sexta-feira, 29 de maio de 2015

Terceiro Concurso do Blog - Texto 28: Quando a vida começa?

A vida começa aos quarenta.
Era essa a frase que ela sempre ouvia, quando tinha trinta e sete ou trinta e oito.
Como pensava não ter vivido tudo que gostaria ou que pensava ter direito de viver, aguardava ansiosa, a chegada dos quarenta.
Afinal, com a chegada dos quarenta, chegaria sua vida nova.
Renasceria para a vida ou a vida lhe renasceria.
Sempre com essa frase em mente, continuava com sua pacata e moribunda vida que, morreria aos trinta e nove, para renascer aos quarenta.
Chegou a tão esperada idade e nada. Não sentiu nenhuma mudança. Nada acontecia.
Tudo era igual. Nada de nada!
Passou por essa década esperando seu renascimento e nada de novo em sua vida.
Chegou aos quarenta e nove e, ouviu de novo que, com a menopausa, a vida começa aos cinquenta ...Mas, qual... nada de nada.
Mais uma década de desencanto e mesmice.
Finalmente chegou a terceira idade. Ah, a terceira idade.
A idade da libertação. Da aposentadoria. Dos direitos do ¨idoso¨.
Mas não era isso que ela queria. Ela queria algo mais.
Não queria apenas prioridade nas filas do banco, nos ônibus, nos cinemas...
Queria sentir-se viva. Queria estar viva.
Foi quando leu um anúncio, desses que tentam arrancar dinheiro dos aposentados, que ela pensou em fazer algo só dela, só para ela. No anúncio dizia:
”A vida começa aos sessenta. Faça suas malas e venha desfrutar da melhor idade conosco.”
Juntou suas economias, fez as malas e partiu em excursão para o sul do país.
Se nada de bom lhe acontecesse, pelo menos teria conhecido geograficamente um pouco mais do Brasil.
Serras Gaúchas; Comida boa. Vinhos finos. Músicas alegres.
Em uma das paradas do passeio da Maria Fumaça, ela avistou aquele homem, na plataforma, dando boas vindas aos turistas. De acordeom nos braços, sorriso nos lábios, voz forte e suave.
Apesar de ter aparência de argentino, cantava músicas típicas da Itália. Canções alegres ou nostálgicas.
Alto. Magro. Pele clara. Ombros largos. Entre um sorriso e outro, sentia que seus olhares se cruzavam.
O grupo à sua volta deixara de existir. Apenas ele. Sem nome. Sem identidade definida.
Ao se despedir, deu-lhe um beijo no rosto e, num aperto de mão, o homem lhe passara um papel amassado.
Sem jeito, segurou aquele papel e entrou na Maria Fumaça para o término do trajeto.
No papel amassado havia o nome de um hotel que ficava em frente ao que ela estava, escrito apenas: nove e meia.
A frase voltou-lhe à mente com a força de uma martelada: ¨A vida começa aos sessenta.”
Sua cabeça era um turbilhão de pensamentos. Vou? Não Vou?
Sem comentar com as senhoras que dividiam seu quarto, saiu às nove e meia, passando pelo saguão do hotel, de cabeça baixa.
O letreiro luminoso da frente, indicava o local do encontro.
Coração acelerado. Boca seca.
Ansiedade? Taquicardia? Hipertensão?
Na terceira idade, todos esses sintomas indicariam um infarto. No seu caso, não. Apenas indicava o desejo de viver.
Lá estava ele. Em pé, na porta do hotel. Muito mais bonito agora, sem o acordeom que lhe ocultava o peito jovem ainda.
Vinho. Flores. Cama perfumada.
Aquela voz a lhe dizer coisas que não ouvia há três décadas.
As horas corriam. Precisava voltar ao hotel, antes que começassem a sua procura. Afinal, na terceira idade os cuidados são redobrados. Perigos de quedas, A.V.C, infarto ou, sei lá, perda de memória ...Perda de memória. Pronto. Esse seria seu diagnóstico, caso alguém perguntasse, afinal não seria mentira.
Na manhã seguinte todos dentro do ônibus para a volta à rotina, à realidade.
Apenas ela trazia algo mais em sua bagagem. Além das lembrancinhas para os filhos e netos, trazia a bagagem transbordando a felicidade de uma noite de amor.
Sim. A vida pode começar aos sessenta. Retornou para casa com essa certeza.
A vida começa quando você decide começar.

3 comentários:

Anônimo disse...

Muito bom texto, perfeitamente dentro dos parâmetros do concurso.

Parabéns a quem o produziu.

Alberto Vasconcelos

Anônimo disse...

Uma vida sem amor é uma vida vazia mesmo. Ainda bem que nunca é tarde para renascer. Gostei. Conceição Gomes.

Marina Alves disse...

E indo àquele encontro, permitiu-se viver uma experiência a ser lembrada para sempre. Ótimo conto. Parabéns ao autor.