sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Terceiro Concurso do Blog - Texto 44: Lunático

Eu o amei por todas as manhãs. Ele só ansiava a noite para poder flertar com a Lua.
Quando o conheci, sabia que havia algo diferente nele. Seus olhos azuis e a forma como adorava discutir astrofísica, psicologia e todos os outros assuntos que minha mente pouco conseguia acompanhar. Sua boca macia e a forma que ela me beijava, me colocando para dormir e me acordando também. Suas mãos precisas e talentosas, sempre escrevendo um texto novo, sempre criando uma invenção absurda. Sua loucura tão bela, mas tão distante da filosofia de qualquer humano.
Ele se dizia humanista, e talvez realmente fosse. Sua paixão pelo ser humano, no entanto, era superada apenas por seu desejo compulsivo de pisar na Lua. Na época, quando o convenci que o amava e o fiz pensar que me amava também, eu achava bobeira me preocupar com qualquer outro lugar que não fosse a Terra.
Tínhamos tanto à nossa disposição! Flores, árvores, frutos e energia! Nosso quintal era recheado de natureza, nossa casa era recheada de amor. Eu o amava como ele sempre amou a Lua, mas quando ele me amava também, eu simplesmente me sentia a mulher mais querida do mundo.
Pelas manhãs, fazíamos banquetes e gastávamos nossas energias com festas, danças e tudo aquilo que nos trazia prazer. Conforme o anil do céu era dominado pela escuridão da noite, porém, eu também era trocada pelos astros. Ele se sentava na varanda de casa, ao lado de uma luneta e um computador de colo, fazendo previsões distópicas e escrevendo os mais metafóricos dos poemas.
Por muito tempo, não suspeitei de nada. O apoiava e o incentivava a perseguir seus sonhos e continuar produzindo sua arte todas as noites. Fingia que não sabia, mas aos poucos ele deixou de dormir comigo, apenas para ficar estudando as brilhosas entidades celestes. Enquanto ainda haviam manhãs ensolaradas e repletas de vícios, eu estava contente. Enquanto eu soubesse que escutaria seu “Bom Dia”, eu dormiria feliz.
Aos poucos, fui percebendo que as árvores frutíferas de nosso jardim não eram tão cheias de vida assim. A grama, antes tão verde e brilhante, foi se tornando um caminho de terra. As cabanas vizinhas se tornaram casas, e as casas se tornaram prédios. O mais assustador foi perceber que todas aquelas mudanças repentinas condiziam exatamente com as profecias que meu amado fazia.
Diversas foram as vezes que senti medo. Seus braços, que não eram colossais, mas suficientemente grandes, me cobriam com a ilusão de que tudo ficaria bem. Suas palavras, por outro lado, sempre questionavam a qualidade de nossas vidas, a sanidade de nossas mentes e a veracidade de nossos sentimentos. Era uma tortura deliciosa e antitética, ele me abraçava apenas para dizer que o mundo poderia desabar a qualquer momento.
Eu me fiz de forte enquanto pude. Aproveitei enquanto pude. Vivi o máximo que pude, não percebendo que cometia os mesmos erros que o resto da humanidade. Eu drenava os bens preciosos da Terra, poluindo-a em prol de meus vícios. Eu drenava o amor precioso daquele que eu amava, poluindo-o com minha simplicidade.
Um dia ele se cansou de me alertar sobre os malefícios que causávamos ao nosso planeta. Decidiu que iria apenas falar da Lua e eu, em minha ingenuidade e cegueira forçada, não percebi que aquilo que era um aviso também. Fingia estar encantada com suas descobertas quando, na verdade, eu nada entendia. E ele sabia disso. Ele sempre soube.
Quando finalmente entendi que seus poemas trágicos eram para me alertar, e que os românticos tinham como musa o satélite terrestre, senti um calafrio desumano percorrer minha espinha. Passei todas as manhãs seguintes implorando para a Lua que o deixasse todo para mim, rezando para os deuses que nunca estiveram a favor de meu amor.
A cada vez que eu pedia, no entanto, ele parecia mais distante de mim e, ao mesmo tempo, mais próximo dele mesmo. Gastei mais e mais recursos, vi a terra empobrecer, vi os mares secando, causei maremotos e furacões com minhas imprudências, cavei meu túmulo esperando conquistá-lo com minha fragilidade.
Tentei causar ciúmes, tentei tirá-lo da cabeça, tentei tudo o que podia, me negando a aceitar que já o havia perdido. Quando ele se deitava sobre a mesma cama que eu, podia vê-lo observar sua verdadeira amada pela janela. Tão belo, banhado pelo brilho daquela que passei a odiar.
Numa ensolarada manhã, como de costume, recebi seu beijo de bom dia, e aquele seria o último. Quando me levantei da cama, ele estava arrumado, vestindo um traje espacial improvisado. Seu protótipo de nave estava do lado de fora da casa, em nosso quintal de concreto, esperando por seu comando para viajar para o espaço.
Primeiro implorei para que ficasse, sendo reprimida impiedosamente pelo silêncio. Depois tentei pedir para que me levasse junto, para que me amasse enquanto amava a Lua. Foi então que se voltou para mim, com o mais lindo dos sorrisos, e disse: Um dia eu posso voltar para te buscar.
Eu acreditei naquelas palavras, em lágrimas e me afogando em tristeza, quando nem ele mesmo acreditou que aquilo seria possível.
Hoje eu entendo. O mundo só era belo porque eu estava com ele. Sua presença foi minha cegueira o tempo todo e, agora, sua ausência se tornou um veneno para minha visão de realidade.
Mas tudo bem. Alguns homens nasceram para se tornarem astronautas e encontrar seus sonhos entre os astros. Eu? Eu nasci para amar o homem que me trocou pela mulher que mora na Lua.

2 comentários:

Anônimo disse...

rsrs Ah, mas que rival perigosa, a Lua. Dividir o amor com ela não é páreo pra qualquer um. Surreal, diferente. Parabéns ao autor.

Anônimo disse...

Ótimo texto.

Parabéns a quem o produziu.

Alberto Vasconcelos