sábado, 29 de dezembro de 2018

Talvez um dia



Ana Bailune

Estela examinou novamente suas unhas; queria que estivessem absolutamente impecáveis. Também retocou a maquiagem, borrifou um pouco mais de perfume e passou uma escova de leve pelo vestido preto colante - o mesmo que Rogério lhe dera no seu primeiro aniversário juntos, e que ela estava guardando justamente para uma ocasião como aquela. Olhou o relógio: Ele estava meia hora atrasado.
Estela respirou profundamente, sentando-se no sofá e ligando a TV. Estava acostumada Àqueles atrasos, e até mesmo, a ausências sem quaisquer explicações. 
Tentando manter-se calma, procurou concentrar-se no filme, mas a história penetrava em seu cérebro como água em uma peneira, o enredo escorrendo sem esforço para o carpete bege. Ela lembrou-se da última conversa que tivera com Carla, há algumas horas - aliás, as duas tinham brigado. Carla era sua amiga desde os tempos de colégio, e não conseguia entender que apesar de serem amigas, quem mandava em sua vida ela era mesma. Havia certas áreas de sua vida que Estela não permitia que ninguém penetrasse. Lembrou-se mais uma vez das palavras duras da amiga; palavras que ela tentava esquecer, encobrir, mas que continuavam a vir à tona toda vez que ela se distraía. 
Pensou em ligar para sua mãe ou para sua irmã, mas estava nervosa demais para conversar. Sentia calafrios percorrendo a sua espinha.
Ela olhava em volta, pensando que em breve ele estaria ali, morando com ela; quem sabe, ele acharia melhor comprar um apartamento maior para eles? Estela estava cheia de esperanças. 
Porque naquela noite, ele havia prometido que a levaria a um lugar especial a fim de comemorarem seu segundo ano juntos. Tentou alegrar-se; afinal, ele lhe prometera que daquela vez conversaria com a esposa; explicaria a ela que já não a amava mais, e que deveriam separar-se. Estela varria para longe as memórias das outras vezes em que Rogério lhe fizera aquela mesma promessa, mas que não cumprira. Sempre havia um motivo para não fazê-lo: a morte da sogra, a doença da filha pequena, o aniversário da mãe, mudanças importantes no escritório que exigiam que ele passasse a imagem de alguém com uma vida sólida e regrada. E ela chorara todas as lágrimas a que tinha direito em cada uma daquelas ocasiões, mas daquela vez, ele jurara a ela que seria diferente. Pediu-lhe que ficasse bem bonita, pois quando viesse buscá-la, já estaria livre, e os dois poderiam sair para jantar fora como qualquer casal normal, sem medo de serem descobertos. 
Novamente, a voz de Carla ecoando em seus ouvidos. Estela deixou-a vir mais uma vez ao seu consciente:
-Será que você não vê que ele está enganando você? Ele não vai deixar a esposa! Para ele, é muito cômodo ficar com as duas, já que nenhuma dá um ultimato. Você já tem 35 anos, Estela! Logo sua juventude terá acabado. Você quer ser a outra para sempre? Ou quer passar seus últimos anos de juventude com um homem que não a merece, enquanto poderia estar tentando encontrar o cara certo?
-Não se meta na minha vida, Carla, já lhe pedi isso várias vezes! Somos amigas, mas se você continuar insistindo  nesse assunto, teremos que romper a amizade! Já disse que sou bem grandinha para fazer minhas próprias escolhas!
Carla havia pego sua bolsa sobre o sofá e saído do apartamento batendo a porta atrás de si, enquanto Estela secava o rímel borrado - estivera se maquiando para sair com Rogério - e tentava parar de chorar para poder reaplicá-lo. 
Agora, o atraso chegava a trinta e nove minutos. Estela tentou acalmar-se. Na TV, o filme continuava. Ela não fazia a menor ideia do que estava acontecendo naquela história. De repente, ela pensou que também não fazia ideia do que estava acontecendo na sua própria história. Só sabia que estava apaixonada por Rodrigo. Viam-se duas vezes por semana, às vezes, menos. Ela não podia mandar-lhe mensagens - ele cuidava de comunicar-se com ela quando necessário. Tinha cadastrado seu nome como sendo um tal Jean Carlos, gerente de outra filial de sua companhia. Jean Carlos realmente existia, caso a esposa desconfiasse e fosse checar, porém os dois nunca tinham se falado. Rogério pediu a Estela que, caso a esposa tentasse passar-lhe alguma mensagem por aplicativo, ela respondesse como se fosse Jean. E que jamais atendesse ligações. Mas a esposa de Rogério nunca tinha tentado se comunicar com ela, ou com Jean. 
Rogério era cuidadoso, e tinha certeza que a esposa não desconfiava de seu caso com Estela, mesmo após dois anos. Se ele pensava em deixar a esposa? Às vezes; mas, na maior parte do tempo, ele gostava do calor do lar, e da companhia da mulher e da filha, que lhe transmitiam segurança. No fundo, amava a mulher e sua vida. Amava a casa confortável e ampla onde viviam, e a ideia de sair dela não o agradava. Mas também estava apaixonado por Estela. Ela era para ele o sal da vida, o tempero, o que lhe dava forças para enfrentar um dia difícil no escritório. 
Estela era o seu segredo mágico, sua fonte de vitalidade e prazer. 
Duas horas mais tarde, Estela estremeceu ao ouvir o celular bipar. Mensagem de Rogério:
-"Oi, amor. Não vai dar. Estamos com visitas. Te vejo amanhã. Beijos."
Simples assim.
As lágrimas caíram uma a uma, molhando a saia do vestido.  

fim


Autora
Ana Bailune - Petrópolis/RJ


Um comentário:

Ana Bailune disse...

Olá, Carlos! Grande abraço!

Muito obrigada por publicar minha história.