Alberto Vasconcelos
Quando mudei para a Rua Conselheiro
Theodoro, no bairro do Zumbi, na época, afastado do centro do Recife, existiam
apenas cinco casas separadas por terrenos vazios, onde mais tarde seriam feitas
construções bem mais modernas.
A minha casa, como as demais, eram
construções antigas, talvez dos primeiros anos do século XX e uma delas estava
praticamente em ruínas, com o reboco destacado em várias partes. Duas das
janelas laterais, com a madeira carcomida pelas intempéries e pelos cupins, balançavam
ao sabor do vento presas pelas dobradiças enferrujadas num desafio constante à
lei da gravidade.
Minha casa era enorme, principalmente
porque, sendo solteiro e morando sozinho, só ocupava três dos muitos cômodos.
Raramente eu via os vizinhos. Também passava bem pouco tempo em casa porque, como vendedor viajante, chegava a passar mais de mês fora de casa.
Raramente eu via os vizinhos. Também passava bem pouco tempo em casa porque, como vendedor viajante, chegava a passar mais de mês fora de casa.
Certa vez, voltando de uma dessas
viagens, foi que aconteceu o caso que, ainda hoje, me dá arrepios quando
lembro.
Passava das dez da noite daquela
sexta-feira 23 de março. As chuvas pareciam estar com pena de se despedir do
verão.
Chovia a cântaros.
Chovia a cântaros.
Os trovões eram de ensurdecer e os
raios rasgavam as nuvens densas na noite escura. Todas as casas fechadas,
ninguém pelas ruas.
Apenas na casa em frente à minha,
aquela que antes esteve em ruínas, havia festa.
Pensei comigo: finalmente apareceu
alguém para cuidar da casa bonita, mas tão mal tratada.
Alguém tocava piano acompanhado por
flauta. Modinhas antigas e alegres. O som do piano contrastava com o ruído dos
trovões que não chegava a perturbar os participantes da festa. Gente alegre,
bonita e muito bem vestida.
Entrei em casa, troquei a roupa molhada
pela chuva e deitado, com a janela do quarto aberta, fiquei me deliciando com
aquela música maravilhosa.
De repente, gritos de desespero.
Vozes acaloradas.
Levantei-me a tempo de ver as pessoas
correndo pela rua e desaparecendo na bruma.
Fechei a janela e custei muito a
conciliar o sono, dando tratos à bola para imaginar o que teria acontecido.
Na manhã seguinte levantei-me com o
firme propósito de me inteirar do acontecido, porque a casa do outro lado da
rua, estranhamente, permanecia com o mesmo aspecto de abandono.
Na calçada, procurei me informar com a vizinha idosa que estava observando o cachorro que ela soltara para dar uma voltinha. Ela me disse:
Na calçada, procurei me informar com a vizinha idosa que estava observando o cachorro que ela soltara para dar uma voltinha. Ela me disse:
— Eu era menina quando aconteceu a tragédia dessa
casa. Aí morava uma família muito feliz e festeira. Pai, mãe e filha tocavam
instrumentos e num dia 23 de março, o noivo da moça, com uma crise de ciúmes,
matou o pianista amigo da família que ele julgava ser amante da sua noiva.
Quando se viu acuado, matou também a noiva e os pais dela, a golpes de machado.
Depois de preso foi encontrado morto,
pendurado pelo cinto, na grade da delegacia. Desde essa época que a casa ficou
abandonada e mal assombrada.
Todo ano, na noite do último dia do
verão, as almas penadas dos mortos revivem aqueles momentos de horror.
Autor: Alberto Vasconcelos - Santo André/SP
Um comentário:
Uau! Espetacular, Alberto! Adorei!
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