos oferecia.
Nós meninos de dez anos ou pouco mais, de cócoras com os queixos atolados nos joelhos apreciando a solidão do universo, vez por outra salgando a língua com o dedo indicador sujo pela sobra do sal babado pelo gado no cocho do curral. Aonde sentados nele, procurávamos as constelações de estrelas como o cruzeiro do sul, sete estrelas e outras tantas que a matéria escolar indicava-nos em nosso aprendizado. Ouvindo as pancadas do monjolo, e o despencar da água na bica, o cantar dos grilos, dos curiangos, e os gritos de urutaus nos distantes cerrados. Apreciando uma ou outra estrela Cadente, que por ventura surgisse riscando o universo com seu rastro de magia; o desfile dos vaga-lumes que deixavam seus esconderijos e sobrevoavam as residências atraídas pela luz das lamparinas que escapava pelas frestas dos telhados.
Agora na reta final de minha caminhada, tomado pelo imenso saudosismo que me domina fico imaginando aquelas senas tão bela, e procurando encontrar onde havia maior beleza; se no brilho das estrelas que povoavam a solidão universal daquele cenário tão real, ou na pureza de nossas almas adolescentes, que aos poucos foram tomando consciência da vida.  Cada um de nós a buscar nossa verdadeira realidade identificada socialmente com o nosso dever de cidadania.  Seguimos dispersados como folhas secas ao vento, desgarradas daquela nossa magia de sonhos que vivenciamos em nossa saudosa infância. Marcando primeiro capitulo de nossa história. Como homens a buscar no universo da vida o caminho a seguir.

AS SOMBRAS DO PASSADO

Ao encerrar mais um dia chuvoso no verão, preparava-me para retornar de meu cantinho na roça. O sol com seus raios ofuscados pelo denso nevoeiro perderam sua majestade. 
 Em transição pelas alturas ouço piar as aves, envolve-me a mutação da natureza com os seus murmúrios no açoite do vento. E um místico mistério transporta-me ao meu enigmático imaginário.
 O momento é mágico e sombrio levando-me de encontro à saudade. Retomo no meu caminho, as velhas estradas do passado. Estou agora preso aos amigos, objetos, e coisas que não voltam mais, perco-me no tempo em devaneios, e por momentos divago pela imensidão sombria do meu retroagido e nostálgico cotidiano.
 Ponho-me a contemplar a paisagem. Ao sul nas alturas cúmulos e cirros se aglomeram formando torreões negros, encimadas por dunas gigantescas no contraste, sua brancura com o negrume do nevoeiro.
As recordações são inevitáveis e o meu coração da tudo de si para que o envio de oxigênio á mente seja suficiente para suportar as lagrimas que fluem da alma.
 E como uma tábua de salvação no meio deste dilúvio emocional, abre-se uma pequena fenda na linha do horizonte por onde o sol pode dizer adeus com nuanças lançadas por seus raios coloridos, mostrando-me que nem tudo é solidão, e que por mais sombria que seja a vida continua. Superada minha emoção, eu retomei o equilíbrio entrei no carro e segui em viajem.

A MÁQUINA DE ESCREVER

Criado na roça, sem rádio, sem acesso as modernidades da cidade, eu não passava de um caipirinha, jeca. Feliz correndo entre as maravilhas da natureza, sem grandes ambições, e sem me preocupar com os acontecimentos do dia a dia. Tudo era mágico no meu mundo infantil, mas a cultura repassada pelas gerações que se sucediam afastava a criança da verdadeira realidade da vida. O conhecimento do mecanismo sexual era restrito aos adultos. Segundo os conceitos dos pais, a ordem natural do saber, a respeito do sexo, era insalubre aos filhos, e mantida numa redoma sigilosa que jamais deveria ser quebrada. Esses tabus de moralidade perduraram por longos anos na formação das famílias. Tivemos que aprender por nós mesmos o mecanismo da procriação do sistema de vida que povoa a terra.  Palavras simples, que hoje são comuns não poderiam ser pronunciadas por pessoas de bem. As pessoas eram medidas e identificadas pelos gestos, e pela forma como se vestiam e se portavam principalmente as mulheres, muitas eram julgadas por seus gestos, modos de agir, e até postura corporal.
Comecei a descobrir o mundo real, a partir do momento em que passei a freqüentar a escola. O que ocorria quando a criança completava sete anos de idade.
 Ah como eu admirei -, e fui feliz com minha adorada professora, dona Maria Guerra um anjo em forma de mestra, que influenciou de maneira positiva a formação de minha personalidade.
Quando na sala de aula, ela nos mostrou uma folha de papel datilografada, e nos ensinou algo a respeito da maquina de escrever, dizendo que no futuro ela substituiria o lápis e a pena com a caneta tinteiro, fui tomado por um desejo enorme. Meu sonho era ver meu nome escrito com aquelas letras datilografado a maquina. Sonho bobo de criança da roça, que via magia em tudo, criando mil fantasias com as modernidades que foram surgindo no decorrer do tempo.  Sonho que perdurou até minha adolescência.
Mais tarde trabalhando numa maquina de beneficiar arroz de propriedade de meu pai, não sei por qual motivo, ele mandou confeccionar os blocos de notas, que lá eram utilizados, em meu nome. Eu ri de mim mesmo imaginando será que papai adivinhou meu desejo de criança e só agora realizou meu sonho. Impossível. Esse foi um segredo só meu, e eu, o guardei a sete chaves... Ah como era Boa e gostosa a ingenuidade de uma criança da roça, podendo se contentar com tão pouco!

A CARTOMANTE

Hoje doze de junho de 2014, dia dos namorados, eu tentei escrever algo condizente com a data. Por mais que me esforcei não consegui, faltou-me inspiração. Se com ela já deixo a desejar imagine sem ela, meu caro leitor. Desliguei o computador e a convite de minha esposa, como costumeiramente fazemos uma vez por semana, fomos ao nosso cantinho na roça.
Antes passamos pelo centro comunitário, visitando o grupo de teatro. Onde aconteceu uma oficina de teatro de bonecos, dirigida pelo grupo Kabana, ministrando aulas aos adolescentes da comunidade, o que, aliás, está nos fazendo crer que em breve será consagrado, pelo apoio em suas apresentações que se realizam com muito sucesso. Nosso grupo de teatro, cujo nome Engenhos, foi sugerido pelo professor Mauro da componente da equipe Kabana, já apresentou em várias cidades incluindo a capital mineira.
Encerrada nossa visita a oficina, na saída, estava uma idosa em sua cadeira de rodas, cujo nome é um pouco estranho, ”Merendolina” nome este, que adéqua perfeitamente com o que ela foi, ou tentou ser, no passado, “cartomante” poucos ou quase ninguém a conhece pelo nome, é conhecida pelo apelido que também não foge muito a regra do seu enigmático misticismo; Uíta.  Fiquei penalizado ao vê-la naquela situação de imobilidade física, sendo cuidada por seus familiares. Situação que acabou mexendo com meu imaginário trazendo-me as lembranças de suas premonições no passado, quando inúmeras pessoas a procuravam em busca de suas previsões; fator que lhe rendeu certa fama.
Em abril do ano de 1960, com os meus dezessete anos, encantei-me por uma namoradinha, amor de verdade, paixão de adolescente. Febril de amor por ela, eu não admitia que nenhuma cartomante ou um adivinho qualquer colocasse ventilador em minha farofa de amor.
Duas de minhas irmãs namorando serio, e um primo apaixonado por uma jovem, mas uma paixão daquelas avassaladoras, de arrebentar coração.
Sempre unidos, nós tentávamos consolá-lo, a jovem estava noiva, e já de casamento marcado. Mas ele não perdia a esperança de forma nenhuma.
- Certo dia ele veio até a mim, e me confidenciou dizendo:
--Eu procurei a Uíta, ela consultou as cartas para todos nós, você suas irmãs e eu!
-- E ai o que ela disse, alguma coisa de muito especial?
--Suas irmãs vão casar com os atuais namorados, eu também vou realizar meu sonho com aquela jovem que eu amo de paixão, agora você não tem a menor chance, o seu foi o único que não deu certo; ela consultou as cartas diversas vezes, elas dizem a mesma coisa.
-Hahahá! Sua paixão está noiva falta menos de trinta dias para se casar, e sou eu que vou perder a minha? Você acredita nisso, pode tirar seu cavalo da chuva você não tem a menor chance primo!
--Vamos esperar para ver, ela está noiva, mas ainda não se casou, segundo as cartas da Uíta, uma semana antes o casamento dela vai acabar.
--Tô pagando para ver primo, esqueça a moça arranje outra namorada, não sofra por alguém que lhe é tão indiferente!
-- Vamos aguardar o que está escrito vai acontecer; eu não perco minha esperança, se está reservado para mim cedo ou tarde será meu!
Apaixonado como eu estava, não admiti de forma nenhuma aquela hipótese.  Só que faltando oito dias para o casamento da jovem, por quem o primo era apaixonado, ela, em comum acordo com o noivo desistiu de se casar.
--Meu primo eufórico de alegria veio me contar o acontecido, e me advertiu.
-- Pode colocar sua barba de molho porque o seu não vai dar certo de forma nenhuma, eu voltei La, a Uíta consultou as cartas de novo. Diversas vezes para todos nós, o seu é o único que não vai dar certo.
Fiquei triste com aquilo, tentando não acreditar. Tempos depois, ele começou a namorar sua pretendente e se casou.
Eu apaixonado e sendo correspondido, de repente por nada acabou meu namoro, ela e eu sofremos para caramba.
Cada um de nós seguiu nosso caminho, casamos com outras pessoas, e somos felizes.
 Minhas irmãs também se casaram com os seus pretendentes. Pelo menos nessa premonição a cartomante Merendolina, ou Uíta, como queiram, acertou!
 O primo e sua esposa são verdadeiros heróis, seus filhos inteligentes e trabalhadores, já comemoraram as bodas de ouro dos pais, uma família exemplar na qual, muitos outros casais poderão se espelhar.
-- Seguindo nosso trajeto, durante os onze quilômetros que separam o centro do Engenho e nossa fazenda, minha esposa percebendo que eu viajava mergulhado em devaneio, permaneceu em silencio.
Logo que começamos a irrigar nosso jardim, uma roseira recém podada com diversas rosas, e botões por desabrochar conduziram-me a uma nova viagem no tempo. Voltando ao ano de 1966 quando ali chegamos, nós dois, como duas daquelas flores que acabaram de desabrochar. De mãos vazias, com a cara e coragem, plantamos nossa casa no meio de uma capoeira. Com o nosso trabalho digno sempre respeitando a Deus e a natureza. La estava ela e eu, agora como duas bananeiras que já produziram seus cachos, ou talvez duas daquelas rosas descoloridas, que perderam o brilho e o perfume, mas com sua missão cumprida, missão de gratuidade alegrando a vida e a natureza como as rosas, o faz, conforme determinação de Deus nosso criador. Durante nossa corrida pela vida, cuidando de nossos filhos, jamais tive tempo para fazer o que agora estava eu fazendo, cuidar das flores juntamente a minha esposa, minha eterna namorada. Éramos duas crianças quando trocamos nossas primeiras juras de amor, como namorados, naquele treze de agosto de 1961, cinqüenta e três anos se passaram, e Ca está eu, com os meus cabelos brancos, rosto enrugado, sem o brilho da juventude, mas com a experiência de uma vida digna, e muitos anos de trabalho nessa caminhada, sempre juntos amparados pela mão de Deus.
- Em relação ao jardim, a sua gratuidade está na tonalidade nas suas cores e no seu perfume, com os quais nós alegramos a vida, e somos conduzidos pela enigmática magia traçada nas linhas geométricas de nossa existência. Para que se cumpra sua missão de gratuidade alegrando-nos e ilustrando a natureza, precisa ser cuidados, e depende de nós.
Porque o tempo, e esse cuidado faz brotar das flores esta gratuidade que nos traz alegria, nada melhor que oferecer uma flor para demonstrar o carinha à gratidão e o amor ao semelhante. É na magia desta gratuidade que encontramos a alegria de viver.
 Lembrando o grande poeta gaucho Mario Quintana, que dizia: “Os jardins não morrem por falta da água, eles morrem por excesso de sol”.


TELEPATIA DE UM CÃO AMIGO

No ano de1966 ao adquirir nossa propriedade rural, foi grande a luta que desempenhamos.com pouco recurso financeiro para construir nossa residência, e organizar o minino necessário para nortear nossa vida no campo, minha esposa e eu trabalhávamos quase ininterruptamente dia e noite. Construímos nossa moradia no meio de uma capoeira, misturados aos lobos, gatos, cachorros do mato, e raposas.
Levamos conosco, alem de meia dúzia de porcos, mais de duzentas cabeças de galinhas, era praticamente o patrimônio que nos restou na aquisição da terra. Tentando construir o nosso pé de meia plantamos as primeiras lavouras. Na colheita restavam pouco mais de trinta cabeças, entre galinhas, frangos e pintinhos. Nossos vizinhos selvagens, os bichos do mato, deitaram e rolaram, devoraram sem dó nem piedade o nosso patrimônio constituído em penosas bípedes.
Penalizado com a situação meu tio Onofre me doou uma cadela da raça cole, demos o nme de cigana a ela.Parecia um ser humano, talvez até superando muitos. Educada e responsável com o seu dever de vigilante, assim nós podemos respirar aliviados. Embora uma vez e outra os lobos ainda surrupiassem alguma galinha, mas dos bichos de pequeno porte nós nos livramos por completo.
A cigana deu cria, seis cachorrinhos, cinco mais robustos lindos e um feioso, como no dizer popular, o carregador d’água, da cor de borra de café, parecia ser filho, de um pai vira lata. Doei cinco às pessoas que haviam encomendado o feioso ninguém o quis. Mal sabiam que era o melhor de todos. Como nós sempre cuidamos bem, tanto dele como de sua mãe, em pouco tempo sem a gente ensinar a ele, aprendeu por si próprio, e parecia ser gente, apenas não falava.  De repente algo estranho começou acontecer, em qualquer situação que dependesse de eu chamá-lo, bastava eu pensar, ele poderia estar dormindo, que levantava e saia correndo ia realizar aquela tarefa. Nós passamos a nos comunicar através de telepatia. Pode o leitor não acreditar, mas apenas com o pensamento eu lhe dava ordem e ela obedecia. 
Em 1968 eu dei inicio a minha atividade comercial, uma necessidade, que surgiu como alternativa para nossa complementação de renda. Com onze itens de mercadorias básicas uma balança que tomei emprestada, e alguns caixotes iniciaram minha atividade comercial, com a tradicional vendinha de roça.
Foi minha salvação para liquidar dividas contraída na aquisição de nossa propriedade e seguir em frente.
O acesso a cidade e o meio de transporte precário contribuíram para eu me dar bem nessa atividade. As carvoarias consumindo muita mão de obra alimentaram por um longo período minha atividade como vendeiro. Passamos a cultivar verduras legumes e criar galinhas para fornecer aquela gente que dedicava tempo integral nas carvoarias e não tinham água suficiente, nem como cultivar.
Meu cachorro que já não era mais feioso cresceu e agora com seu pelo avermelhado ganhou o nome de rochedo. Ele e sua mãe passaram a ser os guardiões de nossa propriedade. A noite não chegava ninguém sem eles se manifestarem, o mais incrível é que eles conheciam minha clientela, se chegasse um cliente estranho eles esbravejavam, eu teria que dar ordem para recuarem.
Aos sábados e domingos dias de maior movimento a venda de frangos e galinhas era mais significativa. O rochedo deitado sempre no terreiro. Bastava ouvir um cliente perguntar se teria frangos à venda, ele levantava e ficava a espera, eu saia sem nada dizer a ele, mandava o cliente escolher o frango ou galinha de sua preferência, e foram muitas vezes que eu dizia ao cliente:
--Observe eu vou enviar uma mensagem telepática ao rochedo e ele vai pegar o frango que você escolheu! E assim era feito, ai onde quer que a ave fosse ele a pegava no meio do canavial, ou do capineiro em qualquer parte do quintal, ele o pegava e segurava com as duas patas dianteiras sem si quer dar nela um pequeno arranhão. Ouvi muitos comentários:
--Uai sô ocê é feiticeiro sô? Nunca vi ua coisa dessa não!
Naquela época a cultura completamente diferente, os recursos limitados, não se tratava de animais como atualmente. O cachorro além de chicote ganhava apenas migalhas de comida, isso quando sobrava, o que raramente acontecia.  Vacinas e tratamento veterinário nem pensar, se para a gente era difícil imagine para o animal.
Infelizmente uma doença terrível levou meus dois amigos, primeiro a mãe, em seguida o filho, até hoje me emociono ao recordar as façanhas desses dois cães, que me ajudaram tanto nessa saudosa fase de minha vida lavrando a terra da alvorada ao anoitecer.

UM PRESENTE NA HORA DA MORTE

Segundo dizem as doutrinas do cristianismo, podemos salvar a alma, através da sublime prática da caridade. A caridade é um perfeito passaporte para um cristão entrar no reino de Deus. Praticar o bem dividindo com aquele mais necessitado, um pouco do pão nosso de cada dia, com amor e desapego, é emprestar a Deus e a certeza que na hora da morte o espírito santo comparece para levar sua alma a ele, o nosso criador, no reino celestial. Eu pude comprovar isto com a história a seguir.
Tia custodia como era chamada foi uma pessoa pura amável e caridosa, parecia adivinhar quando as pessoas necessitavam de ajuda. E La estava ela socorrendo não só com bens materiais, como também com sua amizade, levando sua palavra de fé cristã. Isto foi comprovado por minha avó materna, que passou por grandes dificuldades na criação dos filhos, com o meu avô, seu marido, acometido por uma moléstia não diagnosticada, vivendo na cama sem poder trabalhar por quase vinte anos tendo que ser cuidado como se fosse um bebê. Vovó na sua maquina de costura, mamãe e minhas duas tias mais velhas, trabalhando na enxada para ajudar manter as despesas da casa, ao todo foram quatorze, os filhos de vovó.
Segundo ela me contou, não fora poucas as vezes que não sabia como faria para preparar o jantar dos filhos. Sentada na sua maquina de costura, ela rogava aos céus apelando para providência divina, e sempre foi atendida. De repente, do nada surgia uma ajuda, às vezes sua própria mãe, minha bisavó Isaltina que embora morando distante sentisse as necessidades da filha. Noutras ocasiões a tia Custodia aparecia como um anjo enviado por Deus, ora trazendo o arroz o feijão que faltava, ora com a gordura de porco que era o alimento mais valioso e mais difícil de adquirir naquela remota época.
Maria Custódia, mas carinhosamente chamada por Custodia, era Irma de meu avô paterno portando minha tia avô. Uma mulher pura, um anjo de pessoa. Temente a Deus e educada por natureza.  Não teve filhos biológicos apenas um filho adotivo. Que faleceu prematuramente. Eliminado pelo vicio do alcoolismo.
 Casada com Augusto Nazário. Quando envelhecidos necessitando de cuidados especiais, papai passou a ser o arrimo do casal. Após o falecimento do tio, meu pai a aparou em nossa casa.  Não nos aborrecia com nada. Mamãe teve para com ela um carinho todo especial. Eu admirava aquele tratamento sendo ela apenas tia de meu pai. Só mais tarde quando vovó me contou o quanto foi ajudada por ela, pude compreender que ela estava colhendo o que semeou. Ajudando minha avó ela plantou para colher a ternura e carinho de minha mamãe.  Mas tia Custodia sempre rezava e pedia a Deus que não a deixasse ir para cama preocupada e dar trabalho, queria uma morte súbita. E foi atendida. Numa tarde passou mal repentinamente.
Como ela morava em dois cômodos na porta da cozinha de nossa casa. Mamãe notando que ela não estava bem a conduziu para um quarto dentro de casa, embora febril ela protestasse dizendo que não queria dar trabalho. Devido à gravidade do seu estado ficamos todos em vigília inclusive alguns vizinhos. No seu ultimo momento de vida aconteceu sua provação de fé. Presenciamos um fenômeno, que nos deixou a todos perplexos com o fato ocorrido.
 A noite muito escura, coberta por um denso nevoeiro, duas horas da manhã cerca de uns quarenta ou cinqüenta pombos saiu dos seus dormitórios no paiol e pousaram no telhado da casa sobre o quarto no seu leito de morte, fizeram uma grande algazarra arrulhando talvez uns cinco minutos. Justo no momento em que ela entregou sua alma a Deus, partiu tranqüila e serena com seu semblante sorridente. Mamãe sempre afirmava que o Espírito Santo veio recolher sua alma través daquela manifestação dos pombos. Parece incrível, mas é verdade numa escuridão tremenda como aquelas aves foram se manifestarem?
É a vida como ela é. Semeando amor e afeto através da caridade, colhe carinho ternura e felicidade. Se ao contrário semearam ódio discórdia e falsidade só poderá colher adversidades.

O LUTO DE UM BOIADEIRO

Ao remexer as lembranças arquivadas na memória, vão surgindo os fragmentos do passado que me fás voltar no tempo. Ao velho cotidiano em que me criei. Um roteiro cultural quase primitivo, se comparado com esta tecnologia avançada e inovadora que vivenciamos atualmente.
Minha recordação está repleta de fragmentos, cores, perfumes e sabores, acompanhados por imagens que não se apagam. Sempre que surge uma lembrança do passado, ela vem acompanhada das imagens que a representa.
A fazenda de meu saudoso pai foi pousada dos boiadeiros, que transpunham os obstáculos galgando monte e serras, enfrentando as más condições das estradas, tangendo boiadas rumo aos matadouros. Uma árdua tarefa deste seguimento da sociedade que no passado teve um papel fundamental, arrebanhando as boiadas sertão afora para com isto garantir a carne na mesa dos consumidores, de grandes, medias, e pequenas cidades.
Quantas lembranças engavetadas que vez por outra escapam de minha memória colocando-me em conflito com a saudade, me trazendo as imagens desse passado quase remoto, mas que permanecem vivas nas recordações. As nuvens de poeira levantada pela boiada, tingindo de vermelho os arvoredos e pastagens que margeavam estradas, o choro sentido do berrante, que mais parecia um lamento, conduzindo centenas de bois de corte, que seguiam inocente indo ao encontro da morte nos matadouros das grandes metrópoles.

Domingos meu saudoso irmão caçula, que tão cedo partiu, com apenas trinta e poucos anos, chamado por Deus. Era apaixonado pelo toque de Macaúba, um já idoso berranteiro que sabia fazer um berrante clamar o triste fim dos bois que a comitiva conduzia. Meu irmãozinho com seus cinco anos ou pouco mais, era apaixonado pelo velho, que também o adorava e lhe retribuía com balas, doces e pirulitos, por ocasiões de suas passagens na acolhedora pousada de meu pai. O menino já conhecia seu toque, quando ao longe a boiada vinha. Ele corria a esperá-lo empoleirado na cerca do curral.  E qual não foram sua decepção e tristeza. No dia que notou um toque de berrante que não era o seu, quando o ponteiro guiando o gado que o substituía adentrou o curral com uma bandeira preta afixada na sua vara de ferrão em sinal de luto. Macaúba faleceu subitamente, no trajeto daquela comitiva e seu berrante silenciou. Fora sepultado fazia três dias, longe de seus familiares. A precariedade no meio de transporte daquela época, não permitiu que o pobre velho fosse velado por seus entes queridos.  Por um longo tempo o menino chorava ao ouvir um berrante tocar tangendo as boiadas que por lá pernoitaram.

Autor: Geraldinho do Engenho - Bom Despacho/MG
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Um comentário:

Maria Mineira disse...

Sou fã de carteirinha desse autor.Desde que entrei para o Recanto das Letras tive a alegria de tê-lo como amigo e incentivador. Sempre acompanho seus escritos e só tenho aprendido muito com seus contos e causos.Tenho quase todos os seus livros e posso garantir que é um grande representante da Literatura Mineira.