sábado, 2 de janeiro de 2016

A última Revelação

Autora: Maria Mineira

Envolvida por paredes frias, caminho a esmo pela sala. Dominada pelo desespero, procuro a imagem dele à minha frente. A tela que mostrava o circuito interno de tevê, transformou-se no espelho da minha ansiedade e tormento.
Quero de novo a sua presença, preciso desse alívio que não vem. Meus olhos pousam nos onze livros da estante.  Ansiosa, ando de um lado ao outro folheando páginas. A vontade é descer e verificar se o carteiro já deixou a encomenda que chega religiosamente no mesmo dia, há exatos doze meses.
Pela câmera, passo o tempo a observar dia após dia. Perco horas a acompanhar a vida de outras pessoas. Vejo tantos acontecimentos e questiono o sentido de minha existência nesse mundo. Nem as lágrimas insistentes conseguem dar vazão a esse sentimento angustiante. Eu, cada vez mais impotente diante de uma tela, onde minha realidade é o contrário de tudo que sonhei para mim...
Jamais esquecerei nosso primeiro encontro na livraria de um Shopping Center, na cidade de São Paulo. Ironia do destino, ambos disputávamos o último volume de “Memorial do Convento” de José Saramago. 
—O livro é seu.  Gostaria que aceitasse como presente.  Sorriu, convidando-me para um café.
Aceitei, meio encabulada diante daquele homem de cabelos grisalhos, voz doce e olhar terno. Conversamos amena e divertidamente a tarde toda. Falei de minha vida solitária, após noivado desfeito. Contei dos meus livros, do meu trabalho como secretária numa multinacional. Dele, soube que apesar de brasileiro, trabalhava como professor de Literatura Estrangeira, numa conceituada universidade inglesa e estava no Brasil em férias, visitando a família, que se resumia em uma única irmã. 
Ao final daquele dia inesquecível, números de telefones trocados, endereços de e-mails também. Ele e eu tínhamos tanta coisa em comum e não seria um oceano e trinta anos de diferença que iriam nos separar. Foi constante a troca de mensagens, textos, confidências e dicas de livros, pois tínhamos gostos muito parecidos. Quando percebemos estávamos irremediavelmente apaixonados.
Apesar da distância, confessou-me que seu amor por mim, tornara-o quase adolescente outra vez. Para amenizar minha saudade, quebrando regras, deu-me a senha do circuito interno de TV, da universidade onde lecionava. Assim, acessando um site, podia vê-lo chegar e sair todos os dias do trabalho, através da internet. Desde esse dia, acordava muito cedo, devido ao fuso horário, só para observar, antes de ir para meu trabalho, cada um de seus movimentos nas frias manhãs londrinas.
Recordo minha surpresa, quando voltei de férias no litoral. Através da câmera, vi sua imagem na penumbra, entre o acervo de sua biblioteca. Conversamos muito. Ele confidenciou-me, que ali entre os livros, sentia-se com alma de passarinho e se imaginava vindo ao meu encontro, viveria para sempre em meus braços...  Nesse dia, recitou-me um verso de Camões —"Mais servira, se não fora/ para tão longo amor tão curta a vida." Ao final, contou-me de uma grave doença, da cirurgia marcada, do seu desejo de que eu fosse a guardiã de todos os seus livros...
Vi todos os meus sonhos se esvaindo, ao acompanhar dia após dia, através da tela de um computador, a imagem do meu amado professor debilitar-se aos poucos. Apenas o brilho dos olhos permanecia inalterado. Quando conversávamos nos intervalos do tratamento, fazia de tudo para me ver sorrir. Se percebia tristeza em minha voz, se angustiava ainda mais. Mergulhei no fundo de minha alma e achei forças para não demonstrar, pois na verdade, juntamente com ele, eu também morria...
Aquela tarde nem notei a luz desaparecer. Quando o sol retornou derramando seu dourado em meu quarto, pressenti terminada minha espera. Inacreditável o que senti. Existiria solidariedade na dor? Não tive fome, sede ou ânimo para coisa alguma. Seria isto o que chamam de sintonia?  Senti a dor do meu amor em seu leito de morte, enquanto eu ardia em febre aqui do outro lado do mundo. Os calores do seu corpo se esvaindo, me aqueciam a milhares de quilômetros distante.
Hoje faz um ano... Uma onda quente de saudade envolve todo o meu ser. Anoitece, quando finalmente ouço o lamento do interfone. Recolho a caixa dos Correios.  Antes de abrir o envelope, respiro fundo, apertando-o contra o peito, para depois rasgá-lo impaciente. Ao pousar os olhos sobre o papel um sentimento misterioso me faz estremecer... Então minhas lágrimas molham as páginas do décimo segundo livro, ao ler a sua última revelação...

Autora: Maria Mineira - São Roque de Minas/MG

5 comentários:

marina Alves disse...

Sensacional! Um conto envolvente que vai levando junto o leitor. Impossível não se deixar enredar por essa trama bonita. E no final, Ah, o final puro suspense! Tudo que pede um bom conto de amor. Começamos muito bem! Parabéns ao autor!

Anônimo disse...

Amei! Espetacular! Mas triste tambem.Conceição Gomes.

Anônimo disse...

Excelente texto, com desenrolar suave e perfeitamente dentro dos parâmetros do concurso. Parabéns a quem o produziu.

Alberto Vasconcelos

Magnu Max Bomfim disse...

O autor ou autora deste texto tem a rara capacidade de transformar emoções em palavras, e estas palavras ecoam em nossas mentes produzindo as mais belas e sensíveis imagens que uma paixão pode despertar! Parabéns, gostei muito...

Patytrocandoexperiências disse...

Maria Mineira, uma escritora de alma sensível que estou tendo a honra de conhecer por meio virtual, mas com a graça de Deus irei conhecê-la pessoalmente! Você é uma poetisa nata, dom maravilhoso! Parabéns pelos versos que nos envolvem pela emoção e fervor de cada palavra! Sucesso é o que lhe desejo, Patrícia Farnese.